Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
4594/05.6TVLSB.L1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: TÁVORA VICTOR
Descritores: PUBLICIDADE
PUBLICIDADE COMPARATIVA
CONCORRÊNCIA DESLEAL
CONSUMIDOR
DEFESA DO CONSUMIDOR
GÁS NATURAL
Data do Acordão: 09/28/2017
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: ANOT. POR ANA CLARA AZEVEDO DE AMORIM IN: "REVISTA DE DIREITO INTELECTUAL", Nº 1 (2018) - P. 285-293
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL / RESPONSABILIDADE POR FACTOS ILÍCITOS.
DIREITO DA PUBLICIDADE – REGIME GERAL DA PUBLICIDADE / PRINCÍPIOS DA PUBLICIDADE / PRINCÍPIO DA VERACIDADE / RESTRIÇÕES AO CONTEÚDO DA PUBLICIDADE / PUBLICIDADE COMPARATIVA.
DIREITO DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL – INFRACÇÕES / CONCORRÊNCIA DESLEAL.
Doutrina:
-Carlos Olavo, Propriedade Industrial, I, 2.ª Edição, p. 276 e ss.
-Luís Couto Gonçalves e Outros, Código da Propriedade Industrial Anotado, 2015, 2ª Edição, p. 505 e ss.;
-Oliveira Ascensão, Concorrência Desleal, Almedina, Coimbra, 2002, p. 286 a 189 e 453;
-Paulo Olavo Cunha, Lições de Direito Comercial, Almedina, Coimbra, 2010, p. 317.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 483.º.
CÓDIGO DA PUBLICIDADE: - ARTIGOS 6.º, 10.º E 16.º, N.º 2, ALÍNEAS A), B), C), D), E), F), G) E H).
CÓDIGO DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL (CPI): - ARTIGO 317.º.
Referências Internacionais:
DIRECTIVA 2005/29/CE DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO DE 15 DE MAIO: - ARTIGO 14.º, N.º 3.
DIRECTIVA 84/450/CEE.
Sumário :
I - Uma das formas que pode assumir a publicidade é a de publicidade comparativa (art. 16.º do Código da Publicidade).

II - Estão plasmadas nas als. a) a h) do n.º 2 do art. 16.º do Código da Publicidade as condições a observar quanto a este tipo de publicidade, implicando a sua inobservância a possibilidade de responsabilidade civil dos lesantes face aos prejudicados, bastas vezes por concorrência desleal (cfr. art. 317.º do CPI).

III - Por via da comparação subjacente a este tipo de publicidade poderá ressaltar a supremacia de um dos produtos comparados. Todavia, e tendo em consideração que para o esclarecimento dos potenciais clientes é lícito vincar os aspectos mais salientes do produto representado pelo produtor, trata-se de um efeito natural da publicidade.

IV - Não tendo sido lesados os princípios gerais a que aludem os arts. 6.º e 10.º do Código da Publicidade – ilicitude, identificabilidade, veracidade e respeito pelos direitos do consumidor – improcede a acção.

Decisão Texto Integral:     
1. RELATÓRIO.



Acordam na 7ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça.



     AA, S.A.”, intentou acção declarativa de condenação contra “BB - Associação de Distribuidores de Propano Canalizado” e CC, pedindo:

 a) que seja proferida decisão que iniba os Réus de procederem à distribuição de documentos (como os n°s 1 e 2 por si juntos, ou de conteúdo análogo) bem como de proferirem afirmações, junto da comunicação social ou dos consumidores, (com o teor do documento n° 3 e n° 10, outro similar ou essencialmente análogo);

 b) A prolação de decisão no sentido da inibição dos Réus de produzirem as seguintes afirmações:

   - “Não é verdade que o gás natural seja mais seguro que o gás propano”;

  - “Os gases natural e propano e butano têm características semelhantes, pelo que não se poderá concluir que qualquer um deles seja mais ou menos ecológico”;

   - “O gás natural não é mais barato do que o gás propano”;

   - “O gás natural é mais caro que o gás propano”;

   - “O propano é o único que pode chegar a todos os clientes, independentemente de onde habitem”;

  - “A Autora utiliza argumentos falsos, enganosos ou fraudulentos na sua actuação e na sua publicidade”;

 c) A condenação dos Réus no pagamento à Autora e ao Estado, a título de sanção pecuniária compulsória, da quantia de 50.000 Euros por cada vez que os Réus desrespeitem a condenação aludida em b), relativamente a cada uma das afirmações aludidas;

 d) A condenação dos Réus a pagar solidariamente à Autora a quantia de 150.000 Euros, a título de indemnização pelos danos causados pelos Réus ao bom nome, crédito comercial, imagem e clientela da Autora com os documentos n°s. 1 a 3 por si juntos.

e) Valores esses acrescidos de juros à taxa legal para os créditos de que são titulares comerciantes, a contar da citação e até integral pagamento.

   A Autora alegou, em suma e para o efeito, dedicar-se ao fornecimento e distribuição de gás canalizado, natural e propano e que os Réus iniciaram uma campanha contra o consumo de gás natural mediante o recurso a práticas reprováveis e que afectam a imagem da Autora e do produto por esta fornecido; que do exposto são exemplos os documentos referidos, por conterem afirmações não verdadeiras quanto as características e preço do gás natural e que afectam o bom nome e imagem da demandante, atentando contra os direitos dos consumidores e daquela, em violação de vários preceitos do Código da Publicidade, por se entender tratarem-se de mensagens publicitárias.

  Pugna ainda pela recondução dos actos descritos a concorrência desleal e, por tal, à fixação de uma indemnização pelo prejuízo ao seu nome.


   Contestando - por impugnação e por excepção - vieram os Réus arguir as excepções dilatórias de ineptidão da petição inicial e de ilegitimidade do segundo Réu, e ainda a de prescrição do direito da demandante, e que tem sido a demandante a tentar angariar os clientes dos distribuidores de propano, associados ou não da primeira Ré.

Mais alegaram que os documentos em causa nos autos apenas visaram prestar um esclarecimento aos consumidores relativamente a factos incorrectamente divulgados pela Autora.

No mais, impugnaram na generalidade, os factos alegados pela demandante, concluindo pela absolvição do pedido.


   A Autora pugnou, em sede de réplica, pela improcedência das excepções arguidas.


  Foi proferido despacho saneador que julgou improcedentes as excepções dilatórias (ineptidão da p. i. e ilegitimidade do segundo Réu) e indeferiu a suspensão da instância - por alegada existência de causa prejudicial - relegando para a sentença o conhecimento da excepção de prescrição do direito da Autora.


   A Autora requereu a realização de prova pericial, cujo relatório consta de fls. 745 a 748.


   Corridos os subsequentes termos processuais, foi proferida sentença a condenar a Ré BB no pedido referido em a) e b) e a pagar à Autora a quantia de 75.000 euros a título de indemnização pelos danos não patrimoniais, quantia acrescida de juros de mora vincendos, à taxa legal vigente desde o trânsito e até integral pagamento.

