Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
514/19.9T8BRR.L1.S1
Nº Convencional: 4.ª SECÇÃO
Relator: JÚLIO GOMES
Descritores: DEVER DE ASSIDUIDADE
FALTAS INJUSTIFICADAS
JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO
Data do Acordão: 03/03/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I. Duas faltas, ainda que sendo ambas injustificadas, não têm necessariamente a mesma gravidade do ponto de vista disciplinar, havendo que atender à censurabilidade do agente face ao caso concreto.
II. Sendo invocado um número de faltas injustificadas inferior a cinco seguidas ou dez interpoladas no mesmo ano civil, cabe ao empregador o ónus de alegar e de provar a existência de um prejuízo ou risco grave diretamente causado pelas faltas, sob pena de as mesmas não poderem ser consideradas justa causa de despedimento.
Decisão Texto Integral:

Processo n.º 514/19.9T8BRR.L1.S1
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça

1. Relatório

AA instaurou em 18/02/2019 contra Metro Transportes do Sul (MTS) ação de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento com processo especial, nos termos dos artigos 98.º-B e seguintes do Código do Processo do Trabalho.

Realizado o julgamento, foi então proferida a 08/01/2020, sentença que, em síntese, decidiu o litígio nos termos seguintes:
«Nestes termos:

A) Julgo improcedente a impugnação da regularidade e licitude do despedimento, e em consequência declaro lícito o despedimento de que o Autor foi alvo;

B) Julgo improcedente por não provado o pedido reconvencional do Autor, e em consequência absolvo a Ré do peticionado.

Valor da ação: € 43.092,50

Custas da ação a cargo do Autor.

Registe e notifique».

Inconformado, o Autor recorreu. A Ré contra-alegou.

O Tribunal da Relação proferiu Acórdão com a seguinte decisão:

“Por todo o exposto, nos termos dos artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e 662.º e 663.º do Novo Código de Processo Civil, acorda-se neste Tribunal da Relação de Lisboa, no seguinte:

1) Em julgar parcialmente procedente o presente recurso de apelação interposto por AA na sua vertente de impugnação da Decisão sobre a Matéria de Facto, nessa medida se decidindo alterar a mesma, com o Aditamento à Factualidade dada como Provada de um novo Ponto de Facto com o número 37. e a correspondente eliminação do Ponto 4 da Matéria de Facto dada como Não Assente;

2) Em alterar oficiosamente a Decisão sobre a Matéria de Facto, com o aditamento à Factualidade dada como Provada dos novos Pontos 38., 39. e 40;

3) Em julgar parcialmente procedente o presente recurso de apelação interposto por AA, na sua vertente jurídica, nessa medida se decidindo revogar a sentença da 1.ª instância e substituí-la pela declaração da ilicitude do despedimento sem justa causa de que foi sujeito o Autor AA e, nessa medida, condenar a Ré Metro Transportes do Sul (MTS), SA a reconhecer tal ilicitude e a pagar ao trabalhador a indemnização em substituição da reintegração referida ao período que medeia entre a data do início da relação laboral dos autos e o trânsito em julgado do presente Acórdão e que, neste momento, se situa no montante de € 8305,00 [€ 755,00 x 11 anos], assim como na compensação prevista no número 1 do artigo 390.º do CT/2009 e a quantificar em incidente de liquidação, nos termos dos artigos 609.º e 358.º e seguintes do NCPC, que deve ser calculada desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado deste Aresto, muito embora por referência apenas à retribuição-base ilíquida de € 755,00 e sujeita à dedução da alínea c) do número 2 da mesma disposição legal e da alínea a), ainda que apenas relativamente às importâncias auferidas após o encerramento da Audiência Final dos autos e até ao trânsito em julgado deste Aresto.                  

Custas da ação e do presente recurso a cargo do Apelante e da Apelada, na proporção do decaimento – artigo 527.º, número 1 do Novo Código de Processo Civil.

Valor da ação: o definido pela sentença da 1.ª instância.

Registe e notifique.

Cumpra-se oportunamente o disposto no número 2 do artigo 75.º do CPT”.

A Ré, inconformada, interpôs recurso de revista em que invocava, designadamente, a nulidade do Acórdão recorrido.

Em conferência, por Acórdão de 28 de outubro de 2020, o Tribunal da Relação decidiu não enfermar o Acórdão agora recorrido de qualquer nulidade.

