Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2442/19.9T8GMR-M.G1-A.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: LEONEL SERÔDIO
Descritores: RECURSO DE REVISTA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
REQUISITOS
RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
DESPACHO SOBRE A ADMISSÃO DE RECURSO
PODERES DA RELAÇÃO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
INCONSTITUCIONALIDADE
NULIDADE DE ACÓRDÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Data do Acordão: 01/31/2024
Votação: UNANIMIDADE COM * DEC VOT
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECLAMAÇÃO - ARTº 643 CPC (COMÉRCIO)
Decisão: RECLAMAÇÃO INDEFERIDA.
Sumário :

I- Não é admissível recurso de revista de um acórdão do Tribunal da Relação proferido em conferência, que confirmou o despacho do Desembargador/ Relator que indeferiu a reclamação apresentada pelos Recorrentes de um despacho do Juiz de 1ªinstância que rejeitou um recurso de revisão.


II- Na reclamação do despacho singular do Desembargador que não admitiu o recurso de revista, não podem ser objeto de pronúncia as questões suscitadas pelos Reclamantes que respeitem às suas discordâncias relativamente à decisão que rejeitou o recurso de revisão da sentença que os declarou insolventes.

Decisão Texto Integral:

Processo n.º 2442/19.9T8GMR-M. G1


Acordam em conferência no Supremo Tribunal de Justiça


No processo principal de insolvência em 11.07.2019, foi proferida sentença que declarou a insolvência dos Requeridos AA e BB.


Em 12.04.2023, os insolventes AA e BB interpuseram recurso de revisão relativamente àquela sentença, invocando que «tendo tomado conhecimento de documentos de que os Recorrentes não tinham conhecimento, e que não puderam fazer uso no presente processo e que, por si só, são suficientes para modificar a decisão em sentido mais favorável aos Recorrentes», terminando pedindo que seja «revogada a sentença recorrida».


Em 15.05.2023, o Tribunal de 1ª instância decidiu: “nos termos do artigo 699º n.º 1 do CPC, não receber o recurso de revisão apresentado”.


Desta decisão, os Recorrentes deduziram a reclamação prevista no artigo 643º n. º1 do C.P.C. pugnando pela sua procedência e «por via dela, recebido e admitido o recurso de revisão interposto da sentença de fls., tudo com as legais consequências».


Em 05.10.2022, foi proferido despacho pelo Desembargador/Relator, que decidiu:


“… julgar improcedente a presente reclamação apresentada pelos Recorrentes/Reclamantes AA e BB. contra a decisão proferido pelo Tribunal a quo na data de 15.05.2023 e, consequentemente, mais se decide manter na íntegra tal decisão”.


Inconformados com a decisão singular, os Insolventes/Recorrentes deduziram reclamação para a conferência nos termos dos artigos. 643ºn.º4, parte final, e 652º n.º 3 do CPC, requerendo que “que sobre a matéria do despacho recaia um acórdão”.


Em 14.09.2023, foi proferido acórdão, que decidiu: “Julgar improcedente a presente reclamação para a conferência deduzida pelos Insolventes/Reclamantes e, em consequência, em manter a decisão singular do Relator.


Em 27.09.2023, os Insolventes/Recorrentes vieram interpor recurso de revista deste acórdão para o STJ “nos termos do disposto nos artigos 215º, 629º, n.º 1 e seguintes e 652º, n.º 5, al. b) e 671º, todos do Código de Processo Civil”.


Por despacho do Sr. Juiz Desembargador/ relator proferido em 24.10.2023, nos termos do art. 641º n.º 2 al. a) do CPC, não foi admitido o presente recurso de revista interposto pelos Insolventes/Recorrente relativamente ao acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães em 14.09.2023.


Os Recorrentes vieram, em 06.11.2023, nos termos do artigo 643º n.º 1 do CPC apresentar reclamação desse despacho de não admissão do recurso de revista, apresentando as seguintes conclusões, que se transcrevem:


“1ª - O presente recurso é admissível, pois como Requeridos os Recorrentes, nos termos do disposto nos artigos 9º, 14º, n.º 5, 42º, n.ºs 2 e 3, 40º, n.º 3, todos do CIRE e 696º do CPC podem interpor recurso de revisão da sentença que declarou a insolvência.


O presente recurso com subida imediata, em separado e com efeito devolutivo e suspensivo imediato da liquidação e partilha do ativo, nos termos do disposto nos artigos 696º e ss. do CPC, 9º, 14º, n.º 5, 42º, n.ºs 2 e 3, 40º, n.º 3, todos do CIRE


2ª Foram juntos aos autos novos documentos de que os Recorrentes não tinham conhecimento, e de que não puderam fazer uso, no presente processo em que foi proferida a decisão a rever e que, por si só, são suficientes em conjunto para modificar a decisão em sentido mais favorável aos Recorrentes, ou seja, improcedência da declaração de insolvência dos mesmos, tudo nos termos do disposto no artigo 696º, al. c) do CPC.


3ª Os créditos a que se reportavam as hipotecas de 07/02/2003 Ap. 10 sobre a fração H da descrição 1463 de ... e de 07/02/2003 Ap. 9 sobre a fração I da descrição 1463 de ... foram liquidados conforme resulta da informação prestada a fls. – pela Caixa Geral de Depósitos S.A. relativa às responsabilidades dos Requeridos, sendo que esta deveria ter procedido ao cancelamento das hipotecas, o que não fez até à presente data.


4ª Devia ter sido dado como não provado o ponto 16º da matéria de facto dada como provada: “16.º Nenhum dos prédios está livre de ónus, pois que todos foram dados de garantia para o cumprimento de obrigações dos requeridos perante a CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS e o BANCO SANTANDER-TOTTA,”. Esta matéria não poderia ter sido dada como provada, uma vez que existem dois prédios livres de ónus e encargos.