   Foi ainda condenada, por cada infracção referida nas alíneas b) e c), numa sanção pecuniária compulsória de 2000.00 euros.

O Réu CC foi absolvido do pedido.

Inconformada apelou a Ré BB, tendo a Relação de … julgado a acção improcedente e revogando o acórdão recorrido absolveu a Ré do pedido.


Recorre agora a Autora AA, S.A. terminando por pedir que seja revogado o acórdão da Relação e assim repristinado a sentença de 1ª instância.

Foram para tanto apresentadas as seguintes,


Conclusões.


  1) Em 24 de Fevereiro de 2014, foi proferida sentença do Tribunal de primeira instância a qual, e bem, salvo melhor opinião em contrário, decidiu julgar a acção parcialmente procedente, por provada e, consequentemente, condenou a ora Recorrida BB.

2) Contrariamente, por acórdão proferido em 12 de Maio de 2016, o douto Tribunal da Relação de … decidiu dar provimento ao recurso apresentado pela Recorrente, aqui Recorrida, e, em consequência, foi a Ré, ora Recorrida, absolvida do pedido.

 3) Ora, salvo o devido respeito, que é muito, não pode a ora Recorrente conformar-se com a decisão proferida pelo mui ilustre Tribunal da Relação, nomeadamente no entendimento de que a conduta da aqui Recorrida não consubstancia a prática de actos de concorrência desleal e práticas comerciais desleais por publicidade (enquanto acção) enganosa.

 4) Note-se que, porém, bem andou o Tribunal a quo, ao referir-se aos documentos juntos aos autos como sendo parte integrante de uma campanha publicitária, indo aqui ao encontro do já decidido pelo Tribunal de primeira instância a qual integrava a divulgação dos referidos documentos e ideias no conceito de publicidade ínsito no artigo 3.°, n.° 1, do Código da Publicidade].

 5) Porém, com o devido respeito, que é muito, mal andou o Tribunal a quo, ao não qualificar a actuação da ora Recorrida como actos de concorrência desleal.

 6) Em suma, o Tribunal da Relação entendeu que não praticou qualquer acto, seja publicitário ou concorrencial, que ofenda as normas legais em vigor e que no caso concreto as afirmações proferidas pela Recorrida não consubstanciavam altos censuráveis à luz dos normativos em apreço. Tal decisão foi fundamentada na falta de prova das vantagens e desvantagens de um gás em relação ao outro.

7) No entanto, note-se que a decisão do Tribunal de primeira instância, não viu a sua decisão sobre a matéria de facto ser objecto de alteração, a qual foi devidamente sustentada nos factos dados como provados, os quais, o Tribunal da Relação optou por não dar especial relevo.

 8) Atenta a factualidade dada como provada, e é vasta, não restam dúvidas à ora Recorrente que a conduta da Recorrida é censurável à luz do direito e, por esse motivo, sancionável. I. A sentença proferida pelo Tribunal de primeira instância faz uma correcta subsunção dos factos ao direito aplicável, não merecendo, assim, qualquer reparo.

 9) Entendeu, porém, o Tribunal da Relação que não resultou da matéria de facto provada que estejamos perante actos de publicidade comparativa ilícita, por enganosa e com o propósito de denegrir ou desacreditar o gás distribuído e comercializado pela Autora e que a mesma promoção fosse desonesta.

10) Porém o Tribunal a quo veio, e bem, afirmar que da leitura dos textos elaborados e veiculados pela recorrente pode concluir-se que têm uma vincada (senão única) componente publicitária, uma vez que se destinam a excelência do gás propano, perante o gás natural distribuído pela recorrida.

11) Neste ponto específico bem andou o Tribunal da Relação, ao referir-se aos documentos juntos aos autos como sendo parte integrante de uma campanha publicitária, indo aqui ao encontro do já decidido em primeira instância, que integrava a divulgação dos referidos documentos e ideias no conceito de publicidade ínsito no artigo 3.°, n.° 1, do Código da Publicidade.

12) Porém, com o devido respeito, que é muito, mal andou o Tribunal a quo, ao não qualificar a actuação da ora Recorrida como actos de concorrência desleal.

   Ao contrário, em primeira instância, a convicção do julgador foi formada em sentido inverso, baseando o seu juízo subjectivo de forma válida e por referência aos factos dados como provados.

 13) Nos termos dos artigos 6.° e 10.° do Código da Publicidade, a publicidade rege-se por princípios da i) licitude, ii) identificabilidade, iii) veracidade e iv) respeito pelos direitos do consumidor.

 14) Com efeito, dos factos provados nos presentes autos e que o Tribunal da Relação não alterou, consta efectivamente que a ora Recorrida prestou informações falsas e informações enganosas que pretendiam, única e exclusivamente, desacreditar o produto da ora Recorrente.

 15) Assim, e tendo presente a decisão do Tribunal de primeira instância, não se afigura compreensível a peremptoriedade do Tribunal a quo em considerar que as ora Recorridas não empreenderam em nenhuma campanha contra o consumo de gás natural, mas ao invés encetaram, apenas, campanhas de elucidação dos cidadãos, com vista a chamar a atenção dos consumidores para, alegadamente, potenciais perigos e desvantagens económicas deste produto o qual, choque-se, é concorrente do produto desenvolvido pelas ora Recorridas, o gás propano - informações que nem sequer eram verdadeiras e que apenas pretendiam induzir o consumidor em erro.

 16) De facto, ficou demonstrado e consta da matéria dada como provada, bem como da fundamentação aduzida pelo tribunal de primeira instância, que a ora Recorrida procedeu a uma divulgação/distribuição maciça da documentação junta aos autos, durante vários anos, tendo os documentos sido distribuídos pelos Consumidores pelo menos até 2012, os quais pretendem claramente denegrir a imagem e bom nome da aqui Recorrente e desacreditar o produto por esta comercializada junto do consumidor, que assim se vê compelido a não recorrer ao gás natural.

    Na verdade, não se atinge a ratio por detrás da decisão do Tribunal a quo, o qual não considera que a acção da aqui Recorrida se traduz numa prática de concorrência desleal nos termos definidos no artigo 317.°, n.° 1, alínea b), do Código da Propriedade Industrial, por ser contrário a normas e usos honestos comerciais de uma actividade económica.

 17) Para além de considerarmos tratar-se de actos de concorrência desleal, revestem ainda a pele de publicidade comparativa enganosa nos termos definidos no artigo 16.°, n.° 2, alínea a) e artigo 11.° ambos do Código da Publicidade, bem como o artigo 7.°, n.° 1, alínea b) do Decreto- Lei 57/2008, de 26 de Março.

 18) Considerou o Tribunal a quo, que não foi feita prova bastante de que a Recorrida tinha incorrido em práticas comerciais e concorrência desleais tal não é verdade.

 19) É falsa a afirmação da Recorrida que: “Não é verdade que o gás natural seja mais seguro que os gases butano e propano", conforme consta dos factos provados 12, 13 e 14, 15 e 16.

