Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
06A2464
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SEBASTÃO PÓVOAS
Descritores: EXCESSO DE PRONÚNCIA
ACÇÃO DE REIVINDICAÇÃO
Nº do Documento: SJ200609280024641
Data do Acordão: 09/28/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA
Sumário : 1) Há excesso de pronúncia quando a decisão extravasa o pedido formulado pelo Autor, ou pelo demandado se opôs excepção ou deduziu pedido reconvencional, e conheceu, fora dos casos de apreciação oficiosa, questão não submetida à apreciação do julgador.
2) O excesso de conhecimento traduz uma falta de correspondência entre a pretensão e a pronúncia e é gerador de nulidade da sentença nos termos conjugados dos artigos 661º nº1 e 668º nº1 alínea e) do Código de Processo Civil.
3) A regra da substituição do tribunal recorrido impõe, nestes casos, que o STJ julgando, embora, procedente a nulidade arguida a considere suprida expurgando a decisão da parte excessiva (nº1 do artigo 731º do CPC).
4) A cumulação de pedido de indemnização em acção reivindicatória impõe, por se tratar de acumulação real, a articulação de causa de pedir (danos efectivos causados na coisa; quebra de valor; compensação de benfeitorias introduzidas; compensação do uso que o detentor faz dela) além dos demais pressupostos da responsabilidade civil, não gerando a restituição, só por si, o dever de indemnizar.
5) O nº 2 do artigo 446º do Código de Processo Civil consagra o principio da causalidade presumida em matéria de custas, ficcionando que dá causa às custas a parte vencida, na proporção em que o for.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

AA, intentou na Comarca de Pombal, acção com processo ordinário, contra “Sociedade BB ” pedindo a condenação da Ré e reconhecê-la dona do lote de terreno nº... da urbanização da Rua de........, em Pombal e a demolir a fiada de blocos que assentou nesse lote, removendo tudo o que ali depositou e abster-se de impedir ou dificultar o exercício do direito de propriedade da Autora, além do pagamento de uma indemnização.
Na 1ª Instância a acção foi julgada procedente e a Ré condenada no pedido.
Inconformado apelou para a Relação de Coimbra que julgou o recurso procedente parcialmente no que respeita ao reconhecimento da propriedade da Autora, condenação da Ré a não violar esse direito e a demolir a construção que se propôs iniciar no lote, “sem prejuízo do reconhecimento do dever que assiste a ambas as partes, como loteadora e como donos dos lotes......, ...... e ....., de diligenciarem na rectificação do loteamento aprovado, com a colaboração da C.M. de Pombal, por forma a serem correctamente equacionados e definidos os limites quer da urbanização em si mesma, quer desses mesmos lotes, sempre tendo-se em conta a construção que pela Ré foi erguida no lote .... e bem assim os limites a nascente das áreas atribuídas a tais lotes para onde está prevista a construção de garagens.”
E absolveu a Ré do pedido de indemnização.
A Autora pede revista para concluir:
- Não foi deduzida reconvenção;
- O único pedido restringe-se ao reconhecimento da propriedade do lote nº.... e a condenação da Ré a indemnizar;
- A Relação condenou em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido;
- A parte em que se refere o dever de rectificar o loteamento é nula;
- A Ré deve indemnizar a Autora por ter violado o seu direito de propriedade;
- A Autora nunca esteve ligada a urbanizações ou compra e venda de propriedades, ao contrário da Ré;
- Que ocupou, deliberada e intencionalmente, o lote da Autora;
- Lesando-a patrimonialmente;
- A Autora não deu causa à acção não devendo suportar quaisquer custas;
- O Acórdão violou os artigos 2º nº1, 446º nº1, 661º nº1, 668º nº1, alínea e) do CPC, 227º, 483º, 562º a 564º do Código Civil.
Contra alegou a Ré para defender o Acórdão recorrido. E juntou douto, e muito bem elaborado parecer.
