Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
388/09.8YFLSB
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: BRAVO SERRA
Descritores: ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
NULIDADE DE ACÓRDÃO
QUESTÃO NOVA
HORÁRIO DE TRABALHO
ALTERAÇÃO
RESPONSABILIDADE DISCIPLINAR DO TRABALHADOR
Nº do Documento: SJ
Apenso:

Data do Acordão: 01/13/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
I - A impugnação da decisão proferida pela Relação, com fundamento na sua nulidade, tem de ser realizada, expressa e separadamente, no requerimento de interposição do recurso, atento o comando inserto no n.º 1 do art. 77.º do Código de Processo do Trabalho, também aplicável aos acórdãos proferidos em 2ª instância, pelo que, não obedecendo a esse comando a revista interposta relativamente à invocação desse alegado vício do acórdão proferido pela Relação, está vedado a este Supremo Tribunal o seu conhecimento.

II - Também não pode este Supremo Tribunal tomar conhecimento das conclusões formuladas pelo recorrente relativamente ao segmento do acórdão que trata de questão relativamente à qual a Relação decidiu não tomar conhecimento por se traduzir em “questão nova”, por a mesma não ter sido colocada na 1ª instância, pois a asserção que antecedeu essa razão não constitui um motivo jurídico para alcançar o que, nesse particular, se decidiu.

III - Tendo sido acordada, no contrato de trabalho firmado entre A. e R., no âmbito específico do horário de trabalho, cláusula em que se estabeleceu que o A. (trabalhador) “ficava obrigado, em média, a prestar 40 horas semanais, de segunda-feira a domingo, incluindo feriados, competindo à R. (entidade empregadora) a fixação ou alteração do horário de trabalho”, torna-se patente que nela não se consagrou uma determinação das horas de início e do termo do período normal de trabalho diário do A., dentro do período normal de funcionamento da R.

IV - Essa cláusula limitou-se a consagrar um período médio de 40 horas semanais a que o A. se vinculou a prestar o seu trabalho, sem estabelecer também quais os dias da semana pelos quais esse período médio era repartido, quais os intervalos de descanso e qual o dia da semana em que se processava o descanso semanal.

V - Verificando-se, ainda, que, na mesma data da outorga do contrato, foi elaborada uma “informação adicional”, em que, inter alia, se consagrou que o período normal diário e semanal poderia ser definido em termos médios nos termos da Lei Geral em vigor e que esse período de trabalho diário seria de 8 horas em termos médios e o período de trabalho semanal seria de 40 horas em termos médios, e onde se consagrou, também, qual o instrumento de regulamentação colectiva aplicável ao sector, o qual foi objecto de publicação na 1ª Série do Boletim do Trabalho e Emprego, e onde estão apostas duas cláusulas sobre a duração do trabalho em cada semana e os dias que são considerados de descanso semanal, não se pode sustentar que no negócio jurídico-laboral firmado entre A. e R. foi efectuado um acordo individual tocante ao horário de trabalho daquele.

VI - Assim, ponderando a autorização administrativa que foi concedida à R. (publicada no BTE, 1ª série, de 29 de Fevereiro de 2000) e que lhe permitia vir a funcionar continuamente nos seus entrepostos de Azambuja (local de trabalho do A.) e Carregado e atentando-se igualmente em que não foi individualmente acordado com o A. uma específica determinação de qual seria o dia de descanso, a decisão da R., ao alterar, em Dezembro de 2003, o horário de trabalho do A. no sentido de o mesmo cumprir as 40 horas semanais, incluindo ao domingo, passando os seus dias de descanso semanal a serem rotativos, não é proscrita pelo comando ínsito no n.º 1 do art. 173º do Código do Trabalho, nem desborda a faculdade que lhe é concedida pelo art. 170.º, nº 1 do mesmo diploma legal.

VII - Não estando vedada à R a actuação que prosseguiu no sentido de alterar o dia de descanso semanal do A., de jeito a não coincidir ele com o Domingo, incumbia a este prestar trabalho naquele dia da semana, motivo pelo qual, não o fazendo, incorreu em faltas injustificadas, passíveis de sancionamento disciplinar.
Decisão Texto Integral:








I


1. No Tribunal do Trabalho de Lisboa AA instaurou contra M... – Distribuição Centralizada, S.A., acção de processo comum, peticionando a anulação da sanção disciplinar de vinte dias de suspensão com perda de vencimento que lhe foi aplicada pela ré, a declaração de que o Domingo é dia fixo de descanso semanal para o autor e a condenação da ré a pagar-lhe, a título de indemnização pela sanção abusiva imposta, € 6.771.

Para tanto, em síntese, aduziu que: –

– ele, autor, trabalha por conta, sob a autoridade e direcção da ré desde de Junho de 1997, sendo que a relação de trabalho existente entre as partes é regida pelo contrato colectivo de trabalho para o comércio armazenista, conforme expressamente foi estipulado numa «informação adicional» aposta ao contrato de trabalho celebrado entre ambos;
– de acordo com as cláusulas 10ª e 12ª daquele contrato colectivo, a duração do trabalho em cada semana ocorre de segunda-feira a sexta-feira, sendo considerados dias de descanso semanal os Sábados e Domingos;
– a partir de Dezembro de 2003, a ré impôs ao autor e a outros trabalhadores a prestação de trabalho ao Domingo, passando os dois dias de descanso semanal a serem rotativos, o que não foi aceite pelo mesmo autor, já que entendia que não estava obrigado a prestar serviço naquele dia da semana, circunstância que comunicou à ré, razão pela qual se absteve de trabalhar no referido dia;
– contudo, a ré considerou ilegítimas as ausências do autor ao trabalho nos Domingos, vindo a instaurar-lhe um processo disciplinar por faltas ao serviço em quinze Domingos, processo esse que culminou com a imposição da pena de suspensão por vinte dias, com perda de retribuição;
– essa sanção foi abusiva, o que até se presume por força do nº 2 do artº 374º do Código do Trabalho, uma vez que o autor é delegado sindical do Sindicato dos Trabalhadores do Comércio, Escritórios e Serviços de Portugal – CESP;
– por esse motivo, tem o autor direito a uma indemnização igual a vinte vezes a retribuição que perdeu – € 338,55 –, no montante de € 6.771, além de juros sobre tal quantitativo, os quais, à data da instauração da acção, ascendiam a € 270,84.