 20) Bem como é falsa a afirmação que: "Os gases natural e propano e butano têm características semelhantes, pelo que não se poderá concluir que qualquer um deles seja mais ou menos ecológicos", uma vez que tal facto resultou provado nos autos conforme factos provados n.° 17. 18 e 19, bem como a prova testemunhal e pericial carreada.

 21) É falsa também a afirmação que: "O gás natural não é mais barato que o gás propano" e que "O gás natural não é mais caro que o gás propano", o que ficou por demais demonstrado nos autos (prova testemunhal e documental), conforme factos provados n.° 20 e 33.

 22) Também é falso quando a Recorrida afirmou que: "O propano é o único que pode chegar a todos os clientes, independentemente de onde habitem", com base nos factos provados n.° 23, 24, 25, 28, 29, 30, 31 e 32.

 22) É falso ainda que, perdoem-nos a extensão (mas as falsidades são muitas): "A Autora utiliza argumentos falsos, enganosos ou fraudulentos na sua actuação e na sua publicidade", desde logo porque tal entendimento não logrou ser provado, tendo sido carreada para o processo prova bastante a sustentar o contrário, i.e. a afirmar a veracidade dos argumentos da ora Recorrente.

 23) Não sendo as afirmações proferidas pela Recorrida verdadeiras, e tão só falsas e contraditórias com a matéria dada como provada, a Recorrente tem o direito de exigir a sua não divulgação, quer seja dos documentos em causa, quer seja das afirmações lá constantes, ou de conteúdo semelhante.

24) Porém, entendeu incompreensivelmente o Tribunal da Relação que no caso concreto a conduta da Recorrida não viola as regras da publicidade e da concorrência desleal.

    Quanto ao regime da publicidade, entendeu o Tribunal a quo que os documentos em discussão têm uma componente publicitária, mais precisamente na vertente de publicidade comparativa.

 25) No caso concreto, em nosso entendimento, ficou provado qualquer uma das duas: ou seja, que é enganosa, por ser falsa e, na comparação, por não tratar de informar as vantagens do seu produto mas sim criar receios infundados no consumidor, desacreditando os serviços desenvolvidos pelo seu concorrente junto da comunidade.

 26) Conforme também referido na Sentença de fls., a qual tem a nossa total concordância, a actuação da Recorrida consubstancia, também, actos de concorrência desleal - ilícitos contra-ordenacionais - nos termos do artigo 331.° do Código da Propriedade Industrial - uma vez que para o efeito, basta que o ato concorrencial seja contrário às normas e usos honestos do ramo de actividade económica.

27) Compulsados os elementos do processo - Factos provados -, não podem restar dúvidas que a Recorrente, Recorrida e os Associados da primeira desta, são concorrentes entre si e que os documentos contentes de fls, e por distribuídos pelos consumidores, (Factos Provados 4, 5 e 6) - contêm afirmações falsas e, por esse motivo, integram a previsão legal de actos de publicidade não consentâneos com a verdade e, por isso, de concorrência desleal.

28) Documentos que foram produzidos e distribuídos com o único objectivo de promover o produto dos associados da primeira Recorrida e desacreditar o produto gás natural, fazendo-o por comparação ao produto comercializado pela Recorrida através de elementos/factos/afirmações falsas.

29) Além do mais, porque o ónus da prova pertence ao anunciante, caberia à Recorrida fazer a prova da veracidade das afirmações o que, na realidade, não fez!

 30) Para além do mais, resulta evidente dos factos provados, ao contrário do alegado no douto acórdão do Tribunal da Relação, que i) não só que o gás natural determina menos emissão de C02 para a atmosfera ii) como ainda que o gás propano depende da produção do petróleo e iii) que quer um quer outro tipo de gás poderão chegar a todos os pontos do país, consoante os operadores assim entendam levar a cabo tal extensão do fornecimento, de acordo com princípios de racionalidade económica naturais às empresas, cujo objectivo é o lucro (Factos Provados 17, 22 e 23).

 31) Atenta a falsidade das afirmações proferidas e divulgadas e da publicidade comparativa enganosa, pela Recorrida, o Recorrente tem direito à tutela jurídica, merecendo o acolhimento da lei quer quanto à proibição da divulgação (quer seja por si efectuada directamente quer seja através dos seus Associados) dos documentos quer quanto às afirmações neles ínsitas.

  32) Motivo pelo qual terá que ser revogada a decisão proferida pelo Acórdão do Tribunal da Relação de ….

  33) São pressupostos da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos (i) a existência de um facto ilícito por parte do agente, (ii) a existência de um dano e (iii) a existência de um nexo de causalidade entre o facto e o dano, os quais se encontram cabalmente verificados.

   Deste modo reiteramos a nossa concordância face à decisão de primeira instância, na qual foi compulsada uma indemnização a pagar à ora Recorrente no valor de 75.000,000.

 34) Assim, não merece qualquer censura por parte de V. Exas. a Sentença do Tribunal de primeira instância, a qual fez uma correctíssima aplicação do direito, devendo portanto o acórdão do Tribunal da Relação de … ser revogado e manter-se a decisão de direito proferida em primeira instância, corrigindo-se assim, em nossa opinião, a errada aplicação do direito efectuado no acórdão em crise.

    

     Não houve contra-alegações.

     Corridos os vistos legais, cumpre decidir.


*


    2. FUNDAMENTOS.


   Com interesse para a decisão da causa, mostram-se provados os seguintes,


  2.1. Factos.


  1. Constam da publicidade em causa as seguintes afirmações: "O gás natural é mais seguro porque acaba de vez com o maior factor de insegurança nos edifícios — a armazenagem de gás engarrafado. E porque é mais leve que o ar, o gás natural tem tendência a dissipar-se na eventualidade de uma fuga" e "é muito mais ecológico".

  2. Estão em causa afirmações que não correspondem à verdade e, como tal, susceptíveis de induzir os consumidores em erro, porquanto:

  3. Não é verdade que o gás natural seja mais seguro do que os gases butano e propano, com os quais se pretende estabelecer a comparação. Na verdade, o factor determinante para o risco associado ao consumo de gás (seja ele qual for) depende, única e exclusivamente, do cumprimento das regras de segurança associadas ao respectivo manuseamento.

 4. Em caso de fuga, o risco de inflamação existe tanto na presença de gás natural como de gás butano ou propano: a única diferença consiste nas zonas de acumulação dos referidos gases, isto é, enquanto uns têm atendendo às suas características físicas, tendência para se acumularem ao nível dos tectos, outros fazem-no ao nível do solo.

  5. Contrariamente ao que se pretende fazer crer junto da opinião pública, a actividade de distribuição de gás é extremamente segura. Os felizmente poucos acidentes registados, em Portugal como no estrangeiro, resultaram da quebra dos adequados procedimentos de segurança e ocorreram quer com gás natural quer com gás butano ou propano.

  6. E tanto é seguro distribuir gás propano que as próprias empresas concessionárias de distribuição de gás natural, entre as quais a …, têm vindo a fornecer este tipo de gás à esmagadora maioria dos seus clientes.

