Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
05B865
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: FERREIRA DE ALMEIDA
Descritores: CONTRATO DE EMPREITADA
DIREITO DE RETENÇÃO
QUESTIONÁRIO
RECURSO PARA O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Nº do Documento: SJ200505050008652
Data do Acordão: 05/05/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL PORTO
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Sumário : I. Na esteira do AC. UNIF. JURISP nº 4/99, de 14-4-99, in DR, 1ª - A Série nº 165/99 de 17/7, pág 4459, não é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça pelo que respeita à organização da especificação e do questionário.
II. É de reconhecer ao empreiteiro o direito de retenção sobre a obra construída em caso de relapsidão do respectivo dono no pagamento do respectivo preço, visto tal crédito provir de despesas com aquela feitas - artº 754º do C. Civil.
III. E isto seja qual for a modalidade da empreitada (de construção, reparação, demolição e conservação) podendo o empreiteiro reter a coisa onde se realizou, total ou parcialmente, a obra, e quer no caso de a obra ser totalmente concluída, quer na eventualidade de haverem surgido ocorrências conducentes à resolução (precoce) do contrato.
IV. Trata-se de um direito real de garantia que prevalece mesmo sobre a hipoteca, ainda que previamente registada - artº 759º nºs 1 e 2 do C. Civil.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1. O "Banco A, SA" instaurou com data de 18-6-96, acção ordinária contra "B - Empreendimentos Imobiliários, Ldª e "C - Engenharia e Construções, SA", solicitando:

a)- fosse declarada a nulidade da transacção judicial celebrada na acção instaurada pela C contra a B, por simulação processual, inexistência de objecto do aí contratado direito de retenção e ilegalidade dos seus termos, com a consequente nulidade e/ou anulabilidade da decisão que a homologou;

b)- fosse declarado não se verificarem os pressupostos de facto e de direito para que a Ré B pudesse ser considerada devedora da C em 50.000.000$00, no que respeita à execução do contrato de empreitada em causa nos autos, sendo a mesma, pelo contrário, credora da C em pelo menos 3.264.123$10;

c)- subsidiariamente, se decidisse que ainda que se a C fosse credora da B da importância constante da transacção ou de outra qualquer, nunca tal crédito poderia fundamentar, nem legal nem contratualmente, o reconhecimento ou existência de direito de retenção da C relativamente à B e sobre o prédio urbano sito na Rua Sacadura Cabral,.. e Rua da Igreja de Cedofeita,..., descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial sob o n.° 4565 a fls. 108 v° do livro B-13, por inexistência dos pressupostos legais previstos nos artigos 754° e 755° do C. Civil (tendo aquela, quando muito, direito de retenção unicamente sobre as benfeitorias realizadas e nunca sobre o terreno/solo);

d)- e, em consequência, fosse anulados e cancelados todos os registos efectuados ou entretanto a efectuar sobre o referido prédio urbano de actos facultativa ou obrigatoriamente sujeitos a registo que tivessem tido por fundamento a mencionada transacção e sua homologação.
Fundamentou o pedido, alegando, em suma que:
- a Ré B deve-lhe a quantia de 100.000.000$00 relativa a três contratos de mútuos e respectivos juros, destinados à construção de um imóvel sito na Rua da Igreja de Cedofeita, n.º..., Porto, o qual foi hipotecado a seu favor;
- sabedoras desta situação, as Rés, mancomunadas, delinearam e executaram um plano destinado a que a A. nada receba ou, pelo menos, receba menos do que aquilo a que tem direito;
- assim, em 10-01-94 a Ré C instaurou acção ordinária contra a Ré B pedindo que esta fosse condenada a pagar-lhe a quantia de 40.136.665$00 acrescida dos juros legais, resultante de contrato de empreitada celebrado entre ambas, bem como uma indemnização a liquidar em execução de sentença por todos os danos causados à C em consequência da suspensão da obra; pedindo ainda fosse declarado a favor da C o direito de retenção sobre a obra enquanto estes pagamentos não forem integralmente efectuados;
- a C contestou e deduziu reconvenção alegando atrasos na execução da obra e que esta apresentava vários defeitos, concluindo ser credora da B e não devedora;
- porém, na audiência de julgamento celebraram transacção, homologada por sentença, através da qual reconheceram um crédito fictício a favor da C com uma garantia "contratada de direito de retenção com o objectivo de prejudicar a A. ;
- por outro lado, além de à data da transacção a C não ser detentora ou possuidora do prédio sobre o qual recaiu o acordado direito de retenção, o prédio descrito na Conservatória sob o n.º 4565 já não existe, tendo sido demolido pela construção realizada pela C, pelo que a descrição abrange apenas o terreno, não podendo o mesmo responder por eventuais despesas que nada têm a ver com o mesmo.

2. Citadas as Rés contestaram, concluindo pela improcedência da acção, tendo a A. replicado.

3. Tendo sido indeferida a requerida notificação das Rés para a junção de documentos alegadamente em seu poder e o pedido de exame à escrita das Rés, a A. interpôs recurso de agravo do respectivo despacho, o qual foi admitido com subida diferida.

4. Procedeu-se a julgamento, com gravação da audiência, constando de folhas 1560-1562 as respostas à matéria do questionário.

5. Por sentença de 6-5-03, o Mmo Juiz da 8ª Vara Cível da Comarca do Porto julgou a acção improcedente, absolvendo, em consequência, as RR do pedido.

6. Inconformada, apelou a entidade bancária A., mas o Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 12-10-04, negou provimento ao agravo e à apelação, assim confirmando as decisões impugnadas.

