Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3831/05.1TBSTS.P1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: LOPES DO REGO
Descritores: CASO JULGADO
IDENTIDADE DO PEDIDO
ACÇÃO DE DIVISÃO DE COISA COMUM
BENFEITORIAS
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
Data do Acordão: 09/29/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática: DIREITO CIVIL - DIREITOS REAIS
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO - RECURSOS - DIVISÃO DE COISA COMUM
Doutrina:
- Castro Mendes, Limites Objectivos do Caso Julgado, pág.297.
Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 473.º, 498.º, N.º3, 1412º, Nº1, 1413º, Nº1, 1726.º, N.º2.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 31.º, 470.º, N.º1, 661.º, N.º1, 678.º, N.º2, 721.º, 752.º, N.º3, 1052.º, 1056.º, N.º2, 1762.º, N.º2.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 03-02-2011, PROCESSO N.º 190-A/1999.E1.S1.
Sumário : 1. A excepção dilatória de caso julgado pressupõe uma identidade objectiva entre a acção já definitivamente dirimida, quanto ao mérito, e a acção que se repete, a qual pressupõe que os pedidos formulados naquelas causas sejam idênticos , por a parte  pretender obter em ambas as causas o mesmo efeito jurídico.

2. Não podem configurar-se como pedidos idênticos o pedido de «divisão de benfeitorias» custeadas exclusivamente por um dos comproprietários no imóvel comum , formulado em acção de divisão de coisa comum (pretendendo-se através da sua dedução «corrigir» as quotas de cada um dos comproprietários no bem comum, em função das despesas por ele suportadas em exclusivo e que ditaram valorização relevante do objecto da compropriedade) e o de restituição das quantias pecuniárias por eles dispendidas com tal valorização do bem comum (dividido naquela acção segundo as quotas que  estritamente resultavam do título constitutivo da compropriedade, com total desconsideração do valor das benfeitorias custeadas pelos vários sujeitos da compropriedade), fundado no instituto do enriquecimento sem causa  e deduzido ulteriormente em acção comum.

3. Na verdade, a improcedência daquela primeira pretensão de «divisão de benfeitorias», efectivamente formulada e apreciada na acção prévia de divisão da coisa comum, não preclude aos interessados a possibilidade de, em ulterior acção, processada nos termos do processo comum de declaração, formularem um pedido de restituição baseado na verificação dos pressupostos da figura do enriquecimento sem causa, num caso em que o próprio tribunal, ao apreciar a referida acção especial, expressamente excluiu qualquer possibilidade de reconfiguração do pedido formulado, convolando da referida petição de divisão das benfeitorias para um pedido de restituição do respectivo valor pecuniário.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

   1. AA e mulher, BB, intentaram acção, com processo ordinário, contra CC, pedindo a condenação desta a pagar-lhes a quantia de 79.090,77€, acrescida de juros à taxa legal desde a citação.

Para fundamentar essa pretensão, alegaram ser comproprietários, juntamente com a Ré e um outro irmão, de um prédio misto, que adquiriram, em 19/12/1972, por força de partilha da herança aberta por óbito de seu pai ; mais tarde, porque a casa existente nesse prédio era muito antiga, o Autor e o seu irmão, com o consentimento da Ré, demoliram essa casa, procederam à revogação de um contrato de arrendamento relativo a um estabelecimento comercial que aí funcionava e edificaram uma outra casa mais ampla, composta de rés do chão e 1º andar ; a demolição da casa anterior e a construção da actual foram suportadas pelo Autor e pelo seu irmão, na proporção de metade para cada um, sendo que essas obras e respectivos materiais custaram 25.007,08€; na mesma proporção, o Autor e seu irmão pagaram a quantia de 748,20€ pela revogação do contrato de arrendamento; por força dessa obra, o prédio ficou a valer 164.603,31€, ficando, deste modo, a Ré beneficiada – obtendo, assim, um enriquecimento – na quota-parte que detém no imóvel; assim, concluem, a Ré deverá restituir o valor de 12.503,54€, referente ao custo dos materiais e obras, e metade das mais valias decorrentes da construção, correspondentes à diferença entre o valor actual do imóvel (164.603,31€) e o valor do terreno (32.177,05€).

