Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
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| Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
| Relator: | URBANO DIAS | ||
| Descritores: | MATÉRIA DE FACTO PODERES DA RELAÇÃO | ||
| Nº do Documento: | SJ20080129046751 | ||
| Data do Acordão: | 01/29/2008 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REVISTA | ||
| Decisão: | NEGADA | ||
| Sumário : | I – Não tendo sido impugnada a matéria de facto fixada pela 1ª instância, não pode, em princípio, a Relação alterá-la oficiosamente. II – Ao fazê-lo, a Relação usa mal os poderes conferidos pelo art. 712º do CPC, facto que legitima a intervenção do Supremo no sentido de revogar o indevidamente alterado. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1 – Relatório AA, por si e na qualidade de representante legal dos seus filhos menores, BB (o qual atingiu no decurso da acção a maioridade, passando a intervir por si em juízo) e CC, intentou, no Tribunal Judicial da comarca de Olhão, acção ordinária contra DD, Lda., pedindo a sua condenação no pagamento de 149.639,37 € devidamente actualizados, invocando, para tanto, o incumprimento de dois contratos-promessa de compra e venda celebrados entre si e seu ex-cônjuge, enquanto promitentes-compradores, e a esta, como promitente-vendedora, e relativos a um total de seis apartamentos. A R. defendeu-se por via de excepção, arguindo, por um lado, a ilegitimidade do 1º A. com fundamento no facto de ele não ter outorgado nos ditos contratos-promessa e, por outro, alegando revogação ou distrate dos mesmos, levada a cabo por si e pela ex-mulher do 1º A., tendo esta, como contrapartida de tais revogações, celebrado um contrato-promessa de alienação de quinhão hereditário de terceiro, tendo percebido 15.000.000$00. Saneado (o que determinou a improcedência da excepção de ilegitimidade) e condensado, o processo seguiu para julgamento, após o qual foi a acção julgada parcialmente procedente e, consequentemente, a R. condenada a pagar aos AA. a quantia de 149.639,37 €. Mediante apelação interposta pela R., o Tribunal da Relação de Évora alterou a decisão proferida sobre a matéria de facto, o que motivou diferente enquadramento da questão de direito e determinou a absolvição daquela. Concretamente, a Relação alterou a resposta dada ao quesito 3º (inicialmente dado como provado e alterado para não provado) e daí partiu para a procedência da restante matéria excepcional invocada pela R.-apelante. Foi a vez dos AA. não se conformarem com o teor desta decisão e pedirem revista do aresto proferido, a coberto das seguintes conclusões: - O cerne da questão, na presente revista, assenta na necessidade de se manter integralmente a decisão proferida em 1ª instância e considerar-se o quesito 3° da base instrutória como “provado” assim se fazendo justiça. - O Tribunal de 1ª instância decidiu, em sede de matéria fáctica que na ocasião referida em 9. e 10. da matéria dada como provada, a procuradora MC, agiu também como representante de AA. - Assim, quando a procuradora MC assina os contratos-promessa, fá-lo como representante do casal, OB e marido AA. Mais, - A procuradora MC age nos termos da procuração que lhe foi outorgada pelo referido casal, OB e AA, que se encontra arquivada sob o nº 117 a fls. 194 no maço de documentos correspondente ao Livro nº D -111 de notas para escrituras diversas, do Cartório Notarial de Olhão e instrui a escritura lavrada a fls. 144 do dito livro e de que ora se junta fotocópia autenticada e se dá por integralmente reproduzida para todos os legais efeitos. Logo, - “A celebração de contratos promessa firmados por ambos os cônjuges só por ambos poderia ser revogados ou distratados” (sic). - O reconhecimento notarial de assinaturas assentou na procuração outorgada pelo ora recorrente e sua mulher OB. Mais, - Completamente esclarecedor da questão é o exposto na sentença proferida pelo Tribunal a quo e que se passa a transcrever (fls. 280): “Provou-se que aquando da celebração dos contratos consubstanciados nos factos 9. e 10. supra, os outorgantes OB e o AA eram casados sob o regime da comunhão geral de bens - factos 1. e 3.. A comunhão geral de bens implica a compropriedade de todos os bens não excepcionados pelo art. 1773 C.C. – cfr. se depreende do teor do art. 1732° CC. Não se provaram as datas certas