5ª Tendo os Recorrentes solicitado a confirmação de tal informação perante a Caixa Geral de Depósitos S.A. foi a mesma indeferida em plena audiência pelo Tribunal a quo, o que consubstancia nulidade por falta de produção de prova que expressamente se arguiu para os devidos efeitos legais.


6ª A informação prestada pela Caixa Geral de Depósitos, S.A. relativa às responsabilidades dos Recorrentes, acrescida da informação da Conservatória do Registo Predial e informação referida ora junta permite concluir que o ponto 16º da matéria de facto dada como provada deveria ter sido dado como não provado e devia ter sido dado como provada a seguinte matéria da facto: as hipotecas de 07/02/2003 Ap. 10 sobre a fração H da descrição 1463 de ... e de 07/02/2003 Ap. 9 sobre a fração I da descrição 1463 de ... foram liquidados conforme resulta da informação prestada a fls. –pela Caixa Geral de Depósitos S.A. relativa às responsabilidades dos Requeridos, encontrando-se livres de ónus. Cada uma das frações H e I tem um valor de mercado de pelo menos 19.000,00€ e 19.100,00€€, perfazendo um total de 28.100,00€.


7ª Devia ter sido dado como não provado o ponto 50º da matéria de facto dada como provada: “50.º Os requeridos deixaram de cumprir de forma generalizada as suas obrigações em janeiro de 2016, data em que deixaram de pagar uma das principais obrigações, a de contribuição para a pensão de reforma.” Esta matéria não podia ter sido dada como provada, uma vez que está em contradição com o ponto 18º da matéria de facto provada, e com as informações prestadas pela Caixa Geral de Depósitos, S.A. relativamente às frações H e I cujos créditos se encontram liquidados.


8ª Devia ter sido dado como não provado o ponto 51º e 52º da matéria de facto dada como provada: “51.º Os requeridos deixaram de pagar todo o tipo de obrigações e dos mais variados montantes, alguns cuja falta de pagamento constitui crime. 52.º o que revela da incapacidade dos requeridos para cumprir com as suas obrigações.” Esta matéria não podia ter sido dada como provada, uma vez que está em contradição com o ponto 18º da matéria de facto provada, e com as informações prestadas pela Caixa Geral de Depósitos, S.A. relativamente às frações H e I cujos créditos se encontram liquidados. Além disso, é matéria conclusiva e não matéria de facto.


9ª Devia ter sido dado como não provado o ponto 53º da matéria de facto dada como provada: “53.º Os requeridos não têm património livre de ónus e encargos que permita ao requerente obter a cobrança do seu crédito, tendo o seu património todo apreendido,” Esta matéria não podia ter sido dada como provada, uma vez que está em contradição com o ponto 18º da matéria de facto provada, e com as informações prestadas pela Caixa Geral de Depósitos, S.A. relativamente às frações H e I cujos créditos se encontram liquidados, património de valor superior a 28.100,00€. Além disso, é matéria conclusiva e não matéria de facto.


10ª O património dos Requeridos é de valor superior a 1.239.000,00€, ultrapassando o ativo o valor do passivo fixado em 1.067.591,21€. Tendo sido requerida com a oposição a junção aos autos da avaliação judicial de tais imóveis foi a mesma indeferida, consubstanciando nulidade que expressamente se arguiu.


Realizada perícia junta aos autos em fevereiro de 2022, a qual continha lapsos na identificação de imóvel e levou à retificação da mesma em 02/03/2023 conjugada com despacho de 29/03/2023 que informou o valor de venda de bens, conclui-se que o ativo ascende a mais de 1.239.157,46€, não considerando o valor dos bens móveis da residência dos Recorrentes que o administrador considerou de valor elevado.


Apenas em 29/03/2023 tiveram os Recorrentes acesso a todos os documentos e informações que permitem em conjunto concluir que o ativo é substancialmente superior ao passivo, não se verificando a insolvência.


11ª Devia ter sido dado como não provado o ponto 54º e 55º da matéria de facto dada como provada: “54.º Os requeridos deixaram de pagar, por bem mais do que seis meses, obrigações de empréstimos garantidos por hipotecas. 55.º E continuam a contrair dívidas depois de se encontrarem naquele estado de insolvência (a mobília foi comprada já depois de estar em incumprimento com a CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS, a FAZENDA NACIONAL e a CAIXA DE PREVIDÊNCIA, o que também aconteceu com o empréstimo pedido ao aqui Requerente).” Esta matéria não podia ter sido dada como provada por ser matéria conclusiva e não de facto.


12ª Os Recorrentes recorrem da decisão quanto à matéria de facto, recurso este que abrange a matéria supra mencionada, tudo nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 696º, al. c), 712º, n.º 1, al. a) e n.º 2 do Código de Processo Civil.


13ª O presente recurso abrange a decisão quanto à matéria de facto, abrangendo os pontos supra transcritos da matéria de facto dada como provada, bem como os pontos supra transcritos que deveriam ter sido dados com provados. Os Recorrentes consideram incorretamente julgados os pontos de facto suprarreferidos, o que declaram nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 696º, al. c) e ss. 685º-B do Código de Processo Civil.


14ª O recurso é tempestivo, cfr. artigo 697º do CPC.


Quanto ao disposto no artigo 698º, n.ºs 1 e 2 do CPC, os mencionados documentos:


ofício da CGD, S.A. de 21/10/2022; perícia de fevereiro de 2022 corrigida em março de 2023 e despacho notificado em 29/03/2023 que fundamentam o presente recurso de revisão já se encontram juntos aos autos.


15ª Artigo 3º, n.º 1 do CIRE: “É considerado em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas” “Para determinação da situação de insolvência é necessário apurar “o valor do ativo e se este se encontra onerado”.