  7. A semelhança de características e de comportamento dos gases natural e propano/butano é sublinhada pelo facto de, actualmente, 60% da produção de gás propano/butano ter a sua proveniência nas próprias jazidas de gás natural, resultando da respectiva combustão os mesmos teores de resíduos e emissões para o ambiente, pelo que não se pode concluir que qualquer um dos referidos tipos de gás seja mais ou menos ecológico.

  8. Em Portugal mais de 3.500.000 de clientes dispõem — e continuarão a dispor - de gás propano ou butano nos seus lares e empresas, em garrafas ou canalizado, graças a uma actividade vital para a economia, mesmo que desprovida de quaisquer apoios ou subsídios e suportada por empresas totalmente privadas, responsáveis por mais de 60.000 postos de trabalho.

 9. As associações subscritoras do presente comunicado lamentam constatar que seja através do recurso a fundos comunitários que se promova a distorção da verdade e se procure influenciar negativamente os consumidores portugueses. Para a sua implementação no mercado, onde terá seguramente um papel complementar a desempenhar, o gás natural não carece de estratégias de difusão de receios infundados junto da opinião pública.

 10. E porque, em nosso entender, está em causa publicidade que resvala para a violação da verdade e que contém aspectos tendenciosos e não suportados objectivamente, vão estas associações promover as diligências necessárias e adequadas junto das autoridades competentes de modo a garantir aos consumidores o acesso a informação autêntica.” (Al. D) da Matéria Assente).

5 - A primeira Ré emitiu um folheto com o seguinte teor:

“Gás propano

Canalizado

Uma energia

Independente,

Acessível,

Ecológica

E segura.”

(Al. E) da Matéria Assente ).

6 - Do folheto referido em 5 - constava o seguinte:

“Sabia que:

    O gás propano canalizado existe no país há dezenas de anos, sempre em constante desenvolvimento e conta, de Norte a Sul, com quase um milhão de consumidores?

    No resto da Europa, apesar de haver gás natural há cerca de 30 anos, a evolução do propano canalizado mantém-se progressiva e constante?

Porquê ? Consumo mensal médio

Pelo simples motivo que 1000 lts 1000 lts

1 m3 de propano equivale Gás natural Gás propano

a 2,6 m3 de gás natural. (metano) (GPL

Porque o seu duche que gasta apenas 0,32 m3 de 021 m3 008 m3

propano equivale a 0.83 m3 20 mbar 37mbar de gás natural (consome e tem de pagar 2,6 vezes mais se usar o gás natural).

     Quais as vantagens do consumo do propano?

     •    Custo competitivo.

     •    Independência e segurança (sempre disponível, sem depender de gasodutos) e compatível com os aparelhos de queima com gás em garrafa ).

     •    O propano não é tóxico e proporciona uma combustão limpa, não poluindo a atmosfera.

     •    Garantia do fornecimento do gás no presente e futuro.

     •    Todo o excelente e eficiente apoio técnico que as distribuidoras oferecem aos seus clientes.

    E o único que pode chegar a todos os portugueses independentemente onde habitem.” (Al. F) da Matéria Assente ).

  7 - O gás propano tem maior poder calorífero que o gás natural ( Al. G) da Matéria Assente ).

  8 - No Jornal “DD”, edição de 31 de Outubro de 2001, foi publicado o seguinte texto:

   “Associação de Distribuidores de Propano Canalizado fala em campanhas de sedução de clientes.

Alerta aos consumidores de gás

      A chegada do gás natural à …, à semelhança de outros pontos do país, levanta, por parte da Associação de Distribuidores de Propano Canalizado (BB), algumas críticas à forma como tem sido feita a introdução do produto. A Associação mostra-se preocupada com o “monopólio do gás natural” e quer, assim, chamar a atenção do consumidor para as outras formas de energia existentes. Numa reunião realizada no sábado, na …. CC, presidente da BB. mostrou alguns erros cometidos em cidades onde o gás natural já chegou há alguns anos e alertou, ainda, os consumidores para que não se deixem levar por alguma informação enganosa. E CC dá o exemplo de …, “onde o gás natural é vítima da falta de serviço da concessionária local e onde as queixas se multiplicam”.

    Sem a intenção de lançar uma nuvem de fumo nem de denegrir o produto, o presidente diz apenas que quer alertar os consumidores para que não se deixem enganar com as promessas que surgem com a chegada do tubo do gás natural. Por outro lado, o mesmo responsável considera que são muitas as pessoas que não distinguem o gás natural do propano, apenas querem gás nas suas casas sem terem que acarretar com as garrafas às costas”.

    E para provar que o propano tem futuro, CC dá provas de que, mesmo com a presença há já alguns anos do gás natural em Portugal, os distribuidores daquela energia proliferam. Além disso, o mesmo responsável serve-se de …, onde o gás natural existe há 30 anos, para dar conta que a utilização das duas fontes de energia é repartida a meio, surgindo agora o propano canalizado como “a grande novidade no mercado francês”, capaz de chegar onde o outro não chega. E é disso mesmo que a BB se serve para garantir que o propano é a energia do futuro. Salienta, precisamente, que o “gás natural não vai chegar a todos os pontos dos distritos do interior” até porque “não será economicamente viável”. Segundo CC, nos distritos cobertos pela EE serão muitos os espaços a que não chegarão os tubos do gás natural e que, por isso, serão preenchidos pelo propano. “Se se ousasse pôr a hipótese de os distribuidores de propano fecharem as suas portas o país levantava-se ", sublinhou CC, reforçando a necessidade de contrariar um monopólio, que tende a abusar do seu poder económico. Por isso, a luta dos distribuidores de propano segue pela necessidade de mostrarem que é ao consumidor que cabe a escolha, em vez do produto lhes ser imposto.

    Contra uma informação enganosa, a Associação de Distribuidores de Propano acusa alguns responsáveis pelo gás natural de promoverem campanhas de sedução de clientes através de um determinado tipo de ofertas e de cativação, nomeadamente a pessoas que não dispõem de uma bagagem técnica que lhes permita julgar a informação que lhes é fornecida. “As pessoas não têm a informação suficiente para decidirem em consciência”, sublinha CC, lamentando que, por vezes, surja um discurso que leve os consumidores a pensar que o gás natural vai ser obrigatório para toda a gente.

Ao que parece, as ruas esventradas fazem parecer que é uma obrigação, mas a verdade é que isso não corresponde à verdade.

(Al. H) da Matéria Assente ).


  9 - O gás propano tem um maior poder calorífero do que o gás natural, sendo necessário queimar mais metros cúbicos de gás natural para obter a mesma intensidade de calor (Al. I) da Matéria Assente).

   10 - No consumo de gás há regras de segurança de cujo cumprimento ou não cumprimento depende a existência de um menor ou maior risco de acidentes (Resp. ao Qt° 1º)).

 11 - E em caso de fuga de gás o risco de inflamação existe na presença dos vários tipos de gás (Resp. ao Qt° 2º)).