em que terá ocorrido a subscrição por OB Pires dos escritos revogatórios – factos 32. e 33. - embora não tenham sido posteriores a 110ut99 e 210ut99. Podia tal ter acontecido já após a dissolução do casamento, como poderiam ter acontecido antes de tal dissolução. Mas para o caso é irrelevante: a extinção do casamento não implica a extinção da compropriedade sem que haja partilha provada nos autos. Assim nada prova que OB poderia revogar sozinha depois do casamento se ter dissolvido. Se o foi antes do casamento cessar, então não podia mesmo – art. 1682º-A, nº1 al. a) CC. Dessa forma, a consequência revela-se idêntica: não havendo consentimento de ambos os contitulares do direito na sua extinção, a revogação é nula por falta de legitimidade da única outorgante revogante – artigos 1405º, nº 1 C.C. e 892° CC. Assim, é absolutamente inoperante qualquer excepção peremptória, o que remete para a conclusão jurídica já acima referida. - Ao descurar este entendimento, o acórdão recorrido violou a lei substantiva, errando na interpretação e aplicação, nomeadamente, violando os seguintes artigos: arts. 1773º, art. 1732°, 1682º – A, nº 1 al. a), 1405, nº 1 e 892°, todos do Código Civil. - Mais, no acórdão recorrido não foram especificados os fundamentos de facto e de direito que levaram à decisão de alterar a matéria de facto considerada provada, o que constitui a nulidade prevista no artigo 668, nº 1, b) do CPC, que ora acessoriamente se argúi. Donde, - O acórdão proferido violou o disposto nos artigos art. 1773º, art. 1732°, 1682º-A, nº 1 al. a), 1405º, nº 1 e 892°, todos do CC, bem como, o disposto no artigo 668º, nº 1, b) do CPC. Respondeu a recorrida em defesa do acórdão censurado. 2 – A matéria de facto dada como provada pela 1ª instância foi a seguinte: 1. A 08 Agosto 81, o AA, celebrou com OB, casamento católico, com convenção antenupcial, em que se convencionou o regime da comunhão geral de bens. 2. Desse casamento, nasceram, a 6 de Agosto de 1986 e 23 de Janeiro de 1989, BB e CC, respectivamente. 3. O casamento foi dissolvido por divórcio a 22Nov96. 4. Em 08Jul.00, OB faleceu, no estado civil de divorciada, sem deixar testamento ou qualquer outra disposição de última vontade, tendo deixado como únicos herdeiros os seus dois filhos BB e CC. 5. Pela inscrição 09/060287, a que corresponde a cota G-1 mostra-se efectuada a favor de TG, viúva, FB, solteiro, maior, MT, casada com VT, na comunhão geral, MC, casada com JC, na comunhão de adquiridos, e de OB , casada com AA, na comunhão geral, a aquisição, na proporção de 1/2 para a primeira, 1/6 para cada um dos segundos e terceiros e 1/12 para cada um dos restantes, do prédio rústico composto de cultura arvense, figueiras, oliveiras, alfarrobeiras, amendoeiras e horta, sito em Marim, freguesia de Quelfes, desta comarca, denominado por "Horta do Espanha", com área de 36.800 m2, inscrito na matriz predial rústica competente sob o artigo 0002 – Secção V, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Olhão sob o nº 00766/120287, por partilha na herança de FE. 6. Pela inscrição 11/921230, a que corresponde a cota G-2, mostra-se efectuada a aquisição de1/2 em comum e sem determinação de parte ou direito, a favor de FB, MT, MC e de OB , do prédio referido em 5., por sucessão hereditária. 7. Entre Agosto e Setembro 93, DD, gerente da R., era dono de uma empresa que se dedicava à construção civil. 8. Por escritura pública outorgada a 01 Mar94, no Cartório Notarial de Olhão, FB, solteiro, maior, MT, casada com VT, na comunhão geral, MC, casada com JC, na comunhão de adquiridos, e de OB , casada com AA, na comunhão geral, declararam vender e a R., representada por DD, declarou comprar o prédio referido em 5., pelo preço de dezoito milhões e quinhentos mil escudos. 9.Por escrito de 24Fev94, que as partes designaram como “Contrato de Promessa de Compra e Venda”, a R. declarou prometer vender, e MC, cuja assinatura foi reconhecida presencialmente a 1 de Março de 1994, no Cartório Notarial de Olhão, na qualidade de representante de OB , casada com AA, declarou prometer comprar dois apartamentos do tipo T2 a construir no 3º Lote do Alvará de Loteamento nº 36, emitido em 15Set87 pela Câmara Municipal de Olhão, pelo preço total de Esc. 6.000.000$00, correspondendo cada apartamento a Esc. 3.000.000$00. 