O Tribunal a quo, não o fez, não obstante tal tenha sido requerido, o que impossibilita igualmente concluir pela situação de insolvência dos Recorrentes.


Além de negar aos Recorrentes o direito de demonstrarem a sua solvabilidade, o não apuramento do valor do ativo e se este se encontrava ou não onerado determina desde logo a improcedência da ação, nos termos do artigo 20º do CIRE, além de consubstanciar nulidade já arguida.


16ª Pelo exposto, a sentença recorrida viola o disposto no artigo 615º, n.º 1, al. d) do Código de Processo Civil, 1802º do Código Civil, 2º do Código do Registo Civil, 3º e 20º do CIRE.


Não existe qualquer fundamento para declarar a insolvência dos Recorrentes, pelo que a presente ação sempre deveria ter sido julgada improcedente, o que se requer no âmbito do presente recurso de revisão.


17ª O acórdão proferido é recorrível nos termos do disposto nos artigos 643º, n.º 4, 652º, n.º 3 e 5, al. b), todos do CPC.


A lei é expressa ao admitir o recurso nos termos gerais do acórdão da conferência, tanto mais que os fundamentos do indeferimento são distintos dos da 1ª instância que não tinha legitimidade para decidir, além de consagrar o direito de acesso aos tribunais e de recurso Como referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, in Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Almedina, 2018, pág. 774., o facto de à decisão do juiz da 1.ª instância que rejeitou o recurso suceder a decisão do relator, a qual, por sua vez, pode ainda ser submetida à conferência, numa multiplicidade de graus de jurisdição, torna a situação incompatível com a apresentação de um recurso de revista para o Supremo.


18ª O acórdão recorrido ao considerar que deveriam ser formuladas conclusões na reclamação apresentada está em contradição com acórdão proferido nos presentes autos que nada exigiu nesse âmbito, o que sempre determina a recorribilidade do mesmo por contraditório com acórdão proferido no presente processo.”


Não foram apresentadas respostas.


Por decisão do relator de 07.12. 2023 foi, nos termos do artigo 643º n.º 4 do CPC, indeferida a reclamação, mantendo-se o despacho reclamado que não admitiu o recurso de revista.


Os Reclamantes vieram reclamar para a conferência, nos termos do artigo 652 n.º 3 do CPC, ex vi artigo 679º do mesmo diploma.


Apresentam as seguintes conclusões, que se transcrevem:


«1ª Tendo sido notificados da decisão de fls.-, que julgou improcedente a reclamação e considerando-se prejudicados pela mesma, requererem que sobre a matéria do despacho recaia um acórdão. Pelo exposto requerem que V. Ex.ª submeta o caso à conferência, tudo nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 643º, n.º 4 e seguintes, 652º, n.º 3, e 679º, 66º e 685º, todos do Código de Processo Civil.


2ª Com efeito os requerentes consideram-se prejudicados, desde logo, porque,


“Na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça: Acórdão de 13- 11-2014 (proc. 1544/04.0TVLSB-B.L2.S1, Relatora Maria Clara Sottomayor, Adjuntos Sebastião Póvoas e Moreira Alves, disponível em http://www.stj.pt/ficheiros/jurisp-sumarios/civel/sumarios- cível 2014.pdf): (…) IV - Considera-se superveniente tanto o documento que se formou ulteriormente ao trânsito da decisão a rever, como o que já existia na pendência do processo em que essa decisão foi proferida sem que o recorrente conhecesse a sua existência ou, conhecendo-a, sem que lhe tivesse sido possível fazer uso dele nesse processo. V - A lei não exige a superveniência objectiva do documento, mas apenas a superveniência subjectiva, bastando que se prove que o recorrente não teve conhecimento do documento em tempo útil de com ele conseguir obter uma alteração dos factos provados na acção principal.


VI - O documento é novo (i) requisito da novidade, no sentido em que não foi apresentado no processo onde se emitiu a decisão a rever, porque ainda não existia, ou porque, existindo a parte não pôde socorrer-se dele, por não ter tido conhecimento e porque quando teve este conhecimento já a fase dos articulados da acção principal onde se discutia a questão.”


3ª - Ac. do STJ de 18/04/2002


I - Se um dado documento particular junto em audiência não foi objecto de impugnação, mas se o respectivo conteúdo fora já antecipadamente impugnado na contestação, surgindo assim a pretensa declaração confessória no mesmo inserta como incompatível com a defesa no seu conjunto - satisfação oportuna do ónus da impugnação especificada - valerá tal documento como prova livre, como tal devendo ser apreciada pelo tribunal.


II - A eficácia / força probatória de um documento particular diz apenas respeito à materialidade ou realidade das declarações no mesmo exaradas, que não à exactidão ou à verosimilhança das mesmas.


III - Tais declarações só vinculam o seu autor se forem verdadeiras.


Os documentos em questão não foram impugnados, fazendo prova plena do constante dos mesmos.


4ª - De acordo com o princípio da igualdade, o presente processo cabe no âmbito do regime executivo, pois existe ativo superior ao passivo e não no âmbito das insolvências. Se assim não fosse, teria de ser extinto o regime das execuções e vigorar apenas insolvências.


5ª - Como refere o Ac. TRE de 07/03/2013:5


“- Os factos referidos no artº 20º nº 1 do CIRE constituem factos-índices ou presuntivos de insolvência da requerida a que respeitam, tal como definida no artº 3º do CIRE, a qual tem que ficar efectivamente demonstrada no processo.


- O que verdadeiramente releva para a insolvência é a insusceptibilidade de satisfazer obrigações que, pelo seu significado no conjunto do passivo do devedor, ou pelas próprias circunstâncias do incumprimento, evidenciam a impotência, para o obrigado, de continuar a satisfazer a generalidade dos seus compromissos.


- A relação entre o activo e o passivo não se basta com qualquer défice do activo.


