Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
7004/19.8T8VNF.G1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: JOÃO CURA MARIANO
Descritores: PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
AÇÃO DE DESPEJO
CRÉDITO
JUROS DE MORA
SANÇÃO PECUNIÁRIA COMPULSÓRIA
AÇÃO EXECUTIVA
AÇÃO DECLARATIVA
SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA
DEVEDOR
COBRANÇA DE DÍVIDAS
FIADOR
Apenso:
Data do Acordão: 04/21/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I. A extinção das ações em curso aquando do início do PER, movidas contra o devedor para cobrança de dívidas, em consequência da homologação judicial de um plano de recuperação, tem a sua razão de ser no facto desse plano redefinir o modo de satisfação daquelas dívidas, podendo, inclusive, modificar o conteúdo das prestações obrigacionais, o que determina uma impossibilidade de prosseguir um litígio que deixou de ter a sua causa, verificando-se um fenómeno extintivo semelhante ao que ocorre nas transações judiciais.

II. Sendo este o fundamento dos efeitos processuais extintivos da homologação do plano revitalizador, apenas devem considerar-se abrangidos por essa consequência os processos, nos quais se exerçam judicialmente os direitos de crédito sobre o devedor afetados pelas medidas previstas no plano, sendo irrelevante se essas ações são do tipo executivo ou meramente declarativas.

III. Se não é preciso um credor participar na negociação e na aprovação do Plano para ver o seu crédito afetado pelas medidas nele contidas é, contudo, necessário que lhe tenha sido dada essa oportunidade, ou porque o crédito foi reconhecido no PER ou porque, apesar de não o ter sido, após impugnação, o juiz lhe conferiu essa possibilidade, nos termos do artigo 17.º-F, n.º 5, do CIRE.

IV. Não deixam de estar nesta situação os titulares dos créditos parcialmente reconhecidos.

V. Deve ser declarada extinta, nos termos do artigo 17.º - E, n.º 1, do CIRE, uma ação de despejo movida contra uma sociedade, com fundamento na falta de pagamento de rendas, quando essa sociedade foi objeto de um plano de revitalização aprovado e homologado num PER que perdoou 80% do valor das rendas em dívida e diferiu para momento futuro o pagamento dos restantes 20%.

Decisão Texto Integral:

I – Relatório

Os Autores propuseram ação de despejo contra os Réus, deduzindo os seguintes pedidos:

A) Seja declarada a resolução imediata do contrato de arrendamento identificado nos artigos 1º a 11º da petição inicial, objeto dos presentes autos, por falta de pagamento das rendas vencidas e vincendas supra referidas nos artigos 12º a 21º da petição inicial, e consequentemente;

B) Sejam os 1º, 2º e 3º réus solidariamente condenados ao despejo imediato e à entrega imediata aos autores do local arrendado, deixando-o livre e devoluto de pessoas e bens e na configuração e estado original do locado, no prazo máximo de oito dias contados desde o transito em julgado da sentença;

C) Sejam os 1º, 2º e 3º Réus solidariamente condenados, no pagamento aos autores, das seguintes quantias:

a) das rendas vencidas e não pagas até ao momento no montante total de 16.800,00€ (Dezasseis Mil e Oitocentos Euros) correspondente à soma das rendas já vencidas e não integralmente pagas, identificadas nesta petição inicial (Janeiro, Fevereiro, Março, Abril, Maio, Junho, Julho, Agosto, Setembro e Outubro, Novembro e Dezembro de 2019 = 12 rendas x 1.400,00€= 16.800,00€);

b) bem como a quantia que se vier a apurar a título de todas rendas que se vierem a vencer na pendência desta ação e até efetiva entrega do imóvel/locado livre e devoluto de pessoas e bens;

c) bem como ainda dos juros moratórios vencidos e vincendos, calculados à taxa legal em vigor e contados desde o dia da constituição em mora sobre cada uma das rendas vencidas e não pagas e até efetivo e integral pagamento;

D) Sejam os 1.º, 2.º e 3.º réus solidariamente condenados no pagamento dos autores de 50% sobre o valor da última renda, por cada dia de atraso no cumprimento das obrigações que lhe vierem a ser impostas pela sentença que vier a ser proferida e a partir do 8.º dia contado desde o trânsito em julgado da sentença.

Apenas contestou o Réu DD, impugnando a factualidade alegada pelos Autores, tendo concluído pela improcedência da ação e pela condenação destes como litigantes de má fé.