 12 - No caso do gás natural e do propano, em caso de fuga, o gás acumula-se, respectivamente, essencialmente junto aos tectos e junto ao solo, situando-se o intervalo de explosividade desses tipos de gás, quanto ao gás natural (essencialmente metano), entre os 5% e os 15% enquanto no gás propano se situa entre os 2,1% e os 10,1%, sendo, por isso, menor a quantidade necessária de acumulação de gás propano para haver risco de explosão do que o que se verifica no gás natural, sendo que a partir do limite máximo do intervalo de explosividade — de 15% e de 10,1%, respectivamente para o gás natural e para o propano - não há risco de explosão, por se ter atingido a saturação.

   O intervalo de explosividade cifra-se na percentagem de gás necessariamente acumulado para existir risco de explosão, risco esse de explosão - teórico - que se verifica a partir do momento em que se verifique a acumulação daqueles valores mínimos supra indicados, em termos percentuais, dependendo o efectivo risco de explosão da existência de uma fonte de ignição, sendo que qualquer um desses dois gases tem uma temperatura de auto-ignição (a temperatura mínima necessária para que um gás entre em combustão auto-sustentada, na ausência de uma fonte de ignição), cifrando-se a do propano em 470° C e a do gás natural em 540° C (Resp. aos Qt°s. 3º) a 5º)).

13 - O gás natural é menos denso que o ar ( Resp. ao Qt° 6º)).

 14 - E por isso mais facilmente evacuável (Resp. ao Qt° 7º)).

 15 - O gás natural é fornecido, a contar do contador, a 22 mbares e o gás propano é fornecido a 37 mbares (Resp. ao Qt° 8º)).

  16 - E, por isso, em caso de fuga existe uma menor e mais lenta saída de gás ( Resp. ao Qt° 9º)).

 17- A molécula do gás natural (constituída, em regra, por cerca de 90% de metano) tem uma proporção de 3 átomos de carbono para 8 de hidrogénio, provocando a utilização do gás propano uma emissão de mais dióxido de carbono (C02) para a atmosfera, na proporção dê% a mais do que a decorrente da utilização do gás natural, com o consequente efeito de a utilização do propano contribuir mais para o efeito de estufa do que a utilização do gás natural, sendo aquela percentagem referida a uma mesma quantidade de energia, produzida por ambos os gases (Resp. aos Qt°s 10°) a 12°) e 40°)).

 18 - A queima do gás propano e do gás natural pode ser limpa, no sentido de completa, conduzindo apenas à formação de água e dióxido de carbono, sendo que, quando a queima não é limpa, se produz monóxido de carbono, tóxico e a queima de ambos os gases pode levar à produção de poluentes, como o óxido de enxofre e de azoto, se os gases tiverem, na sua composição, enxofre e azoto, ainda que em percentagens pequenas (Resp. ao Qt° 13°)).

 19 - O gás natural consumido é queimado após purificação, que se traduz na retirada de alguns componentes no mesmo existentes - hidrocarbonetos -, não ocorrendo, em consequência de tal operação de purificação, transformações químicas (Resp. ao Qt° 14°)).

 20 - O preço do m3 do gás natural é mais baixo do que o m3 do gás propano, sendo aquele de cerca de 0,90 Euros enquanto o m3 do gás propano varia, consoante o comercializador, entre um valor não concretamente apurado mas superior a 3 e a 4 Euros, esclarecendo-se que a facturação em Kw do gás natural foi imposta pela entidade reguladora, sem prejuízo da possibilidade de conversão dessa medida para m3 ( Resp. aos Qt°s. 15°) e 17°)).

 21 - O gás natural tem um poder calorífero inferior ao do gás propano em cerca de 2,5 ou 2,6 vezes, implicando, por isso, um consumo de gás natural superior ao do gás propano na mesma ordem de grandeza ( Resp. ao Qt° 16°)).

  22 - O consumo de gás propano está dependente da produção de petróleo por ser, em regra, derivado da refinação dessa matéria-prima ou do crude e em caso de ocorrer falta do mesmo produto, poderá haver falta de gás propano, sendo que o fornecimento e abastecimento de gás propano não é feito por gasodutos, sendo-o o fornecimento do gás natural (Resp. ao Qt° 18°)).

 23 - A distribuição de gás propano a todos os pontos do país pode ocorrer através de entrega de garrafas ou mediante a colocação de depósitos do mesmo gás, que pode ser mais ou menos vantajosa economicamente para os fornecedores e, consequentemente, não ocorrer tal instalação e ou colocação, dependendo da opção económica do fornecedor.

     A distribuição de gás natural a todos os pontos do país também pode ocorrer mediante a colocação de U.A.G.S, “depósitos” de gás natural, colocação essa que pode ou não ocorrer consoante a opção do fornecedor, devido à ponderação dos benefícios custo/vantagem da mesma (Resp. ao Qt° 19°)).

 24 - O transporte de gás natural também é efectuado através de navios que abastecem as instalações de armazenagem do mesmo (Resp. ao Qt° 20°)).

 25 - O gás natural chega ao país por gasodutos e por mar, através de barcos e na tubagem de fornecimento de gás natural que atravessa o país pode ocorrer uma fuga de gás e, nessa eventualidade, a ocorrer a mesma, o efeito verificado, em caso de existência de uma fonte de ignição, será idêntico ao de um maçarico e, na ausência de uma fonte de ignição, o gás é então libertado para a atmosfera, misturando-se com o ar, sendo que a acumulação de gás propano, em depósitos, junto a zonas habitacionais e, mais concretamente, aos prédios e ou a existência de conjuntos de garrafas de gás propano junto a prédios pode, em caso de existência de fuga de gás e de uma fonte de ignição, produzir um efeito tipo “bomba”.

    O transporte de gás natural por camiões é feito em estado líquido e a temperaturas muito baixas e a demora no transporte ocasiona o aquecimento do gás, que terá de ser libertado para a atmosfera, nessa situação ( Resp. aos Qt°s 21°) e 22°)).

  26 - Na altura da conversão do gás de cidade (em …) para o gás natural houve queixas, em número não apurado, mas de cerca de 3% de consumidores da Autora, queixas essas relativas ao serviço então prestado pela Autora e relacionadas, designadamente, com o facto de um número não apurado de consumidores terem ficado algum tempo sem fornecimento de gás, para consumo, devido a situações de fugas de gás e ou outras desconformidades, por outros terem ficado insatisfeitos por os aparelhos, inicialmente ditos como passíveis de adaptação ao gás natural, não terem sido considerados como tal no momento da efectiva conversão, tendo sido necessária a sua troca e ou por terem sido confrontados com a necessidade de retirar os esquentadores colocados nas casas de banho, com a necessidade consequente de obras e ainda devido a erros de facturação e ou aumentos de consumo (Resp. aos Qt°s 23°) e 24°)).

 27 - Na área de Lisboa o mercado do gás natural está em grande crescimento ( Resp. ao Qt° 25°)).

  28 - Até 2005 os documentos aludidos em 4 - a 6 - foram entregues aos consumidores da área da grande Lisboa pelos comerciais da FF, empresa comercializadora de gás propano de que o segundo Réu é administrador, além de Presidente da primeira Ré e, em 2012, pelo menos, o documento aludido em 5 - e 6 - voltou a ser referido como distribuído em Rio de Mouro ou Tapada das Marçês (Resp. ao Qt° 29°)).