7. De novo irresignada, desta feita com tal aresto, dele veio a Ré recorrer de revista para esta Supremo Tribunal, em cuja alegação formulou as seguintes conclusões:

2ª- A deduzida reclamação não deveria ter sido indeferida e, porque controvertida e essencial a uma boa decisão da causa, face às soluções plausíveis que a questão de direito comporta, deveria ser levada ao questionário a matéria que indica sob os pontos nºs 3º, 4º, 5º, 6º e 7º ;

4ª- Tal matéria é como se disse, essencial, não sendo nem conclusiva nem irrelevante;

5ª- E aquele indeferimento motivou, necessariamente, uma fundamentação v.g. de facto da aliás douta sentença de 1ª instância (e em consequência do douto acórdão recorrido) que terá de reputar-se como deficiente e até mesmo contraditória;

6ª- Daí que se deva considerar indispensável a sua ampliação, conforme defendido na aludida reclamação - o que se invoca para todos os efeitos legais;

7ª- Igualmente que é patente a contradição entre os fundamentos que serviram de base à improcedência da aludida reclamação em 1ª instância, v.g. quanto aos pontos 3, 4, 5, 6 e 7, com a posição assumida quer pela sentença final quer pelo douto acórdão recorrido;

8ª- Na medida em que para se aferir se a "transacção judicial" em questão se encontrava inquinada v.g. por simulação dos seus autores, seria de todo necessário proceder-se, além do mais, à averiguação se aquando da sua celebração, por exemplo, a C era credora ou devedora da B e por quanto,

9ª- Seria necessário saber se o crédito "reconhecido" no dito "acordo judicial" pela B à C, era ou não fictício, nomeadamente averiguando se as quantias mutuadas pelo recorrente à B tinham ou não sido por esta entregues à C (a sua verdadeira finalidade);

10ª- Com tal indeferimento, não foram "apreciados", "discutidos" nem considerados "provados" ou "não provados", factos essenciais à discussão do pleito;

11ª- Até porque os fundamentos daquela acção (contrato de empreitada e respectivo incumprimento), também não foram apreciados - isto porque, sendo a transacção sobre o objecto de uma causa "um contrato processual", a intervenção do juiz, quando a homologa, é de mera fiscalização da legalidade do objecto desse contrato e da qualidade das pessoas que contrataram";

12ª- Nada impede pois, que apesar do trânsito em julgado da sentença homologatória sobre transacção judicial, se intente uma acção destinada à sua declaração de nulidade ou anulação;

13ª- Sendo certo que a "confissão feita num processo só vale como judicial nesse processo;

14ª-Daí que - como aliás o douto acórdão recorrido reconheceu - não faz nenhum sentido a afirmação produzida na sentença de 1ª instância de que "...o tribunal está impedido, por tal motivo, de voltar a apreciar o contrato de empreitada, objecto daquela acção, sob pena de grave violação do caso julgado";

15ª- Porém, o douto acórdão recorrido, reconhecendo, como se disse tal posição, não tirou dela todas as consequências;

16ª- Até porque dada a dificuldade de prova directa da simulação, a prova desta resultará normalmente de todos os factos alegados que a façam presumir, e se destes pode resultar aquela presumibilidade, há que elaborar o respectivo questionário contemplando-os todos, ou seja, "deverá ser quesitada a matéria da petição inicial que contenha indícios da ocorrência dos requisitos da simulação (240°, n°1, do C. Civil ), ou de uma "causa simulandi" apropriada, isto é, do motivo ou interesse que motivou a simulação";

17ª- Face ao exposto, não se vê como se pode aceitar posição diversa com o "argumento" de que a matéria que se pretende quesitar ou é "conclusiva" ou "irrelevante".
Sem prescindir,

18ª- A presente acção tem por fundamento, além do mais, a declaração de nulidade da transacção judicial homologada por douto despacho proferido em 30/01/96;

19ª- O referido acordo resulta de uma simulação, ou seja, de uma concertação e execução de um plano prévio entre a ré C e a ré B, tentando que esta última não pague ao ora recorrente o que deve;
20ª- Plano de acordo com o qual a C e a B se serviram da transacção realizada para alcançarem, com a cobertura vinculativa da aludida sentença homologatória, um objectivo contrário ao direito, e não, como deveria ser, para obterem do tribunal uma decisão sobre um conflito sério entre elas;

21ª- Em segundo lugar, é tal transacção inválida, por ilegal;

22ª- O prédio que se encontra descrito sob o numero 4565, fls.108 v°., L-B 13 e que constitui o objecto mediato da mencionada transacção judicial, não existe, foi demolido;

23ª- E uma vez que há destruição do objecto do direito (retenção), estaremos perante uma extinção objectiva do mesmo, já que o prédio ali identificado deixou de existir quer para o seu titular (B), quer para qualquer outra pessoa (v.g. C);

24ª- A ser assim, estaremos perante uma nulidade de tal transacção judicial, por falta de objecto (mediato), ou impossibilidade física do mesmo, v.g. quanto à constituição do invocado direito de retenção - cf. art°s.280°, n°1, 401°, n°2, ambos do C. Civil. - o que tudo se invoca v.g. para efeitos do estatuído no 286°,do C. Civil;

25ª- Por outro lado, se é teoricamente admissível reconhecer ao empreiteiro o direito de retenção, este apenas pode incidir sobre a obra na qual este último tivesse realizado as suas despesas (objecto da protecção legal em causa);

26ª- O certo é que na transacção em apreço se confere ilicitamente o supracitado direito de retenção sobre todo o prédio;
27ª- Admitindo-se contudo e por mera hipótese de raciocínio, o recurso à "redução" daquele "negócio jurídico", nos termos do 292° do C.C ou até mesmo a sua "conversão" (293° do CC), na melhor das hipóteses, o aludido direito de retenção apenas poderia abranger tais obras ou construção;

28ª- Por outro lado, a C não teve quaisquer despesas por causa do terreno (nem a obra que realizou se destinou à conservação ou melhoria do solo);

29ª- Com tal ilícita transferência pretendeu-se colocar um "terreno/prédio" a responder por eventuais despesas que nada têm a ver com o mesmo;

30ª- Outrossim, se se admitisse que o empreiteiro (C) tivesse o invocado direito de retenção, este apenas poderia incidir ou ter por objecto, de acordo com o disposto nos 754° e 755°., ambos do CC, a "obra./edifício por ele realizado ou construído, e não também o terreno no qual tal obra foi realizada - o que é bem diverso !!!;

