Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
378/1993.P1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: ANTÓNIO LEONES DANTAS
Descritores: RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA
PRESCRIÇÃO
ALTERAÇÃO DO PRAZO
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
FAT
Data do Acordão: 07/03/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA EM PARTE
Área Temática:
DIREITO CIVIL - LEIS, SUA INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO - RELAÇÕES JUÍDICAS / TEMPO E SUA REPERCUSSÃO NAS RELAÇÕES JURÍDICAS.
DIREITO DO TRABALHO - ACIDENTES DE TRABALHO/ PRESTAÇÕES (PRAZO).
Doutrina:
- BAPTISTA MACHADO, Sobre a aplicação no tempo do novo código civil, Almedina, 1968, p. 96.
- MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, “Aplicação da Lei no Tempo”, Cadernos de Direito Privado, n.º 18, Abril-Junho de 2007, p. 8., citando o acórdão desta Secção de 8 de Junho de 1994, in BMJ, n.º 438, Julho de 1994, pp. 440, relativo à aplicação da redacção da Base XIX da Lei n.º 2127, introduzida pela Lei n.º 22/92, de 14 de Agosto, aos acidentes de trabalho ocorridos antes da entrada em vigor desta Lei.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 12.º, N.º2, 297.º, 326.º, N.º1.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 498.º, N.º2
DECRETO N.º 360/71, DE 21 DE AGOSTO.
DECRETO-LEI N.º 668/75, DE 24 DE NOVEMBRO: - ARTIGOS 1.º, 3.º, N.º3.
LEI N.º 100/97, DE 13 DE SETEMBRO: - ARTIGOS 17.º, N.º 1, ALÍNEA D), 33.º, N.º 1, 45.º, N.º 2, AL. A).
LEI N.º 143/99, DE 30 DE ABRIL, QUE VEIO A REGULAMENTAR A LEI 100/97, DE 13 DE SETEMBRO: - ARTIGOS 56.º, 74.º.
LEI N.º 2127, DE 3 DE AGOSTO DE 1965.
Sumário :
1 – Nos termos do n.º 3 da Base XXXVIII da Lei n.º 2127, de 3 de Agosto de 1965, as prestações relativas à reparação de acidente de trabalho estabelecidas por decisão judicial prescreviam no prazo de um ano a partir do seu vencimento, sendo que, nos termos do n.º 4 da mesma Base, este prazo não começava a correr enquanto não fosse dado conhecimento pessoal ao beneficiário da fixação dessas prestações;

2 – O prazo previsto no n.º 2 do artigo 32.º da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, é aplicável às pensões fixadas na vigência da Lei n.º 2127 que se vençam após a entrada em vigor daquela Lei n.º 100/97 e àquelas que, embora vencidas na vigência da Lei n.º 2127, ainda não se tenha completado o prazo de prescrição fixado nesta Lei.
Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:


I

1 - Em 10 de Março de 1993, AA foi vítima de um acidente de trabalho quando se encontrava ao serviço de BB, que tinha a sua responsabilidade por acidentes de trabalho transferida para a COMPANHIA DE SEGUROS CC.

Instaurado o competente processo, prosseguiu este os seus termos, vindo a terminar por sentença de 23 de Abril de 1997, notificada ao Autor em 24 de Abril do mesmo ano, nos termos da qual a Ré, entidade empregadora, foi condenada a pagar ao A., além do mais, a pensão anual e vitalícia de 840.912$00, a partir de 08/07/1994 e, a Ré seguradora, subsidiariamente, de acordo com o disposto na Base XLIII, n.º 4 da Lei n.º 2127, de 3 de Agosto de 1965 a pagar ao mesmo, a partir da referida data, além do mais, a pensão anual e vitalícia de 80.975$00.

Tendo sido interposto recurso desta sentença, veio a mesma a ser confirmada por acórdão do Tribunal da Relação do Porto, acórdão de fls. 192 e segs., datado de 13 de Outubro de 1997.

Este acórdão foi também objecto de recurso de revista para este Tribunal que, no entanto, não foi recebido (conforme despacho de 18/03/1998 e notificado às partes em 23/03/1998).

2 - Transitada em julgado a decisão da 1.ª instância, a Ré entidade empregadora foi notificada para dar cumprimento ao disposto no artigo 71.º do Código do Processo de Trabalho então em vigor, vindo a mesma aos autos afirmar, conforme resulta de fls. 218, «que não procedeu ao pagamento do montante em que foi condenada por não dispor de meios económicos para liquidar a dívida», informação de que foi, de imediato, dado conhecimento ao mandatário do sinistrado.

Calculado o valor da caução legalmente devida, a empregadora foi notificada para a prestar, vindo então a mesma informar nos autos, a fls. 226, que «não pode prestar a caução que lhe foi fixada, pois não dispõe de meios económicos para o fazer», informação de que foi dado conhecimento também ao mandatário do Autor.

Em 20 de Maio de 1998, o sinistrado através do seu mandatário instaurou execução, invocando o disposto no n.º 1 do artigo 92.º do Código de Processo de Trabalho, e, em 18 de Fevereiro de 1999, o Ministério Público instaurou execução para prestação da caução em dívida, que veio a ser suspensa por despacho de 21 de Junho de 1999, nos termos do artigo 97.º, n.º 1, do C.P.T., por aí ter sido penhorado o imóvel que fora objecto de penhora na execução instaurada pelo Autor.

Na execução instaurada pelo sinistrado não se concretizou a venda do imóvel, tendo sido declarada interrompida a instância por despacho de 21 de Setembro de 2001, vindo o processo a ser arquivado, juntamente com o processo principal e seus apensos em 27 de Novembro de 2002.

3 - Em 28 de Janeiro de 2011, o Autor veio instaurar execução para pagamento de quantia certa contra a Ré empregadora invocando que os quantitativos em que aquela fora condenada não tinham sido pagos, apesar do tempo já decorrido, execução que veio a ser extinta com fundamento na falta de bens penhoráveis em 23 de Janeiro de 2012.

Na sequência deste arquivamento, o Autor veio instaurar novo processo de execução para pagamento de quantia certa, em 21 de Fevereiro de 2012, contra a Ré Companhia de Seguros DD, para obter o pagamento das quantias em que aquela fora condenada, subsidiariamente, em relação à Ré, entidade empregadora.

Este processo prosseguiu seus termos e, sendo no mesmo deduzida oposição à execução pela executada, veio esta oposição a ser decidida por sentença de 12 de Setembro de 2012, que transitou em julgado e cujo dispositivo, na parte que releva, é do seguinte teor:

«Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, julga-se procedente a presente oposição e em consequência:

- Julgam-se prescritas as prestações estabelecidas na sentença judicial dada à execução, já vencidas, no que concerne às prestações referentes a indemnizações por incapacidade temporária, e às quantias referentes a transportes, consultas e fisioterapia;

- julgam-se igualmente prescritas, no concerne à pensão estabelecida pela aludida decisão judicial – anual e vitalícia e actualizável de 80.975$00 escudos – as já vencidas e não pagas, devidas desde o dia 08 de Julho de 1994, dia seguinte ao da alta, até Janeiro de 2010;

(…)».