A Ré contestou, suscitando a sua ilegitimidade, a ineptidão da petição inicial e a excepção peremptória de prescrição, alegando que não existiu qualquer enriquecimento e invocando ainda a excepção de caso julgado: na verdade, já correu termos uma acção judicial – com o nº 359/2000 – idêntica a esta, quanto aos sujeitos, pedido e causa de pedir, já que, nesse processo, os Autores pediriam para serem pagos das benfeitorias por eles efectuadas no citado prédio -  e essa acção improcedeu quanto às benfeitorias que tinham por base tal enriquecimento sem causa.

Os Réus responderam, sustentando a improcedência da excepção de caso julgado, na medida em que, naquela acção, os Autores apenas pretendiam a divisão de um terreno e das benfeitorias nele realizadas, mediante a sua adjudicação ou venda.

Entretanto, por óbito do Autor, AA, foram habilitados como seus herdeiros, BB, DD e EE.

Foi realizada audiência preliminar e, após, foi proferido despacho saneador onde se decidiu julgar procedente a excepção de caso julgado e absolver a Ré da instância.

   Inconformados com essa decisão, os Autores interpuseram recurso, tendo a Relação julgado a apelação procedente, considerando inverificada a excepção dilatória de caso julgado, determinando, em consequência, o prosseguimento do processo. Para tanto, considerou a Relação, no acórdão ora recorrido:

   A decisão recorrida julgou procedente a excepção de caso julgado por considerar que existia identidade de sujeitos, de pedido e causa de pedir, referindo, designadamente, que, em ambas as acções, os Autores pretendem fazer valer o mesmo efeito jurídico: o direito a uma indemnização por benfeitorias.

Discordando dessa decisão, alegam os Recorrentes que, na anterior acção, não foi apreciado e decidido qualquer direito à indemnização que agora reclamam, sendo certo que não formularam aí esse pedido.

E, ao que nos parece, a razão está do lado dos Recorrentes.

Vejamos.

De acordo com o disposto no art. 497º, a excepção de caso julgado pressupõe a repetição de uma causa depois de a primeira causa ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário.

E, dispõe o art. 498º, “repete-se a causa quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir”.

“Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica” (nº 2 do citado art. 498º); “Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico” (nº 3 da citada norma) e “Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico” (nº 4 da mesma disposição legal).

Ora, não obstante a identidade de sujeitos (na medida em que as partes, na presente acção, também eram partes na anterior acção), afigura-se-nos não existir identidade de pedido, na medida em que o efeito jurídico que se pretende obter é diferente em cada uma das acções.

Na presente acção, os Autores, com fundamento no enriquecimento sem causa, pretendem obter a restituição de uma determinada quantia com a qual a Ré alegadamente se teria enriquecido devido ao facto de os Autores terem realizado benfeitorias (uma casa) num imóvel de que ambos eram comproprietários.

Mas, não era esse o efeito jurídico que os Autores pretendiam obter na acção nº 359/2000, que correu termos no 2º Juízo Cível de Santo Tirso.

Nesta acção – de divisão de coisa comum – os Autores pretendiam apenas obter a divisão do imóvel e da benfeitoria nele realizada. Com efeito, alegando que, juntamente com os Réus, eram comproprietários de um determinado imóvel, alegando que, juntamente com um dos irmãos do Autor (um dos Réus), haviam construído, nesse imóvel, uma casa, e alegando que não pretendiam continuar na situação de compropriedade com os Réus, pediam a divisão do terreno e das benfeitorias, solicitando a sua adjudicação ou venda, por não se possível a sua divisão.

Foi apenas isto que os Autores pediram na citada acção, onde, em momento algum, pediram a condenação dos Réus – designadamente da aqui Ré – a restituir-lhe qualquer quantia com fundamento em enriquecimento sem causa e emergente daquelas benfeitorias.