  29 - E a Autora tomou conhecimento de tal comunicado e folheto junto de potenciais clientes da mesma, ainda na fase de negociação, ocorrendo tal conhecimento na fase em que a Autora estava a entregar aos potenciais clientes uma proposta sobre as condições de fornecimento e abastecimento do gás natural e sobre as vantagens do produto por si fornecido (Resp. ao Qt°30°)).

  30 - E o comunicado, o folheto e a entrevista do segundo Réu aludidos chegaram ao conhecimento de inúmeras pessoas (Resp. ao Qt° 31°)).

  31 - A generalidade das pessoas às quais foi dado conhecimento e ou entregues os documentos em causa nos autos são consumidores de gás e, consequentemente, podiam as mesmas vir a ser potenciais futuros clientes da Autora (Resp. aos Qt°s 32°) a 33°)).

  32 - Das pessoas contactadas pela Autora para a promoção do gás natural algumas, em número não concretamente apurado, referiram logo a existência dos documentos aludidos em 4- a6 -e7- e as suas dúvidas relativamente ao gás natural, referindo ter receio de vir a pagar cerca do triplo do preço pelo consumo desse gás e outras, em número também não apurado, chegaram a ter intervenções agendadas para conversão para gás natural e desistiram, ulteriormente, de fazer tal conversão ou mudança de fornecedor (Resp. ao Qt° 35°)).

 33 - Os Réus tinham conhecimento do teor dos documentos aludidos em 4 - a 6 - e 7 - e de que, nos mesmos, era expressamente referido, além do mais, que o consumo de gás natural implicava um consumo desse produtos 2.6 vezes superior ao do gás propano e, por isso, 2,6 vezes mais caro do que o consumo do gás propano, sabendo os Réus que o m3 do gás natural era mais barato do que o m3 do propano (Resp. ao Qt° 36°)).

 34 - A Autora, na sequência da introdução, em Portugal, do gás natural, passou a tentar angariar clientes para o seu produto, fazendo-o quer junto de clientes já abastecidos com outro tipo de gás ou não, quer o mesmo, na primeira hipótese, fosse canalizado ou não (Resp. ao Qt° 37°)).

 35 - O preço do gás propano e do gás natural é formado de acordo com a pressão a que os mesmos são fornecidos (Resp. ao Qt° 42°)).

 36 - Se os aparelhos estiverem mal calibrados haverá maior consumo de gás, quer natural quer propano (Resp. ao Qt° 43°)).

 37 - Num processo de conversão de um tipo de gás para outro é necessário proceder à calibração dos aparelhos e se a mesma for mal feita, os aparelhos ficarão a consumir mais gás (Resp. ao Qt° 44°)).

  38 - Após a conversão do gás de cidade para o gás natural, em Lisboa, houve erros de facturação do fornecimento de gás natural (Resp. ao Qt° 45°)).

  39 - Nos jornais nacionais saíram notícias no sentido da ocorrência de grandes aumentos de consumo de gás, na sequência da conversão do gás de cidade para o gás natural (Resp. aos Qt°s 46°) e 47°)).

   40 - A operação de conversão de gás de cidade para gás natural, em Lisboa, foi complexa, levando à necessidade de correcções de instalações de canalização, reparação de fissuras, substituição de aparelhos e adaptação de outros, retirada de esquentadores das casas de banho e inspecções subsequentes a tais trabalhos (Resp. ao Qt° 48°).


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     2.2. O Direito.


    Nos termos do preceituado nos arts.º 608.º nº 2, 635.º nº 3 e 690.º nº 1 do Código de Processo Civil, e sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal. Nesta conformidade e considerando também a natureza jurídica da matéria versada, cumpre focar os seguintes pontos:

  - As questões em aberto na presente revista.

  - Da pretensa violação da lei da publicidade e concorrência desleal face aos pontos seguintes:

  - A segurança do gás natural face aos gases butano e propano.

  - A semelhança entre os o gás natural e o gás propano e butano não podendo dizer-se qual dos dois é mais ecológico.

 - Os preços comparados dos gases em análise.

  - O acesso ao gás natural face aos seus concorrentes nos presentes autos.

  - A sorte da acção.



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    2.1.1. As questões em aberto na presente revista.


   Na presente acção é versado um problema alegadamente de publicidade enganosa, bem como a concorrência desleal que aqui a acompanha. Tal emerge de considerações emitidas nomeadamente pela Ré BB sobre o gás propano e butano em artigos escritos, assumindo-se como resposta a posições da Autora.

   Para além de pretender obter, como vimos, a proibição de distribuição de documentos que considera lesivos da imagem dos seus produtos, enumera a Autora na PI um conjunto de afirmações que pretende em concreto impedir a Ré de proferir, sendo elas a pedra de toque da acção, nomeadamente no tocante à sua vertente indemnizatória.

    Sabemos que por Acórdão de 12 de Maio de 2016 o Tribunal da Relação de … absolveu a Ré BB do pedido de condenação proferida a 24 de Fevereiro de 2014 em 1ª instância, que havia condenado esta última a pagar à AA - no pedido referido em a) e b) e a pagar à Autora a quantia de 75.000 euros a título de indemnização por danos não patrimoniais, quantia acrescida de juros de mora vincendos, à taxa legal vigente desde o trânsito e até integral pagamento; absolvida foi a Ré também da condenação por cada infracção referida nas alíneas b) e c), numa sanção pecuniária compulsória de 2.000.00 euros proveniente da condenação proferida na sentença de 1ª instância.

   É de tal decisão que emerge a presente revista pedida pela Autora, que versa sobre a Problemática da Publicidade e bem assim do seu consectário da concorrência desleal que bastas vezes lhe anda associado.

A este respeito estatui o artigo 3º do Código da Publicidade, aprovado pelo DL 303/83 de 23 de Outubro que “1 – Considera-se publicidade, para efeitos do presente diploma, qualquer forma de comunicação feita por entidades de natureza pública ou privada, no âmbito de uma actividade comercial, industrial, artesanal ou liberal, com o objectivo directo ou indirecto de:

  a) Promover, com vista à sua comercialização ou alienação, quaisquer bens ou serviços;

   b) Promover ideias, princípios, iniciativas ou instituições.

    

     2 – (…)

     3 – (…).

  

   Uma das formas que hoje pode assumir a publicidade, com especial relevo no caso em análise, é de publicidade comparativa. A ela se reporta desde logo o artigo 16º do Código da Publicidade onde se lê que “1 – É comparativa a publicidade que identifica, explícita ou implicitamente, um concorrente ou os bens ou serviços oferecidos por um concorrente.