4 - Em 13 de Novembro de 2012, veio o sinistrado requerer, agora no processo principal, que fosse determinado que o Fundo de Acidentes de Trabalho assegurasse o pagamento da responsabilidade da entidade patronal.

Juntou, para além do mais, documento comprovativo de ter sido declarada a insolvência da Ré empregadora, no processo 1474/12.2TBSTS.

Notificado o FAT do requerimento apresentado veio este tomar posição concluindo no sentido de aquele requerimento «ser indeferido na parte referente ao pagamento pelo FAT da totalidade das prestações em que a entidade patronal foi condenada, face à responsabilidade subsidiária da seguradora, inclusive já accionada nos autos; ser indeferido o pagamento das prestações devidas ao sinistrado até 27-01-2010, atendendo a que as mesmas se encontrarão prescritas; ser declarada a remissão da pensão correspondente ao agravamento com efeitos a 28-01-2010, remissão que o Fundo de Acidentes de Trabalho aceita liquidar caso venha a ser proferido despacho nesse sentido».

O incidente assim instaurado veio a ser decidido, por despacho de 11 de Abril de 2013, proferido a fls. 275 e ss., cujo dispositivo é do seguinte teor:

«- Julgar prescritas as pensões (rendas) já vencidas e não pagas, devidas desde o dia 08 de Julho de 1994, dia seguinte ao da alta, até Janeiro de 2010, no que se refere à responsabilidade exigida ao FAT;

- Actualizar o valor da pensão, que passa a ser devida desde Janeiro de 2010 em diante, fixada na sentença proferida nos autos, até ao ano de 2012:

a) sendo da responsabilidade do FAT (cuja intervenção é deferida, em substituição da empregadora insolvente), o valor de 5.292,68 euros;

b) e da ré seguradora o valor de 563,92 euros;

- Julgar improcedente o pedido de remição da pensão, feito pela ré seguradora e pelo FAT, por considerar não estarem reunidos os requisitos legais para a remição obrigatória da pensão fixada nos autos atento o seu valor;

- Condenar o FAT e a seguradora a pagar a pensão em dívida, já vencida, e referente aos anos de 2010, 2011 e 2012, no valor global de 16.737,09 euros, da responsabilidade do FAT, em substituição da empregadora, e 1.783,33 euros da responsabilidade da ré seguradora.»

Inconformado com esta decisão dela recorreu o sinistrado para o Tribunal da Relação do Porto, que veio a conhecer o recurso interposto, por acórdão de 28 de Outubro de 2013, cujo dispositivo é do seguinte teor:

«Nestes termos, sem outras considerações, acorda-se:

- em julgar improcedente a apelação e, consequentemente, mantém-se a decisão recorrida.»

5 - Irresignado com esta decisão dela recorre agora de revista o sinistrado para este Supremo Tribunal, integrando nas alegações apresentadas as seguintes conclusões:

«1.ª). Vem este recurso interposto da decisão de fls., que manteve a decisão de "Julgar prescritas as pensões (rendas) já vencidas e não pagas, devidas desde o dia 08 de Julho de 1994, dia seguinte ao da alta, até Janeiro de 2010, no que se refere à responsabilidade exigida ao FAT", a fls.,

2.ª). Entendeu erradamente o Tribunal a quo pela prescrição das pensões peticionadas pelo recorrente por remissão à Base XXXVIII, mais concretamente ao seu n.º 3.

3.ª). A decisão de que se recorre violou as normas constantes no n.º 4 da Base XXXVIII, da mencionada Lei 2127 (por entender erradamente na aplicação do seu n.º 3) e n.º 3 do mencionado art. 32.º da Lei 100/97.

4°). Deve ser aplicável ao caso dos autos o n.º 4 da Base XXXVIII, devendo ser concedida a não prescrição das prestações peticionadas pelo recorrente.

5.ª).Deve ser revogada a decisão quanto à matéria da prescrição proferida.

6.ª). Deve ser proferida decisão que não julgue prescritas as pensões já vencidas e não pagas desde pelo menos o ano de 1998 até Janeiro de 2010, no que se refere à responsabilidade exigida ao FAT.

7.ª).Deve ser proferida decisão que decida na atualização do valor da pensão que passa a ser devida desde 1998 em diante, fixada na sentença proferida nos autos, até ao ano de 2012.

8.ª).Deve ser proferida decisão que condene o Fat no pagamento da pensão em dívida e já vencida e referente aos anos de 1998 até 2012.»

Termina pedindo que seja concedido provimento ao presente recurso.

Tendo a seguradora respondido ao recurso as respectivas alegações foram extraídas dos autos, por intempestivas, por despacho exarado pelo Exmª Desembargadora Relatora, a 6 de Janeiro de 2014.

O Fundo não tomou posição quanto ao recurso interposto pelo Autor.

6 - Neste Tribunal, o Exmº Procurador-Geral adjunto proferiu parecer, nos termos do artigo 87.º, n.º 3, do Código de Processo do Trabalho pronunciando-se no sentido da concessão da revista e apresentando a seguinte síntese conclusiva:

«A interpretação das normas dos n.ºs 3 e 4 da Base XXXVII da Lei n.º 2127, de 3 de Agosto de 1965, que julgue prescrito o direito às prestações não actualizadas, fazendo coincidir o termo inicial do prazo prescricional com a data da fixação judicial da pensão na sentença condenatória, de 23 de Abril de 1997, prescindindo, por um lado, de decisões posteriores que a alterem, em obediência às operações exigidas pelos diversos atos normativos publicados a determinar a actualização, e, por outro lado, da exigência normativa do conhecimento pessoal dessas decisões de actualização ao beneficiário, afigura‑se desconforme com os princípios da hermenêutica jurídica, bem como dos princípios do processo equitativo e de acesso a um tribunal e dos direitos dos trabalhadores consagrados, respectivamente, nos artigos 20.º, n.º 1 e 4, 59.º, n.º 1 al. f), da Constituição da República.

Termos em que se emite parecer no sentido de que seja concedida a revista e revogado o acórdão recorrido, substituindo-o por outro que declare não prescritas as pensões ainda não actualizadas e não pagas, devidas desde a primeira actualização, em 1999, até 2012, por sendo responsáveis o Fundo de Acidentes de Trabalho (FAT) e a Seguradora, nos termos em que respondem».

Notificado este parecer às partes não motivou qualquer tomada de posição pelas mesmas.

Sabido que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, nos termos do disposto nos artigos 635.º, n.º 3, e 639.º do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, está em causa na presente revista saber se se encontram prescritas as pensões já vencidas e não pagas, devidas desde o dia 8 de Julho de 1994, dia seguinte ao da alta, até Janeiro de 2010, relativamente à responsabilidade do Fundo de Acidentes de Trabalho (FAT).