31ª- Por conseguinte, tal transacção judicial, é nula, no seu ponto 5, por inexistência de objecto, uma vez que o prédio urbano a que ali se alude demolido, já não existe (cf. doc.5, junto com a p.i.);

32ª- E, ainda que assim não se entendesse, v.g. por recurso às citadas disposições legais (292° e 293°., CC), sempre o digníssimo tribunal deveria considerar que não poderia assistir o direito de retenção da C (empreiteiro) sobre a totalidade de um prédio, mas apenas sobre a obra construída no mesmo, obra que, segundo o estatuído no artº 754°., teria originado as alegadas despesas (crédito invocado pela C);

33ª- Isto porque como é sabido "o direito de retenção não tem carácter geral, é necessário pois que o crédito do retentor resulte de despesas com a coisa ou de danos por ela causados";

34ª- Sempre se acrescentará igualmente que a C, à data da referida transacção judicial, não era a detentora ou possuidora do alegado prédio (ou obra em causa), como de resto se alcança daquela (transacção);

35ª- Sendo certo que o exercício do direito de retenção pressupõe a detenção / posse - o que, no caso concreto, não acontecia;

36ª- Não se podendo aceitar a posição de que a transacção é valida só porque não viola "nenhuma norma imperativa";
Ainda sem prescindir,

37ª- No presente caso (apreciação da simulação), a prova somente poderá ser conseguida através da chamada prova indiciária e indirecta, ou seja, através de factos que levados ao conhecimento do tribunal (facto probatório ou indiciário) permitem deduzir o facto que constitui o objecto da prova (facto essencial);

38ª- Ou com o recurso às regras da experiência;

39ª- Uma vez que é muito pouco provável que os "simuladores" em causa expressem ou anunciem " à boca cheia ", que pretendiam, com a transacção judicial em causa, prejudicar o banco, ora recorrente!!!;

40ª- Assim, a consideração dos elementos constantes dos autos (e não só a matéria "dada como provada" ou "assente", permitirá determinar o alcance dos documentos juntos aos autos, v.g. "transacção judicial" e completar ou consolidar o "começo de prova" que neles se possa fundar - cf. Carvalho Fernandes, "Prova da Simulação", pag..615.

41ª- Concluindo-se assim pela prova e verificação dos pressupostos relativos às invocadas simulação e invalidades, sendo a transacção judicial em causa nula também a este título - o que se invoca para todos os efeitos legais;

8. Contra-alegaram as RR sustentando a correcção do julgado, para o que formularam as seguintes conclusões:
A B:
1ª- A ampliação da matéria de facto de BI pretendida pelo Recorrente é inútil;
2ª- A factualidade seleccionada pelo Tribunal para constituir a Especificação e o Questionário é bastante para sustentar todas as soluções plausíveis do direito que as colocam no acção "sub judice";
3ª- O que o recorrente pretenda seja introduzido na Base Instrutória mais não é do que uma repetição do que já ali foi quesitado, nomeadamente nos quesitos 4º, 5°, 8°, 9°, 10°, 11º, 12° e 13° e que não conseguiu provar;
4ª- Os novos quesitos que o recorrente pretende sejam formulados não contêm qualquer matéria que não tenha sido sobejamente debatido em audiência de julgamento, ao abrigo dos quesitos que, efectivamente, constituíram a Base Instrutória - conforme se pode verificar pela leitura/audição dos depoimentos das testemunhas nela ouvidas;
5ª- Mesmo que fossem formulados novos quesitos com a matéria de facto indicada pelo recorrente - o que se não concede e apenas se admite como mera hipótese académica de raciocínio - sempre se concluiria a seguinte:
5.1. Face à prova carreada para os autos, nomeadamente aos depoimentos testemunhais, as respostas aos hipotéticos quesitos seriam conformes às que tiveram os quesitos constitutivos de Base instrutória:
5.2. A matéria de facto que, adicionalmente, viesse a ser seleccionada para debate mesmo que chegasse a provar-se, não contaria a virtualidade de infirmar as resposta negativas dadas aos quesitos relativos à matéria da simulação;
6ª- Acresce que, não se vê que o aditamento à Base Instrutória pretendida pelo o recorrente possa alterar e torta convicção que o tribunal de primeira instância formou acerca de inexistência do invocado acordo simulatório;
7ª- O douto despacho que indeferiu a reclamação de recorrente à base instrutória foi o mais consentâneo com o que, sobre a mesma temática, tem sido entendido pela generalidade da Jurisprudência, indicando-se, a título de exemplo, os seguintes arestos:
7.1- Só são de incluir na base instrutória os factos Instrumentais que sirvam para apoiar o estabelecimento de presunções judiciais ou para preencher, de uma forma tão ampla quanto possível, determinados conceitos jurídicos ou juízos de valor relevantes para a procedência da acção ou da defesa";
7.1. O juiz, ao elaborar o questionário, não tem que ater-se às expressões usadas pelas partes nos articulados, nem que quesitar tudo quanto elas elegem. Pode alterar os termos desde que respeite o sentido, e pode sintetizar o alegado desde que na síntese tudo quanto Interessa à decisão da lide segundo as soluções plausíveis das questões de direito pelos factos suscitadas";
7.2. "Só têm de ser quesitados os factos contraditados, na medida em que possam servir para que se julgue a viabilidade ou Inviabilidade do pedido;
8ª- O objecto mediato do direito de retenção a que se refere a transacção em causa existia, como existe, e as partes nela intervenientes, quando a celebraram, sabiam, perfeitamente, ao que se estavam a referir - obviamente, ao imóvel em construção respeitante ao contrato de empreitada em discussão naqueles autos;
9ª- O recorrente serve-se de uma descrição predial desactualizada (e que a qualquer momento se pode actualizar a requerimento do respectivo interessado) com o fito de criar uma confusão que não existe, nem nunca existiu, nomeadamente no espírito das partes Intervenientes nesta processo sobre o prédio identificado na mencionada transacção;

