Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1541/01.9GDLLE-E.S
Nº Convencional: 5ª SECÇÃO
Relator: SANTOS CARVALHO
Descritores: RECURSO DE REVISÃO
NOVOS FACTOS
NOVOS MEIOS DE PROVA
ARGUIDO NÃO RECORRENTE
DECLARAÇÕES DO ARGUIDO
DECLARAÇÕES DO CO-ARGUIDO
DIREITO AO SILÊNCIO
HOMICÍDIO
PARTICIPAÇÃO EM RIXA
CO-AUTORIA
Data do Acordão: 01/17/2013
Votação: UNANIMIDADE COM * DEC VOT
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO DE REVISÃO
Decisão: NÃO AUTORIZADA A REVISÃO
Área Temática:
DIREITO CONSTITUCIONAL - DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS PESSOAIS.
DIREITO PENAL - CRIMES CONTRA AS PESSOAS / CRIMES CONTRA A INTEGRIDAADE FÍSICA.
DIREITO PROCESSUAL PENAL - RECURSOS EXTRAORDINÁRIOS.
Doutrina: - Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, 44, citado por Maia Gonçalves no Código de Processo Penal Anotado e Comentado, 11.ª edição, p. 795.
- Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário …, 2.ª ed., p. 460.
- Simas Santos e Leal Henriques, “Código de Processo Penal”, Anotado, 2000, II, 1043.
Legislação Nacional: CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 449.º, N.º1, AL. D), 453.º.
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGO 151.º.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 29.º, N.º6.
Sumário :
I - A leitura que se pode fazer do art.º 453.º do CPP é a de que o recorrente, no recurso extraordinário de revisão de sentença transitada que tenha como fundamento a al. d) do n.º 1 do artigo 449.º, pode indicar como testemunhas:
- As já anteriormente ouvidas no processo, mas, nesse caso, como não constituem “novos meios de prova”, terão de depor sobre “novos factos” de que se tenha tomado conhecimento posteriormente;
- As que antes não foram ouvidas no processo, mesmo sobre os factos já apreciados no julgamento, mas, nesse caso, só se justificar que ignorava a sua existência ao tempo da decisão ou que estiveram então impossibilitadas de depor.
II - Na situação em apreço, o recorrente apresentou para deporem como testemunhas no recurso de revisão cinco dos seus anteriores coarguidos, julgados e condenados no mesmo processo, onde estiveram presentes, embora só um se tenha disposto então a falar sobre os factos, pois os outros, tal como o próprio recorrente, usaram do direito ao silêncio.
III - Portanto, os meios de prova que o recorrente apresenta não são “novos”, pois as testemunhas estiveram presentes no julgamento e, se nessa altura não falaram sobre os factos, foi por opção própria, permitida pela lei.
IV - O recorrente, aliás, aceita que os meios de prova que apresenta não são “novos”, mas o que diz é que serão “novos” os factos que agora as testemunhas vêm relatar, já que, dispondo-se agora a falar, vão transmitir uma narração que ainda não é conhecida, nomeadamente, que “o ofendido terá sido agredido por cerca de 20 ou 30 indivíduos, sem que se soubesse, à data do julgamento, quem, exatamente, praticou o quê (…)”.
V - Contudo, não é pela circunstância de um coarguido se dispor a falar depois do julgamento, relatando agora uma qualquer versão dos factos, quando antes, no momento próprio, tinha usado do direito ao silêncio, que se fica automaticamente perante “novos factos”, no sentido que resulta da al. d) do n.º 1 do artigo 449.º do CPP, pois tal só sucederá se essa versão se apresentar como completamente diferente da que foi equacionada pelo tribunal do julgamento, constituindo uma realidade insuspeitada e, portanto, digna de ser escrutinada, para se aferir da justiça da condenação.
VI - O “facto novo” para efeito de revisão de sentença é aquele que nunca foi ponderado anteriormente no julgamento perante determinados meios de prova produzidos e não o que, tendo aí sido escalpelizado, foi julgado de uma determinada maneira e, posteriormente, com base nos mesmos meios de prova, se pretende que venha a ser julgado em sentido diverso.
VII - No julgamento do caso em apreço a hipótese factual que o recorrente agora invoca no recurso de revisão foi configurada, pois apurou-se que, na verdade, foram muitos os indivíduos que se dirigiram para ao local onde estava a vítima – e não só o recorrente e os outros anteriores coarguidos – com o intuito de a agredirem, mas também se determinou que o recorrente e os outros condenados o agrediram de determinada maneira, independentemente do que outras pessoas tenham ou não feito, pelo que não se está em presença de “novos meios de prova”, nem de “novos factos”, que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação. 

VIII - Acresce que o requerente pretende provar o facto – que diz «novo» - já mencionado, para daí extrair a ilação de direito de que só um crime de «participação em rixa» - e não um crime de «homicídio tentado» - lhe poderá ser assacado. No entanto, não seria a prova desse facto que convolaria a sua comparticipação homicida em intervenção ativa num crime de «participação em rixa», que exigiria, da parte do outro contendor, uma igual intervenção (embora de sentido contrário) e não uma posição de mera passividade ou de defesa ante a agressão coletiva da outra parte (seja ela constituída por 5, 20 ou 30 ou mais agentes). 