II


As instâncias fixaram a seguinte matéria de facto:

«a-) Factos provados constantes da decisão da 1.ª instância:

1. No âmbito dos autos principais – 378/1993, foi a aqui ré empregadora condenada a pagar ao sinistrado “a partir de 08 de Julho de 1994, dia seguinte ao da alta, em duodécimos e na sua residência, sendo os vencidos de uma só vez e com o primeiro que se vencer, acrescidos em Dezembro de cada ano de 1/12, a título de subsídio de Natal, a pensão anual e vitalícia e actualizável de 840.912$00 escudos, bem como a quantia global de 653.478$00, relativa às indemnizações por incapacidade temporária, bem como a quantia global de 15.970$00 relativa a transportes, consultas e fisioterapia, a pagar de uma só vez e no prazo de 30 dias”.

2. No âmbito dos autos principais – 378/1993, foi a aqui ré seguradora condenada “Subsidiariamente, de acordo com o disposto na Base XLIII/4, a pagar ao sinistrado a partir de 08 de Julho de 1994, dia seguinte ao da alta, em duodécimos e na sua residência, sendo os vencidos de uma só vez e com o primeiro que se vencer, acrescidos em Dezembro de cada ano de 1/12, a título de subsídio de Natal, a pensão anual e vitalícia e actualizável de 80.975$00 escudos, bem como a quantia global de 595.828$00, relativa às indemnizações por incapacidade temporária, bem como a quantia global de 15.970$00 relativa a transportes, consultas e fisioterapia, a pagar de uma só vez e no prazo de 30 dias”.

3. Tal sentença foi proferida em 01/04/1997, tendo sido confirmada pelo Tribunal da Relação do Porto, e posteriormente pelo STJ em 23/03/98.

4. O autor intentou ação executiva contra a empregadora em 27/01/2011, execução que foi extinta em 23/01/2012 por não terem sido detetados quaisquer bens penhoráveis, sendo que entretanto foi a mesma declarada insolvente».

b) Factos aditados pela decisão recorrida, «ao abrigo do disposto no n.º 2, do artigo

514.º, do C.P.C. na redação anterior ao D.L. n.º 303/2007 de 24 de agosto:

5. O A. foi notificado da sentença proferida nos autos, em abril de 1997 e do despacho do S.T.J. que rejeitou o recurso do acórdão desta Relação que a confirmou, por carta de 23 de março de 1998.

6. Correu termos por apenso aos presentes autos, a execução de sentença com a letra B, instaurada contra a entidade empregadora em 20/05/1998 e arquivada em 27/11/2002, tendo a executada sido notificada do despacho que ordenou a penhora, por carta registada de 26/06/1998 e do despacho que declarou interrompida a instância, por carta de 24/09/2001.»

                       

 


III

1 - Na decisão recorrida considerou-se que se mostravam prescritas as pensões já vencidas e não pagas, devidas desde o dia 8 de Julho de 1994, dia seguinte ao da alta, até Janeiro de 2010, relativamente à responsabilidade do Fundo de Acidentes de Trabalho (FAT), com os seguintes fundamentos:

«Prescrição das prestações vencidas até ao dia 27/01/2010.

Alega o A. recorrente que o tribunal recorrido entendeu de forma errada aplicar o n.º 3 da Base XXXVIII da Lei 2127, devendo ser aplicado o n.º 4 da mesma Base e reconhecida a não prescrição das prestações peticionadas.

(…)

Como já referimos, o sinistrado alega que deve ser aplicado o n.º 4 da Base XXXVIII da Lei 2127 e não o seu n.º 3.

Dispõe esta que Base que:

“(…)

3. As prestações estabelecidas por decisão judicial, (…) prescrevem no prazo de um ano, a partir da data do seu vencimento.

4. O prazo de prescrição não começa a correr enquanto os beneficiários não tiverem conhecimento pessoal da fixação das prestações.”

Idêntico preceito encontra-se na Lei nº 100/97 de 13/09, sendo o prazo de prescrição de cinco anos – artigo 32.º, n.ºs 2 e 3, no entanto, atento o disposto no artigo 41.º, n.º 1, a), desta lei, ao acidente dos autos (ocorrido em data anterior à da sua entrada em vigor) é aplicável a lei anterior.

Antes de mais, cumpre dizer que os créditos provenientes do direito às prestações estabelecidas na lei dos acidentes de trabalho são inalienáveis, impenhoráveis e irrenunciáveis – Base XLI da Lei n.º 2127 e artigo 35.º da Lei n.º 100/97 de 13/09.

(…)

Temos, assim, como assente a previsão normativa da prescrição das prestações estabelecidas por decisão judicial, no prazo de um ano a partir da data do seu vencimento.

Certo é também, que tal prazo só começa a correr quando o beneficiário tiver conhecimento pessoal da fixação das prestações.

Ora, como resulta dos factos apurados, o A. foi notificado da sentença proferida nos autos em abril de 1997 e do despacho do S.T.J. que rejeitou o recurso do Acórdão desta Relação que a confirmou, em março de 1998, pelo que, nestas datas, teve conhecimento das prestações fixadas.

Acresce que, correu termos por apenso aos presentes autos, a execução de sentença com a letra B, instaurada contra a entidade empregadora em 20/05/1998 e arquivada em 27/11/2002, sendo que, conforme resulta dos factos apurados, o ora recorrente foi notificado do despacho que declarou interrompida a instância.

Na verdade, conforme se vê destes autos apensos, o ora recorrente, em 20/05/1998, veio nomear bens à penhora, ao abrigo do disposto no n.º 2, do artigo 92.º, do C.P.T., na redação do D. L. n.º 272-A/81, iniciando-se a execução oficiosa da sentença proferida nos autos; a executada foi notificada do despacho que ordenou a penhora por carta de 26/06/1998, não foi obtido qualquer pagamento, em 21/09/2001 foi declarada interrompida a instância, despacho que foi notificado ao exequente em 24/09/2001 e, em 27/11/2002, os autos foram arquivados.

Por outro lado, “a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito seja qual for o processo a que o acto pertence (…)” - n.º 1, do artigo 323.º, do C.C..

“A interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do acto interruptivo, sem prejuízo do disposto nos n.º 1 e 3 do artigo seguinte” - n.º do artigo 326.º, do C.C..

Por fim, “se a interrupção resultar de citação, notificação ou acto equiparado (…), o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo.” - n.º 1, do artigo 327.º, do C.C..

Significa isto que, em 29 de junho de 1998, data da notificação à executada do despacho que ordenou a penhora, interrompeu-se o prazo de prescrição das pensões fixadas na sentença e vencidas até à data da instauração da execução, interrupção que se manteve até 27/11/2002, data do arquivamento da execução.