O recurso de revista da Ré apresenta as seguintes Conclusões:

A. Por douto Acórdão, o Tribunal da Relação de Lisboa decidiu: 1) julgar parcialmente procedente o recurso de apelação interposto pelo Trabalhador na sua vertente de impugnação da Decisão sobre a Matéria de Facto, nessa medida se decidindo alterar a mesma, com o Aditamento à Factualidade dada como Provada de um novo Ponto de Facto com o número 37. e a correspondente eliminação do Ponto 4 da Matéria de Facto dada como Não Assente; 2) alterar oficiosamente a Decisão sobre a Matéria de Facto, com o aditamento à Factualidade dada como Provada dos novos Pontos 38., 39. e 40; 3) julgar parcialmente procedente o recurso de apelação, na sua vertente jurídica, nessa medida se decidindo revogar a sentença da 1.ª instância e substituí-la pela declaração da ilicitude do despedimento sem justa causa e, nessa medida condenar a MTS a reconhecer tal ilicitude e a pagar ao trabalhador a indemnização em substituição da reintegração referida ao período que medeia entre a data do início da relação laboral dos autos e o trânsito em julgado do presente Acórdão, assim como na compensação prevista no número 1 do artigo 390.º do CT/2009 e a quantificar em incidente de liquidação, nos termos dos artigos 609.º e 358.º e seguintes do NCPC.
B. A Recorrente vem interpor recurso de revista, nos termos do n.º 1 do artigo 674.º do CPC e com os seguintes fundamentos: i) Vício de nulidade do Acórdão, por manifesta ambiguidade conforme decorre do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea c) do CT, o que torna a decisão ininteligível no que concerne à justificação ou não das faltas dos dias 4.2.2018 e 11.02.2018; e ii) Violação da lei substantiva conforme decorre do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea a) do CT, ao ter julgado justificadas as faltas dos dias 23.04.2018 e 24.04.2018.
C. No Acórdão recorrido, o Tribunal da Relação de Lisboa a, num primeiro momento, vem concluir pela injustificação das faltas por não ter ficado provado o motivo justificativo, todavia, em momento posterior, conclui pela justificação das mesmas apenas porque considera que a comunicação foi devidamente efetuada, o que não permite aos destinatários e, em concreto, à Recorrente, concluir de forma clara e sem sombra para dúvidas, se as faltas dos dias 4.02.2018 e 11.02.2018 se consideram ou não justificadas e com que fundamento.
D. Fica a dúvida se as mencionadas faltas se consideram injustificadas porque efetivamente o respetivo (alegado) motivo justificativo não ficou provado nem demonstrado ou, por outro lado, se se consideram justificadas porque entende-se ter havido comunicação prévia suficiente.
E. A decisão padece, nesses termos, de ininteligibilidade, o que gera a nulidade do Acórdão recorrido nos termos do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.
F. Relativamente às faltas dos dias 23.04.2018 e 24.04.2018, o Tribunal da Relação limitou-se a sustentar a sua decisão em “alguma” jurisprudência dos anos 90, o que não se afigura suficiente, nem sequer compatível in casu, pois não retrata a realidade laboral dos dias de hoje.
G. Nos termos da alínea e) do artigo 91.º do CT o trabalhador-estudante pode faltar justificadamente, por motivo de prestação de prova de avaliação, no dia da prova e no dia imediatamente anterior.
H. Esta disposição normativa tem necessariamente de ser conjugada com o artigo 253.º do CT, o qual consagra as condições a serem observadas pelo Trabalhador para a justificação das faltas, nomeadamente, quando as mesmas são previsíveis: i) comunicação com a antecedência mínima de cinco dias; e ii) indicação do motivo justificativo.
I. As   provas   de   avaliação   realizadas   num   qualquer estabelecimento   de   ensino   são previamente calendarizadas e comunicadas, pelo que são do conhecimento prévio do trabalhador e, por isso, são previsíveis.
J. Não se compreende nem pode a Recorrente aceitar a não comunicação prévia, por parte do Trabalhador, à Recorrente da necessidade que tinha de faltar ao serviço nos referidos dias, por realização de prova de avaliação.
K. Nos termos do disposto no artigo 253.º do CT, perante faltas previsíveis, existe a obrigação, por parte do Trabalhador, de comunicá-las, com a antecedência mínima de cinco dias, ao Empregador, devendo a comunicação ser acompanhada da indicação do motivo justificativo.
L. Esta comunicação prévia constitui uma obrigação legal e é uma diligência exigida ao Trabalhador e esperada pelo Empregador, em respeito pelo princípio da boa fé que regula as relações de trabalho.
M. A decisão do Tribunal da Relação viola, nesses termos, a norma substantiva do artigo 253.º do CT, ao negar a obrigatoriedade de comunicar ao Empregador as faltas previsíveis, com a antecedência mínima de cinco dias e, consequentemente, justificar as referidas faltas.
N. Ainda que a Recorrente disponha de um serviço de reserva, tal não pode ser usado, como o Tribunal da Relação procurou fazer, como motivo desculpante (i) da falta de aviso de que iria faltar, quando tal era do conhecimento prévio do trabalhador e/ou ii) da não entrega de comprovativos justificativos das faltas.
O. A pontualidade e a assiduidade do Trabalhador são essenciais para o cabal cumprimento das obrigações da Recorrente no âmbito da prossecução da sua atividade.
P. Não é aceitável, do ponto de vista jurídico e do ponto de vista prático, justificar tais faltas, uma vez que a condição para que as mesmas sejam justificadas não se verificou cumprida por parte do Trabalhador.
Q. O artigo 91.º do CT apenas refere que, ao abrigo do estatuto de trabalhador-estudante, “o trabalhador pode faltar justificadamente”, não refere, no entanto, perentoriamente, que a falta se considera justificada sem mais.
R. É incompreensível a atitude despicienda que o Trabalhador teve para com a entidade empregadora, pois, sabendo previamente da necessidade de faltar nesses dias, não avisou a MTS nem tão pouco teve a preocupação de entregar a declaração justificativa de tais faltas, a qual se encontrava na sua posse desde o dia 24.04.2018.