X - Com efeito, «a intervenção dos rixantes consubstancia-se na realização de ataques físicos recíprocos e generalizados (…)». «Não há rixa se os intervenientes numa luta que se dividem em duas fações que se agridem mutuamente. Nem há rixa se numa luta só uma das fações agride e a outra apenas se defende (…). Naquele como neste caso, há apenas comparticipação na forma de coautoria» (ALBUQUERQUE, Paulo Pinto de, Comentário, 2.ª ed., p. 460)

Decisão Texto Integral:

  
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

1.A” veio, por requerimento de 9 de julho de 2012, nos termos do art.º 449.º, n.º 1, al. d), do CPP, interpor recurso extraordinário de revisão do acórdão do Tribunal Coletivo de Loulé, proferido no processo n.º 1541/05.9GDLLE, em 2 de abril de 2009, transitado em julgado em 4 de janeiro de 2012, após ter sido confirmado, com redução da pena, pelo acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 1 de julho de 2010.

No acórdão do Tribunal Coletivo, o ora recorrente fora condenado pela prática de um crime de homicídio qualificado tentado, p. e p. pelos artigos 131º e 132.º, n.ºs 1 e 2, al. g, 22.º, 26.º e 28.º do Código Penal, na pena de 9 (nove) anos e 6 (seis) meses de prisão, que o Tribunal da Relação de Évora reduziu para 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão.

No mesmo acórdão foram julgados e condenados pelo mesmo crime “B”, “C”, “D”, “E” e “F”. Foi também julgado “G”, mas este foi condenado, quanto aos mesmos factos, pela prática de um crime de ofensa á integridade física grave qualificada, embora tenha sido condenado também por outros factos diferentes. “H”, identicamente acusado pelo MP, faleceu antes do julgamento se realizar.

  2. Ficaram provados os seguintes factos:

1.1 Cerca das 21 horas do dia 8 de novembro de 2005, foi descoberto o corpo de “I”, sem vida, com uma ferida perfurante na cabeça, provocada por bala de uma arma de fogo.

1.2 Tendo começado a circular a notícia da sua morte logo os seus amigos e familiares se deslocaram para as imediações da sua residência, no Edifício “J”, em Quarteira.

1.3 Naquele local, em conversa, tiveram, entre outros, os arguidos “B”, “D”, “E”, “F”, “C” e “A” conhecimento da morte do “I” - pelo uso de arma de fogo - e ficaram a saber que teria sido “L” o último a vê-lo com vida o que, aliado à falta de explicação para a sua morte, fez surgir o boato de que teria sido este “L” o responsável por tal facto.

1.4 Perante tal situação e após tomarem conhecimento que o “L” se encontrava junto da sua residência e próximo do "Bar C...", em Almancil, entre outros, os arguidos “B”, “D”, “E”, “F”, “C” e “A” combinaram entre si deslocarem-se ao local para aí confrontarem o “L” e se vingarem do mesmo.

1.5 Assim, munidos de paus, facas e soqueiras, dividiram-se pelos veículos automóveis disponíveis e deslocaram-se para Almancil.

1.6 Entre outros, foi utilizado o veículo automóvel de marca "Chrysler", modelo "PT Cruiser", com a matrícula ....-RI, propriedade do pai do arguido “B” e conduzido por este e foi, também, utilizado o veículo de marca "Citroên", modelo "Saxo", com a matrícula ...-RL, conduzido por “R”, no qual se fez transportar, além de outros, o arguido “C”.

1.7 Chegados ao local, nas imediações do "Bar C...", em Almancil, “H” abeirou-se de “L” dizendo "vamos matar esse filho da puta".

1.8 Após o que todo o grupo, no qual se incluíam os arguidos “B”, “D”, “E”, “F”, “C” e “A”, se precipitou sobre o “L” e começaram a bater-lhe no corpo com socos, pontapés e outros objetos que traziam consigo, como soqueiras e paus, tendo o arguido “B” feito uso de uma faca, espetando-a, pelas costas, no dorso do “L”.

1.9 Apesar de rodeado pelo referido grupo, “L” conseguiu dirigir-se para a porta do "Bar C.... " a fim de aí se refugiar e pedir auxílio e, apesar da oposição de “G”, que exercia funções de segurança no citado bar e tentou fechar a porta e empurrá-lo, conseguiu penetrar no seu interior.

1.10 Nessa altura, o arguido “G” entrou no interior do estabelecimento e, com um objeto metálico de características não apuradas, atingiu o rosto de “L”, tentando puxá-lo para o exterior.

1.11 Com a pancada desferida pelo arguido “G”, o “L” perdeu os sentidos.

1.12 O grupo, no qual se encontravam os restantes arguidos “B”, “D”, “E”, “F”, “C” e “A” entrou, também, no estabelecimento e continuou a bater no corpo do “L”, desferindo-lhe socos, pontapés, atingindo-o com outros objetos e, após, colocaram-se em fuga.

1.13 Como consequência direta e necessária das agressões de que foi vítima, “L” sofreu traumatismo craniano e encefálico, hematomas múltiplos, fraturas costais, fraturas maxilofaciais (fratura complexa nasoetmoidofrontal, por ferida incisa da região frontonasal, fratura parietal direito e frontal, feridas múltiplas do dorso, múltiplas feridas da face, ferida incisiva da região frontonasal, hemorragia subconjuntival do olho direito.

1.14 As referidas lesões determinaram 270 dias de doença, sendo 180 com incapacidade grave para o trabalho profissional e os restantes com afetação de 40%.

1.15 Resultaram, para o “L”, dos factos praticados pelos arguidos vestígios cicatriciais, constituídos por cicatrizes múltiplas do couro cabeludo parietal direito e esquerdo, cicatriz occipital e cicatriz em "Y" da zona frontal intersupraciliar e nasal, cicatrizes dorsais e lombares, sendo que a cicatriz em "Y" referida foi provocada pela atuação do arguido “G”.

