Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
02B1613
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: FERREIRA GIRÃO
Nº do Documento: SJ200207040016132
Data do Acordão: 07/04/2002
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: T REL ÉVORA
Tribunal Recurso: 598/01
Processo no Tribunal Recurso: 27-09-2001
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Sumário :
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
O Estado Português, através da Inspecção-Geral dos Jogos, accionou as rés "A - SA", Banco B (actualmente Banco ...., SA), Banco C e Banco D (actualmente, Banco ....., SA) com os seguintes pedidos:
a)declaração de nulidade dos contratos de hipotecas constituídas a favor das 2ª e 3ª rés, por escritura lavrada em 6/6/1991, no 17º Cartório Notarial de Lisboa, a fls. 55 a 59 do Livro de Notas para escrituras diversas nº 144-E, na parte que se refere à hipoteca do prédio urbano, sito em Vilamoura, com a composição referida no artigo 1º da petição inicial e descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé, na ficha nº 04117/121290;
b)declaração de nulidade do contrato de hipoteca constituída a favor da 4ª ré, por escritura lavrada em 23/7/1993, nº 7º Cartório Notarial de Lisboa, a fls. 23,vº e 24 do Livro de Notas nº 72-B e rectificada por escritura de 23/9/1993, lavrada no mesmo Cartório, a fls. 44 a 47 do Livro de Notas nº 71-B, na parte que se refere à hipoteca do mesmo prédio;
c)ordem de cancelamento, na dita Conservatória, das inscrições referenciadas pelas cotas C-1, C-2, C-3, C-4, C-5 e C-6, na ficha de descrição nº 04117/121290.
Como fundamento alega, em síntese, o seguinte:
--em execução de um contrato de concessão de exploração de jogos de fortuna e azar, que celebrou com a ré A, esta adquiriu um terreno, no qual veio a instalar um casino, em Vilamoura, reversível para o Estado;
--essa concessão foi, entretanto, rescindida pelo autor, que, em consequência da referida cláusula de reversão, logo fez inscrever, a seu favor, a propriedade do Casino;
--as hipotecas constituídas sobre esse prédio são nulas, por força do disposto no artigo 715 do Código Civil, pois que estando, como estava, vedado à A alienar o prédio - por virtude da cláusula de reversão --, também lhe era defeso onerá-lo com qualquer hipoteca.
As rés contestaram no sentido da absolvição do pedido, o que veio a suceder logo no despacho saneador.
A Relação de Évora, negando provimento à apelação interposta pelo autor, confirmou o saneador-sentença, que julgou improcedente a acção.
Insiste a autora, agora de revista para o Supremo, na defesa da sua tese, através das seguintes conclusões:
1. No acórdão recorrido fez-se inadequada apreciação e valoração da matéria fáctica considerada provada e indevida aplicação dos preceitos legais;
2. O prédio do Casino de Vilamoura só poderia ser hipotecado pela concessionária, se o mesmo pudesse ser alienado pela mesma empresa;
3. A posição da concessionária, perante o direito de reversão de que o Estado goza, caracteriza-se tecnicamente como uma sujeição;
4. A essa sujeição corresponde, por parte do Estado, uma expectativa real de actuação automática, o que consubstancia um direito real de aquisição que recai sobre o prédio do Casino de Vilamoura;
5. Perante esta situação, a empresa proprietária do Casino não poderia aliená-lo, face ao carácter automático da reversão e à própria natureza do direito de reversão;
6. E não podendo a concessionária alienar o prédio do Casino de Vilamoura não podia hipotecá-lo, em face do que dispõe o artigo 715 do Código Civil;
7. Este entendimento é sustentado pelos Professores de Direito Marcelo Rebelo de Sousa, Diogo Freitas do Amaral e José Oliveira Ascensão, em pareceres que se encontram juntos aos autos;
8. No acórdão recorrido, considerou-se que as hipotecas, com excepção da referente ao Banco D, foram constituídas enquanto o prédio era rústico e antes da aprovação da implantação do casino de Vilamoura, factos estes que não correspondem à realidade conforme os autos evidenciam;
9. O acórdão recorrido apoiou-se fundamentalmente no facto do direito de reversão não se encontrar registado na Conservatória do Registo Predial previamente ao registo das hipotecas para concluir que, face ao principio consignado no nº 1 do artigo 9º do Código do Registo Predial, as hipotecas são válidas;
10. Também no acórdão se sustentou que o prédio do Casino de Vilamoura, enquanto a A era concessionária, se integrava no comércio jurídico privado, entendimento este que não pode ser consagrado face às disposições legais e contratuais;
11. O acórdão recorrido violou o disposto no artigo 715 do Código Civil, no artigo 3º, nº 1, als. a) e b) do Decreto nº 49463, no artigo 13º do Decreto nº 48912 e nos artigos 15º e 27º, nº 1 do Decreto-Lei nº 422/89.