S. A MTS só teve conhecimento do motivo da falta, no dia 07.05.2018, por e-mail, cujo conteúdo não é compatível com qualquer comunicação prévia por parte do Trabalhador relativamente às faltas e não o é porque essa comunicação não existiu.
T. Não houve, por parte do Trabalhador, qualquer preocupação ou consideração para com a entidade empregadora, no sentido de avisar que não iria comparecer ao serviço nas referidas datas.
U. A decisão da Relação pela justificação das referidas faltas, ao abrigo do estatuto do trabalhador-estudante, funda-se, única e exclusivamente, no entendimento de alguma jurisprudência, pois “(…) desde que o fundamento justificativo fosse verdadeiro, entendiam que o trabalhador havia cumprido o correspondente ónus e que as entidades empregadoras deviam adotar uma atitude de aceitação e justificação de tais ausências”, o que se afigura, para uma qualquer entidade empregadora, manifestamente insuficiente para efeitos de justificação das mencionadas faltas.
V. Tal argumento peca por frágil, desde logo, porque a mera invocação (neste caso, tardia) do motivo justificativo não garante à entidade empregadora que o mesmo seja verdadeiro, ainda para mais quando não é junta a respetiva declaração de falta, em momento oportuno.
W. Não é expectável, nem sequer justo, que a entidade empregadora considere justificadas faltas sem que seja entregue um documento idóneo justificativo das mesmas.
X. O legislador, no n.º 5 do artigo 253.º do CT, ao indicar que “O incumprimento do disposto neste artigo determina que a ausência seja injustificada”, tivesse como objetivo determinar que, nos casos em que o trabalhador indique meramente que vai faltar “por motivos que serão oportunamente justificados”, a entidade empregadora estivesse ad eaternum à espera de tal justificação, ou que a mera intenção de justificar a falta se substituísse ao efetivo documento justificativo da falta.
Y. Não pode uma qualquer entidade empregadora tolerar esta atitude, nem tão pouco manter nos seus quadros trabalhadores que não revelam a mínima diligência no cumprimento das obrigações a que estão, legal, contratual e internamente adstritos, como se demonstrou ser o caso do Trabalhador.
Z. A conivência com tal postura e atitude daria espaço e legitimidade a outros trabalhadores para adotarem posturas e terem atitudes semelhantes, perante faltas ao serviço, situação que é, de todo, insustentável para a empresa recorrente.
AA. A equiparação que é feita pelo Tribunal da Relação relativamente às faltas dos dias 23.04.2018 e 24.04.2018 e a falta do dia 10.07.2018 é inadmissível porque, embora todas tenham sido motivadas por realização de prova de avaliação, as circunstâncias e atitude do Trabalhador foram díspares, pelo que a consequência será necessariamente diferente.
BB. Relativamente à falta do dia 10.07.2018 respeita, o Trabalhador realizou a comunicação prévia a que estava legalmente obrigado. No entanto, para as faltas dos dias 23 e 24.04.2018, o Trabalhador não só não avisou com a antecedência exigida, como quando o fez, só no dia 5.05.2018 e por e-mail, fê-lo de uma forma leviana e algo rude “[…] aproveito a ocasião para informar que…”, não tendo junto qualquer documento comprovativo da falta, quando já o tinha na sua posse desde a data do exame e o que veio a fazer só no fim do mês de maio, um mês após a falta.
CC. Se o Trabalhador demonstra conhecer as regras a que está adstrito, dando aviso prévio da sua falta do dia 10.07.2018, só seria expectável que o mesmo se verificasse sempre, para todas as faltas da mesma natureza (por realização de prova de avaliação).
DD. As faltas dos dias 23.04.2018 e 24.04.2020 não podem ser equiparadas à falta do dia 10.07.2018, para efeitos de justificação, uma vez que a obrigação de comunicação prévia – condição para a justificação das faltas – para as primeiras não foi cumprida, por parte do Trabalhador, enquanto que para a última foi.
EE. A antiguidade de 9 anos, 2 meses e três semanas, sem quaisquer antecedentes disciplinares, não pode ser nem é um fator atenuante significativo da culpa do Trabalhador ou mesmo da própria ilicitude da conduta do Trabalhador para com a Entidade Empregadora.
FF. Por ser um trabalhador antigo na empresa e por ter desempenhado funções …….. sindical desde julho de 2017 a fevereiro de 2018, é um trabalhador que possui um conhecimento muito mais aprofundado e esclarecido sobre todos os procedimento legais a tomar no âmbito da sua relação contratual com a Recorrente, é-lhe (ao Trabalhador) exigida e esperada uma diligência muito maior no que respeita ao cumprimento dos seus deveres, designadamente nos respeitantes às faltas, pois, enquanto representante sindical possui um conhecimento na área laboral mais rigoroso e apurado do que um qualquer outro trabalhador que não seja sindicalizado e, como tal, conhece as suas obrigações;
GG. Também os factos de i) ser trabalhador estudante e, nessa medida beneficiar do estatuto de trabalhador estudante e, ii) ter a seu cargo a sua filha menor, estando onerado com as responsabilidades parentais inerentes, não o isentam de cumprir as regras gerais e deveres laborais, enquanto trabalhador;
HH. Na apreciação da regularidade e licitude do despedimento, há que ter em linha de conta o conjunto comportamental do Trabalhador, bem como todas as circunstâncias e atitudes que o Trabalhador adotou perante a Entidade Empregadora, nomeadamente no que respeita ao cumprimento da obrigação de comunicação prévia e apresentação atempada de documento justificativo das faltas.
II. Tais comportamentos revelaram uma absoluta desconsideração e desrespeito pela Recorrente, o que causou uma irremediável quebra de confiança entre a MTS e o Trabalhador, pelo que o despedimento é lícito.
E concluía pedindo que o recurso fosse julgado procedente, declarando-se a nulidade do Acórdão na parte em que apresentaria a referida nulidade e, caso assim não se entendesse, que o Acórdão fosse revogado.