Exige-se uma desconformidade significativa, traduzida na superioridade manifesta, expressiva, do passivo sobre o activo.”


6ª - Sendo certo que a verdade e a justiça se sobrepõem à alegada segurança. Pois se assim não fosse, por uma questão de segurança, as mencionadas hipotecas, não obstante agora se tenha apurado terem sido liquidadas, teriam de ser pagas novamente ao credor, pois a verdade e justiça já não interessavam.


7ª- Como refere o Ac. Tribunal Constitucional de 28/01/2005


“«A doutrina(x), a jurisprudência do Tribunal Constitucional(x1) e este Conselho(x2) vêm generalizadamente afirmando que o respeito pelo princípio da igualdade implica o tratamento igual de situações objectivamente iguais, e o tratamento adequadamente diverso de situações objectivamente diferentes. Por outras palavras, a observância de tal princípio “consiste em tratar por igual o que é essencialmente igual e em tratar diferentemente o que essencialmente for diferente. A igualdade não proíbe, pois, o estabelecimento de distinções; proíbe, isso sim, as distinções arbitrárias ou sem fundamento material bastante”(x3)».”


Pelo que a decisão proferida viola o princípio da igualdade, o que expressamente se argui para os devidos efeitos legais, sendo inconstitucional – artigo 13º CRP.


8ª - A decisão proferida não se pronuncia sobre todas as conclusões formuladas, o que consubstancia nulidade que expressamente se argui, dando-se aqui por reproduzido todo o teor da reclamação apresentada e conclusões formuladas.”


Não foram apresentadas contra-alegações.


Fundamentação:


A questão a decidir consiste em saber se é admissível recurso de revista de acórdão proferido em conferência pelo Tribunal da Relação que confirmou a decisão do Desembargador Relator que indeferiu a reclamação apresentada pelos Recorrentes de um despacho do Juiz de 1ªinstância que rejeitou um recurso de revisão.


A factualidade a atender é a referida no relatório.


A decisão do relator, ora reclamada, que não admitiu o recurso, tem a seguinte fundamentação:


“A questão suscitada na presente reclamação tem sido decidida de forma uniforme pelo STJ, seguindo o entendimento que, em princípio, não é admissível recurso de revista do acórdão prolatado em conferência, no Tribunal da Relação, que indefere a reclamação da decisão da 1.ª instância de não admissão de recurso, confirmando essa decisão.


A revista apenas é admissível nas situações excecionais, em que é sempre admissível recurso previstas nos artigos 629.º, n.º 2, e 671.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, uma vez que não nos encontramos perante qualquer uma das situações previstas no artigo 671.º do Código de Processo Civil de admissibilidade do recurso de revista. (cf. Ac. do STJ de 31.03.2022, relator Cura Mariano, proc. nº925/12.0TBAGH-A. L1-A. S1).


Neste sentido, referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, in Código de Processo Civil Anotado, vol. I, pág. 774, em anotação ao artigo 643º: “Da decisão singular do relator, de confirmação ou de revogação da decisão do juiz a quo, é admissível reclamação para a conferência (art. 652º n.º 3). Já do acórdão da Relação que, em resultado da reclamação para a conferência, venha a ser proferido não é admissível recurso de revista, salvo se ocorrer alguma situação excecional, ressalvada pelo artigo 671º n.º 2,”


De seguida acrescentam: “Com efeito, o facto de à decisão do juiz da 1.ª instância que rejeitou o recurso suceder a decisão do relator, a qual, por sua vez, pode ainda ser submetida à conferência, numa multiplicidade de graus de jurisdição, torna a situação incompatível com a apresentação de um recurso de revista para o Supremo.”


Como refere o supracitado acórdão do STJ de 31.03.2022, esta é a posição dominante na doutrina, citando nesse sentido, Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Almedina, 2020, pág. 229, e 401, nota 576, e ainda no domínio do Código de Processo Civil de 1961, Lebre de Freitas e Abrantes Mendes, Código de Processo Civil Anotado, vol. III, tomo I, 2.ª ed., Coimbra Editora, 2008, pág. 76, e Luís Mendonça e Henrique Antunes, Dos Recursos, Quid iuris, 2009, pág. 223-224.


Na jurisprudência para além dos acórdãos do STJ, nele citado, de 19.02.2015, Proc. 3175/07 (Rel. Maria dos Prazeres Beleza), de 21.02.2019, Proc. 27417/16 (Rel. Rosa Ribeiro Coelho), de 10.12.2019, Proc. 4154/15 (Rel. Nuno Pinto Oliveira), de 25.02.2021, Proc. 12884/19 (Rel. João Cura Mariano); de 28.10.2021, Proc. 2743/17 (Rel. Nuno Pinto Oliveira), e de 9.12.2021, Proc. 2290/099 (Rel. Catarina Serra), são de salientar o de 24.05.2022, (relatora Catarina Serra), proc. nº20464/95.1TVLSB.L1-A.S1,onde são citados outros acórdãos no mesmo sentido e o de 17.11.2021, (relator Ricardo Costa), Proc. 8385/16.0T8VNG-H.P1-A.S1, que esclarece as razões pelas quais não é admissível nessas situações o recurso de revista para o STJ.


Assim, da fundamentação deste acórdão de 17.11.2021, consta:


“O acórdão da Relação proferido em Conferência que confirma o despacho singular do Relator em 2.ª instância de não admissão do recurso de apelação, em sede de Reclamação do despacho do juiz de 1.ª instância que rejeitou esse mesmo recurso de apelação, resulta de uma impugnação própria, constante dos arts. 641º, 6, 643º, 3 e 4, e 652º, 3, 1.ª parte, do CPC.