Contra-alegaram os três Bancos réus no sentido da improcedência do recurso.
Corridos os vistos, cumpre decidir.

A Relação fixou os seguintes factos como provados:
1º Por contrato celebrado no dia 16/12/1971, publicado no DR, III série, nº 303, de 30 desse mês e ano, foi adjudicada à ré "A - SA," a concessão do exclusivo de exploração de jogos de fortuna ou azar na zona de jogo permanente do Algarve;
2º Este contrato foi revisto e integralmente substituído pelo que foi celebrado com a mesma sociedade no dia 10/5/1983, que foi publicado no DR, III série, nº 122, de 27 de Maio desse ano;
3º Esse contrato de concessão foi extinto por rescisão, através da Resolução do Conselho de Ministros nº 8/94 (II série), de 28 de Abri de 1994, publicada no DR, II série, nº 99(suplemento), de 29/4/1994;
4º Em execução do contrato de concessão a ré A adquiriu um prédio rústico em Vilamoura, Quarteira, Loulé, onde construiu um edifício destinado ao Casino de Vilamoura;
5º Esse prédio encontra-se descrito na Conservatória de Registo Predial (Loulé) com o nº 04117/121290 (anterior nº 35.562).
Inicialmente, a sua descrição era a seguinte:
«Prédio rústico - Vilamoura - terreno destinado à construção do Casino definitivo de Vilamoura - 45000m2 (...)».
Pelo averbamento 01, apresentação 14/291092, passou a ter a seguinte descrição:
«Urbano -- «Casino de Vilamoura» -- edifício com hall (Portaria e Bengaleiro), restaurantes, bares, cozinhas e refeitórios, sala de espectáculos com palco e camarins, night club e camarins, sala de jogos tradicionais e zona de apoio (gabinete do chefe, gabinete de vídeo, caixa forte, sala de informática da Inspecção Geral de Jogos, 2 gabinetes da citada Inspecção, sala de repouso, arrumos, 2 vestiários, sala de treino, sala de jogos de máquinas (bar e copa, oficina, sala de repouso, vestiários), economato, lavandaria, gabinete médico, 3 gabinetes para o Conselho Administrativo), sala de bingo com gabinete, sala de repouso, recepção e vestiários; área comercial com 10 lojas, zona de exposições, tabacaria e várias instalações sanitárias, logradouro com lago e cascatas, fonte, parque de estacionamento, jardins e arruamentos - com a área coberta de 10125m2 e descoberta de 34875m2 - valor venal 1720000000 escudos;
6º Após a extinção do contrato de concessão, a Inspecção-Geral de Jogos requereu o registo de aquisição a favor do autor Estado, por reversão, o qual foi lavrado definitivamente, em 21/7/1994;
7º Aquando do registo na Conservatória de Registo Predial (Loulé) da aquisição por reversão a favor do autor Estado, a Inspecção Geral de Jogos foi surpreendida com o registo das hipotecas feitas pela ré A a favor dos 3 réus Bancos:
a) Hipoteca voluntária a favor do réu Banco B, correspondente à cota C-1 para garantia do capital de 300000000 escudos, juro anual, montante máximo 519000000 escudos;
b) Hipoteca voluntária a favor do réu Banco B, correspondente à cota C-4 para garantia de ampliação de juros, montante máximo mais 35250000 escudos;
c) Hipoteca voluntária a favor do réu Banco C, correspondente à cota C-2 para garantia de capital 307974999 escudos e juros, montante máximo 567442095 escudos;
d) Hipoteca voluntária a favor do réu Banco C, correspondendo à inscrição C-3, para garantia de capital de 300000000 escudos e juros, montante máximo 519000000 escudos;
e) Hipoteca voluntária a favor do réu Banco C, correspondendo à cota C-5 para garantia de ampliação de juros e despesas, montante máximo mais 35250000 escudos;
f) Hipoteca voluntária a favor do réu Banco D, correspondendo à cota C-7 para garantia de capital 650000000 escudos e juros, máximo 1131000000 escudos;