10ª- Havendo uma edificação, esta e o terreno em que é Incorporada, passam a constituir um só prédio (agora urbano), pelo que, havendo direito de retenção por via das obras ou construção efectuada, esse direito, estende-se necessariamente, por força da natureza das coisas, ao terreno sobre o qual as mesmas obras ou construção foram efectuadas;

11ª- E é o que decorre do consignado no n.º 2, do artigo 204º - "entende-se por... prédio urbano qualquer edifício Incorporado no solo, com os terrenos que lhe sirvam de logradouro" - e no n.° 1 do artigo 13440 - "A propriedade dos Imóveis abrange o espaço aéreo correspondente à superfície, bem como o subsolo, com tudo o que neles ao contém e não esteja desintegrado do domínio por fel ou negócio Jurídicos-ambos do Cod. Civil;

12ª- A recorrida C está na detenção e na posse de referido prédio, pela menos, desde a data em que foi celebrada a transacção judicial poste em causa pelo apelante, por virtude da entrega do imóvel operada na referida transacção;

13ª- Acresce que, mesmo que o titular do direito de retenção - neste caso a C - não fosse a detentora da coisa objecto do direito de retenção, podia, mesmo nesta hipótese, ser titular de posse correspondente a esse mesmo direito - de retenção - podendo fazer uso, se assim entendesse, dos meios de defesa da passe previstos nos artigos 1276° e ss do Cód. Civil;

14ª- Em conclusão: o douto acórdão recorrido não merece qualquer juízo de censura, não tendo violado qualquer disposição legal. Deve, pois, ser mantido na íntegra.
A C:
1ª- A não inclusão na base instrutória dos quesitos propostos pelo Recorrente não merece qualquer censura. Bem andaram as duas instâncias ao considerar que os quesitos propostos pelo Recorrente ora continham matéria conclusiva, ora continham matéria de todo irrelevante para a decisão da causa.

2ª- Não pode o recorrente, por não ter logrado provar minimamente a peculiar (e insólita) trama por aí invocada, pretender "refugiar-se" até à última instância numa suposta insuficiência da base instrutória. A única insuficiência patente é, precisamente, a falta da prova dos factos alegados pelo recorrente, ónus que recaía unicamente sobre este;

3ª- Com efeito, em momento algum conseguiu o recorrente provar a "invocada, mas não demonstrada simulação processual";
4ª- Nem mesmo mediante uma ampla discussão da matéria de facto conseguiu o recorrente provar a intricada tese da simulação ;
5ª- "A falta de prova sobre os factos quesitados, determinante de respostas de "não provado", traduz apenas uma ausência de prova relevante e não uma insuficiência de quesitação, sendo, consequentemente insusceptível de justificar que o Supremo, nos termos do art ° 729°, n° 3, do C. Proc. Civil, ordene a ampliação da matéria de facto";
6ª- Não foi o recorrente impedido de provar o que quer que fosse, uma vez que, a matéria pretendida levar a questionário, embora não quesitada, foi amplamente discutida em sede de audiência de julgamento, tendo lida admitida a prova indirecta. Bem andou o Digníssimo Tribunal a quo ao julgar os quesitos propostos pela recorrente conclusivos (30 a 60) ou irrelevantes (7°);

7ª- "O manifesto, que os quesitos jurídicos não devem ser elaborados e, ao o forem, não devem ser respondidos";
Também quanto aos "factos-conclusão" que "devam ser expurgados da parte relativa ao raciocínio. Este está ao alcance de todos e introduzi-la na matéria a perguntar às testemunhas ou como delimitação da discussão factual só complica, só conduz a possível confusão de quem depõe. Com prejuízo, previsível, da averiguação relativa aos factos simples";