1.16 Resultaram, igualmente, sequelas de traumatismo craniano e encefálico, consubstanciadas em incapacidade permanente parcial de 10%.

1.17 E das lesões resultou perigo para a vida de “L”, que só não veio a falecer em virtude de, rapidamente, as autoridades policiais se terem deslocado ao local e lhe ter sido provida rápida assistência médica.

1.18 Sabiam os arguidos “B”, “D”, “E”, “F”, “C” e “A” que as lesões causadas no “L”, atentos os meios empregues e a forma de atuação em grupo, em número manifestamente superior ao ofendido e colocando-o na impossibilidade de se defender ou de fugir, era adequadas a causar-lhe a morte, a qual só não se verificou por motivos alheios à sua vontade.

1.19 Quiseram os arguidos agir como o fizeram, deliberada, livre e conscientemente, com o propósito de tirar a vida do ofendido, mediante prévio acordo e em conjugação de vontades e esforços, cada um aceitando a conduta do outro, apesar de conhecerem a censurabilidade das suas condutas.

1.20 Sabia o arguido “G” que, ao agir da forma descrita, atingia o corpo de “L”, mas quis fazê-lo, de forma deliberada e consciente, bem sabendo ser a sua conduta proibida.

1.21 “L” teve de ser evacuado do Hospital Distrital de Faro para o Hospital de S. José, em Lisboa.

1.22 “L” ficará, como consequência direta e necessária dos factos praticados, com a cicatriz na face marcada para toda a sua vida.

1.23 “L” sofreu dor, perturbação e angústia.

Do processo apenso 330/07.0GFLLE:

(…)

3. Motivação da decisão de facto:

Na formação da sua convicção, o Tribunal atendeu aos meios de prova disponíveis, considerando, naturalmente, as declarações do arguido “G” (único que se prestou a falar, antes das alegações) e do assistente, os depoimentos das testemunhas, bem como os dados objetivos fornecidos pelos documentos e perícias realizadas, tudo conjugado com as regras da experiência comum.

Em primeiro lugar, em face da abundante prova documental (documentos clínicos) e pericial, dúvidas não existiram (nem tal matéria foi, de qualquer maneira, posta em causa) de que “L” foi agredido no dia e hora indicados na acusação (ver, por outro lado, a título de exemplo de como tal questão foi pacífica em audiência, o depoimento, no mais desinteressante, de Armindo Monteiro Júnior, irmão do falecido “I”, ao afirmar que "toda a gente sabe que o “L” foi agredido").

Em face do teor do relatório pericial (fls. 718 e ss.), reforçado pelas declarações do Senhor perito médico prestadas em audiência, dúvidas também não existiram quanto às consequências dessas agressões para o corpo e saúde do “L”.

Atendeu-se aos depoimentos de J... Q... (militar da GNR, que acorreu ao local e viu o estado em que se encontrava o ora assistente “L” e falou, portanto, de forma credível do resultado das suas perceções diretas), “M” e “N” (inspetores da Polícia Judiciária que, igualmente, falaram de forma credível do que resultou das suas perceções diretas e das diligências de prova realizadas), “O” (inspetor da Polícia Judiciária, que falou das diligências de prova realizadas) e, de forma relevante, “P” (militar da GNR, que acorreu ao local, falando de forma credível das suas perceções diretas: viu o estado da vítima e os carros em fuga).

A principal questão controversa deste processo (do processo principal) acabou por ser a autoria desses factos ou, por outras palavras, a prova, ou não, da participação dos arguidos nas agressões.

Ora, atendeu o Tribunal, desde logo, às declarações sérias, sem quaisquer sinais de preparação, vívidas, sinceras e, por isso, credíveis de “L”. Nem se diga que, por ter feito um pedido de indemnização civil, estaria ele interessado no desfecho particular da ação, pois qualquer pessoa que passe pelo mesmo, ainda que sem ter interesse numa indemnização, pretende ver esclarecida a verdade em Tribunal. Acresce que esse interesse particular não se demonstrou em audiência, pois não apresentou ele um depoimento sem critério ou desconexo, mas sempre compatível com as suas perceções diretas e nada mais (sem "colorir" a participação de outros com pormenores que até poderiam ser o benéficos para o sucesso do seu pedido).

Atendeu, igualmente, o Tribunal ao depoimento de “Q”, companheira do “L”. Também esse depoimento apareceu sério, sem preparação e, por isso, muito credível (mais uma vez, sem uma tentativa de "rechear" o depoimento com pormenores ou com "identificações" que poderiam ser favoráveis a interesses patrimoniais do seu companheiro).

Atendeu-se ao depoimento de “R” que, apesar do seu temor inicial, acabou por falar, de forma credível, das suas perceções diretas e, assim, identificar alguns dos que rodearam e agrediram o “L”.

Atendeu-se, finalmente, ao depoimento de “S”, que estava no local e nos falou, de forma séria, desinteressada e muito credível.