Note-se que, na sequência de Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido no âmbito daquele processo, os Autores foram convidados a completar a sua petição, alegando os factos que seriam necessários para calcular o valor das benfeitorias, segundo as regras do enriquecimento sem causa. Os Autores apresentaram nova petição, alegando esses factos, mas não formularam qualquer pedido no sentido de obterem a restituição desse enriquecimento e limitaram-se a formular o pedido que já haviam formulado inicialmente: a divisão do terreno e das benfeitorias, mediante a sua venda ou adjudicação, por não serem divisíveis em substância.

Afigura-se-nos, pois, evidente que o pedido formulado na acção nº 359/2000 é diverso do formulado nos presentes autos, sendo certo que é diferente o efeito jurídico pretendido pelos Autores em cada uma das acções: na presente acção pretendem a restituição daquilo com que a Ré se enriqueceu à sua custa, por força da realização de benfeitorias em imóvel de que eram comproprietários; na anterior acção, pretendiam a divisão, mediante adjudicação ou venda, do terreno e das benfeitorias.

Acresce que, ao contrário do que se referiu na decisão recorrida e ao contrário do que se fez constar em sede de factos provados, a sentença proferida na acção nº 359/2000 não julgou improcedente a pretensão dos AA. no sentido de lhes ser atribuído o direito a uma indemnização por enriquecimento sem causa, relativo a benfeitorias realizadas no prédio, obras de demolição que as precederam e custos inerentes à revogação de um contrato de arrendamento comercial vigente.

Tal sentença limitou-se a julgar a acção improcedente quanto à questão das benfeitorias, nela se referindo, expressamente, o seguinte:

“Pelas razões acabadas de expor, diferentemente, os autores poderiam ver reconhecido o seu direito à restituição da medida do seu próprio empobrecimento e do correlativo enriquecimento verificado no património, então, da 1ª ré (art. 473º do CC), correspondente a metade da quantia equivalente a 5.163.470$00.

Todavia, parece que tal direito não pode ser reconhecido no âmbito desta sentença, sob pena de violação do comando contido no art. 661º nº 1 do CPC, na medida em que a (pretendida) divisão dum prédio (urbano) é qualitativa e substancialmente diversa da condenação na restituição duma quantia em dinheiro.

Assim sendo, improcede necessariamente a pretensão formulada pelos autores e não pode ser reconhecido o seu direito à falada indemnização”.

  Ou seja, essa sentença julgou improcedente a pretensão formulada pelo autores – que consistia na divisão da benfeitoria – e, embora reconhecesse que aos autores poderia assistir o direito de ver reconhecido o seu direito à restituição por enriquecimento sem causa, considerou, expressamente, que esse direito não podia ser reconhecido nesses autos, porque essa pretensão não havia sido formulada nos autos.

É evidente, pois, que essa sentença não apreciou e não julgou improcedente esse direito dos Autores; antes referiu que não podia apreciar e reconhecer esse direito em virtude de a respectiva pretensão não ter sido formulada, sendo que a mesma era qualitativa e substancialmente diversa da pretendida divisão do prédio e esta era a única pretensão que havia sido deduzida nos autos.

É evidente, pois, que o pedido formulado em cada uma das acções é diferente, sendo igualmente evidente que a sentença proferida naquela acção não apreciou o pedido que é formulado nestes autos, razão pela qual não ocorre a excepção de caso julgado.

Alega a Recorrida que o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto – proferido naquela acção – atribuiu aos Autores o direito de reclamarem naquele processo as benfeitorias que alegaram segundo as regras do enriquecimento sem causa e, consequentemente, convidou-os a completarem a sua petição inicial, pelo que a sentença ali proferida – onde se decidiu que esse direito não podia ali ser reconhecido – é manifestamente contraditória com a decisão que constava do acórdão do Tribunal da Relação, quando é certo que o Juiz do processo estava vinculado a esta decisão. Porque os Autores não interpuseram recurso dessa decisão, não poderão agora formular idêntico pedido.

Não percebemos, contudo, onde pretende chegar a Recorrida com essa argumentação.