Na verdade, pese embora este arquivamento não ponha termo definitivo ao processo, uma vez que a execução pode continuar se forem conhecidos bens ou a requerimento do exequente com a sua nomeação à penhora (n.ºs 4 e 5, do artigo 92.º, do citado C.P.T.), o mesmo tem de ser entendido como tal nos termos e para os efeitos da interrupção prevista no n.º 1, do citado artigo 327.º do C.C..

No entanto, conforme resulta do mesmo artigo 92.º, n.º 4, do C.P.T., a execução pode continuar, no caso de ainda não ter decorrido o prazo de prescrição.

Ora, transitado o despacho que declarou interrompida a instância e posteriormente o arquivamento daquela execução oficiosa, voltou a correr o prazo de um ano sobre os respetivos vencimentos das prestações atribuídas ao sinistrado e que terminou, então, em 27/11/2003.

(…)

Em 27/11/2003, as prestações exigidas em maio de 1998, por via da execução oficiosa, acabaram por prescrever face ao decurso do prazo de um ano após o arquivamento da mesma; quanto às restantes vencidas desde  finais de 1998, só em janeiro de 2011 é que foi instaurada nova execução contra a empregadora, razão pela qual, como se decidiu no despacho recorrido, as mesmas encontram-se prescritas até 27/01/2010, um ano antes das mesmas terem sido judicialmente exigidas.»

Por sua vez na 1.ª instância tinha-se decidido no mesmo sentido, com base no seguinte:

«(…) Deste modo, e a ser assim, face à insolvência da empregadora, primeira condenada nos autos, é legítimo o chamamento do FAT, que, todavia, dada a condenação da empregadora, e face ao accionamento da seguradora, responderá apenas pelas diferenças estabelecidas no âmbito das prestações agravadas e nada mais. Com efeito, o fundo de que aqui tratamos não foi criado para substituir os devedores/responsáveis subsidiários: havendo uma entidade seguradora responsável, incumbe ao agora FAT garantir apenas o pagamento da agravação (a diferença entre o montante da “pensão agravada” e o montante da “pensão normal”) dada a insolvência da entidade responsável.

Todavia, accionado que foi, veio o FAT invocar a prescrição das prestações já vencidas até ao dia 27/01/2010.

A questão em causa, em bom rigor, já a decidimos no apenso G, da qual, aliás, o sinistrado não recorreu, e as razões ali expendidas são aqui de manter.

Senão vejamos.

A Base XLI da Lei 2127 de 03/08/1965, aplicável ao caso dos autos, atenta a data do acidente a que alude os mesmos, prescrevia que “Os créditos provenientes do direito às prestações estabelecidas por esta lei são inalienáveis, impenhoráveis e irrenunciáveis” (…). A irrenunciabilidade abrange tanto o direito abstracto às prestações como a concretização desse mesmo direito (o crédito às prestações). Porém, tal característica – a irrenunciabilidade – não afastava a aplicação da Base XXXVIII nº1 da mesma Lei 2127, que regia a “Caducidade e Prescrição”.

Ora, dúvidas não há que a aludida Base XXXVIII (vigente, como vimos, à data do acidente, porquanto a Lei nº 100/97, de 13 de Setembro apenas entrou em vigor com a publicação do seu Regulamento aprovado pelo DL nº 143/99, de 30 de Abril, ou seja, posteriormente à data do dito acidente, a qual, todavia, contém norma idêntica no art. 32º), no seu nº 3, estabelecia que as prestações estabelecidas por decisão judicial, (…) prescreviam no prazo de um ano a partir da data do seu vencimento (passando para cinco anos na Lei 100/97 – ver art. 32º).

(…)

Assim sendo, e revertendo agora ao caso concreto, resulta para nós claro que quando o sinistrado intentou a acção executiva contra a empregadora – o que apenas fez em 27/01/2011 – o direito que contra a mesma pretendia exigir, por força do normativo supra citado, estava já prescrito.

Em boa verdade, as prestações a que tinham direito, estabelecidas na sentença judicial dada à execução, já vencidas, no que concerne às prestações - referentes a indemnizações por incapacidade temporária, (que, fosse como fosse, vimos já, não são exigíveis ao FAT) e às quantias referentes a transportes, consultas e fisioterapia, – à data da instauração da execução contra a empregadora estavam já prescritas.

Já no que concerne à pensão estabelecida pela aludida decisão judicial – anual e vitalícia e actualizável – por se tratar de renda anual, paga vitalícia e periodicamente em regime de duodécimos – apenas prescreveram as pensões (rendas) já vencidas e não pagas, devidas desde o dia 08 de Julho de 1994, dia seguinte ao da alta, até Janeiro de 2010 (já que, tendo a acção executiva entrado em Janeiro de 2011, e vencendo a pensão estabelecida por decisão judicial anualmente, a mesma foi assim exigida no prazo estipulado de um ano). Tudo o que estava para trás, vencido e não pago, está já prescrito e não pode mais ser exigido.

E tal entendimento, aplicável à empregadora, e à seguradora, aplica-se também ao FAT, por maioria de razão, até porque este vai “ocupar” o lugar da empregadora demandada. E tal entendimento, a nosso ver, não recua ao abrigo do normativo citado pelo sinistrado nem pelo acórdão que o mesmo junta. Antes pelo contrário. O nº 4 da Base XXXVIII da Lei 2127 de 03/08 não tem a aplicação que pretende o sinistrado. Naquele mesmo acórdão se pode ler que a prescrição constitui um meio de defesa do devedor contra a inércia prolongada do titular do direito ao seu exercício, pelo que aquele prazo só começa a correr quando o titular está em condições de o exercer e não o faz por imputação própria. É o caso destes autos. Com efeito, parte das prestações fixadas pela sentença dos autos (independentemente da sua própria actualização) venciam-se anualmente, pelo que o sinistrado tinha um ano, após aquele vencimento, para vir reclamar o seu pagamento. Não o fez, e podia tê-lo feito, isto independentemente de ter sido notificado das actualizações devidas, que não ocorreram. Não tendo sido promovida oficiosamente as referidas actualizações, e não havendo decisão judicial nesse sentido, o sinistrado não tinha conhecimento da pensão actualizada, mas tinha da já fixada e de cujo pagamento não reclamou.

Ora, o direito do sinistrado em causa nos autos há muito podia ter sido exercido, pois que o mesmo podia protestar contra o não pagamento da própria prestação fixada, não estando aqui em causa apenas a actualização da mesma.

Estão pois prescritas as pensões (rendas) já vencidas e não pagas, devidas desde o dia 08 de Julho de 1994, dia seguinte ao da alta, até Janeiro de 2010, o que aqui se declara.»


IV

1 – Nos termos da Base XVI, n.º 1, alínea a) da Lei n.º 2127, de 3 de Agosto de 1965, «se do acidente resultar redução da capacidade de trabalho ou ganho da vítima, esta terá direito às seguintes prestações: c) Na incapacidade permanente e parcial: pensão vitalícia correspondente a dois terços da redução sofrida na capacidade geral de ganho».