Contestou a ré, impugnando a competência territorial do Tribunal do Trabalho de Lisboa, defendendo a inaplicabilidade do contrato colectivo de trabalho invocado pelo autor e, de qualquer modo, a nulidade, a caducidade ou a revogação da cláusula 10ª desse contrato, impugnando grande parte do articulado pelo autor e sustentando a justeza da sanção disciplinar que lhe aplicou.

Após resposta do autor às excepções invocadas pela ré, propugnando pela condenação desta como litigante de má fé, foi, por despacho de 14 de Março de 2007, tida por procedente a excepção de incompetência territorial e determinada a remessa dos autos para o Tribunal do Trabalho de Santarém.

Por saneador/sentença lavrado neste último Tribunal em 3 de Março de 2008, foi a acção tida por improcedente e, em consequência, absolvida a ré.

Inconformado, apelou o autor para o Tribunal da Relação de Évora, o qual, por acórdão de 6 de Janeiro de 2009, julgou improcedente a apelação.


2. Mantendo a sua irresignação, vem o autor pedir revista, rematando a alegação adrede produzida com o seguinte quadro conclusivo: –

A) O horário de trabalho do Recorrente, ao serviço da Recorrida, fazia-se de segunda a sexta-feira, facto provado pela sentença proferida em primeira instância, desse não fazendo parte o Domingo.
B) Esse horário de trabalho era o que constava da CCT da ‘ADIPA’ (assim abreviadamente designada), aplicável por ajuste expresso das partes no contrato de trabalho pelas mesmas celebrado, afastando o horário que daquele constava, por força do disposto no artigo 14º, n.º 1, do Decreto-[L]ei n.º 519/C1/79, aplicável à data, na medida em que estabelecia condições mais favoráveis para o trabalhador.
C) Desde Junho de 1997 até Dezembro de 2003, o Recorrente exerceu funções na Recorrida, cumprindo esse horário individualmente acordado, sem que outras vicissitudes prejudicassem a regra que este constituía.
D) A partir de Dezembro de 2003, a Recorrida quis impor outro horário de trabalho ao Recorrente, o qual incluiria trabalho aos Domingos, e que este não aceitou, escusando-se a cumpri-lo.
E) Nessa conformidade, à Recorrida estava vedada a alteração unilateral daquele horário individualmente acordado, por determinação da norma constante do n.º 1, do artigo 173º [ ] do Código do Trabalho[] aprovado pela Lei n.º 99/2003, recentemente vigente aquando do momento desses factos.
Sem conceder:
F) Mesmo que [ ] vingue o entendimento que o horário fixo constante da CCT ‘ADIPA’, especialmente escolhido pelas partes na outorga do contrato de trabalho não se reconduz à figura de ‘horário individualmente acordado’, não se pode excluir que, para produzir alterações no horário do Recorrente, à Recorrida competia fazer as consultas enunciadas no disposto do n.º 2, do artigo 173º, do Código do Trabalho então vigente, bem assim como comunicar a Inspecção-Geral do Trabalho.
G) A prova do cumprimento desses formalismos competia a entidade empregadora, por configurar um facto modificativo do direito do Recorrente ao seu horário de trabalho, que este logrou em sede própria alegar e provar, assim constando (como provado) na sentença proferida em primeira instância. Julgando-se de forma diversa, violar-se-ia a regra do ónus de prova, que cabe a quem alega o respectivo facto modificativo, extintivo ou impeditivo do direito em causa, conforme prescreve o artigo 342º, n.º 2, do C. Civil.
H) Mal andou o acórdão recorrido, ao consignar nos seus fundamentos que o ónus de alegação e de prova da supra aludida alteração do horário estava constituído no Recorrente, o que nunca se poderia aceitar, nem que fosse por força da mera percepção factual que aproveitava unicamente à Recorrida: foi esta quem veio aos autos advogar que poderia alterar o horário a seu ‘bel-prazer’.
I) É [à] Recorrida que cumpre demonstrar que procedeu a formalidades legais ‘ad substanti[a]m’ para legalmente alterar o horário do Recorrente, visto que é no incumprimento por este dessa alteração de horário que se funda o direito ao procedimento e sanção disciplinar que exerceu e que ora se encontra em crise.
J) Falecendo o pressuposto factual sobre o qual assenta o putativo incumprimento da, também, reputada infracção do Recorrente, igualmente falece o direito da Recorrida ao exercício do poder disciplinar e ao subsequente poder sancionatório que esta praticou.
L) Nesta conformidade, o aresto recorrido vem eivado de vício tipificado na al. c), do n.º 1, do artigo 668º, do CPC, que se argúi para os efeitos que decorrem da norma desse dispositivo legal.
M) E assim, também não será despiciendo considerar-se irrelevante para a decisão da causa a matéria dada por provada pela sentença prolatada em primeira instância, e que se refere ao Despacho proferido pelos Secretários de Estado do Comércio e do Trabalho autorizando a Recorrida a laborar continuamente nos seus estabelecimentos da Azambuja e Carregado, dirimida que foi pelo aresto da Relação de Évora – nesse aspecto, bem – a confusão que a recorrida sentença fez entre os conceitos jurídicos de ‘horário de trabalho’ e [‘]período de funcionamento’.
N) Até porque não resulta da factualidade provada – e dessa em nenhum ponto se pode ler – que a Recorrida tenha de forma efectiva implementado a laboração contínua nos seus estabelecimentos e a consequente adopção de turnos rotativos nos horários praticados pelos subordinados. ‘Quod non est in acta non est in mondo’.
[O]) Cotejando os factos (provados) por sequência cronológica, conclui-se que mau grado a autorização administrativa tenha sido publicada em 9/2/2000, a Recorrida só determinou (ilicitamente, como supra se viu) ao Recorrente que prestasse trabalho aos Domingos a partir de Dezembro de 2003 – quase três anos depois daquela publicação – o que contribui para o ‘aroma’ persecutório com que foi ‘temperado’ o procedimento disciplinar.
Mas se perguntarmos em que momento foi adoptada a laboração contínua, ou se o Recorrente prestava trabalho nos estabelecimentos da Azambuja ou Carregado, não encontramos qualquer resposta no mondo dos autos.
Logo, o acórdão recorrido não poderia ter concluído de direito que as cláusulas 10ª e 12ª da CCT da ‘ADIPA’ teriam de ceder perante o disposto no artigo 6º, n.º 1, al. d), do Decreto-Lei n.º 519-C/79 ou, como também refere o aresto, como actualmente estabelece o artigo 533º, n.º 1, al. b), do Código do Trabalho, assim violando o disposto na al. d), do n.º 1, do artigo 668º, do CPC.
[P]) Acresce que resultou como provada a qualidade de delegado e de dirigente sindical do Recorrente, constituindo-o na previsão menor que resulta do âmbito da maior do disposto no artigo 456º, n.º 2, do Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 99/2003, e abrigando-o na presunção de que o seu despedimento se deu sem justa causa, que a Recorrida não logrou [i]lidir.