Um acórdão da Relação que confirma a decisão da 1.ª instância e do Relator em 2.ª instância, ligados pelo resultado decisório comum de rejeição do recurso de apelação dessa decisão de 1.ª instância, segue a disciplina e a lógica do regime do incidente de reclamação, estabelecido no art. 643º do CPC, assim como os seus desfechos possíveis e excludentes: “ou o recurso é admitido e o relator requisita o processo ao tribunal recorrido; ou o despacho de não recebimento de recurso é mantido e[,] então, o processo incidental é remetido ao tribunal reclamado, para o processo prosseguir aí os seus termos.


Uma vez proferido tal acórdão, a decisão recorrida não pode ser enquadrada em qualquer das situações previstas para a revista, normal ou excepcional, tal como previstas nos arts. 671º, 1, 2, e 672º, 1 e 2, do CPC.”


Mais adiante acrescenta: “ Esta estrutura de recurso que ora é atribuída à reclamação, porquanto a mesma é julgada pelo Colectivo que julgaria o recurso se o mesmo tivesse sido admitido, obsta à recorribilidade da decisão, sem prejuízo de poder haver recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade para o Tribunal Constitucional, nos termos do artigo 75º-A da LTC, cfr. Amâncio Ferreira, ibidem; Armindo Ribeiro Mendes, ibidem; Cardona Ferreira, Guia de Recursos em Processo Civil, 4ª edição, 121; José Lebre de Freitas, Armindo Ribeiro Mendes, Código de Processo Civil Anotado, Volume 3º, 46; José Lebre de Freitas, Armindo Ribeiro Mendes, Código de Processo Civil Anotado, Volume 3º, Tomo I, 2ª edição, 72/76.


Ora, não sendo possível a Revista, por o Tribunal da Relação não ter admitido o recurso interposto, o Acórdão produzido em Conferência não se afigura impugnável, nos termos do artigo 671º, nº1 do CPC, por o mesmo não ter conhecido do mérito da causa.


De outra banda, também se não verifica qualquer das situações a que se referem as várias alíneas do nº 2 do artigo 671º, do CPC, já que não estamos perante uma decisão interlocutória, de estrita natureza incidental e que verse unicamente sobre a relação processual, mas antes face a uma decisão final proferida no âmbito de procedimento de reclamação.”


É, pois, entendimento pacifico na jurisprudência do STJ, que exceto nos casos em que o recurso é sempre admissível, do acórdão proferido pela conferência que confirma a decisão de não admissão do recurso de apelação não cabe recurso de revista, para o Supremo Tribunal de Justiça.


No caso em apreço, o recurso agora interposto respeita a um acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães (datado de 14.09.2023), proferido em Conferência na sequência de reclamação da decisão do Juiz Desembargador/ Relator, que confirmou o despacho de 1ª instância de não admissão do recurso de revisão e que foi proferida relativamente a incidente reclamação deduzido contra o despacho da 1ª instância, tudo no âmbito de previsão dos artigos 641º n.º 6, 643ºn.º , 3 e 4, 2ª parte, e 652º n.º 2 , 1ª parte, do CPC.


O entendimento dos acórdãos supracitados apesar de se reportarem a recurso de apelação têm inteira aplicação ao recurso de revisão.


Os Reclamantes, como resulta das suas transcritas conclusões, não apresentam qualquer argumentação que incida sobre a questão da admissibilidade do recurso de revista do acórdão do Tribunal da Relação e procure contrariar o muito bem fundamentado despacho reclamado que não admitiu o recurso de revista.


Excluindo os artigos alegados para justificar a admissibilidade do recurso de revisão da sentença que declarou a insolvência que para o efeito da amissibilidade do recurso de revista são irrelevantes, limitam-se a invocar os artigos 643º, n.º 4 (que estabelece a admissibilidade de reclamação para a conferência do despacho do relator que admita o recurso ou o mande subir ou mantenha o despacho reclamado), 652º, n.º 3 (que estabelece a admissibilidade de reclamação para a conferência das decisões para o relator) e 652º, n.º 5 al. b) ( que prevê a admissibilidade de recurso nos termos gerais do acórdão da conferência) todos do CPC.


No entanto, a questão não está em ser legalmente admitido recorrer dos acórdãos proferidos pelos Tribunais da Relação em conferência, está antes em saber se, nesta concreta situação, estão preenchidos os pressupostos para ser admissível o recurso de revista.


Como atrás se referiu, para o recurso de revista ser admissível, tinha de ser enquadrado em qualquer das situações previstas para a revista normal no artigo 671º n.º 1 do CPC e o acórdão recorrido do Tribunal da Relação de Guimarães, não conheceu do mérito, tendo-se limitado a confirmar um despacho do Desembargador Relator, que indeferiu a reclamação apresentada pelos Reclamantes/Insolventes da decisão do juiz de 1ª instância que não admitiu o recurso de revisão da sentença que declarou a sua insolvência.


Por outro lado, os Reclamantes também não invocaram, nem se verificam, nenhuma das situações excecionais previstas nos artigos. 629ºn.º 2 e 671ºn.º 2 do CPC.


Os Reclamantes na última conclusão (18ª) aludem a uma contradição do acórdão recorrido com o acórdão proferido nos presentes autos, quanto à necessidade de conclusões na reclamação.


Considerando que nos presentes autos apenas foi proferido o acórdão recorrido, os Reclamantes devem estar a referir-se à eventual contradição deste, com o despacho do Sr. Desembargador que indeferiu a reclamação por eles apresentada da decisão de 1ª instância que não admitiu o recurso de revisão, nos termos do artigo 699º n.º 1 do CPC.


Efetivamente na decisão do Sr. Juiz Desembargador Relator, nos termos do artigo 643º n.º 1 do CPC, proferida em 12.06.2023, um dos fundamentos para a improcedência da reclamação foi considerar que a reclamação prevista no art. 643º está sujeita às regras formais legalmente previstas para os recursos pelo que, para além do ónus de alegação da fundamentação/motivação, está também sujeita ao ónus de formulação de conclusões.