Assim, da conjugação destes depoimentos com os dados objetivos constantes dos autos (como a recolha de vestígios lofoscópicos e hemáticos na viatura conduzida pelo arguido “B” ou os vestígios hemáticos do assistente na roupa do arguido “C”), chegou-se à prova da participação, entre outros, dos aqui arguidos (a participação do arguido “B” ficou assente, sem margem para dúvidas, pela conjugação das declarações de “L”, depoimentos de “Q”, “R”, “S”, uma vez que todos o viram no local, sendo que os primeiros o viram, indubitavelmente, usando e espetando uma faca, com os vestígios lofoscópicos e hemáticos referidos; a participação do arguido “C” ficou clara pela conjugação dos depoimentos de “L”, “R” com os aludidos vestígios na sua roupa; a participação do arguido “A” ficou clara pelo depoimento de “S” - sobretudo pela sua reação aquando da sua fuga; a participação do arguido “D” ficou assente pela conjugação das declarações de “L” e depoimento de “S”; a participação do arguido “E” ficou clara pelas declarações de “L”; e a participação do arguido “F” ficou assente pelo depoimento de “R”). Quanto à participação do arguido “G”, no âmbito deste processo principal, a verdade é que das suas próprias declarações resultou que ele se encontrava, no dia e hora indicados na acusação, à porta do bar em causa. Mais resultou que a sua intenção era não deixar o “L” entrar no bar (tanto que admitiu tê-lo empurrado). No entanto, o seu depoimento sofreu de algumas incoerências e, no confronto com as declarações de “L” (que o identificou sem margem para dúvidas e relatou, de forma séria, o modo como foi agredido por ele), claramente que o Tribunal deu mais credibilidade a este último. Resultou, assim, a prova da sua participação. E, por outro lado, da conjugação das declarações de “L”, com os dados objetivos constantes do relatório pericial, foi possível estabelecer com clareza quais os resultados, no corpo daquele, do ato praticado pelo arguido “G”.

Do depoimento de “T” apenas resultou que o arguido “G” esteve a trabalhar no dia, hora e local indicados na acusação. Mais se referiu ter dito ao arguido para não deixar entrar "essas pessoas" (dizendo que sabia que, por terem morto o "I" viria o "pessoal" à procura do “L”). Mas, o seu depoimento (na parte em se referiu ao estado de nervosismo do arguido “G” após os factos) apenas contribuiu para dar mais credibilidade às declarações do assistente.

Não se considerou o depoimento de “U” e “V”(por nada terem dito de relevante).

Quanto ao processo apenso (…).

3. No recurso de revisão, o arguido “A” apresentou como testemunhas, para depor sobre os “novos” factos, os coarguidos “C”, “G”, “D”, “E” e “F”.

Concluiu a fundamentação do recurso do seguinte modo:

1º- Não era o ora Recorrente o único Arguido nos factos, resultando da prova, registada em Audiência, por gravação, serem dezenas os intervenientes, no que deverá ser considerado Participação em Rixa, porquanto estariam presentes, no local dos factos, cerca de trinta (30) indivíduos, de cujo grupo fariam parte alguns dos que, identificados e constituídos Arguidos, foram sujeitos a Julgamento, vindo a ser condenados por prática de crime diverso.

2º- A circunstância de outros, mais de 20, não identificados nos autos, terem tomado participação na factualidade objeto do Inquérito, e do Julgamento, sempre impediria a procedência da douta Acusação, nos termos em que se veio a verificar.

3º- Se os depoimentos que, podendo ter sido prestados, o não foram, poderão não ser, agora, tidos como novos factos, sê-lo-ão, certamente, o resultado desses mesmos depoimentos que, agora, deverão ser prestados, porquanto factualidade desconhecida, à data do Julgamento, veio, agora, ao conhecimento do ora Recorrente, e dos que ora se indicam como Testemunhas.

4º- O Ofendido terá sido agredido por cerca de 20 ou 30 indivíduos, sem que se soubesse, à data do Julgamento, quem, exatamente, praticou o quê, não bastando o resultado de tais agressões para qualificar o eventual crime como outro, diferente de Participação em Rixa, condenando-se, unicamente, aqueles que vieram a ser constituídos Arguidos, e que, com dignidade constitucional, se presumem inocentes.

5º- Analisados os indícios, e verificada a prova, resulta quase evidente que a factualidade, da responsabilidade de alguns dos identificados, se fica pela prática do crime de Participação em Rixa, p. e p. pelo artigo 151.º do Código Penal, o que se confirmará, realizadas que sejam as ora requeridas inquirições, merecendo o presente integral provimento.

6° - Nem, do Julgamento, e da prova aí produzida, resultará provada a resolução criminosa de cada interveniente, não se podendo confundir o pretender "confrontar" com o pretender "matar", sendo que o dolo, relativamente à resolução criminosa não é presumido, carecendo de prova que leve à certeza, o que continua por ser apurado, e que resultará do presente.

7° - Na certeza de que não resultou provada participação essencial do ora Recorrente, na medida em que se terá limitado a estar presente, também não resultou provado qualquer prévio acordo, com os identificados nos autos, ou com outros, ainda por identificar, o que resultará dos depoimentos a realizar no âmbito do presente Recurso.

8° - Efetivamente, não considerou o douto Coletivo de Loulé, que as lesões sofridas pelo Ofendido, fossem da responsabilidade do ora Recorrente, cuja intervenção, concreta, até ao momento presente, se continua por saber, o que sempre impossibilitaria a condenação que veio a verificar-se.

9° - Nem a ação é tipificada em face do resultado, mas em face do dolo, e dos factos, podendo, sim, o crime indiciado ser agravado pelo resultado, sem que, por isso, passe a ser outro mais grave, havendo que considerar, no caso presente, os elementos do tipo da Participação em Rixa, eventualmente, havendo prova de tanto, na certeza de que, estar presente, ou estar perto, sem que se saiba praticando o quê, por si só, ainda não integra o conceito de ação típica, ilícita, culposa, e ... punível, especialmente daquele por que veio o ora Recorrente a ser punido.