Respondeu a ré à alegação do autor defendendo o acerto da decisão impugnada.

3. O relator, em 19 de Junho de 2009, proferiu despacho com o seguinte teor: –

1. O ora recorrente, nas «conclusões» L) e M) (dever-se-ia ter escrito «O», pois que uma anterior «conclusão» se encontrava já precedida de tal letra) da sua alegação do vertente recurso de revista, veio dizer, respectivamente: –

L) Nesta conformidade, o aresto recorrido vem eivado de vício tipificado na al. c), do n.º 1, do artigo 668º, do CPC, que se argúi para os efeitos que decorrem da norma desse dispositivo legal.

‘[O]) Cotejando os factos (provados) por sequência cronológica, conclui-se que mau grado a autorização administrativa tenha sido publicada em 9/2/2000, a Recorrida só determinou (ilicitamente, como supra se viu) ao Recorrente que prestasse trabalho aos Domingos a partir de Dezembro de 2003 – quase três anos depois daquela publicação – o que contribui para o ‘aroma’ persecutório com que foi ‘temperado’ o procedimento disciplinar.
Mas se perguntarmos em que momento foi adoptada a laboração contínua, ou se o Recorrente prestava trabalho nos estabelecimentos da Azambuja ou Carregado, não encontramos qualquer resposta no mondo dos autos.
Logo, o acórdão recorrido não poderia ter concluído de direito que as cláusulas 10ª e 12ª da CCT da ‘ADIPA’ teriam de ceder perante o disposto no artigo 6º, n.º 1, al. d), do Decreto-Lei n.º 519-C/79 ou, como também refere o aresto, como actualmente estabelece o artigo 533º, n.º 1, al. b), do Código do Trabalho, assim violando o disposto na al. d), do n.º 1, do artigo 668º, do CPC.

Perante a postura que deflui das ora transcritas «conclusões», torna-se claro que o impugnante pretende criticar o acórdão em crise, assacando-lhe o cometimento das nulidades que nelas refere.

Simplesmente, no requerimento de interposição do presente recurso, o mencionado impugnante não veio, expressa e separadamente, arguir qualquer nulidade de que, em sua óptica, padeceria aquele aresto, sendo certo que, como tem sido jurisprudência firme seguida hodiernamente por este Supremo, o comando inserto no nº 1 do artº 77º do Código de Processo do Trabalho também é aplicável aos acórdãos proferidos em 2ª instância.

Neste contexto, é entendimento do ora relator que daquelas questões (na vertente de invocada nulidade) não poderá este órgão de administração de justiça tomar conhecimento.

2. Por outro lado, na aludida alegação, retoma o recorrente a tese de que, a entender-se que o horário constante do contrato colectivo de trabalho que epiteta de ‘ADIPA”’não se reconduz à figura de horário individualmente acordado, ainda assim competia à recorrida fazer as consultas a que se reporta o nº 2 do artº 173º do Código do Trabalho e a efectuar a comunicação à Inspecção-Geral do Trabalho.

A essa tese se referem as «conclusões» F), G), H), I) e J).

Contudo, o acórdão agora em sindicância, a respeito desse específico problema, discreteou assim: –

‘(…)
Desconhece-se se a recorrida aquando da alteração do horário de trabalho do recorrente cumpriu com as exigências estabelecidas no nº 2 do artº 173º do CT (vide, no regime anterior), o artº 12º, nº 3[,] do DL nº 409/71). Porém, também não está comprovado que as tenha desrespeitado. Essa questão, no entanto, não foi colocada na 1ª instância, nomeadamente quanto à sua relevância, pelo que também não pode ser, agora, colocada no recurso. Efectivamente, como refere a Exma Procuradora[-]Geral Adjunta em seu douto parecer, os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais, através dos quais se visa obter o reexame da matéria apreciada pela decisão recorrida; por isso, visando os recursos modificar as decisões do tribunal ‘a quo’ e não decisões sobre matéria nova, não é lícito invocar, em sede de recurso, questão que, não sendo objecto do conhecimento oficioso, não foi suscitada perante o tribunal recorrido nem foi objecto de apreciação na decisão impugnada.
(…)’

Resulta, assim, do excerto que ora se veio de fazer, que o acórdão tirado pelo Tribunal da Relação de Évora não tomou conhecimento da questão em apreço com esteio em que ela não fora equacionada perante a primeira instância.