Por outro lado, por força do disposto na Base XVII, n.º 2, da mesma lei, «se o acidente tiver resultado de culpa da entidade patronal ou do seu representante, as pensões e indemnizações serão agravadas segundo o prudente arbítrio do Juiz, até aos limites previstos no número anterior» ou seja, as pensões e indemnizações seriam fixadas tendo «por base a redução da capacidade resultante do acidente». Por outro lado, o artigo 54.º do Decreto 360/71, de 21 de Agosto, veio referir que «para os efeitos do disposto no n.º 2 da Base XVII, considera-se ter resultado de culpa da entidade empregadora o do seu representante o acidente devido à inobservância de preceitos legais e regulamentares, assim como de directivas das entidades competentes, que se refiram à higiene e segurança do trabalho».

Nestes casos, por força do disposto no n.º 4 da Base XLIII da mesma Lei, «a instituição seguradora será apenas subsidiariamente responsável pelas prestações normais previstas nesta Lei».

O regime decorrente destes dispositivos implica, assim, a responsabilização da empregadora pelas pensões agravadas decorrentes da existência de negligência sua ou dos seus representantes na ocorrência do acidente, mesmo nos casos em que a responsabilidade tenha sido transferida para uma companhia seguradora.

Além disso, decorre daquele regime a responsabilização da seguradora pelo pagamento das prestações que seriam devidas se não existissem os motivos para agravamento da responsabilidade, mas apenas de uma forma subsidiária.

A responsabilização da seguradora nestes termos implica que é chamada a assumir a obrigação de reparação das consequências do acidente, nos casos em que essa reparação não seja possível por impossibilidade da empregadora, nomeadamente por falta de património para tal.

Deste modo, demonstrada a impossibilidade de pagamento das pensões e indemnizações que ao sinistrado forem devidas pela empregadora, é chamada a assumir esta responsabilidade a seguradora, limitada, contudo, às prestações normais, ou seja aquelas que seriam devidas se não existisse negligência causal do acidente da empregadora, uma vez que não é imputável às seguradoras o agravamento derivado da existência de negligência da empregadora no processo causal do acidente.

Para assegurar a reparação dos acidentes mais graves, aqueles de que resultasse «incapacidade permanente ou morte» que fossem da responsabilidade de entidades entretanto insolventes, a Base XLV daquela Lei, no seu número 1, previa a existência de um Fundo, o Fundo de Garantia e Actualização de Pensões, criado na Caixa Nacional de Seguros e Doenças Profissionais.

O fundo previsto neste dispositivo veio a ser regulamentado pela Portaria n.º 427/77, de 12 de Julho, cujo n.º 1 previa que «1. A Caixa Nacional de Seguros de Doenças Profissionais, na qualidade de gestora do Fundo de Garantia e Actualização de Pensões, fica autorizada a, por ordem do respectivo tribunal, assegurar o pagamento de pensões resultantes de acidentes de trabalho ou doenças profissionais sempre que, em execução judicial da entidade responsável, se verifique a impossibilidade de pagamento das correspondentes prestações por insuficiência de meios e enquanto se verificar essa impossibilidade».

A disciplina decorrente deste número veio a passar para o artigo 4.º do Anexo à Portaria n.º 624/83, de 1 de Junho, que estabeleceu o novo regulamento da Caixa Nacional de Seguros de Doenças Profissionais.

Nos termos deste artigo 4.º daquele anexo, a Caixa ficava autorizada a «assegurar o pagamento de prestações resultantes de acidente de trabalho», por ordem do respectivo tribunal, «sempre que em execução judicial da entidade responsável, [se] verifique a impossibilidade de pagamento das correspondentes pensões por insuficiência de meios e enquanto se verificar essa impossibilidade».

Deste modo, demonstrada, em execução judicial da entidade responsável, a impossibilidade de pagamento das prestações resultantes de acidente de trabalho, incumbia à CNSDP, por ordem do tribunal, assegurar o pagamento das prestações em causa.

Nos termos do artigo 51.º do Decreto 360/71, de 21 de Agosto, as pensões respeitantes a incapacidade permanente ou morte são fixadas em montante anual, e pagas em duodécimos, nos termos do n.º 1 do artigo 57.º do mesmo diploma.

2 – A Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, entrada em vigor em 1 de Outubro de 1999, não alterou substancialmente, nestas áreas, o regime que derivava na Lei n.º 2127.

Na verdade, aquela Lei estabelece nas alíneas c) e d) do número 1 do seu artigo 17.º as prestações devidas ao sinistrado nas situações de incapacidade permanente parcial e veio a consagrar na alínea b) do n.º 1 do artigo 18.º as prestações devidas ao sinistrado nos casos em que o acidente seja provocado pela entidade empregadora ou seu representante, ou «resultar de falta de observância das regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho».

Por sua vez decorre do artigo 37.º, n.º 2 daquela Lei que «verificando-se alguma das situações referidas no artigo 18.º, n.º 1, a responsabilidade nela prevista recai sobre a entidade empregadora, sendo a instituição seguradora apenas subsidiariamente responsável pelas prestações normais previstas na presente lei».

O regime é o mesmo da legislação anterior imputando-se a responsabilidade pelas prestações agravadas à entidade empregadora e estabelecendo-se uma forma subsidiária de responsabilização das seguradoras pelas prestações que seriam devidas se não ocorressem os fundamentos da agravação da responsabilidade.

Trata-se de uma forma de responsabilidade subsidiária do que decorre que a satisfação das prestações devidas ao sinistrado só incide sobre a seguradora em caso de impossibilidade da empregadora cumprir as obrigações que originariamente sobre ela incidem.

A lei veio prever no seu artigo 39.º o regime de garantia do pagamento das prestações aos sinistrados em caso de impossibilidade do responsável.

Resulta do n.º 1 daquele artigo que «A garantia do pagamento das pensões por incapacidade permanente ou morte e das indemnizações por incapacidade temporária estabelecidas nos termos da presente lei que não possam ser pagas pela entidade responsável por motivo de incapacidade económica objectivamente caracterizada em processo judicial de falência ou processo equivalente, ou processo de recuperação de empresa ou por motivo de ausência, desaparecimento ou impossibilidade de identificação, serão assumidas e suportadas por fundo dotado de autonomia administrativa e financeira, a criar por lei, no âmbito dos acidentes de trabalho, nos termos a regulamentar».

O Fundo previsto neste dispositivo veio a ser criado pelo Decreto-lei n.º 142/99, de 30 de Abril, que entrou em vigor no dia 1 de Outubro de 1999.

Resulta da alínea a) do n.º 1 do artigo 1.º daquele diploma que compete àquele fundo - Fundo de Acidentes de Trabalho - «a) Garantir o pagamento das prestações que forem devidas por acidentes de trabalho sempre que, por motivo de incapacidade económica objectivamente caracterizada em processo judicial de falência ou processo equivalente, ou processo de recuperação de empresa, ou por motivo de ausência, desaparecimento ou impossibilidade de identificação, não possam ser pagas pela entidade responsável».