Importa dizer, em primeiro lugar, que a única decisão constante do referido Acórdão do Tribunal da Relação que tinha força de caso julgado formal – com força obrigatória e vinculativa dentro desse processo – consistia na necessidade de convidar o Autor para apresentar nova petição inicial nos termos que constavam dessa decisão (nada mais).

Em segundo lugar e sem entrar na questão de saber o que está subjacente ao citado Acórdão, importa dizer que, ainda que ali se tivesse sido considerado – como considera a Recorrida – que os Autores tinham o direito de reclamar nesse processo as benfeitorias segundo as regras do enriquecimento sem causa, a verdade é que os Autores não o fizeram, pois é certo que não formularam qualquer pretensão contra a Ré, no sentido de esta lhes restituir aquilo com que se havia enriquecido.

Por último, diga-se que, ainda que – como pretende a Recorrida – aquele Acórdão impusesse ao juiz de 1ª instância a obrigação de apreciar esse direito (e já vimos que não era o caso), a verdade é que a sentença proferida na 1ª instância não o apreciou (por considerar que não o podia fazer, por não ter sido formulado qualquer pedido nesse sentido) e esta decisão transitou em julgado, adquirindo força obrigatória dentro e fora do processo, nos termos do art. 671º do C.P.C..

Concluímos, pois, em face do exposto, que não ocorre a excepção de caso julgado, já que, não se verificando a identidade de pedidos que é pressuposto do funcionamento daquela excepção, a sentença proferida na acção nº 359/2000 não apreciou o direito e a pretensão que os Autores formulam na presente acção (restituição com base no enriquecimento sem causa emergente da realização de benfeitorias), limitando-se a apreciar a pretensão de divisão (mediante adjudicação ou venda) das benfeitorias, na medida em que esta era a única pretensão que aí havia sido formulada e, como tal, era a única que aí podia ser apreciada.    

   2. Subjacente ao presente litígio – incidente exclusivamente sobre a problemática da verificação ou inverificação da excepção de caso julgado – está a seguinte matéria fáctica:

   1. No âmbito do processo n.º 359/00, que correu termos no 2.º Juízo Cível do Tribunal da Comarca de Santo Tirso, intentado por AA e mulher, BB contra CC,FF, GG e HH, foi proferida decisão, transitada em julgado no dia 18.11.2004, na qual se condenou os RR. a reconhecer que o prédio misto sito no lugar do serro, Freguesia de Guidões, Concelho da Trofa, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 00000000000 e inscrito na matriz sob os artigos 121 urbano e 185 rústico é indivisível em substância, julgando-se improcedente a pretensão dos AA. no sentido de lhes ser atribuído o direito a uma indemnização por enriquecimento sem causa, relativo a benfeitorias realizadas no prédio, obras de demolição que as precederam e custos inerentes à revogação de um contrato de arrendamento comercial vigente.

2. No dia 1.7.2005, deu entrada em juízo a petição inicial dos presentes autos, movidos por AA e mulher, BB contra CC, peticionam aqueles que esta seja condenada a pagar-lhes a quantia de € 79.090,77, com fundamento em alegado enriquecimento sem causa.

Alegam os A. que A., a R. e um irmão de ambos, de nome II, adquiriram, na sequência do óbito do seu pai, por partilha e em partes iguais a nua propriedade do prédio misto sito no lugar do serro, Freguesia de Guidões, Concelho da Trofa, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 000000000 e inscrito na matriz sob os artigos 121 urbano e 185 rústico, tendo o usufruto do dito imóvel sido atribuído a JJ, viúva.

E “Porque se tratava de uma casa antiga, carente de conforto e melhores condições de comodidade e habitabilidade”, o A. e o irmão, II, procederam à demolição da mesma, com consentimento da R., suportando aqueles, na proporção de metade, os respectivos custos, assim como os inerentes à construção da actual casa e à revogação do contrato de arrendamento comercial relativo ao estabelecimento que existia no antigo prédio, tudo gastos que ascenderam a € 79.090,77.

Mais aduzem que, neste momento, o dito prédio vale 164.603,31 euros.