Ora, este particular juízo tomado por aquele aresto não é, qua tale, censurado na presente revista, tendo antes o recorrente optado por reequacionar a questão, talqualmente o fizera na apelação.

Sendo assim, identicamente perfilha o relator a visão de que não poderá este Supremo tomar conhecimento desta específica questão.

Notifiquem-se as partes para se pronunciarem, querendo, sobre os pontos de que cura este despacho.
(…)”

Sobre tal despacho se pronunciaram ambas as partes.

A ré, subscrevendo a posição assumida em tal despacho.

O autor, por seu turno, em síntese, defendeu, que, muito embora não tivesse arguido no requerimento de interposição do recurso a nulidade do acórdão impugnado, o que poderia conduzir ao não conhecimento desse vício, aquilo que se continha nas «conclusões» a que se reporta a primeira parte do referido despacho não deixava de ter subjacente a violação de lei substantiva e, por isso, devia ser conhecida por este Supremo, pois que a «conclusão» O) [por lapso antecedida pela letra M)] não deixava de estar relacionada com as antecedentes «conclusões» A a J, em que era sustentada a violação de lei substantiva.

E, prosseguindo, expôs que as «conclusões» em que aludia ao nº 2 do artº 173º do Código do Trabalho não podiam deixar de ter presente que ele, autor, “executava a sua prestação de trabalho em horário individualmente acordado” – o que, na sua óptica, não cairia no campo de aplicação daquele preceito, já que este somente se reportava aos horários de trabalho não individualmente acordados –, razão pela qual a ré não poderia, unilateralmente, alterar o horário de trabalho decorrente do acordo firmado, o que implicava que, ainda que se tivesse como válida a cláusula inserta no contrato de trabalho outorgado, ela “teria sido objecto de revogação clara em razão da prática inequívoca das partes após a admissão do trabalhador e até Dezembro de 2003”, aditando ainda que, “mesmo que se entendesse que o Recorrente não referenciou, em primeira instância, o disposto no n.º 2 do artigo 173º, do CT, não significa que a norma que desse preceito emana não devesse ser escalpelizada e, consequentemente, aplicada pelo Tribunal ‘a quo’ visto que vigora (no âmbito do CT aplicável à data)”, não podendo o “aresto recorrido … furtar-se a aplicar a lei aos factos alegados entre 12º e 14º da petição inicial, dados como provados em primeira instância, somente porque o ora Recorrente não aludiu expressamente a um dispositivo legal”.

Ainda o autor discorreu que, mesmo que se entendesse que o horário de trabalho referido “não consistia num horário individualmente acordado, podendo ser unilateralmente alterado pela Recorrida, cumpridos os formalismos do n.º 2 do artigo 173º, do CT, obviamente que o ónus de alegação não competia [à]quele, antes competindo a esta”, motivo pelo qual, “quando o aresto ‘sub judice’ decide, em desfavor do Recorrente que ‘Desconhece-se se a recorrida (…) cumpriu com as exigências estabelecidas no n.º 2 do artº 173º do CT (…). Porém, também não está comprovado que as tenha desrespeitado.’, antes devia ter decidido em desfavor da Recorrida”, já que, “estando em sede disciplinar, a prova dos factos integradores da responsabilidade disciplinar do Recorrente-trabalhador compete à Recorrida-empregadora, sob pena de o non liquet que resulta dessa circunstância tenha que ser resolvido em favor do trabalhador”.

Por despacho de 1 de Setembro de 2009, o relator manteve o seu entendimento de que não se deveria tomar conhecimento das questões impostadas nas «conclusões» L), [O], F), G), H), I) e J).

No que ora releva, extracta-se desse despacho: –

“(…)
2. Não se vislumbram quaisquer motivos que infirmem o entendimento do relator quando se expressou no sentido de das «conclusões» L) e [O)] da alegação de recurso se não dever tomar conhecimento ‘(na vertente de invocada)’ nulidade do acórdão recorrido.

Aduz o recorrente que a questão sumulada nessas «conclusões», ainda que não fossem conhecidas nessa vertente (de nulidade), devê-lo-iam ser enquanto encerram uma questão de violação de lei substantiva, por isso que, em sua perspectiva, o aí vertido não deixa de estar conexionado com as «conclusões» A) a J).

É patente a sem razão do ora recorrente.

Para tanto, basta ler o teor daquelas «conclusões» «conclusões» L) e [O)] e o das «conclusões» A) a J), para se concluir que, mormente incidindo a atenção na «conclusão» [O)], a problemática aí impostada não se relaciona com o que vem sustentado nas antecedentes «conclusões».

De outro lado, o autor, na pronúncia que efectuou sobre o despacho de 19 de Julho de 2009, intenta demonstrar que a matéria contida nas «conclusões» F), G), H), I) e J) da sua alegação produzida no vertente recurso de revista foram escritas com o intuito de fazer ver que ‘o aresto recorrido violou a lei quando, no seu segmento final, se refere a fim de sustentar a decisão: ‘Desconhece-se se a recorrida (…) cumpriu com a[s] exigências estabelecidas no n.º 2 do artº 173º do CT (…). Porém, também não está comprovado que as tenha desrespeitado ….

E, a partir daí, sustenta o que ficou sumulado.