No entanto, a improcedência da reclamação baseou-se, noutros dois fundamentos: a reclamação não configurar o meio legal próprio para reagir contra a decisão do Tribunal de 1ª instância em causa dado a mesma não consubstanciar um despacho de não admissão de recurso e ainda a manifesta falta de fundamento.


No acórdão recorrido o primeiro dos fundamentos da reclamação, não terem os Reclamantes apresentado conclusões não foi considerado, contudo, daí não resulta qualquer contradição e muito menos entre acórdãos, que possa integrar a previsão do artigo 672º n.º 1 al. c) do CPC, nem os Reclamantes deram cumprimento ao disposto no al. c) do n.º 2 do citado artigo 672º.


Não é, pois, com esse fundamento que o recurso de revista, pode ser admitido.


Na conclusão 17ª os Reclamantes invocam a violação do artigo 20º da Constituição da República Portuguesa.


O STJ tem repetidamente entendido que a solução de não admitir a revista para o STJ do acórdão em conferencia da Relação que confirme a decisão de não admissão do recurso da decisão da 1ª instância, salvo se ocorrer alguma situação excecional, ressalvada pelo artigo 671º n.º 2, não padece de inconstitucionalidade.


Como consta da fundamentação do acórdão do STJ de 31.03.2022, processo n.º 25/12.0TBAGH-A.LI-A.SI (relator Cura Mariano), que se subscreve: “Quanto à invocada inconstitucionalidade desta orientação, parafraseando abundante jurisprudência do Tribunal Constitucional, há que dizer que a Constituição não contém preceito expresso que consagre o direito ao recurso para um outro tribunal, nem em processo administrativo, nem em processo civil; e, em processo penal, só após a última revisão constitucional (constante da Lei Constitucional n.º 1/97, de 20 de Setembro), passou a incluir, no artigo 32.º, a menção expressa ao recurso, incluído nas garantias de defesa, assim consagrando, aliás, a jurisprudência constitucional anterior a esta revisão, e segundo a qual a Constituição consagra o duplo grau de jurisdição em matéria penal, na medida (mas só na medida) em que o direito ao recurso integra esse núcleo essencial das garantias de defesa previstas naquele artigo 32.º.


Se é verdade que se tem considerado como constitucionalmente incluído no princípio do Estado de direito democrático o direito ao recurso de decisões que afetem diretamente direitos, liberdades e garantias constitucionalmente garantidos, mesmo fora do âmbito penal, em relação aos restantes casos, todavia, o legislador apenas não poderá suprimir ou inviabilizar globalmente a faculdade de recorrer.


Impondo a Constituição uma hierarquia dos tribunais judiciais (com o Supremo Tribunal de Justiça no topo, sem prejuízo da competência própria do Tribunal Constitucional – artigo 210.º), terá de admitir-se que o legislador ordinário não poderá suprimir radicalmente os tribunais de recurso e os próprios recursos.


Como a Lei Fundamental prevê expressamente os tribunais de recurso, pode concluir-se que o legislador está impedido de eliminar pura e simplesmente a faculdade de recorrer em todo e qualquer caso, ou de a inviabilizar na prática. Já não está, porém, impedido de regular, com larga margem de liberdade, a existência dos recursos e a recorribilidade das decisões. O legislador ordinário terá, pois, de assegurar o recurso das decisões penais condenatórias e ainda, segundo certo entendimento, de quaisquer decisões que tenham como efeito afetar direitos, liberdades e garantias constitucionalmente reconhecidos. Quanto aos restantes casos, goza de ampla margem de manobra na conformação concreta do direito ao recurso, desde que não suprima em globo a faculdade de recorrer.


Daí que nada impeça o legislador ordinário de aprovar um regime restritivo de acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, obstando a que muitos dos litígios tenham um terceiro grau de jurisdição, ou como, sucede no presente caso, todas as decisões dos tribunais das Relações sejam passíveis de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.


Por este motivo, a orientação que presidiu à decisão reclamada, na medida em que não admite o recurso de revista, não ofende qualquer direito constitucional.” (cf. No mesmo sentido os acórdãos do STJ de 24.05.2022, (relatora Catarina Serra), proc. nº20464/95.1TVLSB.L1-A.S1, e de 17.11.2021, (relator Ricardo Costa), Proc. 8385/16.0T8VNG-H.P1-A.S1 e os acórdãos do TC nele citados).


***


Nas conclusões que apresenta na presente reclamação os Reclamantes omitem qualquer argumentação jurídica que, em concreto, contrarie a fundamentação da decisão reclamada, que manteve a não admissão do recurso de revista.


Na 1ª conclusão limitam-se a reclamar para a conferência do despacho do relator;


Na 2ª conclusão invocam um acórdão do STJ sobre o conceito de documento superveniente;


Na 3ª conclusão invocam outro acórdão relativo à força probatória do documento particular não impugnado e alegam que os documentos em questão não foram impugnados, fazendo prova plena do constante dos mesmos;


Na 4ª conclusão, sustentam que de acordo com o princípio da igualdade, “o presente processo cabe no âmbito do regime executivo, pois existe ativo superior ao passivo e não no âmbito das insolvências. Se assim não fosse, teria de ser extinto o regime das execuções e vigorar apenas insolvências”;


Na 5ª conclusão invocam acórdão da TRE, sobre os pressupostos para a declaração de insolvência e na 6ª referem que as hipotecas, que se deduz, estiveram na base da declaração de insolvência, já estavam liquidadas.


Na 7ª conclusão citam um acórdão do Tribunal Constitucional sobre o princípio da igualdade.