Ficou assente a seguinte matéria de facto:
- A Autora é funcionária pública e nunca esteve ligada a loteamentos ou a compras e vendas de propriedades;
- A Autora é dona de um lote de terreno, denominado como lote nº...., de uma urbanização destinada à construção urbana de vivendas e lotes habitacionais, sita na Rua de ......., em Pombal, com a área de 300 m2, a confrontar de norte com o lote nº ...., do sul com CC, do nascente com acesso aos lotes nºs ..., ... e ....., do poente com a ...... nº ...., descrito na CRP de Pombal, freguesia de Pombal, com o nº ......., o qual fazia parte integrante do prédio inscrito na respectiva matriz rústica sob o artigo ..... e descrito na CRP de Pombal, freguesia de Pombal, sob o nº ......, como terra de cultura, vinha, árvores de fruto, pinhal e eucaliptos, com a área de 20.280 m2, sito à ......, a confrontar do norte com terreno de S. Sebastião, do sul com a Rua de ....., do nascente com a parcela nº ...., e do poente com a Rua de ......, sendo que a propriedade deste último prédio foi inscrita na CRP a favor da Autora, por apresentação nº 02/210590, destinando-se esse lote 13 à construção de bloco habitacional em propriedade horizontal;
- O referido lote 13 resulta de um processo de loteamento a que o prédio descrito na CRP de Pombal sob o nº .... foi sujeito, tendo a autorização respectiva sido registada na CRP pela apresentação nº ......;
- A Autora vendeu à Ré um lote de terreno, denominado como lote nº ....., de urbanização destinada à construção urbana de vivendas e de blocos habitacionais, sito na Rua de ......, em Pombal, com a área de 300 m2, a confrontar de norte e de nascente com acesso aos lotes ...., ... e ...., do sul com o lote ...., e do poente com a .... nº..., descrito na CRP de Pombal sob o nº ...., o qual fazia parte integrante do prédio inscrito na respectiva matriz rústica sob o artigo 35181, e descrito na CRP de Pombal sob o nº ......, tendo a propriedade desse lote sido inscrita na CRP, a favor da Ré, pela apresentação nº ....., destinando-se este lote .... à construção de um bloco habitacional em propriedade horizontal;
- A Autora vendeu à Ré um lote de terreno, denominado como lote nº..., de uma urbanização destinada à construção urbana de vivendas e blocos habitacionais, sito na Rua ...., em Pombal, com área de 300 m2, a confrontar de norte com lote...., de nascente com acesso aos lotes ...., .... e ...., do sul com o lote ...., e do poente com a ..... nº...., descrito na CRP de Pombal sob o nº ....., o qual fazia parte integrante do prédio inscrito na respectiva matriz rústica sob o artigo 35181, e descrito na CRP de Pombal sob o nº ....., tendo a propriedade desse lote sido inscrita na CRP, a favor da Ré, pela apresentação nº ...., destinando-se este lote ... à construção de um bloco habitacional em propriedade horizontal;
- A Ré edificou um bloco habitacional no lote ... e pretende construir no lote .... um outro bloco habitacional, contíguo ao edificado no lote ..., pelo lado sul deste último;
- O lote ... referido no ponto 2 supra é delimitado, a sul, por um outro prédio que não integra o loteamento em função do qual foi feita a desanexação a que se reporta a apresentação nº ......., de fl. 28 destes autos, e que deu origem aos lotes identificados a fls. 10, 12 a 17, 19 a 22, 24 a 26;
- A Autora requereu, em 15/5/1997, a providência cautelar de embargo de obra nova apensa aos presentes autos, com os fundamentos que constam da petição de fls. 2 a 6 desse apenso, a qual aqui se dá como reproduzida;
- A Ré foi ouvida no âmbito dessas providência, tendo aí deduzido a oposição que consta de fls. 33 a 35 desse apenso, a qual aqui se dá por reproduzida;
- A providência terminou com a decisão que decretou o requerido embargo de obra nova, decisão essa que viria a ser confirmada pelo Tribunal da Relação de Coimbra em recurso que dela foi interposto pela Ré;