Ora, como houve ocasião de se dizer no despacho de 19 de Julho de 2009, a razão do decidido no aresto sob impugnação residiu no entendimento segundo o qual esta questão (a eventual postergação do nº 2 do artº 173º do Código do Trabalho) constituía uma questão nova, que não tinha sido colocada na 1ª instância. A asserção que antecedeu essa razão, como se depara, a todos os títulos, evidente, não constituiu, minimamente, um motivo jurídico para alcançar o que, neste particular, se decidiu.

Anote-se também que a corte de motivos que o autor vem agora, no requerimento de pronúncia sobre o despacho de 19 de Julho de 2009, brandir, quando se socorre da, na sua óptica, revogação da cláusula inserida no contrato de trabalho aprazado entre ele e a ré (e a entender-se esta como válida), não pode deixar de ser entendida como uma «outra nova» questão que não foi equacionada no recurso de apelação, não tendo, sequer, qualquer substanciação, qua tale, na alegação do recurso de revista.
(…)”.

Esse despacho, notificado às partes, não foi objecto de impugnação por qualquer delas, pelo que aquilo que no mesmo foi objecto de decisão é de considerar como tendo assumido foros de caso julgado nos presentes autos.

4. A Ex.ma Magistrada do Ministério Público neste Supremo exarou «parecer» no qual propugnou pela improcedência da revista.

Notificadas desse «parecer» as partes, nenhuma delas se veio a pronunciar sobre ele.

Corridos os «vistos», cumpre decidir.

II

1. Sem questionamento das partes, o aresto sindicado deu por assente a seguinte factualidade: –

– a) o autor trabalhou por conta, sob as ordens, direcção e fiscalização da ré desde 6 de Junho de 1997 a 24 de Fevereiro de 2006;
– b) em 24 de Fevereiro de 2006, tinha a categoria profissional de auxiliar de armazém, auferindo um vencimento mensal de € 489,00;
– c) o autor é associado do CESP – Sindicato dos Trabalhadores do Comércio, Escritórios e Serviços de Portugal;
– d) desempenhou funções de delegado sindical na empresa [ré] e é actualmente membro dos corpos gerentes do CSEP, cargos de representação colectiva dos trabalhadores que são do conhecimento da [mesma] ré;
– e) autor e ré outorgaram o contrato de trabalho a termo certo que consta dos autos como documento nº 6 apresentado com a petição inicial, de onde consta uma cláusula terceira com o seguinte teor: –
O horário de trabalho a que o segundo contraente fica obrigado é em média de 40 horas semanais, de segunda-feira a domingo, incluindo feriados, competindo à primeira contraente a fixação e/ou alteração do horário de trabalho”;
– f) daquele contrato consta ainda uma cláusula sétima que reza assim: –
Em tudo o mais expressamente não estipulado no presente contrato, regularão as disposições legais que a este contrato são ou vierem a ser especialmente aplicáveis.;
– g) ao contrato supra referido foi junto a informação adicional que consta dos autos como documento nº 7 apresentado com a petição inicial, informação onde se pode ler, sob a alínea j), o seguinte: –
O instrumento de regulamentação colectiva aplicável ao sector é o Contrato Colectivo de Trabalho para o Comércio Armazenista (ADIPA)”;
– h) por despacho conjunto dos Secretários de Estado do Comércio e Serviços e do Trabalho e do Emprego, publicado no B.T.E., 1ª série, nº 8, de 29/02/2000, a [ré] foi autorizada a laborar continuamente nos seus Entreposto[s] de Azambuja e Carregado;
– i) até Dezembro de 2003, a [ré] impôs ao [autor] que prestasse trabalho, de segunda-feira a sexta-feira, das 8 horas às 17 horas, com intervalo para descanso e refeição entre as 12 horas e as 13 horas;
– j) até àquela data, o [autor] gozou sempre como dia de descanso semanal o Domingo;
– k) a partir de Dezembro de 2003, a [ré] impôs ao requerente a prestação de trabalho ao Domingo, passando os seus dias de descanso semanal a serem rotativos;
- l) alteração que o [autor] não aceitou e à qual se opôs;
– m) o [autor] recusou prestar trabalho aos Domingos;
– n) a [ré] considerou ilegítimas as suas ausências nos Domingos e veio a instaurar-lhe um processo disciplinar, acusando-o de ter faltado ao serviço em quinze Domingos, tendo vindo a concluir pela aplicação de uma sanção de suspensão por vinte dias com perda de retribuição.


3. Tendo em conta o que ficou decidido no despacho de 1 de Setembro de 2009 quanto ao não conhecimento das questões equacionadas nas «conclusões» F), G), H), I), J), L) e [O] da alegação de recurso apresentada pelo impugnante, e ponderando o que, para além daquelas, se sumula nas demais formuladas, torna-se claro que se impõe no vertente aresto dilucidar o problema de saber se o horário de trabalho do autor era um horário individualmente estabelecido no negócio jurídico-laboral firmado entre ambos, e por força do qual os dias de trabalho do autor decorriam de segunda-feira a sexta-feira, em consequência, não sendo ilícito à ré estabelecer um horário diverso daquele.

Antes de se prosseguir, deverá, desde já, realçar-se que a «conclusão» [P)] [por manifesto lapso de escrita antecedida de “N)”] se nos apresenta de menos fácil compreensão.

Na verdade, dizendo-se nela que “Acresce que resultou como provada a qualidade de delegado e de dirigente sindical do Recorrente, constituindo-o na previsão menor que resulta do âmbito da maior do disposto no artigo 456º, n.º 2, do Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 99/2003, e abrigando-o na presunção de que o seu despedimento se deu sem justa causa, que a Recorrida não logrou [i]lidir”, isso pareceria apontar para que o ora recorrente estava a esgrimir com um argumento segundo o qual a sanção disciplinar que lhe foi imposta era, por via do nº 2 do artº 456º do Código do Trabalho de 2003, presumidamente abusiva.