É, pois, evidente, que os Reclamantes continuam a aduzir argumentação sem qualquer conexão com o objeto da reclamação, que é apenas a de saber se há fundamento para admitir o recurso de revista do acórdão proferido em conferência pelo Tribunal da Relação que confirmou a decisão do Desembargador Relator que indeferiu a reclamação apresentada pelos Reclamantes de um despacho do Juiz de 1ªinstância que não admitiu uma reclamação deles de uma decisão que rejeitou um recurso de revisão.


Na última conclusão sustentam que a decisão reclamada não se pronunciou sobre todas as conclusões formuladas, o que consubstancia nulidade.


A omissão de pronúncia apenas existe quando o Tribunal não conhece as pretensões formuladas pelas partes que requerem decisão.


No caso, estando perante reclamação de decisão que não admitiu o recurso de revista, a única questão que se tinha e se podia decidir, era a de saber se o recurso de revista era ou não admissível.


Essa questão foi decidida, como consta do despacho reclamado, acima transcrito, com o qual se concorda e para cujos fundamentos se remete, seguindo a jurisprudência uniforme do STJ, ou seja, não é admissível recurso de revista, com exceção das situações em que é sempre admissível recurso, previstas nos artigos 629º n.º 2 e 671º n.º 2 do CPC, do acórdão prolatado, em conferência, que indefere a reclamação da decisão de não admissão de recurso de revisão.


Este entendimento da não admissibilidade do recurso de revista, em situação similar, foi de novo acolhido no recente acórdão de 19.12.2023, relator Ricardo Costa, processo n.º 1506/12.4TYLSB-K.L1.S1 em que o aqui relator foi adjunto, que decidiu: “ o incidente da reclamação prevista no artigo 643.º do CPC apresenta-se como um expediente de impugnação que versa sobre a não admissão de recurso e visa em exclusivo o efeito adjetivo-processual de modificação pelo tribunal ad quem do despacho de não admissão do recurso pelo tribunal a quo; uma vez proferido acórdão em Conferência, por efeito de nova reclamação da decisão do Relator que confirmara o despacho de 1.ª instância de não admissão do recurso de Apelação, de acordo com o previsto nos arts. 643º, 4, 2.ª parte, e 652º, 3, do CPC, estamos perante decisão definitiva e insuscetível de qualquer outra impugnação.”


As questões que os Recorrentes colocam nas conclusões da reclamação do despacho do Sr. Juiz Desembargador, acima transcritas exceto a 18ª, sobre a qual o despacho reclamado do relator, se pronunciou, respeitam ao seu entendimento de, com fundamento nos documentos que apresentaram, ser admissível o recurso de revisão da sentença que os declarou insolventes, sustentando que foi indevidamente rejeitado, nos termos do artigo 699º n.º1, parte final, do CPC.


Ora, o STJ não se pode pronunciar sobre essas questões por não terem qualquer conexão com o referido objeto da reclamação contra o despacho que não admitiu o recurso de revista, nos termos do artigo 643º do CPC.


Neste sentido, o acórdão do STJ de 13.10.2020, processo n.º 4044/18.8T8STS-B.P1, relatora Graça Amaral, decidiu: “a especificidade da situação não se coaduna com as pretensões delineadas pelo Recorrente manifestadas e elencadas nas conclusões do recurso (que o Recorrente pretendia ver conhecidas no recurso de apelação que interpôs e que não foi admitido), uma vez que as mesmas (…) extravasam o âmbito da questão que processualmente se mostra passível de conhecimento nesta sede e que se reconduz, unicamente, em primeira linha (questão prévia) à admissibilidade legal do próprio recurso agora interposto.”


Assim sendo, carece de fundamento a arguida nulidade por omissão de pronúncia do despacho reclamado, proferido em 07.12.2023.


Pelas razões atrás referidas, também não nos pronunciamos sobre as novas conclusões 2ª a 7ª que os Reclamantes apresentaram contra o despacho de 07.12.2023.


Na conclusão 8ª em que os Reclamantes invocam um acórdão do Tribunal Constitucional sobre a violação do princípio da igualdade.


Este princípio, consagrado no artigo 13.º da Constituição, impede que uma dada solução normativa confira tratamento substancialmente diferente a situações no essencial semelhantes. No plano formal, a igualdade impõe um princípio de ação segundo o qual as situações pertencentes à mesma categoria essencial devem ser tratadas da mesma maneira. ( cf. neste sentido acórdão do Tribunal Constitucional n.º 134/2019, publicado no DR n.º 66/2019, Série I de 2019-04-03).


Assim sendo, a invocação do acórdão do TC na conclusão 8ª e a alegada violação do princípio da igualdade, apenas se compreende, por referência à sentença que declarou a insolvência deles e à decisão que rejeitou o pedido de revisão, não se vislumbrando que tenha qualquer conexão ou relevância quanto à questão da não admissibilidade da revista.


No caso, em que está em causa a inadmissibilidade do recurso de revista, manifestamente não está a ser violado o princípio da igualdade, considerando que não se vislumbra, nem os Reclamantes invocam qualquer tratamento desigual.


Por outro lado, quanto a não ser admissível o recurso de revista, não padecer de inconstitucionalidade, a acrescer ao referido na decisão reclamada, o acórdão do STJ de 24.05.2022, (relatora Catarina Serra), proc. nº20464/95.1TVLSB.L1-A. S1, decidiu: “o direito ao recurso não é um direito absoluto ou irrestrito, sendo objeto de diversas restrições justificadas. É o próprio Tribunal Constitucional que o afirma, esclarecendo que “a Constituição, maxime, o direito de acesso aos tribunais, não impõe ao legislador ordinário que garanta sempre aos interessados o acesso a diferentes graus de jurisdição para defesa dos seus direitos” e que “o legislador ordinário tem liberdade para alterar as regras sobre a recorribilidade das decisões judiciais, aí se incluindo a consagração, ou não, da existência dos recursos, conquanto, como tem sustentado parte da doutrina […] não suprima em bloco ou limite de tal sorte o direito de recorrer de modo a, na prática, inviabilizar a totalidade ou grande maioria das impugnações das decisões judiciais, ou, ainda, que proceda a uma intolerável e arbitrária redução do direito ao recurso […]” ( cf Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 431/02, de 22.10.2002.[8] Cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 100/99, de 10.02.1999, cuja doutrina foi confirmada, mais recentemente, por exemplo, pelo Acórdão n.º 657/2013, de 8.10.2013).