Os Autores responderam, invocando a extemporaneidade da contestação apresentada e concluindo como na petição inicial.

Por requerimento de 19.10.2020, os Autores, invocando que os Réus não apresentaram prova de que efetuaram o depósito liberatório ou consignaram em depósito as somas devidas e relativas às rendas em atraso desde Janeiro de 2020 a Outubro de 2020 (10 meses de rendas vencidas e não pagas) e a respetiva indemnização, vieram requerer o despejo imediato.

Idêntico requerimento foi efetuado pelos Autores, em 05.04.2021, agora com fundamento de que os Réus não apresentaram prova de que efetuaram o depósito liberatório ou consignaram em depósito as somas devidas e relativas às rendas em atraso, desde Dezembro de 2018 a Dezembro de 2019 (13 meses de rendas vencidas e não pagas) e desde Janeiro de 2020 a Abril de 2021 (16 meses de rendas vencidas e não pagas) e a respetiva indemnização, não obstante citados para os termos da presente ação em 21.11.2019 e notificados através das notificações judiciais avulsas de 14.10.2029 (junta com a petição inicial) e novas notificações judiciais avulsas de 02.12.2020 e 05.12.2020.

Em sede de audiência prévia, realizada a 07.04.2021, foi proferido despacho em que o tribunal a quo, após analisar diversa jurisprudência relevante para o caso, concluiu que o processo de revitalização conduz à suspensão, não só das ações executivas, mas igualmente das ações declarativas de cobrança de dívidas contra a sociedade devedora e, como tal, declarou a suspensão do prazo para os Réus contestarem a presente ação, desde 30.12.2019, assim julgando improcedente a alegada intempestividade da apresentação da contestação do Réu DD.

No mesmo ato foi proferido o seguinte despacho:

“Dos efeitos, na presente ação, da homologação do plano

Nos termos e com os fundamentos expostos no despacho precedente, que por economia de meios aqui se dão por integralmente reproduzidos, a que acresce a circunstância de ter transitado em julgado a sentença proferida a 20.08.2020 que homologou o plano de revitalização da Ré “M..., Limitada” (cfr. certidão junta as autos) no qual se não mostra salvaguardada a continuação a presente ação, o disposto nos artigos 17.º-E, n.º 1 e 222.º-E, n.º 1, do CIRE e a jurisprudência fixada pelo Acórdão n.º 1/2014 do Plenário das Secções Cível e Social do Supremo Tribunal de justiça (in DR, I Série, n.s 39, 25.02.2014), julgo extinta a instância por inutilidade superveniente da lide (cfr. art.º 277.º, al. e) do CPC).

Custas em partes iguais, por Autores e Réus (cfr. artigo 536.º, nºs. 1 e 2 al. e), ambos do CPC).

Os Autores interpuseram recurso de apelação desta última decisão, tendo sido proferido acórdão pelo Tribunal da Relação ..., em 23.09.2021, julgando improcedente o recurso.

Os Autores interpuseram recurso de revista excecional para o Supremo Tribunal de Justiça, o qual foi admitido pela Formação a que alude o artigo 672.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, por acórdão proferido em 09.02.2022.

São as seguintes as conclusões do recurso de revista:

1) Nos termos do disposto no artigo 17.º-E, n.º 1, do CIRE, a …decisão a que se refere o n.º 4 do artigo 17.º-C obsta à instauração de quaisquer ações para cobrança de dívidas contra a empresa e, durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, suspende, quanto à empresa, as ações em curso com idêntica finalidade, extinguindo-se aquelas logo que seja aprovado e homologado plano de recuperação, salvo quando este preveja a sua continuação.

2) A norma em apreço deve ser interpretada no sentido de abranger apenas as ações executivas, ficando excluídas as ações declarativas.

3) Em termos técnico-jurídicos, o ato cobrança de dívida pressupõe a certeza liquidez e a exigibilidade do crédito a satisfazer, delimitando-o da titularidade de um direito controvertido, a reclamar ponderada e definitiva dilucidação, o que só pode realizar-se em momento logicamente prévio ao da respetiva efetivação coerciva;

4) Não se alcança nem se compreende a motivação subjacente ou o objetivo primordial que teriam levado o legislador, no âmbito do processo especial de revitalização, a impor automaticamente o efeito extintivo da instância relativamente a ações judiciais destinadas unicamente à definição e afirmação dos direitos/deveres das partes, e que não se encontram diretamente vocacionadas para a afetação/oneração do património do revitalizado;