- O loteamento de que resultaram os lotes ..., ... e .... foi aprovado pela C.M. de Pombal, em 24/04/1992, tendo por base, além do mais, as plantas de dimensionamento dos lotes, vias e passeios que constam dos autos, e a planta síntese que consta de fls. 24 da providência cautelar apensa, plantas que foram aprovadas pela C. M. de Pombal, em 24/04/92, e que assinalavam, além do mais, a configuração e localização de cada um desses lotes, tendo, cada um deles, de acordo com essas plantas, 14,50 metros de frente e 15,00 metros de fundo – quesito 1º;
- Com a construção do bloco habitacional por si já edificado no lote nº..., a Ré não só ocupou esse lote como também ocupou, parcialmente, o lote nº ... – quesito 2º;
- De acordo com o projecto de loteamento que foi devidamente aprovado pela C. M. de Pombal, em 24/4/92, e no qual estavam incluídos os lotes ..., .... e ...., o bloco habitacional a construir no lote nº.... deveria ser implantado de forma a que o seu alçado lateral norte ficasse a 3,00 metros da face sul do muro com contra fortes que está assinalado nas plantas de fls. 290 a 297, que corresponde ao muro antigo assinalado na planta de fls. 338, muro esse que foi o único assinalado no levantamento topográfico, nas plantas de dimensionamento dos lotes, vias e passeios e na planta síntese que serviram de base ao projecto de loteamento aprovado, para delimitar e separar o prédio descrito na CRP de Pombal sob o nº ....., onde foi feito o loteamento referido no ponto 7 supra, do outro prédio que, pelo norte, lhe era contíguo – quesito 3º;
- O edifício construído pela Ré no lote nº .... foi implantado de tal modo que o seu alçado norte está a mais de 3,00 metros da face sul do muro com contra fortes ou antigo, sendo que o cunhal tardoz esquerdo (vértice norte/nascente) do edifício dista 4,70 metro da face sul do muro, e o cunhal frontal esquerdo (vértice norte/poente) dista 3,78 metros dessa mesma face sul do muro, estando o alçado lateral norte do edifício em sentido concorrente obliquo com o muro – quesito 4º;
- O edifício implantado pela Ré no lote nº ... ocupa parte do lote nº..., uma vez que a face sul do seu alçado lateral sul deveria estar implantada a 17,50 metros da face sul do muro com contra forte ou antigo, sendo que, na realidade, aquela face sul está implantada a distância superior aos mencionados 17,50 metros, existindo uma distância de 19,25 metros entre a face sul daquele muro e a parte tardoz do alçado lateral sul, e uma distância de 18,33 metros entre a face sul daquele muro e a parte frontal do mesmo alçado lateral sul – quesito 5º;
- No dia 17/04/1997, sem o conhecimento e contra a vontade da autora, de forma voluntária e consciente, a Ré assentou, sobre base de argamassa, uma fiada de blocos de cimento, erguida de poente para nascente, com cerca de 15 metros de comprimento por 0,20 metros de altura e 0,30 metros de largura – quesito 7º
- Com a obra referida a Ré ocupou parte do lote nº..., em cerca de 2,00 metros do seu lado nascente e em cerca de 1,20 metros do seu lado poente – quesito 8º
- A Ré colocou, ainda, latas de tinta, bidons, tijolos amontoados e outros materiais no lote nº.... – quesito 9º
- Por causa do referido, a Autora ficou privada do uso e fruição da área do lote .... que ficou ocupada com a obra referida e com os objectos referidos ficando o lote..... com uma área reduzida em medida igual à que foi ocupada pela Ré – quesito 12º
- A ocupação do lote nº..... com a obra referida e com os objectos, com a consequente privação do uso e fruição inviabiliza a construção do bloco habitacional perspectivado para o lote nº...., com a largura de 14,50 metros, além de que essa ocupação e o litigio que por causa dela opõe as partes na acções têm inviabilizado a comercialização desse lote para o fim a que o mesmo se destina – quesito 13º
- Ao constatarem no local a ocupação parcial do lote nº ... e ao se aperceberem do litigio existente entre as partes na acção por causa daquela ocupação, os interessados na aquisição do lote nº .... desistiram dessa aquisição – quesito 14º