O Autor respondeu, pedindo que fosse indeferido o recurso interposto pela Ré e confirmado o Acórdão recorrido.

O Ministério Público emitiu Parecer, defendendo que a Revista deveria ser julgada improcedente.

A Ré respondeu ao Parecer.



2. Fundamentação

De Facto

Foram dados como provados os seguintes factos:

1. A MTS é a concessionária do projeto, da construção, do fornecimento de equipamentos e de material circulante, do financiamento, da exploração, da manutenção e da conservação da totalidade da Rede de Metropolitano Ligeiro da Margem Sul do Tejo.

2. A MTS celebrou com o Trabalhador, a 16 de novembro de 2009, um contrato de trabalho a termo certo, tendo o mesmo sido sujeito a uma renovação em 16 de fevereiro de 2010, conforme contrato de trabalho de fls. 33 e segs., e respetiva renovação da fls. 37 e segs., e que se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

3. Nos termos do qual o Trabalhador se comprometeu a realizar, entre outras, as funções …….., as quais compreendem, nomeadamente, as tarefas seguintes:

(i) Conduzir os veículos de metropolitano ligeiro para os quais esteja devidamente habilitado, respeitando as normas técnicas de condução e de segurança em vigor;

(ii) Assegurar a preparação, o ensaio e a colocação ao serviço dos sistemas ou equipamentos dos veículos, necessários para a realização das marchas, da proteção dos veículos, ou da segurança e conforto dos passageiros e,

(iii) Transmitir e receber toda a informação necessária à segurança da circulação ou à qualidade e segurança das instalações, equipamentos e pessoas, assim como à orientação e informação aos passageiros, nas condições e com os meios e equipamentos previstos em documentos e regulamentação própria.