   3. Inconformados com o sentido decisório adoptado pela Relação, interpuseram os RR. o presente recurso, admitido como revista, em que pugnam pela verificação da excepção de caso julgado, encerrando a respectiva alegação com as seguintes conclusões:

   1-     Na acção de divisão de coisa comum que correu termos sob o n° 359/2000 pelo 2º  Juízo Cível de Santo Tirso, os autores pugnaram por ver apreciada, também, a questão das benfeitorias, tendo até interposto recurso de agravo de decisão que negara essa pretensão e não reconhecera, na sua petição, existir qualquer pedido ou reclamação de benfeitorias e de indemnização.

2-        Ganharam o recurso, foi levada essa matéria à base instrutória, foi apreciada a questão na sentença, que não condenou os réus no pedido de pagamento de qualquer indemnização, sentença de que os autores que não recorreram, transitando em julgado, fora e dentro do processo, nos termos do artigo 671° e 673° do CPC.

3-        Salvo o devido respeito, é manifesto que ocorre a repetição de uma causa, pois os autores voltaram a pedir as mesmas benfeitorias, voltaram a alegar os mesmos factos, voltaram a reclamar os mesmos valores, que já lhes tinham sido negados.

4-        Bem ou mal, o facto é que os autores não recorreram da decisão que lhes negou essa pretensão, como podiam e deviam, se pretendiam ser indemnizados pelas benfeitorias com base no enriquecimento sem causa, como pugnavam naquela acção.

5-        Ao entender não verificada a excepção do caso julgado, o acórdão em crise violou o disposto no artigo 673° do Código de Processo Civil, fazendo uma interpretação demasiado literal do mesmo.

6-        A questão da indemnização pelas benfeitorias, com base no enriquecimento sem causa, nos termos definidos pelo Ac. Relação de 30/04/2002, proferido na acção n° 359/2000, passou a ser questão conexa com a relação material controvertida e a estar contida no pedido.

7-        Nos limites objectivos do caso julgado material incluem-se todas as questões e excepções suscitadas e solucionadas, ainda que implicitamente, na sentença.

8-        É manifesto que o tribunal se vai confrontar com a apreciação de uma questão já anteriormente apreciada, o que põe em causa, além da segurança e certeza jurídicas, o prestígio das instituições judiciárias.

TERMOS EM QUE SE IMPÕE A REVOGAÇÃO DA DECISÃO E A SUA SUBSTITUIÇÃO POR OUTRA QUE JULGUE VERIFICADA E PROCEDENTE A EXCEPÇÃO, COM AS LEGAIS CONSEQUÊNCIAS, POR SER DE LEI E DE DIREITO.

Termos ainda em que, estando em causa o caso julgado quanto ao processo que pendeu pelo 2o Juízo Cível de Santo Tirso, sob o n° 359/2000, e para maior acuidade e rigor na análise e verificação das súmulas e transições dele retiradas, quer nas decisões proferidas, quer nas alegações apresentadas, requer, ao abrigo do disposto no artigo 265° do C.P.C., a sua requisição ao Tribunal Judicial da Comarca de Santo Tirso, a título devolutivo.

   Os recorridos pugnam pela manutenção da solução adoptada no acórdão recorrido.

   Note-se liminarmente que não vemos fundamento para requisitar, como sugerem os recorrentes, a acção de divisão de coisa comum que correu termos entre as partes, já que, como adiante se demonstrará, os elementos documentados nos autos são perfeitamente suficientes para a apreciação da questão da verificação ou inverificação da excepção dilatória de caso julgado.

   Por outro lado, sendo a excepção de caso julgado uma excepção dilatória, a decisão da Relação que considera que a mesma se não verifica, revogando consequentemente o saneador que havia decretado a absolvição dos RR da instância e limitando-se a ordenar o normal prosseguimento da acção, não decide obviamente do mérito da causa, nos termos a que alude o art. 721º do CPC, na versão anterior ao DL 303/07; e, por outro lado, o fundamento específico da impugnação deduzida pelo recorrente não é, neste peculiar circunstancialismo, a violação de lei substantiva, mas antes – e apenas - a violação das normas processuais atinentes à delimitação do âmbito de tal excepção dilatória .