10. Por escrito de 24 Fevereiro 94, que as partes designaram como “Contrato de Promessa de Compra e Venda”, a R. declarou prometer vender, e MC, cuja assinatura foi reconhecida presencialmente a 1 de Março de 1994, no Cartório Notarial de Olhão, na qualidade de representante de OB , casada com AA, declarou prometer comprar quatro apartamentos do tipo T2 a construir no Lote nº 32 do Alvará de Loteamento nº 36, emitido em 15Set87 pela Câmara Municipal de Olhão, pelo preço total de Esc. 12.000.000$00, correspondendo cada apartamento a Esc. 3.000.000$00. 11. Os apartamentos referidos em 9. e 10. foram prometidos vender livres de ónus e encargos. 12. Nos escritos referidos em 9. e 10. consta que: “A Sociedade Promitente Vendedora declara expressamente que já recebeu a totalidade daquele preço, pelo que dá a respectiva quitação com a sua assinatura neste Contrato”. 13. Nos escritos referidos em 9. e 10. não foi fixado prazo para a celebração da escritura pública de compra e venda estabelecendo-se que "(…) a sua marcação fica a cargo da Promitente Vendedora (…)". 14. O Alvará de Loteamento nº 36, mencionado nos escritos referidos em 9. e 10., caducou, nunca tendo sido averbado no Registo Predial. 15. A 30Dez99, foi emitido, em nome da R. o Alvará de Loteamento nº 120, referente ao prédio rústico mencionado em 5. 16. O loteamento inicial, titulado pelo alvará nº 36, previa um total de 37 lotes. 17. O alvará nº 120 autoriza a constituição de 18 lotes de terreno, designados de um a dezoito, destinados a construção de dezoito edifícios com quatro pisos cada. 18. Por escritura pública de 25 Fevereiro 00, lavrada no 2º Cartório Notarial de Loulé, a R. declarou vender, e a sociedade SL, Actividades Imobiliárias, Lda., declarou comprar, os lotes quinze a dezoito, que resultaram do loteamento do prédio referido em 5. 19. Por escritura pública de 25Fevereiro00, lavrada no 2° Cartório Notarial de Loulé, a R. declarou vender, e a sociedade CS & Rodrigues, Lda. declarou comprar, os lotes um a catorze, que resultaram do loteamento do prédio referido em 5. 20. Entre Ago e Set.93, DD, na qualidade de gerente da R., propôs aos respectivos donos a aquisição do prédio referido em 5., com vista à sua urbanização. 21. Nessa ocasião, foi acordado que a R. ficava com o prédio, o urbanizava, construía nele edifícios de habitação e comércio, constituía-os em propriedade horizontal e entregava aos então donos diversos apartamentos. 22. Na ocasião referida em 9. e 10., a procuradora MC, agiu também como representante de AA. 23. A diferença de lotes entre o alvará nº 36 e o alvará nº 120 resulta da menor densidade prevista no P.D.M. e de a R. haver cedido cerca de 15.000 m2 de terreno à Câmara Municipal de Olhão para a construção de urna escola secundária. 24. Em consequência do pedido de alvará nº 120, foram efectuadas negociações entre a R. e os anteriores donos do prédio referido em 5., com vista a reduzir proporcionalmente os apartamentos a ceder a estes últimos. 25. Tal redução foi aceite por todos os comproprietários. 26. A R. não deu conhecimento das vendas referidas em 18. e 19. aos AA. e aos demais familiares referidos em 6 .. 27. A R. não transmitiu para os compradores referidos em 18. e 19. qualquer obrigação de ceder apartamentos da urbanização aos AA.. 28. Os AA. por várias vezes manifestaram à R. estar na disposição de reduzir os apartamentos a receber. 29. Esse acordo não chegou ser formalizado. 30. Em virtude da redução referida em 24. e 25. o A. teria direito a pelo menos três fogos nos edifícios a implantar no prédio referido em 5 .. 31. Cada um desses fogos valeria, em Setembro 02, pelo menos € 49.879,79, no mercado imobiliário. 32. Em data não concretamente apurada, mas não posterior a 210utubro 99, a falecida OB subscreveu o documento de fls. 72, em que se declara revogar o contrato promessa em causa referido na cláusula 1 do mesmo documento. 33. Em data não concretamente apurada, mas não posterior a 11 0utubro 99, a falecida OB celebrou com a R. um contrato de promessa de alienação do quinhão hereditário de que era titular por óbito de TG. 34. Nesse mesmo contrato, a referida OB recebeu da R. o preço total de Esc. 15.000.000$00 pela venda do quinhão hereditário. 35. Tendo dado a respectiva quitação. 