8ª- O entendimento da Jurisprudência, que considera que "se um quesito for conclusivo, por conter um juízo de valor, tem ele matéria de direito";
9ª- Concretamente quanto aos quesitos que o recorrente pretendia ver incluídos: "Os juízos de valor de carácter conclusivo constituem matéria de direito, pelo que não são quesitáveis. Tem carácter conclusivo, condicionador da solução de mérito, um quesito a perguntar se na data X o saldo devedor do réu para com o autor era de Y.";
10ª- Perguntar "se à data da transacção a Ré B era ou não devedora (ou credora) de determinadas quantias (concretas!) à Ré C" e vice-versa, é matéria conclusiva, condicionadora da solução de mérito;
11ª- Perguntar "se parte dessas quantias diz respeito às despesas suportadas pela Ré C na empreitada em causa..." é matéria conclusiva porque encerra um juízo de valor;
12ª- Perguntar se, "em consequência do respondido ao antes formulado, o crédito da C é fictício" é claramente matéria conclusiva porque contém, uma vez mais, um juízo de valor que, logicamente, iria condicionar de forma inadmissível a averiguação dos factos e, consequentemente a solução de mérito;
13ª- E, finalmente, perguntar "se as quantias mutuadas à B foram ou não aplicadas na obra e entregues à C" é matéria irrelevante para a boa decisão da causa;
14ª- Quanto à ilegalidade da transacção, conclui-se que o objecto do negócio apenas será fisicamente impossível quando envolva prestações não realizáveis no domínio dos factos ou de acordo com as leis da natureza. Tal não é, manifestamente, o caso,
15ª- Resultou provado que a obra construída pela Recorrida consistiu num prédio de quatro andares que existe actualmente na Rua Sacadura Cabral, n.° 88, e Rua da Igreja de Cedofeita, n° 34;
16ª- Na transacção, as recorridas referem expressamente o prédio sub iudice, não tendo qualquer cabimento que as partes reconhecessem o direito de retenção sobre um prédio que iria ser demolido;
17ª- A remissão para a descrição predial não é mais do que um elemento de identificação do prédio "não permitindo concluir que o direito de retenção foi reconhecido sobre o prédio já demolido que constava da descrição predial, não actualizada". Conclui-se que, bem andou o Digníssimo Tribunal a quo ao decidir que "não se verifica, pois, a apontada nulidade por falta de objecto";
18ª- Sublinha-se ainda a demasiadamente óbvia impossibilidade física e legal de separação do edifício do terreno sobre o qual está construído;
19ª- O direito de retenção decorrer da lei, não necessitando, no caso sub iudice, de ser reconhecido contratualmente;
20ª- Esta, a posição assumida pelo Supremo Tribunal de Justiça, pelas diversas Relações e por douta doutrina;
21ª- Quanto à alegada a inexistência de posse do prédio (ou da obra) por parte da recorrida como (mais um) fundamento da ilegalidade da transacção, conclui-se com a doutrina e da jurisprudência que aponta exactamente em sentido diverso, i.e., a posse não é condição para o exercício do direito de retenção;
22ª- Assim, bem andou o Digníssimo Tribunal a quo ao decidir que "nem (...) o reconhecimento do direito de retenção sobre o dito prédio ofende directa ou indirectamente qualquer disposição legal de carácter imperativo, susceptível de gerar a nulidade da celebrada transacção";
23ª- No que ao erro de interpretação e avaliação da prova produzida concerne, a competência do Supremo Tribunal de Justiça confina-se à matéria de direito, este não controla a matéria de facto nem revoga por erro no seu apuramento, antes fiscaliza a aplicação do direito aos factos seleccionados pelos tribunais de 1ª e 2ª Instâncias (vide artigos 721°, n.° 1 e 722, n.° 2 do Código de Processo Civil);
24ª- Com efeito, a revista desenha-se como "um recurso apertado, de critica vinculada, estranha à impugnação da matéria de facto e limitada quanto aos erros de direito, dado eles somente abrangerem os referentes à violação da norma de direito". A este respeito anota o Ilustre Professor Alberto dos Reis que "uma coisa é a apreciação das provas por parte do tribunal colectivo e da Relação, outra a questão de saber se esta fez uso legal dos n.º1 1°. 2° e 3° do art. 712°; a primeira questão é de facto, com a qual nada tem o supremo; segunda questão é de direito, em relação à qual legítima a censura por parte do tribunal de revista.";
25ª- In casu, o que o recorrente pretende é a reapreciação das provas, sobrevalorizando um depoimento em detrimento de todos os outros, baseando ainda a sua insistente motivação em suposições, acusações e ilações que só existem num plano por si configurado e que não encontram a mínima correspondência na lei ou na realidade!!!
26ª- É, pois, claramente ilegítima a pretensão do recorrente, afastando-se dos poderes de cognição e sindicância do Supremo Tribunal de Justiça;
27ª- Estão, aliás, já esgotados os meios de apreciação das provas e estes negaram, categoricamente, os pedidos por si formulados por manifesta falta de prova e de fundamentação legal;
9. Corridos os vistos legais, e nada obstando, cumpre apreciar e decidir.
10. Em matéria de facto relevante, deu a Relação por assentes os seguintes pontos:
1. Por escritura de 17-01-1992, rectificada pela que foi outorgada em 21-05-92, o Banco Comercial Português, SA concedeu à 1ª Ré B um empréstimo no montante de 65.000.000$00 por crédito na conta da mesma sociedade com o n.° 66315021, para efeitos de construção do prédio urbano sito na Rua da Igreja de Cedofeita, n.°34, da freguesia de Cedofeita, Porto, inscrito na respectiva matriz sob o art. 1010 e descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial do Porto sob o n.º 4565 e aí inscrito a favor da 1ª Ré;
2. Foi nomeadamente acordado que, nessa mesma data, por crédito na conta referida, seria entregue à 1ª Ré a quantia de 10.000.000$00 e que o remanescente de 55.000.000$00 seria utilizado à medida que se fosse concretizando o investimento programado igualmente através de crédito na conta da 1ª Ré;
3. Nessa mesma escritura, a 1ª Ré, através do seu gerente, declarou aceitar tal empréstimo, confessando-se devedora "de todas as quantias que o Banco venha a creditar na sua conta acima referida a titulo deste empréstimo e até ao montante do mesmo" e das "quantias que lhe forem debitadas por conta desta operação e nos termos do mesmo contrato", obrigando-se a aplicá-las na construção do imóvel referido;