10° - Porque a verdade material dos factos o impõe, constituirá nova factualidade, o resultado dos depoimentos a prestar, com base na nova informação, indisponível anteriormente, e que, agora, será disponibilizada ao douto Tribunal.

11º - As novas provas, que resultarão dos depoimentos a prestar, e ora requeridos, porão em causa a justeza da Decisão condenatória, com as legais consequências, assim procedendo o presente.

12° - Tais provas, novas, só agora do conhecimento do Recorrente, e que resultarão dos depoimentos a prestar, como requerido, não podiam ser apresentadas em Julgamento, por desconhecidas, e,

13° - Produzida, por via das inquirições ora requeridas, a prova respetiva, nova, por desconhecida, à data do Julgamento, resultará diferente qualificação, e, eventualmente, a absolvição, que se espera.

4. O MP na 1ª instância respondeu ao recurso e defendeu que nem as testemunhas apresentadas, nem os factos referidos, eram “novos”, pelo que deveria ser indeferido o pedido de revisão.

O juiz titular do processo decidiu ser desnecessária a inquirição das testemunhas indicadas e, de imediato, informou do seguinte modo:

«O arguido “A”, condenado que foi por decisão transitada em julgado pela coautoria material de um crime de homicídio qualificado na forma tentada, p. e p. pelos artigos 131 ° e 132°, n.ºs 1 e 2, alínea g), do Código Penal (na redação da Lei 65/98, de 2 de setembro) e 22°, 26° e 28° do mesmo diploma legal, na pena de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão, pretende agora a revisão extraordinária da decisão com fundamento na alínea d), do n.º 1, do artigo 449.° do Código de Processo Penal.

Tal normativo legal, que prevê a possibilidade de quebra do caso julgado e, portanto, uma restrição grave do princípio da segurança jurídica inerente ao estado de Direito, conforme bem salienta Paulo Pinto de Albuquerque, reveste caráter excecional, pelo que só circunstâncias imperiosas a podem fundamentar (vide o autor citado, in Comentário do Código de Processo Penal, 3.ª edição atualizada, Universidade Católica, pp.1185).

Os fundamentos do recurso extraordinário de revisão vêm taxativamente enunciados nas alíneas a) a g) do n.º 1 do artigo 449.° do Código de Processo Penal.

O fundamento ínsito na alínea d) do n.º 1 do artigo 449.° do Código de Processo Penal - que não poderá ter como único a correção da medida concreta da sanção aplicada - reporta-se à descoberta de novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas (e não uma qualquer dúvida ou sequer uma "dúvida razoável") sobre a justiça da condenação.

Analisados os fundamentos invocados pelo Recorrente e salvo o respeito devido por entendimento diverso, não é esta a realidade que o Recorrente aqui expõe nos autos.

Com efeito, afigura-se-nos que o que o Recorrente faz é manifestar a sua discordância no que à decisão da matéria de facto, ao enquadramento jurídico dos factos e à consequente condenação que sofreu, pretendendo agora emendar a estratégia de defesa anteriormente por si adotada e colocar em crise a decisão condenatória mediante a audição daqueles que conjuntamente consigo foram julgados e condenados pelos mesmos factos, os quais tiveram a oportunidade de prestar declarações em audiência de discussão e julgamento, tal como o ora Recorrente que então optou por não o fazer, tendo sido o arguido “G” o único que se prestou a falar, antes das alegações.

Ora, por um lado, o recurso de revisão, atenta a sua natureza excecional, não visa nem a «correção de erros» do anterior processo, nem "compensar" o arguido pela sua inércia processual (cf. Paulo Pinto de Albuquerque, ob. cit., pp. 1187-1188).

Por outro, conforme salienta João Conde Correia a propósito de situações como a indicação como nova de testemunha cujo depoimento foi anteriormente indeferido no decurso da audiência de julgamento por irrelevante, de testemunha que então não podia prestar juramento e agora está em condições de o fazer, de arguido que por vicissitude processual perde essa qualidade e passa a poder prestar declarações como testemunha ou a assunção pública e voluntária dos factos por um terceiro, “…sejam eles considerados como novos factos ou como novas provas, a verdade é que, dificilmente, podem ser reputados aptos para desencadear a destruição do caso julgado." (cf. o autor cit. in O «Mito do Caso Julgado» e a Revisão Propter Nova", Coimbra Editora, pp. 583).

Acresce que, em certos casos especiais, como o são o fundamentar da revisão na revogação de uma confissão, em declarações diferentes ou complementares do arguido, no depoimento divergente de uma testemunha, na revogação das declarações incriminatórias de um coarguido, em declarações favoráveis de um coarguido que se tenha recusado a depor no processo inicial, na produção de prova que se tenha omitido ou na realização de nova perícia, haverá que compensar o reduzido valor persuasivo do novum com uma exposição acrescida das razões justificativas da revisão (cf. João Conde Correia, Ob. Cit., pp. 610-611), O que salvo melhor entendimento em contrário não ocorre no caso em apreço.

Somos pois a concluir que o alegado pelo Recorrente não integra os fundamentos de revisão a que alude a alínea d), do n.º 1, do artigo 449.° do Código de Processo Penal- quer de per si, quer em termos de aptidão para suscitar graves dúvidas sobre a justiça da condenação -, nem qualquer dos outros fundamentos de revisão taxativamente elencados nesse normativo legal, pelo que em nosso parecer não assiste razão ao Recorrente quanto ao mérito do seu recurso, devendo o pedido ser indeferido liminarmente, por falta de fundamento legal.»