   Tal implicaria a reconfiguração do recurso como agravo em 2ª instância, por o mesmo se reportar exclusivamente a uma questão adjectiva ou procedimental : tendo, porém, em conta que o acesso ao Supremo sempre estaria assegurado, por o fundamento específico da impugnação ser a pretensa violação de caso julgado pelo acórdão recorrido ( art. 678º, nº2, conjugado com o nº3 do art. 752º do CPC, na mesma versão ) e tendo em conta que o anterior relator já havia proferido despacho de apreciação liminar do recurso, a fls. 395, entende-se não ter utilidade a suscitação da referida questão prévia da espécie de recurso adequada, por a mesma não ter relevo efectivo na matéria a decidir.

   4. Como é evidente, restringindo-se o objecto do recurso à questão da verificação ou inverificação da excepção dilatória de caso julgado - e estando em causa apenas a questão da identidade objectiva entre a presente acção ordinária e a acção de divisão de coisa comum que anteriormente correu termos entre as partes – são duas a questões fundamentais a apreciar e decidir:

- poderá considerar-se que, naquela primeira acção de divisão de coisa comum, foi proferida - sobre a matéria atinente ao pretenso enriquecimento sem causa -  decisão de mérito, apreciando a substância de tal relação material controvertida – já que obviamente só nesse caso estaria preenchida a figura do caso julgado material, invocável entre as mesmas partes numa outra acção, nos termos do art. 671º do CPC?

- deverá considerar-se que os pedidos formulados na referida acção de divisão de coisa comum, na parcela respeitante às invocadas benfeitorias, e na presente acção de condenação são idênticos, nos termos exigidos pelo art. 498º, nº3, do CPC?

   Importa, para decidir adequadamente tais questões, proceder a uma análise cuidadosa e aprofundada, quer do teor da sentença proferida naquela acção, quer das pretensões ali formuladas ( no articulado originariamente apresentado e, depois, na versão corrigida, em consequência do convite ao aperfeiçoamento formulado à parte), comparando-as com a pretensão deduzida na presente causa.

   Assim:

- na originária petição inicial de divisão de coisa comum, formulavam os AA o pedido de divisão do imóvel comum, a qual, na sua óptica, implicaria, quer a divisão do terreno, quer a divisão das benfeitorias nele realizadas, decorrentes da  implantação de uma casa nova e mais ampla no local onde existiria uma construção antiga, tendo sido  as despesas da reconstrução suportadas exclusivamente pelo A e por um seu falecido irmão ( fls. 51/53);

- inconformados com a decisão que se limitou a fixar os quinhões no bem objecto da divisão de acordo com a situação de compropriedade existente, marcando data para a conferência de interessados naquele processo especial, agravaram os AA, na parte em que tal despacho não admitia a divisão das benfeitorias por eles pretendida – tendo a Relação determinado que, não sendo tal pedido de divisão das benfeitorias de configurar como manifestamente inviável, deveriam os AA ser convidados a completar a respectiva petição inicial, especificando qual o valor do prédio sem as benfeitorias, qual o valor com as benfeitorias e qual o montante gasto com estas;( fls. 39/40)

- concretizado tal convite ao aperfeiçoamento, apresentaram os AA. nova petição, especificando os valores a que a Relação aludira, mas mantendo exactamente o pedido originariamente formulado de exigir judicialmente a divisão do descrito terreno e das aludidas benfeitorias, nos termos dos arts. 1412º, nº1 e 1413º, nº1, do CC e 1052º do CPC, sustentando ainda que , não sendo tais bens divisíveis em substância, deveria ser adjudicado ou vendido, nos termos do nº2 do art. 1056º do CPC;( fls. 126/128)

-foi proferida sentença em que se reconheceu apenas que o prédio em causa era indivisível em substância, afirmando-se, no que se refere à matéria das invocadas benfeitorias, após notar que a petição corrigida continuava a conter matéria pouco concretizada no que se refere ao pedido de divisão das benfeitorias, que a pretensão dos AA não tem qualquer suporte legal, acrescentando ( fls. 12):

   Pelas razões acabadas de expor, diferentemente, os autores poderiam ver reconhecido o seu direito à restituição da medida do seu próprio empobrecimento e do correlativo enriquecimento verificado no património, então, da 1ª ré (art. 473º do CC), correspondente a metade da quantia equivalente a 5.163.470$00.