No mesmo sentido, decidiu o citado acórdão do STJ de 19.12.2023:


“ Tal solução – como igualmente se tem acentuado neste STJ – não coloca qualquer vício de inconstitucionalidade, nomeadamente à luz da “igualdade de armas” das partes e da tutela jurisdicional efetiva e da certeza e segurança jurídicas que a CRP consagra (arts. 13º, 20º, 1 e 4), como inúmeras vezes e em oportunidades diversas de discussão processual tem sido reiterado por este STJ.


Com efeito, é entendimento aceite na doutrina e na jurisprudência constitucional que o legislador tem um amplo poder de conformação na concreta modelação processual, neste caso aplicado aos regimes de impugnação recursiva, desde que não se estabeleçam mecanismos arbitrários ou desproporcionados de compressão ou negação do direito à prática desses atos (incidente aqui na impugnação recursiva).


Não é aqui o caso.


Ao invés, toda a fundamentação aqui aduzida, que concorre para a rejeição de recurso em conformidade com o regime próprio da Reclamação em sede de inadmissibilidade de recurso, não configura uma situação de negação de acesso à justiça que afronte os princípios basilares de um Estado de Direito (particularmente o de «respeito e garantia de efetivação dos direitos e liberdades fundamentais», tal como prescrito no art. 2º da CRP). A Constituição faculta ao legislador um grande espaço de definição e é desejável que assim o faça nesta matéria da impugnação recursiva (em geral e em especial) e das condições básicas que os interessados têm que conhecer e cumprir para a ela ter acesso, sob pena de frustração dos interesses visados – vistos e compreendidos, numa globalidade sistemática e racional, os arts. 641º, 1, 2, 5, 6, 643º, 652º, 3 a 5, 671º, 1 e 2, 672º, 1 e 2, e 629º, 2, do CPC.”


Decisão


Pelo exposto, indefere-se a presente reclamação e mantém-se o despacho reclamado.


Custas a cargo dos Requerentes, fixando-se em 2 Uc´s a taxa de justiça, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficiam.


Lisboa, 31.01.2024


Os Juízes Conselheiros


Relator- Leonel Serôdio;


1º Adjunto – Rui Gonçalves (junta declaração de voto)


2º Adjunto – António Barateiro Martins.


DECLARAÇÃO DE VOTO DO 1.º JUIZ CONSELHEIRO ADJUNTO


RUI GONÇALVES


No meu modesto entendimento face ao nosso direito adjetivo cível positivado, da decisão de 1.ª instância de indeferimento liminar de recurso extraordinário de revisão não cabe reclamação para a Relação, mas sim recurso para este Tribunal de 2.ª instância.


In casu, a rejeição liminar do recurso de revisão foi decretada pelo tribunal de 1.ª instância. Logo, não é caso para reclamação, mas sim de a parte recorrer para o Tribunal de Relação.


Com efeito, estamos no âmbito de um recurso (processo) de revisão que tem natureza híbrida de recurso (na fase rescindente) e de ação na fase rescisória (cf. neste sentido José Alberto dos Reis, (Código de Processo Civil Anotado, vol. VI, Coimbra, Coimbra Editora, 2012, p. 376, Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9.ª edição, dez.- 2009, Coimbra, Almedina, pp. 342-343; e Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, vol. II, 3.ªed., ago.-2023, Coimbra, Almedina, pp. 666-667).


Assim, com o devido respeito por opinião em contrário, o meio adequado de reagir contra a decisão de 1.ª instância de não admissão de recurso extraordinário de revisão é o recurso e não a reclamação para o tribunal da Relação.


Na verdade, se bem vejo, quanto à revisão, uma vez que este recurso, na fase rescindente, é uma verdadeira ação de anulação (cf. neste sentido Fernando Amâncio Ferreira, ob. cit. p. 101) e que o despacho que não admite o recurso de revisão se comporta como um despacho de indeferimento liminar da petição inicial (cf. arts. 590.º e 629.º, ambos do Código de Processo Civil), o meio adequado de reação contra tal despacho é o recurso e não a reclamação da previsão do art. 643.º do Código de Processo Civil.


Por sua vez, o despacho de indeferimento de um recurso de revisão obsta ao seu prosseguimento perante o próprio tribunal que proferiu a sentença revidenda, em vez de impedir a interposição do recurso para o tribunal superior (cf. neste sentido, José Alberto dos Reis, ob. cit. vol. cit. p. 343, Fernando Amâncio. Ferreira, ob. cit. pp. 101-102 e Adelino da Palma Carlos, Direito Processual Civil — Dos Recursos, ed. da AAFDL, 1963, pp. 48-50.)


Nesta linha de pensamento, no caso em apreço, a parte em vez de ter reclamado devia ter recorrido.


Assim, com o devido respeito por opinião diversa de harmonia com o disposto no n.º 3 do art. 193.º do Código de Processo Civil, impunha-se lançar mão à adequação formal por existir erro na qualificação do meio processual, por forma a assegurar o direito a uma tutela jurisdicional efetiva (cf. n.º 5 do art. 20.º da Constituição da República Portuguesa).


Não obstante o que dito fica, e a esta luz, quanto ao essencial, acompanho os fundamentos plasmados no corpo do presente aresto e voto a decisão.


Rui Gonçalves