4. A MTS presta quotidianamente a milhares de passageiros em cumprimentos dos horários a que está vinculada perante o Estado Português.

5. O registo de entrada ao serviço da Ré é processado por chamada telefónica (na sala de operadores da Sede da Ré, do telemóvel de serviço facultado pela Ré ou do telemóvel pessoal do funcionário), ou através do rádio do “Combino MTS”, entrada essa que é registada manualmente por um Regulador do PCC.

6. Em 04.02.2018, o Autor não compareceu ao serviço.

7. Em 11.02.2018, o Autor não compareceu ao serviço.

8. Em 04.03.2018, o Autor não compareceu ao serviço.

9. Em 20.03.2018, o Autor não compareceu ao serviço.

10. Em 23.04.2018, o Autor não compareceu ao serviço.

11. Em 24.04.2018, o Autor não compareceu ao serviço.

12. Em 08.05.2018, o Autor não compareceu ao serviço.

13. Em 10.07.2018, o Autor não compareceu ao serviço.

14. Em 04.09.2018, o Autor não compareceu ao serviço.

15. Em 20.10.2018, o Autor abandonou a segunda parte do serviço e não justificou a sua falta.

16. O Autor remeteu E-mail dirigido a BB, superior hierárquico do Autor na Ré, datado de 03/02/2018 – no qual o Autor comunica que não comparecerá ao serviço, nos dias 4, 10 e 11 de fevereiro, conforme cópia de fls. 77, e que se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, no qual o Autor indica “Na sequência da informação dada hoje à minha pessoa por V/Exa., no sentido de não me poder fazer acompanhar pela minha filha durante o serviço, e uma vez que não se vê como possa eu conciliar as obrigações decorrentes das responsabilidades parentais das quais estou onerado, com tal proibição, cumpre informar:

17. A Ré não exigiu ao Autor a junção de documentação de prova da justificação das faltas do dia 4 e 11 de fevereiro.

18. O Autor é pai de uma menor, que com este vive, tendo-lhe sida atribuída a guarda e cuidado da filha no âmbito do processo de Regulação das Responsabilidades Parentais nos termos do Processo 2391/14.7TBSXL.

19. Em alguns sábados e domingos a progenitora da menor não pode ficar com ela.

20. O Autor, aluno da Faculdade ……. da Universidade …., e ao serviço da Ré com o estatuto de trabalhador-estudante, foi submetido a prova de exame no dia 24 de abril de 2018, tendo faltado nesse dia e no anterior.

21. O Autor, em E-mail remetido ao escalador e Chefe do PCC, Sr. BB, no dia 07 de maio de 2018, comunicou a este datas de exames de 17, 24 e 28 de maio, mais refere “aproveito a ocasião para informar que a falta de dia 24 de abril se deveu a exame, e que amanhã não irei comparecer ao serviços, por motivos que serão oportunamente justificados”, conforme E-mail de fls.79 v.º e que se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

22. O Autor enviou E-mail de 03/07/2018 dirigido a BB informando-o da existência de prova oral no dia 10 de julho, conforme documento de fls. 82 v.º, e que se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

23. No final do mês de maio de 2018 a Ré descontou ao Autor quatro dias de vencimento, correspondendo aos dias 23 e 24 de abril e a duas folgas.

24. O Autor remeteu à Ré a missiva cuja cópia se encontra junta a fls. 80 e 81, e que se dá aqui por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais.

25. No registo de início e termo do período normal de trabalho que a Ré entregou ao Autor relativo a julho de 2018, o dia 10 de julho está assinalado com a sigla “ExE”.

26. O Autor, desde agosto de 2014 até ao seu despedimento, e mediante requerimento dirigido à Ré, exerceu o direito à flexibilidade de horário, nos termos e conforme o art.º 56.º do CT, com a amplitude diária de horário de trabalho cujo terminus a quo e terminus ad quem foi, respetivamente, 08h30 e 21h00.

27. Desde setembro de 2017 até ao seu despedimento, o Autor, por ter ingressado na Licenciatura em …….. da Faculdade de …….. da Universidade .…….., requereu e beneficiou, enquanto funcionário da Ré, do estatuto de trabalhador-estudante.

28. A 14 de março de 2019, o Autor, intentou uma ação contra a Ré, na qual peticiona o pagamento de créditos laborais, que corre termos neste tribunal, sob o Processo 797/19……… .