   Todavia, parece que tal direito não pode ser reconhecido no âmbito desta sentença, sob pena de violação do comando ínsito no art. 661º, nº1, do CpC, na medida em que a (pretendida) divisão dum prédio urbano é qualitativa e substancialmente diversa da condenação na restituição duma quantia em dinheiro.

   Assim sendo, improcede necessariamente a pretensão formulada pelos autores e não pode ser reconhecido o seu direito à falada indemnização;

- na presente acção, os AA abandonam claramente a pretensão de divisão das benfeitorias realizadas a suas expensas, deduzindo um vulgar pedido de enriquecimento sem causa, estribado na verificação dos pressupostos constantes do art. 473º, nº1 do CC:

   Ora, como se decidiu no Ac. de 03-02-2011, proferido no P. 190-A/1999.E1.S1:

   Num recurso fundado em violação do caso julgado, tem necessariamente o Tribunal «ad quem» de começar por determinar qual é – segundo os critérios interpretativos que devem ser utilizados para determinar o sentido de uma sentença – o âmbito possível de tal operação interpretativa, excluindo aqueles sentidos normativos que extravasem o âmbito consentido a uma actividade interpretativa, levando a alcançar e imputar-lhe sentidos decisórios que a sentença interpretada manifestamente não pode comportar.

   Importa, pois, proceder a uma interpretação adequada da decisão ínsita na sentença proferida na referida e prévia acção de divisão de coisa comum, de modo a verificar se nela foi, de algum modo, dirimida a questão colocada ao tribunal nesta segunda acção de enriquecimento sem causa : e a resposta não pode deixar de ser negativa, já que naturalmente naquela primeira acção o tribunal, em conformidade com o princípio dispositivo, se limitou a dar resposta à questão que lhe tinha sido efectivamente colocada – a da existência de um direito à divisão das benfeitorias custeadas exclusivamente por algum ou alguns dos comproprietários ; ou seja, o pedido formulado naquela acção não era obviamente um pedido de restituição de certa quantia pecuniária, à sombra da figura do enriquecimento sem causa, mas antes o de, ao definir as quotas dos vários comproprietários no imóvel comum, se terem em conta os valores dispendidos na reconstrução do prédio urbano ( pretendendo-se, em termos substanciais, obter no âmbito da divisão de coisa comum um resultado análogo ao que está previsto em sede de partilha de patrimónios colectivos, operando-se uma espécie de mecanismo de «compensação» semelhante, por ex., ao que decorre da previsão normativa do art. 1726º, nº2, do CC).

   E foi naturalmente esta específica e peculiar pretensão que a sentença proferida considerou improcedente, tendo o cuidado de realçar que uma outra via jurídica possível para os AA. alcançarem um resultado prático ou económico semelhante ou equiparável, expressa na dedução de um pedido de restituição fundado directamente no instituto do enriquecimento sem causa, extravasava o objecto do processo, não podendo, consequentemente, ser apreciado, sob pena de o tribunal condenar em objecto diverso do que fora pedido, em frontal violação do princípio dispositivo.

   Note-se, aliás, que – sendo a acção de divisão de coisa comum um processo especial, a dedução de uma pretensão de restituição à sombra do instituto do enriquecimento sem causa – idêntica à formulada na presente acção – sempre se defrontaria com um obstáculo procedimental, decorrente de esta pretensão dever ser apreciada nos quadros do processo comum de declaração – pressupondo, pelo menos, que o juiz excepcionalmente tivesse autorizado tal cumulação de pedidos processualmente incompatíveis, ao abrigo da norma constante dos arts. 470º, nº1, e 31º do CPC, o que manifestamente não ocorreu.