- A Autora projectava alienar o lote nº..., com o objectivo de angariar meios que lhe permitissem liquidez para satisfazer compromissos assumidos – quesito 15º
- Até à data da propositura desta acção a Autora ainda não tinha conseguido alienar o lote nº ..., por causa do referido – quesito 16º
- Não fora o referido e a Autora já teria conseguido vender o lote nº ... – quesito 17º
- Por causa do referido a Autora já sofreu prejuízos de montante que não foi possível determinar – quesito 18º
- A Ré construiu o edifício implantado no lote nº... nos termos e com as consequências referidas, uma vez que por ocasião de escavação de terras junto ao muro com contrafortes ou muro antigo referido no ponto 13 supra, verificou-se que esse muro tinha contrafortes virados para o respectivo lado sul, contrafortes esses que, a ser respeitada a distância de 3,00 metros referida no ponto 13 supra, impediam que entre a face sul daquele muro e a face norte do alçado norte do prédio a edificar no lote nº... ficasse livre uma distância de 3,00 metros, necessária para garantir o acesso aos aparcamentos da cave do dito lote nº ..... – quesito 21º
- Para aprovação do projecto do edifício a construir no lote nº ...., a C.M de Pombal exigiu, tendo a Ré aceite tal exigência, que a implantação da obra deveria ser verificada pela fiscalização dessa autarquia, nos termos melhor documentados a fls. 549 destes autos – quesito 22º
- A nascente dos lotes nºs ...., ..... e .... foi construído, por iniciática e a expensas da Autora, um muro de suporte de terras – quesito 24º
- A Ré remeteu à Autora, em 14/12/1995, a carta de fls. 562 e 563, que a Autora recebeu, sendo certo que em data não apurada, mas posterior a 28/06/1996, o muro referido se partiu e desmoronou, por causa de deficiências existentes na sua construção – quesito 25º
- De acordo com a planta síntese do loteamento, o muro supra deveria ter sido edificado a 46 metros da E.M. nº 602, sita a poente dos lotes nº ....., .... e ......, tendo o dito sido implantado a 38 metros dessa referida estrada – quesitos 26º e 27º
- O facto acima referido inviabiliza, pelo menos, a construção das garagens do lote nº ..... – quesito 28º
- A Autora remeteu à CM de Pombal, em 22/10/1997, uma exposição, na sequência do que um topógrafo dessa autarquia se deslocou aos lotes nºs ...., .... e ....., e após o que elaborou a informação de fls. 501 e o croquis de fls. 502 destes autos, tendo a divisão de obras particulares daquela Câmara emitido a informação que consta de fls. 498 a 500 – quesitos 29º e 30º
- A sul do muro antigo ou com contrafortes referido supra, existe um outro muro mais recente, que nas plantas de fls. 290 e de fls. 297 está identificado como “muro a norte”, sendo que este muro mais recente cruza, perpendicularmente, o muro de suporte de terras referido – quesito 31º
- Em nenhuma das plantas ou levantamentos que serviram de base ao projecto de loteamento de cuja aprovação, em 24/04/1992, pela CM de Pombal, resultaram os lotes nºs ..., ..... e ....., foi assinalado o limite norte do prédio descrito na CRP de Pombal sob o nº ....., através de uma linha delimitadora que viesse no seguimento do muro mais recente – quesito 31º
- O muro com contrafortes ou muro antigo foi tomado, na planta síntese do loteamento como sendo o elemento definidor da linha de estrema, a norte, entre o prédio descrito na CRP de Pombal sob o nº ...... e aquele que com ele confinava pelo norte, sendo certo que, por ocasião da sua edificação, esse muro e respectivas sapatas foram implantadas fora dos limites do prédio nº ..... e dentro dos limites do prédio que com ele confina pelo norte, próximo da linha de estrema entre esses dois prédios, facto esse que era do conhecimento da autora – quesito 33º
- O loteamento referido supra incidiu sobre o prédio descrito na CRP de Pombal sob o nº ..... – quesito 33º
Foram colhidos os vistos.