4. Para garantia do pagamento das quantias emprestadas ou a emprestar pelo Banco à 1ª Ré, respectivos juros e demais acréscimos, foi constituída hipoteca a favor do banco sobre o mencionado imóvel, a qual foi inscrita a seu favor sob o nº 39.697 na mesma Conservatória;
5. Acordaram ainda que "o realizado empréstimo vence juros sobre o capital em divida, contados dia a dia, cobrados postecipadamente, ao trimestre, e segundo uma taxa indexada à taxa de juro da Associação Portuguesa de Bancos a 180 dias, acrescida de 0,5% e arredondada para o múltiplo da fracção oitava de 1% imediatamente superior, se a taxa da Associação Portuguesa de Bancos deixar de ser fixada, o Banco estabelecerá outra taxa de referência que sirva de indexaste à taxa de juros do presente empréstimo;
6. E que "A taxa de juro do presente empréstimo, taxa nominal trimestral, que será utilizada semestralmente, será de 23,5% para o 1º semestre, o que corresponde ao crédito definido na cláusula anterior (cláusula 6);
7. " O primeiro vencimento ocorre três meses após a presente data (cláusula 6) e o empréstimo é concedido pelo prazo de 24 meses a contar desta data" (17-01-92), devendo ser amortizada totalmente até ao termo daquele período" (ou seja, até 17-01-94);
8. No caso de incumprimento de qualquer das obrigações do citado contrato ou se o imóvel for penhorado ou por qualquer outro modo judicialmente apreendido, ou se ainda por qualquer outra forma, por acto imputável ao devedor, for prejudicada a livre disposição do mesmo, a divida tomar-se-á imediatamente exigível (cláusula 15ª);
9. Por escritura de 18-06-93, o Autor concedeu à Ré, e com a mesma finalidade, um empréstimo de 15.000.000$00 em termos e cláusulas semelhantes e com a mesma garantia de pagamento (hipoteca) de que se destacam:
- juros à taxa anual de 23% acrescidos de sobretaxa de 4% em caso de mora;
- a hipoteca abrange as construções que no mesmo prédio venham a ser edificadas, bem como as benfeitorias que nele se introduzam, obrigando-se a 1ª Ré a proceder aos respectivos averbamentos;
- taxa de juro do presente empréstimo, nominal trimestral, de 21,25% até 17-0793; nessa data, e posteriormente, a taxa de juro será actualizada de acordo com a indexação prevista na cláusula 4ª do respectivo documento complementar,
- o empréstimo foi concedido pelo prazo de seis meses a contar de 17-07-93 - v. documento de fls.59 a 70;
10. Esta hipoteca encontra-se definitivamente inscrita a favor do Autor sob o n.º 40 171;
11. Por escritura de 07-01-94, o Autor concedeu à 1ª Ré e com a mesma finalidade, um empréstimo de . 25.000.000$00 em termos e cláusulas semelhantes às anteriores e com a mesma garantia (hipoteca) inscrita definitivamente a favor do Autor sob o n.° 40.314;
12. Nesta mesma escritura foi também prorrogado o prazo dos dois empréstimos iniciais em mais um ano;
13. Por escritura de 09-06-93, o Banco Comercial Português, SA cedeu o seu crédito e respectivas garantias ao Autor que procedeu ao averbamento da 1ª hipoteca a seu favor pela apresentação n° 17 de 13-06-96 na mesma Conservatória;
14. O BCP informou a Ré B de tal cedência por carta datada de 25-06-93 junta a fis. 663 cujo teor se dá por reproduzido;
15. Dão-se por reproduzidas as peças processuais referenciadas na certidão junta a fis. 221 a 615;
16. Na audiência de julgamento do referido processo, realizada em 30 de Janeiro de 1996, as partes (C e B) chegaram a acordo nos seguintes termos:
"1- A ré reconhece-se devedora à autora da quantia de 50.000.000$00, reduzindo a Autora os seus pedidos a esta quantia global;
2- A ré desiste do pedido reconvencional formulado contra a autora;
3- A ré pagará à autora a referida quantia em 10 prestações mensais e sucessivas de 5.000.000$00, cada uma, vencendo-se a primeira em 03-03-96 e as seguintes em iguais dias dos meses subsequentes;
4- A falta de pagamento de uma prestação implica o vencimento imediato de todas as restantes, independentemente de interpelação, bem como o pagamento de juros de mora à taxa legal para as obrigações comerciais;
5- A ré reconhece que assiste à autora o direito de retenção sobre o prédio sub judice sito na Rua Sacadura Cabral, 88, Rua da Igreja de Cedofeita, 34, da freguesia de Cedofeita, concelho do Porto, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial sob o n° 4565 a fls. 108 v° do livro B-13, enquanto aquele crédito da autora não estiver totalmente pago, pelo que nesta data se faz a entrega do prédio à autora, obrigando-se a ré a não perturbar a posse da autora";
17. Na sequência dos três acordos acima referidos, as respectivas entidades bancárias, por crédito na aludida conta da 1ª Ré, concederam-lhe os totais de 61.000.000$00 (quanto ao 1° financiamento), 18.385.083$00 (quanto ao 2° financiamento) e 20.000.000$00 (quanto ao 3° financiamento);
18. A 1ª Ré apenas pagou de juros a quantia de 14.908.970$00;
19. A 1ª Ré aceitou e recebeu toda a correspondência, liquidações e avisos de lançamento que as referidas entidades bancárias lhe enviaram;
20- O valor venal desse imóvel não ultrapassa o crédito do autor;
21- A B não tem quaisquer outros bens que possam responder pelos seus compromissos;
22- Até Janeiro de 1994 o gerente da B tinha uma relação de amizade com um dos administradores da C - Engenharia e Construções, SA ;
23- A C, à data da transacção, não ocupava o prédio/obra em causa;
24. A obra construída pela Ré C consistiu num prédio de quatro andares que existe actualmente na Rua Sacadura Cabral, 88 e Rua da Igreja de Cedofeita, 34 e encontra-se em fase de acabamentos;
25. Tal prédio é composto de cave e rés-do-chão destinados a comércio com 130 m2 e 100 m2 respectivamente, 1° e 2° andares destinados a escritórios, com a área de 125 m2 cada um e 3° e 4° andares também destinados a escritórios com 70 m2 cada um;
26. Para a conclusão dos trabalhos de "acabamentos" são necessários 10.230.000$00.
Direito aplicável.
11. Organização do Questionário. Matéria de Facto. Poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça em sede factual.
A A., ora recorrente, reclamara do questionário, sustentando que deveriam ser formulados novos quesitos que considerava essenciais/necessários à boa decisão da causa.
Essa reclamação foi indeferida por despacho judicial de 2-2-00, pelo que, em sede de apelação, veio a recorrente sustentar que deveria ser ordenada a ampliação da matéria de facto, pretensão que ora reitera em sede de recurso de revista.