   Aliás, tal situação de possível incompatibilidade de pretensões foi suscitada pelos RR. na referida acção de divisão de imóvel comum, procurando configurar o referido pedido de divisão de benfeitorias como se de uma acção de restituição, fundada no enriquecimento sem causa , se tratasse ; e tal questão foi ali expressamente abordada e decidida, afirmando-se no acórdão proferido pela Relação, reproduzido a fls. 39 verso:

    Ora, não obstante o facto de os Autores alegarem, de facto, a construção, em substituição da antiga habitação, de outra mais ampla e de aduzirem que a benfeitoria ao prédio assim constituída foi suportada unicamente por si próprios e pelo seu irmão II, a verdade é que, a final, nada pedem nesse contexto.

Isto é   nem      reclamam  benfeitoriasnem indemnização pelas  mesmas  nem.  sequer,  a  declaração  do montante ou percentagem em que para as mesmas contribuíram.

Pedem, tão só, a divisão do prédio descrito sob os artigos 121 urbano e 185 rústico e sob o n.º 0000000000 na C. R. Predial de Santo Tirso, bem como das respectivas benfeitorias (sublinhado nosso).

Ora, sendo as  ditas benfeitorias inseparáveis  do prédio  a  dividir  por  se  consubstanciarem  na  casa   de habitação  que constitui o seu  artigo urbano, é  manifesto que o pedido de divisão do prédio - de que são proprietários Autores e Réus -  é cabível na  presente forma especial não tendo sido deduzidos pedidos incompatíveis ou insusceptíveis de se conterem nesta forma especial. O processo é o  próprio e válido."

   São, deste modo, pedidos diferentes os de divisão de benfeitorias custeadas exclusivamente por um dos comproprietários no imóvel comum  ( pretendendo-se através da sua dedução «corrigir» as quotas de cada um dos comproprietários no bem comum, em função das despesas por ele suportadas em exclusivo e que ditaram valorização relevante do objecto da compropriedade) e o de restituição das quantias pecuniárias por eles dispendidas com a valorização do bem comum, dividido ou adjudicado segundo as quotas que  estritamente resultavam do título constitutivo da compropriedade, com total desconsideração do valor das benfeitorias custeadas pelos vários sujeitos da compropriedade , pelo que naturalmente a improcedência daquela primeira pretensão, efectivamente formulada e apreciada na acção prévia de divisão da coisa comum, não preclude aos interessados a possibilidade de, em ulterior acção, processada nos termos do processo comum de declaração, formularem um pedido de restituição baseado na verificação dos pressupostos da figura do enriquecimento sem causa.

   É que, para além de se tratar de pedidos diferentes, visando obter efeitos jurídicos diferenciados, na óptica do art. 498º, nº3, do CPC, importa realçar que o próprio tribunal, ao apreciar a referida acção especial, expressamente excluiu qualquer possibilidade de reconfiguração de tal pedido, convolando da referida petição de divisão das benfeitorias para um pedido de restituição do respectivo valor pecuniário – o que naturalmente sempre impediria que tal matéria se pudesse ter por definitivamente resolvida: como refere Castro Mendes ( Limites Objectivos do Caso Julgado, pag.297), se o tribunal afastar, ainda que erroneamente, certa possibilidade do campo dos seus poderes de cognição, essa possibilidade fica fora do domínio do caso julgado e aberta a nova acção. A sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga, segundo diz o proémio do art. 673. E a impossibilidade de fazer valer a referida alternativa, primeiro por (eventual) erro do juiz, depois por caso julgado onde aquele nada julgou, teria o sabor de denegatio justiciae .

   5. Nestes termos e pelos fundamentos apontados, nega-se provimento ao recurso, tendo-se por inverificada a excepção dilatória de caso julgado.

   Custas pela recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário que lhe foi concedido.

Lisboa, 29 de Setembro de 2011

Lopes do Rego (Relator)

Orlando Afonso

Távora Victor