29. O Autor remeteu à Ré um requerimento de alteração da flexibilidade de horário, por forma a gozar a sua folga semanal ao Sábado e Domingo, e, assim, não ser forçado a violar o seu dever de assiduidade, sendo recebido pela Ré a 07 de fevereiro de 2018.

30. A Ré não respondeu ao requerimento supra mencionado.

31. O Autor exerceu funções …….. do SITRA – SINDICATO DOS TRABALHADORES DOS TRANSPORTES, desde julho de 2017 a fevereiro de 2018.

32. No dia 3 de fevereiro de 2018, o Autor, por não ter onde deixar a sua filha, levou-a consigo para o serviço, tendo a menor acompanhado o seu pai na ….. do “combino MTS ”, facto que foi observado por passageiros.

33. Às 14h00 do dia referido no n.º anterior, durante o seu serviço, o Autor recebeu um telefonema do Sr. BB, a advertir de que este havia sido informado de que o Autor tinha a sua filha na….., pelo que não poderia continuar com a prestação do serviço.

34. O Autor remeteu à Ré a missiva junta a fls. 85 verso, denominada de Requerimento, solicitando a identidade do denunciante, que se dá aqui por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais.

35. A Ré não respondeu à referida comunicação.

36. A Ré remeteu ao Autor uma carta com data de 25 de fevereiro de 2019, a solicitar a presença do Autor na Sede da Ré para lhe serem pagas a contas finais.

37. A Ré dispõe, no seu mapa de serviços, de funcionários escalados como “Reserva”, “Regulador Móvel” e “Operador Técnico”, todos afetos à função de condução em serviço comercial, e que, normalmente, substituem o Autor nas suas ausências ao serviço.

38. A Ré instaurou processo disciplinar contra o Autor, tendo deliberado, nos termos da respetiva Decisão Final, que resultou provado que o Trabalhador violou o dever de assiduidade, tendo, por isso, aplicado a “sanção disciplinar de despedimento sem indemnização ou compensação nos termos da alínea f) do n.º 1 do artigo 328.º, da alínea g) do n.º 2 do artigo 351.º e do artigo 357.º todos do Código do Trabalho