Conhecendo,
A recorrente limita o objecto do recurso a três pontos: nulidade do Acórdão por excesso de pronúncia; pedido de indemnização; condenação em custas.
Seguiremos “pari passu” os pontos controvertidos.
1- Nulidade do Acórdão.
2- Pedido de indemnização.
3- Custas.
4- Conclusões.
1- Nulidade do Acórdão.
Em lide, tipicamente, reivindicatória, a Autora pediu a condenação da Ré a reconhecer o seu direito de propriedade sobre um lote de terreno que identifica, a condenação a demolir o que aí edificou, com ulterior restituição do terreno, livre e desocupado e, finalmente a pagar-lhe indemnização pelos danos causados com a ocupação.
A Ré contestou apenas por impugnação e não formulou qualquer pedido cruzado.
Na 1ª Instância a acção foi julgada procedente mas a Relação apenas manteve a sentença na parte referente ao reconhecimento do direito de propriedade com a consequente condenação da Ré a não violar esse direito, demolindo a construção que aí iniciara, mas absolveu-a do pedido de indemnização.
Porém, e no tocante ao primeiro dos pedidos acrescentou: “sem prejuízo do reconhecimento do dever que assiste a ambas as partes, como loteadora e como donos dos lotes ...., ..... e ....., de diligenciarem na rectificação do loteamento aprovado, com a colaboração da C.M. de Pombal, por forma a serem correctamente equacionados e definidos os limites, quer da urbanização em si mesma, quer desses mesmos lotes, sempre tendo-se em conta que a construção que pela Ré já foi erguida no lote ....., e bem assim os limites a nascente das áreas atribuídas a tais lotes, para onde está prevista a construção de garagens.”
Pensa-se que, nesta parte, foram ultrapassados os limites da actividade cognitiva constantes dos artigos 660º nº2 e 661º, do Código de Processo Civil.
Há decisão “ultra petitum” sempre que o julgador não confina o julgamento da questão controvertida ao pedido formulado pelo Autor – ou pelo demandado se deduziu pedido reconvencional ou se defendeu por excepção – e conheceu, fora dos casos em que tal lhe é permitido “ex officio”, questão não submetida à sua apreciação.
Terá de existir uma correspondência entre a pronúncia e a pretensão, isto é, a sentença não pode decidir para além do que está ínsito no pedido, nos termos formulados pelo demandante.
Este princípio é válido quer para o conhecimento excessivo em termos quantitativos, quer por condenação em diverso objecto (excesso qualitativo).
Ora, o que foi pedido foi o reconhecimento do direito de propriedade e a restituição do prédio e não, quer por via principal, quer por via reconvencional, a apreciação da validade do loteamento, em termos de se aquilatar da existência de qualquer vicio gerador da “rectificação” do respectivo alvará.
Ao decidir sobre este ponto e determinar às partes que “com a colaboração” de quem não é parte, alterem o loteamento aprovado, o Acórdão em crise decidiu para além do pedido incorrendo na nulidade das disposições conjugadas dos artigos 661º nº 1 e 668º nº1 alínea e) do Código de Processo Civil.
Julga-se, assim, procedente a arguição de nulidade, que este Tribunal julga, desde já, suprida, ao abrigo do disposto no nº1 do artigo 731º do Código citado.
Daí que se anule a parte do Acórdão “sub judicio” em que impôs às partes o dever de “diligenciarem pela rectificação do loteamento aprovado.”
2- Pedido de indemnização.
A recorrente não tem razão quando se insurge contra o decaimento na parte em que pediu a condenação da Ré a indemnizá-la.
Trata-se, como acima se acenou de acção real – reivindicatória.
A demandante afirmou o seu domínio articulando factos que o permitiram induzir, caracterizando o facto jurídico de que procede o direito de propriedade cujo reconhecimento pediu.
E como se disse no Acórdão deste Supremo Tribunal de 18 de Abril de 2006 – 06 A846 – do mesmo relator cumulou, “em acumulação real (veja-se o Prof. Paulo Cunha, in “Processo Comum de Declaração” I, 208) um pedido de indemnização.