  5. O MP no STJ também se pronunciou pelo indeferimento do pedido de revisão:

“Sem necessidade de grandes considerações, entendemos dever ser negada a revisão pela razão comum expressa pelos Ex.mos magistrados na lª instância, que acompanhamos.

Se é certo que o arguido (ora indicada testemunha) “G” foi o único que prestou declarações em julgamento, posto que os demais, no exercício de um direito, optaram pelo silêncio, não deixa de ser sintomático que, mesmo sem as suas declarações, foi feita prova suficiente para a formulação de um juízo condenatório de todos.

E, como refere o M.mo Juiz na informação prestada, não é o mero anúncio (após condenação) de um propósito de prestarem declarações, que abre, fundadamente, a porta à revisão.

Em suma:

- As testemunhas ora apresentadas são os coarguidos do recorrente que, com ele, foram julgadas e condenadas, embora tivessem optado por não prestarem declarações em julgamento;

- O seu (atual) depoimento, não só não poderá ser fundamento suficiente para a revisão, como também não invalidará a apreciação feita pelo tribunal na fixação da matéria de facto, não sendo idóneo a pôr em crise a justiça da condenação e muito menos de forma grave.

Pelo exposto, não deverá ser autorizada a pretendida revisão.

                   
6. Colhidos os vistos, foi efetuada a conferência com o formalismo legal.
Cumpre decidir.

Como é sabido, um dos valores fundamentais do direito é o da segurança das decisões judiciais, consubstanciada no instituto do trânsito em julgado.
Contudo, tal valor não é absoluto, nem sequer é o mais importante, pois sobreleva o da justiça, particularmente quando estão em causa direitos fundamentais da pessoa humana. Esse é o caso das condenações penais, onde são ou podem ser afrontados os direitos à liberdade, à honra e ao bom nome do condenado e onde, portanto, a imutabilidade da sentença que decorre do caso julgado tem de ceder sempre que se torna flagrante que foi contrariado o sentido de justiça.

No confronto desses dois valores, a justiça e a segurança, o legislador em matéria penal opta por uma solução de compromisso, possibilitando, embora de forma limitada, o direito de rever as sentenças e os despachos que tenham posto fim ao processo, ainda que transitados em julgado.

O Professor Figueiredo Dias (1) afirma que a segurança é um dos fins prosseguidos pelo processo penal, mas “isto não impede que institutos como o do recurso de revisão contenham na sua própria razão de ser um atentado frontal àquele valor, em nome das exigências da justiça. Acresce que só dificilmente se poderia erigir a segurança em fim ideal único, ou mesmo prevalente, do processo penal. Ele entraria então constantemente em conflitos frontais e inescapáveis com a justiça; e, prevalecendo sempre ou sistematicamente sobre esta, pôr-nos-ia face a uma segurança do injusto que, hoje, mesmo os mais céticos têm de reconhecer não passar de uma segurança aparente e ser só, no fundo, a força da tirania”.

Por isso, o art.º 29.º, n.º 6, da Constituição da República prevê, no domínio dos direitos, liberdades e garantias, sobre a aplicação da lei criminal, que “Os cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão da sentença e à indemnização pelos danos sofridos.

E, na prossecução desse desiderato, o Código de Processo Penal, entre os recursos extraordinários, prevê o de revisão, no art.º 449.º e seguintes.

O recurso extraordinário de revisão “visa, assim, a obtenção de uma nova decisão judicial que se substitua, através da repetição do julgamento, a uma outra já transitada em julgado, apoiando-se em vícios ligados à organização do processo que conduziu à decisão posta em crise. Por via dele, vai operar-se não um reexame ou apreciação de anterior julgado, mas antes tirar-se uma nova derisão assente em novo julgamento do feito, agora com apoio em novos dados de facto. Temos assim que a revisão versa apenas sobre a questão de facto” (2).
Os fundamentos deste recurso extraordinário vêm taxativamente enunciados no art.º 449.º do Código de Processo Penal e são apenas estes:
a) Uma outra sentença transitada em julgado tiver considerado falsos meios de prova que tenham sido determinantes para a decisão;
b) Uma outra sentença transitada em julgado tiver dado como provado crime cometido por juiz ou jurado e relacionado com o exercício da sua função no processo;
c) Os factos que servirem de fundamento à condenação forem inconciliáveis com os dados como provados noutra sentença e da oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação;
d) Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.
e) Se descobrir que serviram de fundamento à condenação provas proibidas nos termos dos n.ºs 1 a 3 do artigo 126.º;
f) Seja declarada, pelo Tribunal Constitucional, a inconstitucionalidade com força obrigatória geral de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que tenha servido de fundamento à condenação;
g) Uma sentença vinculativa do Estado Português, proferida por uma instância internacional, for inconciliável com a condenação ou suscitar graves dúvidas sobre a sua justiça.