36. A celebração do contrato referido em 15. teve como pressuposto o acordo entre a falecida OB e a R., pelo facto de o Alvará nº 120 só permitir a constituição de 18 lotes, contrariamente ao Alvará nº 36, com base no qual se tinham efectuado os contratos de promessa em 1994. Em resultado da decisão da Relação de Évora (alteração da resposta ao quesito 3º) o ponto 22 (“na ocasião referida em 9. e 10., a procuradora MC, agiu também como representante de AA”) supra elencado deixou de ser considerado. 3 – Quid iuris? Lendo com a atenção devida as conclusões dos recorrentes, concluímos que nos são colocadas apenas duas questões: uma de natureza processual – invocada de uma forma dita “acessória” – e outra de natureza substantiva. Logicamente que teremos de começar a nossa apreciação por esta última questão, malgrado esta ter sido vertida na parte final das conclusões. Diz ela respeito a uma pretensa nulidade de decisão com previsão na al. b) do nº 1 do art. 668º do CPC. A Relação alterou, de provado para não provado, a resposta dada ao quesito 3º da base instrutória. Fê-lo invocando os poderes legais conferidos pelo art. 712º do CPC e depois de ter analisado com critério os documentos juntos aos autos. Por via disso, acabou por concluir que o 1º A. não interveio nos contratos-promessa em causa, facto que legitimou de vez o distrate dos mesmos por parte da sua ex-mulher. Pelo que ficou dito, uma cousa é certa: a Relação fundamentou, especificou, quer de facto, quer de direito, a sua decisão de alteração do sentido do quesito. Não cometeu, pois, a arguida nulidade de decisão. Saber se a Relação usou devidamente os poderes conferidos pelo art. 712º do CPC é outra questão, que tem a ver com a parte nobre do recurso, como iremos ver. A solutio desta passa pela questão de saber se o 1º A. interveio ou não nos contratos-promessa. Na ânsia de encontrar a resposta certa o Tribunal da Relação de Évora, acabou por alterar a resposta que a 1ª instância deu ao quesito 3º, passando a mesma a ser negativa, facto que lhe permitiu chegar à conclusão de que a procuradora MC não interveio na feitura dos contratos-promessa como represente do 1º A.. Não teve, porém, o cuidado de eliminar do elenco dos factos provados o ponto 22 (correspondente precisamente à resposta ao quesito 3º), facto que poderia levar a formular juízos de contradição na matéria de facto firmada. Aconteceu que o Tribunal de 1ª instância deu como provada a matéria constante do quesito 3º (correspondente ao ponto 22 dos factos assentes), ou seja, que a procuradora MC interveio também em representação do 1º A., baseando-se unicamente no facto de a procuração usada na feitura dos contratos-promessa ter sido a mesma que valeu para a outorga de contratos de venda celebrados pelo 1º A. e por sua ex-mulher. A Relação de Évora entendeu ser ilegítima esta conclusão (“desconhecendo-se o teor da procuração que foi exibida para efeitos desse reconhecimento, cuja prova não foi feita nos autos, não se vê como se pode sustentar que o AA também outorgou nesses contratos promessa. Não é seguro que aquela procuração tenha também sido emitida pelo AA: a hipótese de este não figurar na procuração explicaria, aliás, a omissão da referência à sua pessoa naquele reconhecimento notarial, contra o que o uso da expressão «representados» no texto dos contratos promessa imporia”) acabou por alterar a resposta de positiva para negativa. Para tanto usou os poderes conferidos pelo art. 712º do CPC, mas olvidou que tal matéria não tinha sido objecto de impugnação, o que, desde logo, a inibia de fazer uso daqueles poderes de alteração (cfr. v.g. Lopes do Rego, in Comentário ao Código de Processo Civil, pág. 484, e Lebre de Freitas e Outros, in Código de Processo Civil Anotado, Volume 3º, pág. 93 e ss., e Abrantes Geraldes, in Temas da Reforma do Processo Civil – II Volume, pág. 262 e ss.). Podemos, assim, dizer que a Relação fez um mau uso dos poderes conferidos pelo art. 712º do CPC, sendo certo que o STJ não pode deixar de sindicar tal erro. Mas, mais grave, alterou a resposta com base numa simples interpretação do teor dos contratos ajuizados, fazendo tábua rasa da verdadeira razão de ser do quesito e das limitações ao nível de prova a que o mesmo estava sujeito (cfr. arts. 393º e 394º do CC). De tudo isto resulta que nem a 1ª instância podia ter respondido ao quesito em causa na base em que o fez, nem a Relação podia ter alterado a resposta com o fundamento invocado. A resposta positiva