Sem que agora entremos na discussão do alcance dessa presunção legal, confrontadamente com a regra geral do ónus da prova a cargo da entidade empregadora quanto à justa causa de despedimento (para mais desenvolvimentos vejam-se Bernardo Lobo Xavier em As Recentes Intervenções dos Trabalhadores nas Empresas, no vol. III do ano 35, 1975 da Revista da Ordem dos Advogados, pág. 445, e em O Despedimento Colectivo no Dimensionamento da Empresa, 2000, págs. 637 e seguintes, Pedro Romano Martinez, em Direito do Trabalho, 3ª edição, pág. 971, e Da Cessação do Contrato, 2ª edição, pág. 474 e Luís Gonçalves da Silva em Sujeitos Colectivos, Estudos do Instituto de Direito do Trabalho, 2002, págs. 377 e seguintes), o que é facto é que, na situação in iudicio, não se posta a aplicação, ao autor, da pena disciplinar mais severa, pelo que, como se disse, se torna pouco compreensível o argumento que o recorrente parece intentar por meio da «conclusão» [P)].

A isto se adite que o indicado preceito deve ser entendido como consagrando uma disciplina a se que se tem como independente da situação de presunção de sanção abusiva a que alude o artº 374º do Código do Trabalho, disposição que é aplicável a todos os casos aí consagrados, sejam ou não os trabalhadores sancionados candidatos a corpos das associações sindicais ou que exerçam ou hajam exercido funções nos mesmos corpos, sublinhando-se ainda que diversas situações são as de presunção de despedimento sem justa causa e as de presunção de aplicação de uma sanção abusiva, motivo pelo qual são diversos os campos aplicativos de um e outro normativo.

Isto posto, enfrentemos a questão que acima se indicou.


3.1. O aresto de que se roga revista, concernentemente a ela discorreu do seguinte jeito: –

“(…)
Como se vê das conclusões da respectiva alegação o inconformismo do recorrente com a decisão recorrida assenta essencialmente na seguinte ordem de razões: – das cláusulas 10ª e 12ª do CCT aplicável resultaria que os sábados e domingos seriam dias de descanso semanal e[,] por isso[,] a ordem da Ré em determinar que o requerente[,] a partir de Dezembro de 2003[,] passaria ao trabalhar ao domingo[,] seria ilegítima, não lhe devendo o requerente obediência, pelo que o facto de o requerente não ter acatado tal ordem[,] não comparecendo ao serviço nesses dias de domingo, não poderia fazê-lo incorrer em faltas injustificadas; – serem as referidas cláusulas 10ª e 12ª do CCT válidas, não violando as disposições dos artºs 35º a 37º do DL nº 407/71 nem afrontando as proibições das al. b) e c) do DL nº 519-C1/79;
(…)