7. O fundamento invocado pela recorrente para requerer a revisão da sentença condenatória é o da referida alínea d), isto é, a descoberta de novos factos ou meios de prova que, por si só, ou conjugados com os já existentes nos autos, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação. 
O art.º 453.º do CPP dispõe que se o fundamento da revisão for o previsto na alínea d) do n.º 1 do artigo 449.º, o juiz procede às diligências que considerar indispensáveis para a descoberta da verdade, mandando documentar, por redução a escrito ou por qualquer meio de reprodução integral, as declarações prestadas (n.º 1), mas o requerente não pode indicar testemunhas que não tiverem sido ouvidas no processo, a não ser justificando que ignorava a sua existência ao tempo da decisão ou que estiveram impossibilitadas de depor (n.º 2).
A leitura que se pode fazer desta norma é a de que o recorrente, no recurso de revisão que tenha como fundamento a al. d) do n.º 1 do artigo 449.º, pode indicar como testemunhas:
- As já anteriormente ouvidas no processo, mas, nesse caso, como não constituem “novos meios de prova”, terão de depor sobre “novos factos” de que se tenha tomado conhecimento posteriormente;
- As que antes não foram ouvidas no processo, mesmo sobre os factos já apreciados no julgamento, mas, nesse caso, só se justificar que ignorava a sua existência ao tempo da decisão ou que estiveram então impossibilitadas de depor.
Na situação em apreço, o recorrente apresentou para deporem como testemunhas no recurso de revisão cinco dos seus anteriores coarguidos, julgados e condenados no mesmo processo.
Na verdade, na audiência de julgamento realizada pelo coletivo de Loulé esses anteriores coarguidos estiveram presentes, embora só um se tenha disposto, então, a falar sobre os factos (o arguido “G”), pois os outros, tal como o próprio recorrente, usaram do direito ao silêncio.
Portanto, os meios de prova que o recorrente apresenta não são “novos”, pois as testemunhas estiveram presentes no julgamento e, se nessa altura não falaram sobre os factos, foi por opção própria, permitida pela lei.
O recorrente, aliás, aceita que os meios de prova que apresenta não são “novos”, mas o que diz é que serão “novos” os factos que agora as testemunhas vêm relatar, já que, dispondo-se agora a falar, vão transmitir uma narração que ainda não é conhecida, nomeadamente, que “o ofendido terá sido agredido por cerca de 20 ou 30 indivíduos, sem que se soubesse, à data do julgamento, quem, exatamente, praticou o quê (…)”.
Contudo, não é pela circunstância de um coarguido se dispor a falar depois do julgamento, relatando agora uma qualquer versão dos factos, quando antes, no momento próprio, tinha usado do direito ao silêncio, que se fica automaticamente perante “novos factos”, no sentido que resulta da al. d) do n.º 1 do artigo 449.º do CPP, pois tal só sucederá se essa versão se apresentar como completamente diferente da que foi equacionada pelo tribunal do julgamento, constituindo uma realidade insuspeitada e, portanto, digna de ser escrutinada, para se aferir da justiça da condenação.
De outro modo, estaria aberto o caminho para a revisão sistemática das condenações transitadas em julgado, pois bastaria que o próprio recorrente ou algum dos seus anteriores coarguidos usasse do direito ao silêncio no julgamento e se dispusesse a falar posteriormente à condenação, ou, então, que viesse indicar uma modificação da versão que apresentara dos factos, para quebrar a estabilidade jurídica que resulta do trânsito em julgado da sentença condenatória e que é um valor a preservar até a um limite, que é atingido quando se suscitarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.
O “facto novo” para efeito de revisão de sentença é aquele que nunca foi ponderado anteriormente no julgamento perante determinados meios de prova produzidos e não o que, tendo aí sido escalpelizado, foi julgado de uma determinada maneira e, posteriormente, com base nos mesmos meios de prova, se pretende que venha a ser julgado em sentido diverso.
No caso em apreço, o recorrente alega, como “facto novo”, que foram muitos os indivíduos – e não só ele - que se dirigiram para certo local com o intuito de sovar o ofendido e, não se sabendo o que uns fizeram e outros não, não se lhe poder imputar o crime de homicídio tentado, antes o de participação em rixa (art.º 151.º do CP). 
Contudo, no julgamento essa hipótese factual foi configurada, pois apurou-se que, na verdade, foram muitos os indivíduos que se dirigiram para ao local onde estava a vítima – e não só o recorrente e os outros anteriores coarguidos – com o intuito de a agredirem, mas também se determinou que o recorrente e os outros condenados o agrediram de determinada maneira, independentemente do que outras pessoas tenham ou não feito e que essas agressões, nomeadamente, as praticadas pelo recorrente, tiveram por finalidade tirar a vida ao ofendido e eram adequadas a produzir esse efeito, o que só não aconteceu por razões alheias à vontade dos agressores.

Efetivamente, provou-se que “Perante tal situação e após tomarem conhecimento que o “L” se encontrava junto da sua residência e próximo do "Bar C...", em Almancil, entre outros, os arguidos “B”, “D”, “E”, “F”, “C” e “A” combinaram entre si deslocarem-se ao local para aí confrontarem o “L” e se vingarem do mesmo”. E provou-se ainda que «Após o que todo o grupo, no qual se incluíam os arguidos “B”, “D”, “E”, “F”, “C” e “A”, se precipitou sobre o “L” e começaram a bater-lhe no corpo com socos, pontapés e outros objetos que traziam consigo, como soqueiras e paus, tendo o arguido “B” feito uso de uma faca, espetando-a, pelas costas, no dorso do “L”» (…) «O grupo, no qual se encontravam os restantes arguidos “B”, “D”, “E”, “F”, “C” e “A” entrou, também, no estabelecimento e continuou a bater no corpo do “L”, desferindo-lhe socos, pontapés, atingindo-o com outros objetos e, após, colocaram-se em fuga».

Como se vê, na análise feita pelo tribunal do julgamento, portanto, o recorrente agiu sempre como fazendo parte de um “grupo” de indivíduos cujo número não foi possível determinar, embora se tenha apurado que ele agrediu, efetivamente, entre outros, o ofendido.