É, de facto, um caso de acumulação real (cf. o Acórdão do STJ de 30 de Novembro de 1956 – BMJ 61- 480).
Se a acção é possessória e nela se pede, além do restituição da coisa, a condenação do Réu a indemnizar, a cumulação é aparente, por haver, apenas, uma pretensão – a entregar da coisa – de cuja procedência resulta necessariamente o direito à indemnização, de acordo com o disposto no artigo 1284º do Código Civil. Trata-se pois de um único pedido embora complexo.”
Na acção reivindicatória a restituição não origina, só por si, a obrigação de indemnizar; como não se pressupõe um esbulho há que provar um ilícito, já que a coisa reivindicada pode estar a ser detido por um possuidor de boa fé.
O pedido de indemnização tem de ter uma causa de pedir (Prof. A. Varela, RLJ 115: 272 nº2 e 116: 16 nº2) e presentes os pressupostos da responsabilidade civil.
Ademais, o quesito 11º no qual se perguntava se a “Ré não configurou como podia e devia ter feito, caso tivesse actuado com cuidado e diligencia que lhe eram exigíveis e que poderia ter tido, a possibilidade de o lote .... ser parcialmente ocupado com a obra referida na resposta ao quesito 7º,
com os objectos e materiais referidos na resposta ao quesito 9º e com o prédio que pretendia edificar no bloco ...., apesar do que não se absteve de levar a cabo a conduta referida nas respostas aos quesitos 7º a 9º”, foi considerado não provado pela Relação.
Ficou, em consequência, improvada a culpa como pressuposto da responsabilidade civil gerador da obrigação de indemnizar.
Improcedem, assim, e nesta parte, as conclusões da alegação.
3- Custas.
Considerando o disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 446º do Código de Processo Civil e tendo ambas as partes ficado vencidas – a recorrente, apenas, quanto ao pedido de indemnização, a responsabilidade pelas custas deve ser repartida nos termos do nº3, primeira parte, daquele preceito.
Afigura-se razoável e equitativa uma repartição de ¾ para a Ré e ¼ para a Autora, na ponderação dos respectivos decaimentos.
Irrelevam, neste segmento quaisquer considerações sobre causalidade real, por o nº2 do artigo citado fazer apelo à causalidade presumida através do critério do vencimento.
4- Conclusões.
Pode concluir-se que:
a) Há excesso de pronúncia quando a decisão extravasa o pedido formulado pelo Autor, ou pelo demandado se opôs excepção ou deduziu pedido reconvencional, e conheceu, fora dos casos de apreciação oficiosa, questão não submetida à apreciação do julgador.
b) O excesso de conhecimento traduz uma falta de correspondência entre a pretensão e a pronúncia e é gerador de nulidade da sentença nos termos conjugados dos artigos 661º nº1 e 668º nº1 alínea e) do Código de Processo Civil.
c) A regra da substituição do tribunal recorrido impõe, nestes casos, que o STJ julgando, embora, procedente a nulidade arguida a considere suprida expurgando a decisão da parte excessiva (nº1 do artigo 731º do CPC).
d) A cumulação de pedido de indemnização em acção reivindicatória impõe, por se tratar de acumulação real, a articulação de causa de pedir (danos efectivos causados na coisa; quebra de valor; compensação de benfeitorias introduzidas; compensação do uso que o detentor faz dela) além dos demais pressupostos da responsabilidade civil, não gerando a restituição, só por si, o dever de indemnizar.
e) O nº 2 do artigo 446º do Código de Processo Civil consagra o principio da causalidade presumida em matéria de custas, ficcionando que dá causa às custas a parte vencida, na proporção em que o for.
Nos termos expostos acordam conceder parcialmente a revista mantendo o Acórdão recorrido expurgado da parte em que impôs às partes o dever de “diligenciarem pela rectificação do loteamento aprovado” e quanto a custas, que percentuem, em ¾ para a recorrida e ¼ para a recorrente, também neste Tribunal.

Lisboa, 28 de Setembro de 2006

Sebastião Póvoas
Moreira Alves
Alves Velho