Nos termos do artigo 15.º, n.º 2 daquele diploma foi extinto o Fundo de Garantia e Actualização das Pensões, transitando as respectivas responsabilidades para o FAT.

No artigo 8.º daquele diploma disciplina-se a iniciativa pela actualização das pensões devidas por acidentes de trabalho referindo-se no n.º 1 que «actualização das pensões será automática e imediata caso a responsabilidade esteja a cargo de empresa de seguros ou do FAT, devendo ser feita a correspondente comunicação ao tribunal do trabalho e competindo ao Ministério Público promover eventuais rectificações» e no n.º 2 que «se a responsabilidade recair sobre entidades diferentes das referidas no número anterior, deverá o Ministério Público promover oficiosamente a actualização».

3 – Resulta do n.º 1 da Base XXXVIII da Lei n.º 2127 que «o direito de acção respeitante às prestações fixadas nesta lei caduca no prazo de um ano, a contar da cura clínica ou, se do evento resultou a morte, a contar desta».

Por sua vez, nos termos do n.º 3 desta Base, «as prestações estabelecidas por decisão judicial, instituição de previdência ou acordo das partes prescrevem no prazo de um ano a partir da data do seu vencimento» e do n.º 4 do mesmo artigo decorre que «o prazo de prescrição não começa a correr enquanto os beneficiários não tiverem conhecimento pessoal da fixação das prestações».

Do mesmo modo, decorre do n.º 4 da Base XVI que as pensões por incapacidade permanente começam a vencer-se no dia seguinte ao da alta.

No âmbito da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, nos termos do n.º 1 do artigo 32.º deste diploma, «o direito de acção respeitante às prestações fixadas nesta lei caduca no prazo de um ano, a contar da alta clínica ou, se do evento resultar a morte, a contar desta».

Por sua vez, nos termos do n.º 2 do mesmo dispositivo, as prestações estabelecidas por decisão judicial prescrevem no prazo de cinco anos a partir do seu vencimento» e do n.º 3 do mesmo artigo resulta que «o prazo de prescrição não começa a correr enquanto os beneficiários não tiverem conhecimento pessoal da fixação das prestações».

Comparando os regimes decorrentes dos dois diplomas torna-se evidente o alargamento do prazo de prescrição das prestações devidas ao sinistrado ou beneficiários, de um ano na Lei 2127, para 5 anos na Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro.

4 – O acidente dos autos ocorreu na vigência da Lei n.º 2127, de 3 de Agosto de 1965, pelo que a valoração jurídica do acidente e a definição das responsabilidades do mesmo derivadas não pode deixar de ser regulada por aquela Lei e pelo diploma que a regulamentou, o Decreto n.º 360/71, de 21 de Agosto, devendo atender-se ainda à respectiva legislação complementar, em obediência ao disposto no artigo 12.º, n.º 2 do Código Civil.

Na verdade, está em causa a definição das «condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos», no fundo a valoração jurídica do facto legalmente considerado como acidente de trabalho e a definição dos efeitos dessa valoração jurídica, ou seja, a consideração do mesmo como acidente de trabalho bem como a definição dos responsáveis pela reparação do mesmo e do conteúdo das respectivas responsabilidades.

Constituída a situação jurídica de acordo com o direito em vigor no momento em que ocorreu o facto, concretamente o acidente que a origina, ela fica sujeita às alterações supervenientes do sistema jurídico que tenham incidência sobre o conteúdo dessa situação jurídica, abstraindo do facto que lhe deu origem, por força do disposto na segunda parte do n.º 2 do mesmo artigo do Código Civil.

Entre essas alterações da situação jurídica derivada do acidente está a concretização do período de tempo concedido ao trabalhador para reclamar os seus direitos derivados de um acidente de trabalho, que é o fundamento do prazo de prescrição de direitos, prazo este que materializa um equilíbrio não constante na relação entre responsáveis e sinistrados.

Por outro lado, a reparação do acidente materializa-se, para além do mais, no direito a uma pensão anual e vitalícia, pelo que a obrigação dos responsáveis se renova todos os anos, enquanto se mantiver a obrigação de reparar o acidente.

Esta renovação anual do direito às prestações por parte do sinistrado vai implicar que o direito às prestações constituído no domínio da lei em vigor no momento em que ocorreu o acidente vai estar sujeito às alterações do sistema jurídico que o enquadrem supervenientemente.

Daqui que se possa concluir que as prestações nascidas na vigência da nova lei, no caso a partir da entrada em vigor da Lei n.º 100/97, já não estejam sujeitas ao prazo de prescrição de um ano, mas sim ao prazo de prescrição de cinco anos que é o previsto naquela lei.

Na verdade, não há nenhuma razão válida para que se não apliquem às situações antigas as razões que estão subjacentes ao alargamento do prazo de prescrição da nova lei, revelador de novos equilíbrios, alargamento que visa claramente beneficiar os trabalhadores menos diligentes na reclamação dos seus direitos e que, em rigor, acaba por ser afloramento do princípio da indisponibilidade dos direitos emergentes de acidentes de trabalho.

Reflectindo sobre os fundamentos da aplicação da lei nova às situações jurídicas previamente constituídas, refere BAPTISTA MACHADO que «é fácil descortinar a ratio legis que está na base desta regra de aplicação imediata: por um lado, o interesse na adaptação à alteração das condições sociais, tomadas normalmente em conta pela LN, o interesse no ajustamento às novas concepções e valoração da comunidade e do legislador, bem como a exigências de unidade do ordenamento jurídico, a qual seria posta em causa, e com ela a segurança comércio jurídico, pela subsistência de um grande número de SsJs duradoiras, ou até de carácter perpétuo, regidas por uma lei há muito ab-rogada»[1].

Estamos pois perante uma situação de mera alteração de uma situação jurídica em que se abstrai do facto que lhe deu origem, o que conduz à aplicação imediata da nova Lei, nos termos da 2.ª parte do n.º 2 do artigo 12.º do Código Civil.

Segundo MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, um caso de aplicação imediata da «LN que incide sobre o conteúdo de situações jurídicas, independentemente do título que lhes esteja subjacente» é «o direito dos familiares da vítima a uma pensão vitalícia, como reparação do acidente de trabalho» que «surge com a morte do sinistrado, momento no qual se criou, ex lege, uma situação jurídica, de natureza duradoura, sem qualquer conexão directa com o facto com o facto que lhe deu origem; assim é imediatamente aplicável a LN»[2].

Deste modo, as alterações de prazos de prescrição legalmente definidos aplicam-se às situações jurídicas constituídas antes da entrada em vigor dos novos prazos, resolvendo-se os conflitos em termos de direito transitório, de acordo com os critérios decorrentes do artigo 297.º do Código Civil.