(Redacção dada pelo Decreto-Lei nº 275/98, de 9 de Setembro)

 2 – A publicidade comparativa, independentemente do suporte utilizado para a sua difusão, só é consentida, no que respeita à comparação, desde que respeite as seguintes condições:

 (Redacção dada pelo Decreto-Lei nº 275/98, de 9 de Setembro).

 a) Não seja enganosa, nos termos do artigo 11º;

(Redacção dada pelo Decreto-Lei nº 275/98, de 9 de Setembro)

  b) Compare bens ou serviços que respondam às mesmas necessidades ou que tenham os mesmos objectivos.

 (Redacção dada pelo Decreto-Lei nº 275/98, de 9 de Setembro)

  c) Compare objectivamente uma ou mais características essenciais, pertinentes, comprováveis e representativas desses bens ou serviços, entre as quais se pode incluir o preço;

(Redacção dada pelo Decreto-Lei nº 275/98, de 9 de Setembro)

 d) Não gere confusão no mercado entre os profissionais, entre o anunciante e um concorrente ou entre marcas, designações comerciais, outros sinais distintivos, bens ou serviços do anunciante e os de um concorrente;

  (Redacção dada pelo Decreto-Lei nº 57/2008, de 26 de Março, com entrada em vigor no 1º dia útil do mês seguinte ao da sua publicação.

  e) Não desacredite ou deprecie marcas, designações comerciais, outros sinais distintivos, bens, serviços, actividades ou situação de um concorrente;

(Redacção dada pelo Decreto-Lei nº 275/98, de 9 de Setembro)

 f) Se refira, em todos os casos de produtos com denominação de origem, a produtos com a mesma denominação;

(Redacção dada pelo Decreto-Lei nº 275/98, de 9 de Setembro)

 g) Não retire partido indevido do renome de uma marca, designação comercial ou outro sinal distintivo de um concorrente ou da denominação de origem de produtos concorrentes;

(Redacção dada pelo Decreto-Lei nº 275/98, de 9 de Setembro)

 h) Não apresente um bem ou serviço como sendo imitação ou reprodução de um bem ou serviço, cuja marca ou designação comercial seja protegida.

(Redacção dada pelo Decreto-Lei nº 275/98, de 9 de Setembro)


  3 – Sempre que a comparação faça referência a uma oferta especial deverá, de forma clara e inequívoca, conter a indicação do seu termo ou, se for o caso, que essa oferta especial depende da disponibilidade dos produtos ou serviços.

(Redacção dada pelo Decreto-Lei nº 275/98, de 9 de Setembro)

 4 – Quando a oferta especial a que se refere o número anterior ainda não se tenha iniciado deverá indicar-se também a data de início do período durante o qual é aplicável o preço especial ou qualquer outra condição específica.

(Redacção dada pelo Decreto-Lei nº 275/98, de 9 de Setembro)

 5 – O ónus da prova da veracidade da publicidade comparativa recai sobre o anunciante.

(Redacção dada pelo Decreto-Lei nº 275/98, de 9 de Setembro)


  Estão ali plasmados nas alíneas a) a h) do nº 2 as condições a observar quanto a este tipo de publicidade, implicando a sua inobservância a possibilidade de anulação e responsabilidade civil dos lesantes face aos prejudicados, bastas vezes por concorrência desleal. A esta se reporta prioritariamente o Código da Propriedade industrial podendo ler-se no artigo 317º: “1 – Constitui concorrência desleal todo o acto de concorrência contrário às normas e usos honestos de qualquer ramo de actividade económica, nomeadamente:

a) Os actos susceptíveis de criar confusão com a empresa, o estabelecimento, os produtos ou os serviços dos concorrentes, qualquer que seja o meio empregue;

  b) As falsas afirmações feitas no exercício de uma actividade económica, com o fim de desacreditar os concorrentes;

  c) As invocações ou referências não autorizadas feitas com o fim de beneficiar do crédito ou da reputação de um nome, estabelecimento ou marca alheios;

 d) As falsas indicações de crédito ou reputação próprios, respeitantes ao capital ou situação financeira da empresa ou estabelecimento, à natureza ou âmbito das suas actividades e negócios e à qualidade ou quantidade da clientela;

 e) As falsas descrições ou indicações sobre a natureza, qualidade ou utilidade dos produtos ou serviços, bem como as falsas indicações de proveniência, de localidade, região ou território, de fábrica, oficina, propriedade ou estabelecimento, seja qual for o modo adoptado;

 f) A supressão, ocultação ou alteração, por parte do vendedor ou de qualquer intermediário, da denominação de origem ou indicação geográfica dos produtos ou da marca registada do produtor ou fabricante em produtos destinados à venda e que não tenham sofrido modificação no seu acondicionamento.


   2 – São aplicáveis, com as necessárias adaptações, as medidas previstas no artigo 338º-I.


 (A redacção do nº 2 foi dada pela Lei nº 16/2008, de 1 de Abril).

    

Em sede de publicidade há a salientar a Directiva 2005/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 15 de Maio relativa às práticas comerciais desleais das empresas face aos consumidores no mercado interno e que alterou a Directiva 84/450/CEE do conselho dando nova redacção ao artigo É-A da Directiva sobre publicidade enganosa e comparativa (artigo 14º nº 3).

 

  Cabe agora analisar os óbices que a Autora levanta ao acórdão absolutório da Relação, tentando indagar em que medida é que os factos alegadamente praticados pela Ré poderão ultrapassar os limites legais concernentes à problemática que analisamos.

  Pretende a Ré obter a revogação do acórdão absolutório e consequentemente a reposição do decidido em 1ª instância. Tal passa à partida pela análise das afirmações proferidas na imprensa pela Ré no seu teor literal e, bem assim, quanto à ilicitude e culpa com que foram expendidas de molde a poder subsumi-las nos princípios e normas basilares da publicidade comparativa e concorrência desleal em ordem a aquilatar da bondade do decidido.


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  2.2.2. Da pretensa violação da lei da publicidade e concorrência desleal face aos pontos seguintes aflorados pela Ré:

        

  2.2.2.1. A segurança do gás natural face aos gases butano e propano.


  À segurança do produto se reportam os pontos 12º, 13º e 14º dos factos provados.

   Quanto a esta matéria diremos que as aludidas respostas em análise são de índole essencialmente técnica. E se é certo que a Ré ADPC procura promover os seus produtos não é menos verdade que não se verifica, à luz de qualquer dos preceitos citados, qualquer afirmação que extravase as condições positivas ou negativas previstas nos preceitos supracitados.

   A Ré limitou-se a salientar os aspectos que certamente mais lhe interessavam nos seus produtos, considerando o fim a que se destinam; mas não se verifica que em face da alínea b) do artigo 317º do Código da Propriedade Industrial a Ré tenha emitido falsas afirmações com o fito de desprestigiar o gás natural comercializado pela Autora[1].

  Tão pouco se mostra infringido o artigo 10º do Código da Publicidade aprovado pelo DL 330/90 de 23 de Outubro

  1 – A publicidade deve respeitar a verdade, não deformando os factos.

  2 – As afirmações relativas à origem, natureza, composição, propriedades e condições de aquisição dos bens ou serviços publicitados devem ser exactas e passíveis de prova, a todo o momento, perante as instâncias competentes.