Propôs a recorrente a este propósito a formulação/aditamento dos quesitos 3 a 7 constantes da respectiva reclamação do questionário.
Nesse despacho salientava-se que se deparava "uma acção de anulação com base essencialmente em acordo simulado, incumbindo ao autor a prova da divergência intencional entre a vontade das partes que intervieram na transacção em causa e as declarações emitidas com intuito de enganar terceiros ", que não "o litígio que deu origem ao processo judicial" que teve como epílogo a aludida transacção judicial, e que a dita decisão de 1ª instância apreciara e decidira acertadamente a deduzida reclamação contra o questionário.
E isto porque os quesitos propostos sob os n°s 3 a 6 conteriam matéria conclusiva, como tal insusceptível de ser levada ao questionário. E o quesito proposto sob o n.º 7 integraria matéria de todo irrelevante para a boa decisão da causa. Qualificação jurídica essa de matéria conclusiva que - diga-se de passagem - não merece censura deste tribunal de revista.
E daí que houvesse julgado improcedente o recurso quanto à pretendida ampliação da matéria de facto.
Insurgia-se e insurge-se, pois, a recorrente, no fundo, contra a forma como foi organizado/elaborado o questionário, mas a verdade é que na esteira do AC UNIF JURISP deste Supremo Tribunal, nº 4/99, de 14-4-99, in DR, 1ª - A Série nº 165/99 de 17/7, pág 4459, "não é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça pelo que respeita à organização da especificação e do questionário".
Impugnou ainda o recorrente as respostas dadas aos quesitos 4°, 5°, 8°, 10°, 11°, 12°, 13º e 16°, já que, na sua óptica, tais quesitos deveriam ter sido julgados provados.
A este respeito, começou a Relação por observar que apenas poderia alterar a decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto dentro dos limites previstos no n° 1 do artº 712° do CPC, sendo que, no caso dos autos, por ter havido gravação dos depoimentos prestados em audiência, estaríamos perante a hipótese prevista na última parte da al. a) do citado artigo 712°, a qual deveria ser conjugada com o artigo 690-A do mesmo diploma legal.
Só que a recorrente não satisfez o ónus a que se reportava os artºs 690º-A n° 2 e n° 2 do artigo 522°-C do CPC: embora tendo transcrito os depoimentos das testemunhas ouvidas na audiência de julgamento, o recorrente não observou o disposto nas citadas disposições legais, omitindo a indicação dos depoimentos em que se fundava a impugnação da matéria de facto, por referência ao assinalado na acta, o que só, por si, determinaria a improcedência do recurso. Mas ainda que não existisse esse obstáculo de ordem processual, os depoimentos das testemunhas indicadas pelo recorrente, devidamente conjugados com os documentos constantes dos autos, não conduziriam à pretendida alteração das respostas dadas aos indicados quesitos.
No fundo, o que a recorrente deixa perpassar ao longo da sua alegação é a pretensão de que o Supremo volte a sindicar a matéria de facto dada como assente pelas instâncias, ordenando mesmo a baixa do processo à Relação para uma suposta necessidade da respectiva ampliação.
Reapreciação que é defesa pelos artºs 26º da LOFTJ 99 aprovada pela L 3/99 de 13/1 e 721º, nº 2, e 722º, nº 2 do CPC, sendo que nenhuma das excepções contempladas nesse nº 2 do artº 722º ocorrem no caso «sub-judice».
O Supremo limita-se a aplicar definitivamente o regime jurídico que julgue adequado aos factos materiais fixados/assentes pelo tribunal recorrido, só havendo lugar a uma eventual determinação de baixa ao tribunal a quo "quando a decisão de facto possa e deva ser ampliada em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito, ou que ocorram contradições na decisão sobre a matéria de facto que inviabilizem a decisão jurídica do pleito " - conf. artº 729º, nºs 1 e 3 do CPC.
Inviabilidade essa que manifestamente não ocorre no caso "sub-judice".
Ademais a Relação não exercitou a faculdade de alterar/modificar as respostas aos quesitos - domínio em que em princípio era soberana - assim confirmando a matéria factual elencada dada como assente pelo tribunal de 1ª instância, a qual terá, por isso, de permanecer agora como incontroversa.
De resto, a Relação deu esclarecimento detalhado das razões /factuais/probatórias pelas quais manteve inalteradas as questionadas respostas, em termos tais que a solução jurídica do litígio não poderia ter sido outra diferente.
Tudo se reconduzindo a uma questão de ónus da prova dos factos alegados, que a ora recorrente não satisfez e que sobre si impendia. O mesmo que é dizer da valoração da prova produzida em audiência, a qual se insere no âmbito dos princípio da livre formação da convicção do julgador e da liberdade de julgamento plasmados no artº 655° nº 1, do CPC, caldeados com os princípios da imediação, oralidade e concentração, bem como do recurso às regras da experiência comum, «vis a vis» o ónus da alegação afirmação ou dedução e do correlativo ónus da prova (conf ainda os artºs, 342º, 349º, 351º do C. Civil e 515° do CPC).
Parece o recorrente, ademais, confundir a falta de cumprimento do ónus da prova dos factos constitutivos do direito (de anulação) invocado em juízo (artº 342º do C. Civil) com uma insuficiência de quesitação que as instâncias não coonestaram.
12. Requisitos da simulação.
Na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto controvertida, e no que tange ao aventado "pactum simulationis" alegadamente conducente à realização da transacção judicial em causa, deixou-se consignado que os quesitos 4° 5° 8° 9° 10° 11 ° 12° e 13° não ficaram minimamente demonstrados, uma vez que a A., ora recorrente, não logrou convencer o tribunal da existência de uma combinação simulatória entre as Rés com o intuito de enganar ("animus decipiendi") ou prejudicar ("animus nocendi") a entidade autora, tudo nos termos e para os efeitos dos pressupostos contemplados no artº 240º do C. Civil.
Conclusão essa inteiramente sufragada pela Relação que, "ex-professo", considerou - no uso dos seus poderes soberanos em matéria de facto - não existir fundamento para a alteração de qualquer das respostas dadas aos indicados quesitos, o que levou à conclusão da improcedência da arguição da nulidade da transacção judicial (por aventada simulação processual) impugnada pela ora recorrente.
13. Direito de retenção.