39. O Autor foi despedido pela Ré no dia 5 de fevereiro de 2019.

40. O Autor, à data do seu despedimento, auferia a retribuição-base de € 755.00.


De Direito

O presente recurso incide sobre duas questões, a saber, a arguição pelo Recorrente de uma nulidade do Acórdão, com fundamento na alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC (aplicável aos Acórdãos do Tribunal da Relação por força do artigo 666.º do CPC) e a existência ou inexistência de justa causa de despedimento por violação do dever de assiduidade do trabalhador.
Antes de as responder diretamente importa ter presentes alguns dos aspetos do regime legal do dever de assiduidade e sua violação, tanto mais que a única acusação disciplinar feita ao Autor consiste precisamente na violação de tal dever.
O trabalhador subordinado está adstrito a um dever de assiduidade e pontualidade (artigo 128.º, n.º 1, alínea b) do CT) cuja violação pode desencadear a aplicação de sanções disciplinares. O Código do Trabalho define a falta como “a ausência de trabalhador do local em que devia desempenhar a atividade durante o período normal de trabalho diário” (artigo 248.º, n.º 1 do CT), sendo que a falta pode ser justificada ou injustificada (artigo 249.º, n.º 1). A respeito das faltas a lei impõe aos trabalhadores dois deveres distintos: o dever de comunicar a ausência, comunicação que deve ser acompanhada da indicação do motivo justificativo da mesma (n.º 1 do artigo 253.º) e o dever de prova do motivo justificativo aduzido, sendo que tal dever de prova do motivo só surge quando o empregador, nos 15 dias seguintes à comunicação da ausência exija ao trabalhador a prova do facto invocado para essa justificação (n.º 1 do artigo 254.º do CT). Sublinhe-se que o incumprimento do ver de comunicar a ausência em conformidade com o disposto no artigo 253.º acarreta que a ausência seja injustificada (n.º 5 do artigo 253.º do CT). Quando uma falta é injustificada – e só nesse caso, evidentemente, é que a mesma releva para efeitos disciplinares – a sanção disciplinar que, porventura, seja aplicada ao trabalhador deverá, nos termos da lei (mais precisamente do disposto no artigo 330.º, n.º 1 do CT), “ser proporcional à gravidade da infração e à culpabilidade do infrator”. Ora daqui já resulta que duas faltas, ainda que sejam ambas injustificadas, podem assumir uma relevância disciplinar muito distinta, já que, designadamente, a culpabilidade do infrator pode divergir substancialmente: pense-se na hipótese de existir materialmente uma causa de justificação para a falta, mas esta dever considerar-se injustificada porque não foi tempestivamente comunicada, ao passo que na outra não só não foi cumprido o dever de comunicação como não existia qualquer justificação material para a ausência. O tratamento disciplinar destas faltas deve, como o Acórdão recorrido bem destaca, atender ao diferente grau de censurabilidade do trabalhador.
Sublinhe-se, ainda, que para efeitos de existência de justa causa, a alínea g) do n.º 2 do artigo 351.º do CT estabelece que “constituem, nomeadamente, justa causa de despedimento os seguintes comportamentos do trabalhador: (…) faltas não justificadas ao trabalho que determinem diretamente prejuízos ou riscos graves para a empresa, ou cujo número atinja, em cada ano civil, cinco seguidas ou 10 interpoladas, independentemente de prejuízo ou risco”. Resulta desta norma que o legislador distinguiu claramente duas situações: uma em que o número de faltas injustificadas é pelo menos igual a cinco seguidas ou dez interpoladas no mesmo ano civil e outra em que o número de faltas injustificadas dadas no ano civil é inferior. No primeiro caso, a justa causa pode existir “independentemente de prejuízo ou risco” que não têm, portanto, que ser alegados e provados pelo empregador, já que não são elementos necessários para a existência de justa causa. O que não significa, no entanto, que mesmo nesta hipótese haja automaticamente justa causa de despedimento porquanto será sempre necessário verificar se as faltas injustificadas traduzem também uma atitude de culpa grave por parte do trabalhador, o que nem sempre sucede. Mas no caso, que, como veremos, corresponde à situação dos autos, de o número de faltas injustificadas ser inferior às cinco seguidas ou dez interpoladas no mesmo ano civil, a lei não dispensa a alegação e a prova pelo empregador de prejuízos ou riscos para a empresa diretamente causados pelas referidas faltas.
Passando agora à análise das questões colocadas pelo presente recurso de revista, o Recorrente começa por arguir uma nulidade do Acórdão recorrido que consistiria em uma ambiguidade ou obscuridade que tornaria a decisão – ou, ao menos, um segmento da decisão – ininteligível. Tal ambiguidade verificar-se-ia a propósito da existência ou não de justificação das faltas dadas pelo trabalhador nos dias 4.02.2018 e 11.02.2018.

A propósito destas faltas o Acórdão recorrido afirmou o seguinte:

“Chegados aqui, constatamos que o Autor, no ano de 2018, deu 8 faltas injustificadas por referência a jornadas completas de trabalho [dias 4/2/2018, 11/2/2018, 4/3/2018, 20/3/2018, 23/4/2018, 24/4/2018, 8/5/2010 e 4/9/2010 e 1 falta relativa a meio período normal diário de trabalho [20/10/2018], sendo que, no que se refere às faltas dadas nos dias 23/4 e 24/4 as mesmas foram motivadas por um exame de uma cadeira do curso noturno …… que frequenta e foram apenas consideradas como injustificadas por razões formais – omissão de comunicação antecipada e apresentação de justificação tardia – e não por que não tivessem fundamental legal válido e legítimo.

Importa também referir, quanto às faltas injustificadas dos dias 4/2 e 11/2, que as mesmas foram antecipadamente comunicadas e que a Ré não exigiu do Autor a apresentação de qualquer documentação [?] ou outro elemento comprovativo dos motivos parentais invocados, que, convirá realçar, foram valorados e relevados pela empresa no que respeita à ausência do trabalhador na tarde do dia 3/2/2018.       

Sendo assim, deparamo-nos apenas com 4 faltas e meia dadas totalmente no vazio [digamos assim] ou seja sem invocação de fundamento material para elas e sem comunicação antecipada e justificação oportuna e suficiente” (pp. 49-50 do Acórdão).

E mais adiante afirma-se:
 “Tudo isto conjugado aponta no sentido de uma diminuição significativa da culpa do Autor, como da própria ilicitude de algumas das faltas injustificadas verificadas ao sábado e domingo [dias 4/2/2018, 11/2/2018, 4/3/2018 e 20/10/2018], afigurando-se-nos, nessa medida, que não houve uma qualquer quebra irrecuperável de confiança nem era inexigível à Ré a manutenção do vínculo laboral em questão, sendo perfeitamente adequada e proporcional a aplicação de uma outra sanção disciplinar, que fosse conservatória do vínculo laboral” (p.51).