    

  Improcedem neste particular as considerações da Recorrente contendo-se a publicidade comparativa dentro dos limites admissíveis por lei. É bem certo que por via da comparação subjacente a este tipo de publicidade poderá ressaltar a supremacia de um dos produtos comparados. Todavia e tendo em consideração que para o esclarecimento dos potenciais clientes é lícito vincar os aspectos mais salientes do produto representado pelo produtor, trata-se, como já decorre do exposto, de um efeito natural da publicidade. O importante é, contudo, que para esse escopo não sejam trilhados caminhos que colidam com as pertinentes normas legais. Um desses toca a veracidade dos factos comunicados que respeitada que seja, a divulgação do respectivo elenco não é na esmagadora maioria dos casos passível de sanção de natureza penal ou civil. Como afirma Oliveira Ascensão “(…) Se todos os elementos empresariais ficassem reservados assistiríamos a uma como que universalização dos direitos privativos. Tudo deixava de estar ao alcance de terceiros criando-se assim situações de exclusão que, por perpétuas se tornaria ainda mais fortes que muitos direitos privativos”[2].


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  2.2.2.2. A semelhança entre o gás natural e o gás propano e butano não podendo dizer-se qual dos dois é mais ecológico.

    


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    A esta matéria se reportam os factos provados sob os pontos 17, 18 e 19. Todavia também aqui as considerações técnicas à volta desta questão se limitam a mencionar características dos produtos em análise não se evidenciando qualquer facto da parte da Ré susceptível de diminuir intencionalmente as características do gás natural, não sendo por isso passível de censura jurídica, nomeadamente à luz do estatuído na alínea b) do nº 1 do artigo 317º e muito menos se poderá atacar a idoneidade do sustentado pela Ré; é que, com efeito como se refere em comentário ao normativo em análise a fls. 505, não basta que a publicidade comparativa possa prejudicar a Autora, sendo além disso necessário que a Ré tivesse recorrido “a afirmações enganosas na comparação dos produtos ou serviços prestados”. Ora isto não se verifica in casu, pelo que não poderá sustentar-se estarmos perante afirmações publicitárias ilícitas. Ressalta de uma análise atenta do que foi dito, que os produtos têm maior ou menor aptidão à escolha do consumidor de harmonia com os condicionalismos e pretensões de quem os adquire. Mas não se verifica uma atitude de rejeição ou menosprezo do gás natural face ao produto da Ré.

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   2.2.2.3. Os preços comparados dos gases em análise.


   Não se vê de igual forma que exista qualquer outro intuito de prejudicar a Autora quando é referido e sustentado que o m3 do gás natural é mais caro do que o gás propano, mau grado a Autora sustente que tal foi feito no intuito de enganar e influenciar o comportamento dos consumidores portugueses a respeito dos preços o que sucede é – e os factos 20 e 21 atestam-no – “Os preços do m3 do gás natural é mais baixo do que o m3 do gás propano, sendo aquele de cerca de 0,90 € enquanto que o m3 do gás propano varia consoante o comercializador entre um valor não concretamente apurado mas superior a 3 e 4 €, esclarecendo-se que a facturação em Kw do gás natural foi imposta pela entidade reguladora, sempre juízo da possibilidade de conversão dessa medida para m3. Só que – ponto 21 dos factos provados - o gás natural tem um poder calorífero ao do gás propano em cerca de 2,5 ou 2,6 vezes implicando por isso um consumo de gás natural ao gás propano na mesmo ordem de grandeza. Assim sendo, em matéria de custos, haverá que ponderar esta realidade o que naturalmente se reflecte no conceito de preços comparados dos produtos. Não se faz pois a prova de que houvesse publicidade enganosa da parte da Ré.


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  2.2.2.4. O acesso ao gás natural face aos seus concorrentes.


   Insurge-se também a recorrente quanto ao sustentado pela Ré BB no tocante à tese de mais fácil acesso dos consumidores ao gás butano, independentemente onde habitam; isto com o fundamento nos factos provados 23, 24, 25, 28, 29, 30, 31 e 32. Mas o que ressalta ao fim e ao cabo da prova produzida a este respeito é a menção das características dos produtos com a sua especificidade, tecendo considerações quando aos modos de fornecimento dos gases em análise pelas respectiva distribuidoras. Mas de tal não resultando daí indícios de concorrência desleal geradora da obrigação de indemnização à luz das pertinentes normas gerais e específicas desta área comercial.

    A restante factualidade é inócua sob o ponto de vista do escopo da presente acção.


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   2.2. A sorte da acção.

    

  A Autora pretende através da presente acção essencialmente evitar que a Ré BB seja impedida de distribuir documentos da mesma índole que se encontram junto aos autos já que infringem as regras do Código da Publicidade são causa de concorrência desleal. Após passar em revista as afirmações da Ré que lhe pareceram censuráveis nesta matéria a Autora pede que a Ré seja condenada a pagar à Autora e ao Estado as importâncias supra enumeradas, cláusula penal e juros.

    Da reapreciação da matéria de direito à luz dos factos provados não pode concluir-se, pelas razões expostas, pela ilicitude, e assim falha guarida legal a tudo aquilo que a Autora requereu que supõe uma violação das normas aplicáveis, o que não sucedeu inclusivamente é claro no que concerne às quantias indemnizatórias à luz da responsabilidade civil, enumeradas no artigo 483º do Código Civil.

    Não resultam pois verificados os requisitos do artigo 317º do Código da Propriedade Industrial nomeadamente a falsidade das afirmações e indicações constantes da enumeração exemplificativa do preceito; e mesmo que assim se não entendesse não existiria obrigação de indemnizar por ausência de dolo. Também e por outro lado, comparando bens ou produtos deve entender-se que quem o faz está em princípio a esclarecer e alertar o consumidor que no fundo é o destinatário dessa publicidade.

    Não tendo sido lesados os princípios gerais a que alude o artigo 6º e 10º do Código da Publicidade a saber:  ilicitude, identificabilidade, veracidade e respeito pelos direitos do consumidor a acção terá assim que improceder, o que conduz fatalmente à negação da revista.


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   3. DECISÃO.


  Pelo exposto acorda-se em negar a revista.


 Custas pela Autora recorrente.  


Lisboa, 28 de Setembro de 2017


Távora Victor (Relator)

António Joaquim Piçarra

Fernanda Isabel Pereira

________

[1] Cfr. as considerações de Carlos Olavo “Propriedade Industrial” I 2ª Edição pags. 276 ss. Em comentário ao artigo 317º alínea b) supracitado Luís Couto Gonçalves e Outros frisa os requisitos do normativo em análise focando os elementos integradores da sua violação. Cfr. Código da Propriedade Industrial Anotado 2015, 2ª Edição pags. 505 s. Paulo Olavo Cunha “Lições de Direito Comercial” Almedina, Coimbra, 2010 pags. 317. Oliveira Ascensão “Concorrência Desleal”, Almedina, Coimbra 2002 pags. 286 a 189.

[2] Cfr. A. e Ob. citado “Concorrência Desleal” pags. 453.