Diga-se, a este respeito, que a doutrina e a jurisprudência (v.g a citada pela recorrida "C" ) vêm entendendo ser de reconhecer ao empreiteiro o direito de retenção sobre a obra construída em caso de relapsidão do dono da obra - conf., neste sentido, o Parecer dos Profs Ferrer Correia e Sousa Ribeiro datado de 28-12-88, in CJ, ano XIII, Tomo I, pág 15 e ss e Prof João Calvão da Silva, in "Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória", 2ª ed, 1997, pág 342 e ss e, v.g, os Acs das RP de 16-10-95, RE de 23-9-99, in BMJ nº 489, pág 416 e da RL de 6-4-00, in CJ 2000, Tomo II, pág 130.
Este Supremo Tribunal entendeu já, de resto, - no Ac de 19-11-71, in BMJ nº 211, pág 297 e ss -, que "enquanto o dono da obra não pagar o preço da empreitada, goza o empreiteiro do direito de retenção das chaves do prédio, que àquele devia entregar uma vez concluída a obra, visto tal crédito provir de despesas com aquela feitas e não ser justo que outrem se locuplete à custa do empreiteiro que as realizar".
A circunstância de o caso do empreiteiro não se encontrar previsto no artº 755º, não significa que ao mesmo não assista o direito de retenção, pois que tal direito deriva directamente da estatuição-previsão do artº 754º, já que se verifica o requisito do "debitum cum re conjuntum".
Não se alcançam, por isso, e na realidade, razões decisivas para não ser reconhecido o direito de retenção ao empreiteiro, enquanto o dono da obra não pagar o preço da empreitada, visto que o seu crédito resulta de despesas feitas por causa dela (artº 754°) " - conf. Calvão da Silva, in ob cit, pág 342. E isto seja qual for a modalidade da empreitada (de construção, reparação, demolição e conservação) podendo reter a coisa onde se realizou, total ou parcialmente, a obra, e quer no caso de a obra ser totalmente concluída, quer na eventualidade de haverem surgido ocorrências conducentes à resolução (precoce) do contrato.
Trata-se de um direito real de garantia, relativo, na circunstância, a coisa imóvel, prevalecendo mesmo sobre a hipoteca ainda que previamente registada - artº 759º nºs 1 e 2 do C. Civil.
Assim, bem decidiram as instâncias ao considerarem não se deparar (a questionada transacção) um negócio «contra legem» pois que as partes se limitaram a reconhecer um direito já resultante expressamente da lei (artº 754° do C. Civil).
14.. Alegada impossibilidade de objecto.
Sustenta a recorrente que o "prédio que se encontra descrito sob o nº 4565, fls 108 v., L- B 13 e que constitui o objecto mediato da mencionada transacção judicial, não existe, foi demolido".
E, face a esse desaparecimento do objecto do direito (de retenção) estaríamos perante uma extinção objectiva do mesmo, já que o prédio ali identificado deixou de existir, quer para o seu titular quer para qualquer outra sujeito de direitos.
Ora, no que concerne ao questionado direito de retenção (sobre o prédio de quatro andares construído na Rua Sacadura Cabral, nº 88, e Rua da Cedofeita, nº 34), objecto da aludida transacção, deixaram as instâncias bem claro que a referência ao número da descrição predial foi feita apenas para efeitos de identificação do prédio, não permitindo concluir que o direito de retenção fora reconhecido sobre o prédio já demolido que constava da descrição predial, esta ao tempo não actualizada. Não se trata, por conseguinte, de uma situação de "impossibilidade legal de objecto"
E quanto ao terreno sobre o qual se encontra implantada a construção urbana ? No entender da recorrente deveria ocorrer uma "redução" do negócio jurídico (da transacção) em ordem a excluir tal terreno da garantia em apreço.
Não é feita nos autos a este respeito qualquer "cisão" entre prédio (simples terreno) e o prédio urbano nele "ex-novo" implantado.
O empréstimo bancário/hipotecário a que se reportam os autos concedido à 1ª Ré por escritura de 17-01-1992, rectificada pela que foi outorgada em 21-05-92, foi-o para efeitos de construção do prédio "urbano" sito na Rua da Igreja de Cedofeita, n°34, da freguesia de Cedofeita, Porto, inscrito na respectiva matriz sob o art. 1010 e descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial do Porto sob o nº 4565 e aí inscrito a favor da 1ª Ré - conf. supra 10 nºs 1 e 4.
A obra construída pela Ré C (empreiteira) consistiu num prédio de quatro andares que existe actualmente na Rua Sacadura Cabral, 88 e Rua da Igreja de Cedofeita, 34, encontrando-se em fase de acabamentos, sendo composto de cave e rés-do-chão destinados a comércio com 130 m2 e 100 m2 respectivamente, 1° e 2° andares destinados a escritórios, com a área de 125 m2 cada um e 3° e 4° andares também destinados a escritórios com 70 m2 cada um - conf. supra nºs 24 e 25.
E a 1ª Ré, dona da obra, veio reconhecer expressamente à C (empreiteira) o direito de retenção sobre o prédio sito na Rua Sacadura Cabral, 88, Rua da Igreja de Cedofeita, 34, da freguesia de Cedofeita, concelho do Porto, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial sob o n° 4565 a fls. 108 v° do livro B-13, "enquanto aquele crédito da autora não estivesse totalmente pago, nesta data fazendo a entrega do prédio à autora, obrigando-se a ré a não perturbar a posse da autora";ou seja precisamente sobre a "obra" nele implantada" (sic) - conf. supra nº 16 - 5.
Mesmo que se tratasse "ab-initio" de um prédio rústico, como parte delimitada no solo, ele só subsistiria se e enquanto tais construções não tivessem autonomia económica, pois que constitui prédio urbano qualquer edifício incorporado no solo com os terrenos que lhe sirvam de logradouro - conf. artº 204º, nº 2, do C. Civil - tendo como limites os contemplados no nº 1 do artº 1344º do C. Civil.
Tudo sem prejuízo da ulterior regularização da situação para fins matriciais e registrais.
Claro é que o direito de retenção conferido à empresa empreiteira só poderá incidir sobre a "obra" imobiliária enquanto à empreiteira lhe não for pago o respectivo preço - conf. artº 754º do C. Civil.
Mas a obra em causa substituiu objectivamente a anterior construção urbana no mesmo local implantada, com ela se confundindo.
Não colhe pois a asserção da recorrente quanto à suposta inexistência do objecto mediato da transacção em causa.
15. Decisão:
Em face do exposto, decidem:
- negar a revista;
- confirmar, em consequência, o acórdão recorrido.
Custas pela recorrente.

Lisboa, 5 de Maio de 2005
Ferreira de Almeida,
Abílio Vasconcelos,
Duarte Soares.