Vejamos, consignando-se desde já que na análise do caso seguiremos de perto o Ac. desta Relação de 19/12/2006, proferido no recurso de agravo nº 2142/06-3, no qual também foi relator o mesmo juiz que relata o presente.
No contrato individual de trabalho que as partes celebraram em 6/06/1997 ficou expressamente estipulado que o horário de trabalho a que o segundo contraente (o trabalhador) ficaria obrigado era em média de 40 horas semanais de segunda-feira a domingo, incluindo feriados, competindo à primeira outorgante (a entidade patronal) a fixação e/ou alteração do horário de trabalho.
Porém, naquela mesma data (6/06/1997) foi junto ao aludido contrato uma informação escrita adicional, produzida ao abrigo do estabelecido no DL nº 5/94 de 11/1, na qual se consignou que o instrumento de regulamentação colectiva aplicável era o contrato colectivo de trabalho para o comércio armazenista (ADIPA).
Em tal CCT (publicado in BTE, 1ª Série, nº 5 de 8/02/1978), estabelece-se no nº 1 da cláusula 10ª que A duração do trabalho em cada semana será de 44 horas repartidas por cinco dias, de segunda a sexta-feira…’; e na cláusula 12ª, nº 1[,] estabelece-se que ‘São considerados dias de descanso semanal o sábado e domingo’.
À data da celebração do contrato entre as partes entrara já em vigor a Lei nº 21/96[,] de 23/07[,] que fixara a duração máxima do período normal de trabalho em 40 horas semanais, pelo que aquela cláusula 10ª do CCT a este princípio tinha de considerar-se adaptada.
Acontece que[,] no regime legal que vigorava à data da celebração do contrato de trabalho em causa[,] estava estabelecido que o trabalhador tem direito a um dia de descanso semanal obrigatório, que só poderia deixar de ser ao domingo quando os trabalhadores prestem serviço a entidades patronais que estejam dispensadas de encerrar ou suspender a laboração num dia completo por semana ou que sejam obrigadas a encerrar ou suspender a laboração em dia que não seja domingo (artº 37º, nº 1 do DL nº 409/71 de 27/09); aliás, identicamente continua estabelecido no regime actualmente vigor, como estabelece o artº 205º do Código do Trabalho. Estarão nesta situação, nomeadamente, aquelas entidades patronais que estejam autorizadas a laborar continuamente. É o que acontece precisamente com a Ré-recorrida que, por despacho dos Secretários de Estado do Comércio e Serviços e do Trabalho e do Emprego de 29/02/2000, foi autorizada a laborar continuamente nos seus entrepostos de Azambuja e Carregado.
As referidas normas ou cláusulas parecem conflituar quanto à possibilidade de a entidade patronal poder exigir do trabalhador a prestação de trabalho em dia de domingo. Por um lado, no próprio clausulado do contrato individual de trabalho, estabeleceu-se que a entidade patronal podia fixar ou alterar o horário de trabalho do trabalhador, considerando[,] para o efeito[,] todos os dias da semana, mas salvaguardando sempre o limite de 40 horas de trabalho semanais, ainda que em média; porém, por outro lado, do CCT considerado aplicável às relações laborais em causa resulta que o trabalho deve ser prestado de segunda a sexta-feira, sendo o sábado e domingo dias de descanso semanal; por fim[,] a lei geral estabelece que o dia de descanso semanal obrigatório é ao domingo que, no entanto, pode ser noutro dia nas situações especialmente previstas, uma das quais é precisamente quando a entidade empregadora está autorizada a laborar continuamente, caso em que[,] para assegurar essa laboração[,] se torna necessário recorrer à organização do trabalho por turnos.
Em nosso ver[,] as referidas normas ou cláusulas só aparentemente conflituam. De facto, o CCT em causa apenas previu o regime regra que deve presidir à fixação do tempo e horário normal de trabalho e dos dias de descanso semanal obrigatório e complementar; nada estabeleceu acerca daquelas situações em que, segundo a lei, as empresas podem laborar ou funcionar em dia de sábado e domingo, como é o caso das empresas autorizadas a laborar continuamente.
Nas situações de laboração contínua, em que o funcionamento normal da empresa ou estabelecimento não se compadece com a estrita observância das regras comuns de duração do trabalho e do descanso semanal, impõe a adaptação daquelas regras às necessidades específicas dessas empresas ou estabelecimentos, por forma a encontrar fórmulas de conciliação capazes de satisfazer as exigências específicas daquele tipo de laboração[,] mas sem ofender o conteúdo essencial dos direitos dos trabalhadores. A não ser assim[,] fazer-se-ia perigar as condições económicas de exploração daquelas empresas.
Não prevendo o aludido CCT aquela situação de laboração contínua da empresa ou estabelecimento, há que recorrer à aplicação dos princípios legais que dispõem sobre a matéria, o que implica que nessas situações se considere que o dia de descanso semanal obrigatório não tem de ocorrer necessariamente ao domingo (nem o dia ou meio dia de descanso complementar necessariamente ao sábado). Interpretar as cláusulas 10ª e 12ª do CCT em causa no sentido de que os dia de descanso semanal obrigatório e complementar terão de ser sempre ao domingo e ao sábado, mesmo naquelas situações em que a empresa ou estabelecimento está autorizado a laborar continuamente, representaria uma ingerência indirecta do referido instrumento de regulamentação colectiva do trabalho sobre o exercício da concreta actividade económica desenvolvida pela empresa ou sobre o seu período de funcionamento, em violação do estabelecido no artº 6º, nº 1, al. d) do DL nº 519-C1/79 de 29/12 (ou, actualmente, do que estabelece o artº 533º, nº 1, al. b) do Código do Trabalho), o que torna ilegal e inaceitável tal interpretação.
Reassume, assim, relevância aquela estipulação do contrato individual de trabalho que confere ao empregador a possibilidade de fixar e alterar o horário de trabalho entre segunda e domingo[,] que, embora não possa ser utilizada de forma indiscriminada face às limitações resultantes do CCT considerado aplicável, já nada impede que seja utilizada se a empresa ou o estabelecimento for autorizado a laborar continuamente, como na realidade acontece no caso da requerida, e, por força disso, os dias de descanso semanal passarem a ser rotativos.
Tal como estabelecia o artº 11º, nº 1 do DL nº 409/71, estabelece também hoje o artº 170º, nº 1 do Código do Trabalho que compete às entidades patronais estabelecer o horário de trabalho do pessoal ao seu serviço, dentro dos condicionalismos legais, podendo alterá-lo se observadas as condições estabelecidas no artº 173º deste último diploma (condições essas anteriormente estabelecidas no artº 12º daquele DL).
Manifestamente[,] através das cláusulas do contrato individual de trabalho a Ré-recorrida não acordou com o Autor-recorrente um horário de trabalho rígido, assim como também não acordou que o dia de descanso semanal obrigatório fosse sempre ao domingo ou o dia de descanso complementar fosse sempre ao sábado; pelo contrário, nos termos daquele contrato, a entidade patronal reservou para si a faculdade de fixar ou alterar o horário de trabalho, na ponderação de todos os dias da semana. Por isso e atendendo à interpretação que fazemos das cláusulas 10ª e 12ª do CCT considerado aplicável na própria informação adicional a esse contrato, consideramos que a entidade patronal não estava impossibilitada de, tendo sido autorizada a laborar continuamente, alterar o horário de trabalho primitivamente fixado ao Autor-recorrente e, simultaneamente, alterar o dia de descanso semanal obrigatório por forma a que não correspondesse sempre e necessariamente com o domingo.
É assim que, neste domínio, acabamos por concordar com a decisão recorrida pois que neste sentido se orientou e improcedem os argumentos do recorrente ao pugnar por entendimento contrário.
(…)”

Tudo ponderado, anui-se à fundamentação carreada ao aresto em crise e ao juízo que dela foi extraído.

Efectivamente, segundo o estabelecido na cláusula 3ª do contrato de trabalho firmado entre o autor e a ré, o “horário de trabalho a que o (a) 2º (ª) Contraente fica obrigado é[,] em média[,] [de] 40 horas semanais, de Segunda-Feira a Domingo, incluindo feriados, competindo à 1ª Contraente [a entidade empregadora, ora ré] a fixação e/ou alteração do horário de trabalho”.

Tão-somente perante esta regra, que as partes, no domínio da sua liberdade contratual, estipularam, torna-se patente que nela não se consagrou uma determinação das horas do início e do termo do período normal de trabalho diário do autor, dentro do período normal de funcionamento da ré.