8º As hipotecas a favor dos réus Banco B e Banco C, foram constituídas pela escritura lavrada no 17º Cartório Notarial (Lisboa), no dia 6/6/1991, a fls. 55 a 59 do Livro de Notas para escrituras diversas nº 144-E;
9º A hipoteca a favor do réu Banco D, SA, foi constituída por escritura pública lavrada no 7º Cartório Notarial (Lisboa), no dia 23/7/1993, a fls. 23, vº e 24 do Livro de Notas nº 72-B, rectificada pela de 23/9/1993.

A questão fundamental a decidir é a de saber se as hipotecas discriminadas nos autos, registadas a favor dos bancos recorridos, tendo por objecto o prédio rústico sobre o qual a respectiva proprietária e ora recorrida A veio a construir o Casino de Vilamoura, serão nulas, nos termos do disposto no artigo 715 do Código Civil, em consequência do direito de reversão de que o Estado, ora recorrente, era titular relativamente ao referido prédio, por força do contrato de concessão que celebrou com a A.

Ambas as instâncias deram resposta negativa à questão, julgando improcedente a acção.

Insiste o autor Estado, perante este Tribunal de revista, na defesa da tese da nulidade das hipotecas, aduzindo, na sua essência, os mesmos argumentos (ancorados nos mesmos magistrais pareceres) que já aduzira no recurso para a Relação e aos quais esta deu brilhante e convincente resposta, merecedora, por isso, da nossa plena homologação, sem necessidade de outra argumentação complementar.

Cumpre, no entanto e ainda, esclarecer que não está correcta a conclusão h) (supra 8) do recorrente no sentido de o acórdão sob recurso ter considerado - contra a realidade evidenciada pelos autos -- que as hipotecas, à excepção da referente ao Banco D, tenham sido constituídas enquanto o prédio era rústico e antes da aprovação da implantação do Casino de Vilamoura.

O acórdão assevera, na verdade, que as hipotecas, salvo a do Banco D, foram constituídas «segundo os dados constantes do registo predial e das escrituras, sobre o prédio rústico descrito como terreno destinado á construção do casino definitivo de Vilamoura.».
Mas é exactamente isso que se extrai dos factos provados, porquanto as referidas hipotecas foram constituídas por escritura de 6/6/1991, enquanto o averbamento registral do prédio como urbano teve lugar mais tarde, em 29/10/92.
Aliás, esta realidade não é sequer posta em causa pelo próprio recorrente no corpo da sua alegação de recurso.

Por outro lado, não é verdade que o acórdão tenha considerado que as hipotecas em causa foram constituídas antes da aprovação da implantação do Casino.
O que nele se lê a esse propósito é que «...não está provado, nem sequer foi, aliás, alegado - ónus que cabia ao A., por se tratar de facto constitutivo do direito que invoca (artº 342º, nº 1CC) - qual a data em que o Governo aprovou a implantação do casino no terreno,...». (cfr. fls. 512).
DECISÃO
Pelo exposto nega-se a revista, com remissão para os fundamentos do acórdão impugnado, conforme permite o nº 5 do artigo 713, ex vi artigo 726, ambos do Código de Processo Civil.
Sem custas, por força do disposto no artigo 2º, nº 1, al. a) do C. Custas Judiciais.

Lisboa, 4 de Julho de 2002.
Ferreira girão,
Luis Fonseca,
Moitinho de Almeida. (Dispensei o visto).