Não vislumbramos aqui qualquer ambiguidade ou contradição. Estas faltas dos dias 04/02/2018 e 11/02/2018 foram inequivocamente consideradas faltas injustificadas, tendo apenas o Tribunal sublinhado que as faltas injustificadas não assumem sempre a mesma gravidade, em termos da censurabilidade do agente (que referiu tanto à ilicitude, como à culpa). É também com esse sentido que se afirma que há quatro faltas e meia “dadas totalmente no vazio”, destacando que há faltas injustificadas que podem em termos disciplinares ser mais graves que outras (ainda que também estas últimas injustificadas ou careceriam de relevância disciplinar). Pode-se discutir se terá havido aqui um erro de julgamento – por exemplo ao caracterizar como injustificada a falta dada no dia 10/02/2018, como diremos adiante – mas o erro de julgamento não se confunde com a nulidade do Acórdão. Há, pois, que concluir que não se verifica a pretendida nulidade.

Passando agora à questão da existência ou não de justa causa para o despedimento, importa começar por assinalar que o número de faltas injustificadas que foi invocado pelo empregador é seguramente inferior ao número de cinco seguidas ou dez interpoladas no mesmo ano civil.
Com efeito, nos factos 6 a 15 vêm elencados dez dias de ausência ao serviço (em rigor, nove e meia, face ao facto 15), mas está assente no presente processo que uma das faltas se deve considerar justificada – a do dia 10.07.2018, como, de resto, o próprio empregador reconhece agora no seu recurso.
A situação não se enquadra, pois, na parte final da alínea g) do n.º 2 do artigo 351.º, independentemente da qualificação a dar a algumas outras faltas como, por exemplo, as dadas a 04.11.2018 e a 11.04.2018. Sendo assim, sempre caberia ao empregador o ónus de alegar e de provar a existência de um prejuízo ou risco grave diretamente causado pelas faltas, prejuízo ou risco que não foram provados o que, só por si, determina que não exista justa causa para o presente despedimento.
Em todo o caso, a justa causa de despedimento exige também a demonstração de um grau elevado de censurabilidade por parte do infrator que tão-pouco se verificou no caso vertente. Em rigor, de resto, a falta dada a 11.04.2018 deve considerar-se como justificada: foi feita a comunicação tempestiva exigida por lei e indicado o motivo, não tendo sido exigida pelo empregador a comprovação do mesmo. E o motivo – o cumprimento de obrigações parentais relativamente à filha do trabalhador que segundo informa o Acórdão recorrido tinha 8 anos de idade quando as faltas ocorreram – é um motivo legítimo para a justificação das faltas, dado que a alínea d) do n.º 2 do artigo 249.º contém uma cláusula geral seguida de uma enumeração meramente exemplificativa (“nomeadamente”) e a impossibilidade a que se refere deve ser interpretada como uma inexigibilidade à luz, designadamente, de outros deveres, como os familiares, que podem ser tanto ou mais importantes que os deveres laborais. E relativamente a outras faltas injustificadas pelo incumprimento do dever de comunicação o grau de censurabilidade não é, de modo algum, tão grave que justifique a sanção do despedimento, tanto mais que correspondem, algumas delas, a situações em que existiria uma justificação material para a falta (a realização de exames). Destaque-se, de resto, que o próprio legislador, em relação ao regime do trabalhador estudante, relativiza a importância da comunicação prévia ao permitir, não quanto a faltas, mas quanto ao pedido de licença por um dia que este seja feito com uma antecedência prévia de apenas quarenta e oito horas ou sendo inviável logo que possível (artigo 96.º, n.º 4 do CT). Acresce que o juízo de censura ao trabalhador deve ter-se por atenuado, como o Acórdão recorrido bem destaca, pela própria atitude adotada pelo empregador (vejam-se, por exemplo, os factos 29 e 30).
Há, pois, que concluir pela inexistência de justa causa para o despedimento de que foi alvo o Autor.    

Decisão: Negada a revista e confirmado o Acórdão recorrido.
Custas do recurso de revista pelo Recorrente

3 de março de 2021

Para os efeitos do disposto no artigo 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020 de 13 de março (aditado pelo artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 20/2020 de 1 de maio) consigna-se que o Ex.mo Conselheiro Joaquim António Chambel Mourisco e a Ex.ma Conselheira Maria Paula Sá Fernandes votaram em conformidade, sendo o Acórdão assinado apenas pelo Relator.

(Júlio Manuel Vieira Gomes)