Portanto, o depoimento das testemunhas que agora foram apresentadas pelo recorrente, se tivesse sido concretizado na fase preliminar do recurso de revisão, não iria incidir sobre factos novos, ignorados pelo tribunal na altura do julgamento, mas sobre factos já devidamente escrutinados.

Assim, não se está em presença de “novos meios de prova”, nem de “novos factos”, que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação. 

Acresce que o requerente pretende provar o facto – que diz «novo» - consistente em “o ofendido ter sido agredido por cerca de 20 ou 30 indivíduos, sem que se soubesse, à data do julgamento, quem, exatamente, praticou o quê» - para daí extrair a ilação de direito de que só um crime de «participação em rixa» - e não um crime de «homicídio tentado» - lhe poderá ser assacado. No entanto, não seria a prova desse facto que convolaria a sua comparticipação homicida («1.18 Sabiam os arguidos “B”, “D”, “E”, “F”, “C” e “A” que as lesões causadas em “L”, atentos os meios empregues e a forma de atuação em grupo, em número manifestamente superior ao ofendido e colocando-o na impossibilidade de se defender ou de fugir, eram adequadas a causar-lhe a morte, a qual só não se verificou por motivos alheios à sua vontade. 1.19 Quiseram os arguidos agir como o fizeram, deliberada, livre e conscientemente, com o propósito de tirar a vida do ofendido, mediante prévio acordo e em conjugação de vontades e esforços, cada um aceitando a conduta do outro, apesar de conhecerem a censurabilidade das suas condutas) em intervenção ativa num crime de «participação em rixa», que exigiria, da parte do outro contendor, uma igual intervenção (embora de sentido contrário) e não uma posição de mera passividade ou de defesa ante a agressão coletiva da outra parte (seja ela constituída por 5, 20 ou 30 ou mais agentes). 

Com efeito, «a intervenção dos rixantes consubstancia-se na realização de ataques físicos recíprocos e generalizados (…)». «Não há rixa se os intervenientes numa luta que se dividem em duas fações que se agridem mutuamente. Nem há rixa se numa luta só uma das fações agride e a outra apenas se defende (…). Naquele como neste caso, há apenas comparticipação na forma de coautoria» (ALBUQUERQUE, Paulo Pinto de, Comentário, 2.ª ed., p. 460).
Termos em que não é de autorizar a revisão.  

7. Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em não autorizar a revisão.
Fixa-se em 4 (quatro) UC a taxa de justiça pelo recorrente (tabela III do RCP).



Supremo Tribunal de Justiça, 17 de janeiro de 2013

Os Juízes Conselheiros

(SANTOS CARVALHO)

(RODRIGUES DA COSTA)

(CARMONA DA MOTA, com a declaração de voto que junta)

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DECLARAÇÃO DE VOTO

O projeto - para rejeitar a revisão - parte fundamentalmente de uma leitura (a que, simplistamente [como se fosse a única ou a melhor], chama «a leitura que se pode fazer») do n.º 2 do art.º 453.° do CPP, que impede o requerente de indicar testemunhas que não tiverem sido ouvidas no processo, a não ser justificando que ignorava a sua existência ao tempo da decisão ou que estiveram impossibilitadas de depor.

No entanto, o que o requerente pretende é provar o facto - que diz «novo» - consistente em "o ofendido ter sido agredido por cerca de 20 ou 30 indivíduos, sem que se soubesse, à data do julgamento, quem, exatamente, praticou o quê» - para daí extrair a ilação de direito de que só um crime de «participação em rixa» - e não um crime de «homicídio ten­tado» - lhe poderá ser assacado.

No entanto, não seria o facto de «o ofendido ter sido agredido por cerca de 20 ou 30 indi­víduos, sem que se soubesse quem» (para além dos ora condenados) que convolaria a sua comparticipação homicida em intervenção ativa num crime de «participação em rixa», que exigiria, da parte do outro contendor, uma igual intervenção (embora de sentido con­trário) e não urna posição de mera passividade ou de defesa ante a agressão coletiva da outra parte (fosse ela constituída por 5,20 ou 30 ou mais agentes).

Com efeito, «a intervenção dos rixantes consubstancia-se na realização de ataques físicos recíprocos e generalizados (...)». «Não há rixa se os intervenientes numa luta que se divi­dem em duas fações que se agridem mutuamente. Nem há rixa se numa luta só uma das fações agride e a outra apenas se defende (...). Naquele como neste caso, há apenas com­participação na forma de coautoria» (PP A, Comentário, 2. a ed., p. 460).

Em suma, eu - para rejeitar o recurso - não insistiria, adjetivamente, numa interpreta­ção porventura heterodoxa do art.º 453.2 do CPP. Antes o rejeitaria atendendo, sobretu­do, ao seu sustentáculo (substantivamente) inconsistente: Se «não há rixa se numa luta só uma das fações agride e a outra apenas se defende» e se nesse caso «há apenas comparti­cipação na forma de coautoria» (PPA, Comentário, 2.ª ed., p. 460), então não se justifi­cará, em novo julgamento, provar o facto - mesmo que «novo» - consistente em "o ofen­dido ter sido agredido por cerca de 20 ou mais indivíduos", a significar - da parte da víti­ma - intervenção em rixa e não sujeição passiva a um ato homicida.

O presidente da secção

(Carmona da Mota)


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(1) Direito Processual Penal, 44, citado por Maia Gonçalves no Código de Processo Penal Anotado e Comentado, 11.ª edição, págs. 795
(2) [1] “Código de Processo Penal Anotado”, Simas Santos e Leal Henriques, 2000, II, 1043.