Limitou-se ela a consagrar um período médio de 40 horas semanais a que o autor se vinculou a prestar o seu trabalho, sem estabelecer também quais os dias da semana pelos quais esse período médio era repartido, quais os intervalos de descanso e qual o dia da semana em que se processava o descanso semanal.

Quiçá em face de vacuidade que se surpreende naquela cláusula, na mesma data da outorga do contrato foi elaborada, nos termos do nº 1 do artº 3º do Decreto-Lei nº 5/94, de 11 de Janeiro (diploma que transpôs para a ordem jurídica nacional a Directiva nº 91/533/CEE, do Conselho, de 14 de Outubro, relativa à obrigação de a entidade empregadora informar o trabalhador sobre as condições aplicáveis ao contrato de trabalho), e, ao que se supõe, perante o prescrito na alínea i) desses número e artigo, uma «informação adicional», em que, inter alia, se consagrou (cfr. documento fotocopiado a fls. 14): –

i) Período normal de trabalho diário e semanal
O período normal de trabalho diário e semanal poderá ser definido em termos médios nos termos da Lei Geral em Vigor.
SIM NÃO
1 – Período de trabalho diário _8 horas em termos médios ___ _X_
2 – Período de trabalho semanal _40 horas em termos médios ___ _X_

j) O instrumento de Regulamentação Colectiva aplicável ao sector, é o: Contrato Colectivo de Trabalho para o Comércio Armazenista (ADIPA)

Esse instrumento, a que se reporta o item j) da «informação adicional» supra transcrito, foi objecto de publicação na 1ª Série do Boletim do Trabalho e Emprego, nº 5, de 8 de Fevereiro de 1978 (sofrendo várias alterações), nele se surpreendendo a inclusão das seguintes regras, apostas, respectivamente, nas suas cláusulas 10ª, nº 1, e 12ª, nº 1: –

(10ª, nº 1) A duração do trabalho em cada semana será de 44 horas repartidas por cinco dias, de segunda a sexta-feira.

(12ª, nº 1) São considerados dias de descanso semanal o sábado e domingo.

No contexto que se nos depara, não se pode sustentar, ao ver deste Supremo, que no negócio jurídico-laboral firmado entre autor e ré foi efectuado um acordo individual tocante ao horário de trabalho daquele, já que, pese embora na «informação adicional» se consignasse o que consta do seu item j), não se pode olvidar uma outra estipulação inserta nessa «informação», justamente aquela que a que se reporta o seu item i).

E, em consequência, não se divisa que a decisão tomada pela ré em Dezembro de 2003 fosse proscrita pelo comando ínsito no nº 1 do artº 173º do Código do Trabalho.

Poder-se-ia obtemperar que, mesmo não tendo sido individualmente acordado entre autor e ré um horário de trabalho deste, a remissão constante do item j) da «informação adicional» poderia apontar para que, no caso sub iudicio, se tratava de uma situação em que esse horário (e, no que agora releva, pelo que tange ao dia de descanso semanal) era algo que se encontrava fixado por regulamentação colectiva.

Simplesmente, cobram aqui aplicação as razões aduzidas no aresto impugnado e que, como se disse já, colhem a anuência deste Supremo.

Ponderando a autorização administrativa que foi concedida à ré e que foi publicada no Boletim do Trabalho e Emprego, 1ª série, de 29 de Fevereiro de 2000, autorização essa que lhe permitia vir a funcionar continuamente nos seus entrepostos de Azambuja e Carregado (sendo o primeiro o local de trabalho do autor – cfr. cláusula 2ª do contrato de trabalho fotocopiado a fls. 13), e atentando-se igualmente em que, como se concluiu, não foi individualmente acordado com o autor uma específica determinação de qual seria o dia de descanso, não se lobriga que a decisão tomada pela ré em Dezembro de 2003 tivesse desbordado a faculdade que lhe é cometida pelo artº 170º, nº 1, daquele compêndio normativo.

Neste particular, não se percebe perfeitamente o que o recorrente deseja aduzir com aquilo que precipitou na «conclusão» N) da sua alegação, pois que tornar-se-ia imperceptível que, se não tivesse havido implementação da ré de um labor contínuo, esta viesse a alterar o horário de trabalho dos seus trabalhadores por sorte a que o dia de descanso pudesse não coincidir com o Domingo.

Uma última nota para se referir que não se escamoteia que alguma parte da doutrina e por alguma jurisprudência tem sido defendido que, mesmo nos casos em que o trabalhador não foi contratado para cumprir determinado horário de trabalho ou para desfrutar de um concreto dia de descanso semanal, a faculdade atribuída à entidade empregadora de definir os horário de trabalho não poderá ser livremente exercida se a alteração implicar uma substancial perturbação na vida do trabalhador (e, como é claro, se ele não der a sua adesão à alteração).

Todavia, no caso em apreço, nunca esse problema de uma substancial perturbação da vida do autor decorrente da alteração do dia de descanso semanal determinada pela ré foi equacionada na presente acção.

Sequentemente, perante as estipulações contratuais firmadas entre a ré e o autor, não estava vedada a esta a actuação que prosseguiu no sentido de alterar o dia de descanso semanal daquele, de jeito a não coincidir ele com o Domingo.

E, sendo assim, incumbia ao autor prestar trabalho naquele dia da semana, motivo pelo qual, não o fazendo, incorreu em faltas injustificadas, passíveis de sancionamento disciplinar.

De onde não poder considerar-se a sanção infligida como abusiva nos termos do nº 1 do artº 374º do Código do Trabalho, designadamente com referência às alíneas b) e d) daquele número.


III


Em face do que se deixa dito, nega-se a revista.

Custas pelo impugnante.

Bravo Serra (Relator)
Mário Pereira
Sousa Peixoto