À luz deste princípio, às prestações anuais vencidas já na vigência da lei nova aplicam-se os prazos de prescrição decorrentes da Lei nova, enquanto que relativamente às prestações vencidas antes da entrada em vigor da nova lei e relativamente às quais se encontrem em curso os prazos de prescrição no momento em que entrou em vigor a nova lei, haverá que resolver o conflito de leis nos termos do n.º 2 do artigo 297.º do Código Civil.

Estabelecendo este um prazo de cinco anos para a prescrição ao contrário da lei anterior que previa um prazo de um ano, a essas prestações é aplicável desde logo o novo prazo, computando-se nele o tempo já decorrido desde o momento inicial.

5 – Resulta da decisão recorrida que a mesma não tomou em consideração a alteração dos prazos de prescrição relativamente às prestações vencidas a partir de 1 de Outubro de 1999, data da entrada em vigor da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, nem a aplicou aos prazos de prescrição que se encontravam em curso, - os das pensões vencidas em 8 de Julho de 1999, relativamente às quais se encontrava em curso o anterior prazo de prescrição de um ano.

Significa isto que as pensões vencidas na data da instauração da execução oficiosa instaurada pelo sinistrado, em 20 de Maio de 1998, como o respectivo prazo de prescrição se manteve suspenso até 27/11/2002, vieram a prescrever em 27/11/2007, data em que se completou o prazo de cinco anos, contado, por inteiro, desde o termo da interrupção acima referida.

Importa ter presente que não se tendo preenchido integralmente o prazo inicial de prescrição destas pensões, elas ficaram sujeitas ao novo prazo que, dado o regime da interrupção decorrente do artigo 326.º, n.º 1 do Código Civil, implica que o prazo, agora já o novo, corra por inteiro a partir do acto interruptivo.

Relativamente às prestações vencidas na data da instauração da segunda execução, em Janeiro de 2011, não se encontravam prescritas aquelas em relação às quais ainda não se tinha integralmente preenchido o novo prazo de cinco anos, decorrente da nova Lei dos Acidentes de Trabalho.

Estão em causa as pensões vencidas em 8 de Julho de 2010, em 8 de Julho de 2009, 8 de Julho de 2008, 8 de Julho de 2007, e 8 de Julho de 2006, impondo-se a condenação do FAT no pagamento da parte que lhe cabe, em substituição da empregadora, relativamente aos anos de 2009, 2008, 2007 e 2006, uma vez que a decisão proferida em 1.ª instância já tomou em consideração o ano de 2010.

Deste modo, e, em síntese, naquela data, encontravam-se prescritas as pensões vencidas desde 8 de Julho de 1994, dia seguinte ao da alta, até 8 de Julho de 2005, inclusive.

Refira-se que a decisão proferida no apenso 378-G/1993 que declarou prescritas as pensões vencidas, desde 8 de Julho de 1994 até 27 de Janeiro de 2010, não forma caso julgado contra o FAT.

Na verdade, a empregadora, em cuja substituição o FAT intervém no presente processo, não é parte no processo em que foi proferida aquela decisão (trata-se de uma oposição à execução movida pela executada seguradora contra o sinistrado, ali exequente), não havendo deste modo identidade de sujeitos na relação controvertida, sob o ponto da sua qualidade jurídica.

Não se verificam, assim, os pressupostos do caso julgado, tal como os mesmos emergem do artigo 498.º do Código de Processo Civil, nomeadamente do seu n.º 2.

Impõe-se, pois, a concessão da revista e a alteração da decisão recorrida, no sentido de que apenas se encontravam prescritas, na data da instauração da nova execução, as pensões vencidas desde 8 de Julho de 1994 até 8 de Julho de 2005, inclusive.

6 – Nas conclusões da alegação que apresentou refere o recorrente que «entendeu erradamente o Tribunal a quo pela prescrição das pensões peticionadas pelo recorrente por remissão à Base XXXVIII, mais concretamente ao seu n.º 3» e que «A decisão de que se recorre violou as normas constantes no n.º 4 da Base XXXVIII, da mencionada Lei 2127 (por entender erradamente na aplicação do seu n.º 3) e n.º 3 do mencionado art. 32.º da Lei 100/97» e que «deve ser aplicável ao caso dos autos o n.º 4 da Base XXXVIII, devendo ser concedida a não prescrição das prestações peticionadas pelo recorrente».

Resulta dos autos que na sequência do arquivamento da 1.ª execução instaurada, o processo principal foi igualmente arquivado, tendo sido objecto de vistos em correição, sem que fosse requerida, ou desencadeada oficiosamente, a intervenção da Caixa Nacional de Seguros de Doenças Profissionais e da Seguradora para assumirem o pagamento das pensões em dívida, sendo certo que o arquivamento da execução demonstrava a inviabilidade do pagamento pela empregadora.

Não deve igualmente olvidar-se que que o sinistrado litigou com o apoio de mandatário.

A questão suscitada pelo recorrente foi já ponderada na decisão recorrida nos seguintes termos:

«Nos termos do disposto no n.º 3, do artigo 3.º do D.L. n.º 668/75 de 24/11, o Ministério Público, no caso de a responsabilidade pelo pagamento da pensão recair sobre o empregador, deverá promover oficiosamente a atualização das pensões devidas ao sinistrado, obrigação que também se encontra prevista no artigo 8.º, n.º 2, do D.L. n.º 142/99 de 30/04.

Certo é, então, que cabia ao Ministério Público a promoção oficiosa da atualização das pensões; no entanto, conforme resulta dos autos, o presente processo foi arquivado em 27/11/2002 e apenas voltou a ser tramitado em 08/11/2012, pelo que, a atualização da pensão não teve lugar.

Só que, a falta desta não impedia o A. de exigir o seu pagamento, de exercer o seu direito (artigo 306.º, n.º 1, 1ª parte, do C.C.) nem foi, entretanto, praticado qualquer outro ato com a faculdade de interromper a prescrição em apreciação, com exceção da referida notificação da executada no âmbito da execução oficiosa apensa.

Na verdade, antes da decisão de atualização temos a decisão que fixa a pensão e a prescrição das prestações em singelo não se confunde com a do direito à atualização, ou seja, a das prestações é independente desta.

(…)

No entanto, o assim decidido não tem aplicação ao caso em análise, uma vez que respeita ao direito à atualização e não à prescrição das prestações em singelo.

Face ao exposto, não assiste razão ao recorrente quando afirma que devia ter sido aplicado o n.º 4 da citada Base da Lei 2127, ou seja, que o prazo de prescrição não começou a correr porque não teve conhecimento pessoal da fixação das prestações actualizadas.»

Merecem a nossa adesão estas considerações.

Na verdade, os dois números da Base XXXVIII da Lei n.º 2127 de 3 de Agosto de 1965, têm âmbitos de aplicação diversos, uma vez que o n.º 3 se limita a estabelecer um prazo de prescrição e o n.º 4 condiciona o decurso do prazo de prescrição ao conhecimento pessoal do sinistrado das prestações que tenham sido estabelecidas a seu favor.