a esse quesito apenas podia basear-se ou em prova confessória da R. ou em prova documental (cfr. arts. 352º, 358º e 393º, todos do CC). Fora destes dois casos, a resposta não podia deixar de ser negativa. Feita esta crítica à actividade das instâncias – crítica essa feita no estrito poder cognitivo do STJ –, de violação de regras de direito probatório, estamos, agora, em condições de afirmar que, pelo que resulta dos contratos-promessa, MC apenas interveio na qualidade de representante da ex-mulher do 1º A.. Defendem, porém, os AA. que esta nunca poderia representar apenas a ex-mulher do 1º A. pela razão de que a procuração que serviu de base à outorga dos contratos foi passada não só por esta como também pelo próprio 1º A.. Mas isso não invalida o negócio que MC fez na justa medida que usou os poderes que a sua representada lhe conferiu, sendo bem certo que, para além desses poderes, ainda tinha os que o 1º A. lhe tinha confiado. A prova de que a procuradora interveio também em representação do 1º A. cabia, naturalmente, aos AA. por força do disposto no art. 342º, nº 1 do CC. Não tendo sido feita a prova – e pelos únicos meios de prova já referidos – permanece a dúvida sobre a veracidade da alegação dos AA., a qual só pode resolver-se contra eles próprios, únicos a quem o facto alegado aproveitaria (cfr. art. 516º do CPC). Não tendo os AA. logrado fazer a prova do facto constitutivo invocado – que a MC também representou o 1º A. - de pé fica que esta, enquanto procuradora, apenas usou os poderes lhe foram conferidos pela ex-mulher deste, OB. Tudo o que aqui foi trazido pelos ora recorrentes em defesa da revogação do aresto da Relação de Évora e relativo ao consentimento conjugal para a celebração de determinado tipo de negócios, no caso de entre os cônjuges vigorar qualquer regime de bens, excepção feita ao da separação de bens, como sejam a alienação, oneração, arrendamento ou oneração de outros direitos reais de gozo sobre imóveis próprios ou comuns (art. 1682º-A do CC), às modalidades de divórcio (art. 1773º), ao regime da comunhão geral de bens (art. 1732º), à compropriedade (art. 1405º, n º 1) e, ainda, à venda de bens alheios (art. 892º) irreleva de todo na decisão final. É que a simples invocação de todos estes preceitos legais, permite dizer que os recorrentes olvidam que em jogo estão meros efeitos de contratos-promessa. Esquecem, porém, que um contrato-promessa não tem a virtualidade de passar da esfera de um para a esfera de outro contratantes a propriedade da coisa que constitui o objecto do contrato prometido. O contrato-promessa é a convenção pela qual as partes, ou apenas uma parte, se obrigam a celebrar um certo contrato. Provado pelas instâncias (e, repete-se, que não foi posta em crise a forma como a Relação alterou a resposta dada ao quesito 3º da base instrutória), ficou apenas assente que os contratos-promessa só foram celebrados pela ex-mulher do 1º A., mãe dos outros dois RR., e sendo certo que ela não precisava para tanto do consentimento daquele, nenhum obstáculo sobreveio no sentido de ser apenas ela também a distratar os mesmos. Totalmente deslocadas as referências aos efeitos do divórcio, da compropriedade e da venda de coisa alheia: o contrato-promessa apenas obrigou a ex-mulher do 1º A., já que este nunca se obrigou a nada. Os negócios efectuados pela ex-mulher do 1º A. nunca oneraram o património comum do casal nem o poderiam fazer porque, como já se sublinhou, não tinham a virtualidade de fazer, só por si, onerar o mesmo, como acabaram por não o onerar. Os referidos negócios, a serem cumpridos, acabariam até por entrarem no património comum do casal, sendo que para a compra de bens, ainda que o regime de casamento seja o da comunhão geral, nunca é necessário o consentimento do outro cônjuge. Distratados os aludidos contratos-promessa e pela única pessoa que, na veste de promitente-compradora, o podia fazer por ter sido ela a única que interveio na outorga dos mesmos, não vemos como se possa responsabilizar a R.-recorrida pelo ressarcimento dos alegados prejuízos invocados pelos AA. recorrentes. 4- Decisão Em conformidade, decide-se negar a revista, embora com argumentação diferente da usada pela Relação de Évora, e condenar os recorrentes no pagamento das custas devidas. Lisboa, aos 29 de Janeiro de 2008 Urbano Dias Paulo Sá Mário Cruz |