Esta exigência de conhecimento pessoal por parte do sinistrado dos direitos que lhe assistem, tomada como ponto de partida do decurso do prazo de prescrição, surge como uma garantia do sinistrado, estabelecendo, por outro lado, um mecanismo de segurança relativamente à demonstração da omissão de acção por parte do sinistrado que é o fundamento da prescrição.

Tal exigência relativamente à notificação nada tem a ver com o regime de actualização das pensões, decorrente inicialmente do Decreto-Lei n.º 668/75, de 24 de Novembro, e depois do Decreto-Lei n.º 142/99, de 30 de Abril, embora esta exigência em termos de notificação seja aplicável, também, relativamente às decisões que determinem a actualização das pensões.

O regime da actualização das pensões devidas por acidente de trabalho – ou por doença profissional – foi introduzido na ordem jurídica portuguesa por via do Decreto-Lei n.º 668/75[3], de 24 de Novembro, assentando a sua razão de ser na desvalorização da moeda e consequente aumento do custo de vida.

Com efeito, pode ler-se no preâmbulo de tal diploma que «não obstante a flagrante desvalorização da moeda e consequente aumento do custo de vida que já se vem verificando há largos anos, com especial incidência na última década, nunca se procedeu a qualquer actualização das pensões por acidente de trabalho ou doença profissional (…)».

A actualização das pensões, proclamada por tal diploma, estava, no entanto, condicionada a determinados critérios legais, quais fossem o valor anual da retribuição que, sendo indexado ao valor da remuneração mínima mensal legalmente fixada para o sector em que o trabalhador exercesse a sua actividade e para o território onde a exercesse, não poderia ser superior àquela remuneração mínima mensal, e o grau de incapacidade permanente, necessariamente igual ou superior a 30%, conforme o artigo 1.º daquele diploma.

Por força da entrada em vigor da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, que veio a revogar a Lei n.º 2127, de 3 de Agosto de 1969, as pensões emergentes de acidente de trabalho continuaram a ser susceptíveis de actualização quer nas situações em que o sinistrado se mostrasse afectado de uma incapacidade permanente – fosse ela parcial com coeficiente de desvalorização igual ou superior a 30%, fosse ela absoluta ou fosse ela absoluta para o trabalho habitual – quer nas situações em que do acidente viesse a resultar a morte do sinistrado e a pensão fosse fixada ao seu ou seus beneficiários, a menos que o valor da pensão nas enunciadas situações fosse inferior a seis vezes o valor da retribuição mínima mensal garantida mais elevada à data da fixação da pensão, caso em que, e à semelhança do que sucede com as pensões por incapacidade permanente parcial inferior a 30%, seria obrigatoriamente remível (art. 56.º, da Lei n.º 143/99, de 30 de Abril, que veio a regulamentar a Lei 100/97, de 13 de Setembro).

No que respeita às pensões emergentes de acidente de trabalho fixadas ainda ao abrigo da Lei n.º 2127, de 3 de Agosto de 1969, a Lei 100/97, de 13 de Setembro, bem como o seu Regulamento, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de Abril, vieram a estabelecer um calendário de remição daquelas pensões, desde que verificado fosse um dos seguintes requisitos: (i) ser a pensão inferior a seis vezes a retribuição mínima mensal garantida mais elevada à data da fixação da pensão; ou (ii) ser a pensão decorrente de uma incapacidade inferior a 15% (artigos 17.º, n.º 1, alínea d), 33.º, n.º 1, 45.º, n.º 2, al. a), da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro; artigo 56.º, n.º 1, e 74.º, do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de Abril).

No presente caso, a pensão fixada ao sinistrado, ainda ao abrigo da Lei n.º 2127, de 3 de Agosto de 1969, emerge de uma IPP de 15%. Estaria, portanto, a coberto dos acima referidos dispositivos legais, que consentiam a sua remição. Contudo, por decisão já transitada em julgado - e que, aliás, não é objecto do presente recurso - a remição da pensão do sinistrado foi negada.

A apontada decisão não implica, contudo, que se reconheça a susceptibilidade de actualização da pensão fixada ao sinistrado na medida em que a mesma resulta de uma IPP inferior a 15%, à qual a lei não confere tal possibilidade.

 Assim sendo, a consequência a extrair do referido segmento decisório que negou a remição da pensão do autor acarreta a consequência de, nos anos ora reconhecidos, não ser a pensão objecto de actualização, mantendo-se, pois, no valor inicialmente fixado, ou seja € 4.194,45 (quatro mil cento e noventa e quatro euros e quarenta e cinco cêntimos).

Por outro lado, a não actualização das pensões devidas ao sinistrado por omissão dos actos processuais a tal necessários, nomeadamente pela não promoção da mesma, nos termos do n.º 3 do artigo 3.ª do Decreto-Lei n.º 668/75, de 24 de Novembro, não tem qualquer reflexo sobre o decurso dos prazos de prescrição das pensões, conforme bem se decidiu na decisão recorrida.


V


Em face do exposto decide-se conceder parcialmente a revista e alterando a decisão recorrida,

a) Declaram-se como prescritas as pensões da responsabilidade do FAT vencidas e não pagas desde 8 de Julho de 1994, dia seguinte ao da alta, até 8 de Julho de 2005, inclusive, e

b) Condena-se aquele Fundo a pagar ao sinistrado a pensão da responsabilidade da empregadora, inicialmente fixada no montante anual de € 4.194,45, deduzida da parte da responsabilidade da seguradora no valor de € 403,90, relativamente aos anos de 2006, 2007, 2008 e 2009, no montante global de € 15.162,20 (quinze mil, cento e sessenta e dois euros e vinte cêntimos).

No mais confirma-se a decisão recorrida.

Custas nas instâncias e no recurso de revista a cargo do recorrente e do FAT, na proporção do respectivo decaimento, sendo que o recorrente delas está isento.

Junta-se sumário do acórdão.

Lisboa, 3 de Julho de 2014

António Leones Dantas (relator)

Melo Lima

Mário Belo Morgado

________________
[1] Sobre a aplicação no tempo do novo código civil, Almedina, 1968, p. 96.
[2] “Aplicação da Lei no Tempo”, Cadernos de Direito Privado, n.º 18, Abril-Junho de 2007, p. 8., citando o acórdão desta Secção de 8 de Junho de 1994, in BMJ, n.º 438, Julho de 1994, pp. 440, relativo à aplicação da redacção da Base XIX da Lei n.º 2127, introduzida pela Lei n.º 22/92, de 14 de Agosto, aos acidentes de trabalho ocorridos antes da entrada em vigor desta Lei.
[3] Com as redacções que, sucessivamente, lhe vieram a ser dadas pelo D.L. n.º 456/77, de 2 de Novembro, pelo D.L. n.º 286/79, de 13 de Agosto, pelo D.L. n.º 195/80, de 20 de Junho, e pelo D.L. n.º 39/81, de 7 de Março.