5) Não se descortina de que modo a pendência de uma acção declarativa poderá contender com as negociações entabuladas entre o candidato a revitalizado e os seus credores participantes nesse processo;

6) Neste sentido e contexto, não se poderão olvidar as consequências profundamente penosas para os titulares de créditos litigiosos que tenham sido, por hipótese, impugnados no âmbito do processo especial de revitalização e excluídos da lista definitiva apresentada pelo administrador provisório, os quais – por via do defendido efeito de extinção da respetiva instância declarativa – se veem remetidos para um exaustivo processo de repetição de esforços com vista ao reconhecimento do seu crédito, gerador de multiplicação de gastos, uma espécie de via sacra desesperante e totalmente incompreensível para o comum destinatário do sistema de justiça;

7) Só muito excecionalmente, nas situações tipicamente enunciadas na lei, e fora de qualquer dúvida, poderá o Tribunal deixar conhecer do fundo da causa, optando por uma solução tabelar, cominatória ou estritamente formalista (sempre penalizadora, impenetrável, opaca).

8) O Plano de revitalização junto ao processo especial de revitalização que com o processo n.º 7903/19.... correu termos pelo Juízo de Comércio ... – J... - Tribunal Judicial da Comarca ..., prevê apenas e tão só pagamento dos créditos reconhecidos, incluindo os não reclamados mas relevados na contabilidade da Sociedade ou conhecidos de outra forma, vencidos até:

a) 30/12/2019 (data da prolação do despacho de admissão do processo especial de revitalização que com o processo n.º 7903/19.... correu termos pelo Juízo de Comércio ... – J... – Tribunal Judicial da Comarca ...), ou na melhor das hipóteses até,

b) 02/09/2020 (data da prolação da douta sentença homologatória o plano de revitalização da Ré M..., Limitada.).

9) O mesmo plano de revitalização não se faz qualquer referência nem abarca, sob pena de cair no absurdo, os futuros créditos de fornecedores e outros credores que se venham a vencer após essas datas, e que sejam a partir dessas mesmas datas certos, líquidos e exigíveis.

10) Nessa hipótese, ainda que absurda, à devedora M..., Limitada, seria passada “carta branca” para pura e simplesmente não pagar o que já deve (contemplado no plano de revitalização) e ainda o que venha a dever no futuro a quaisquer fornecedores (ex. trabalhadores, energia elétrica, telecomunicações, consumíveis, rendas, fornecedores de carne, produtos alimentares e bebidas, nomeadamente, carne e produtos a base de carne, produtos hortícolas, frutícolas, peixe, crustáceos e moluscos, etc…).

11) Ou seja, a devedora, com a sua atitude de não querer pagar o que já deve (contemplado no plano de revitalização), bem como ainda de não querer pagar o que vier a dever a fornecedores e outros credores, das duas uma, ou irá beneficiar uns em detrimento dos outros sob pena de incorrer em responsabilidade criminal, ou pura e simplesmente não irá pagar a quaisquer um deles e logo não terá quaisquer fornecedores que queiram manter quaisquer relações comerciais com a mesma,

12) E dessa forma, sem matéria prima, sem energia elétrica, sem consumíveis, etc..., estaria assim a dar um tiro no pé no sentido de pura e simplesmente não ser viável a sua a recuperação.

13) O despacho de admissão do processo especial de revitalização que com o processo n.º 7903/19.... correu termos pelo Juízo de Comércio ... – J... - Tribunal Judicial da Comarca ..., foi proferido em 30/12/2019.

14) As rendas vencidas e não pagas pelos 1º, 2º e 3º Réus, respetivamente na qualidade de arrendatária e fiadores e principais pagadores, e que foram reclamadas pelos Autores e reconhecidas no referido processo especial de revitalização, dizem respeito apenas e tão só às rendas vencidas e não pagas referente aos meses de março a dezembro de 2019.

15) Em 20/08/2020, por douta sentença, notificada às partes em 02/09/2020 e já transitada em julgado, foi homologado o plano de revitalização da Ré M..., Limitada.

16) Os Autores fundamentam a sua pretensão na falta de pagamento de rendas vencidas e não pagas no período compreendido entre dezembro de 2018 a Outubro de 2019 (cfr. artigo 12 da PI),

17) Bem como na falta de pagamento de rendas que se venceram subsequentemente e relativas aos meses de Novembro e Dezembro de 2019 e que não foram pagas por nenhum dos Réus (cfr. artigo 15 da PI),

18) Bem como ainda na falta de pagamento de rendas entretanto vencidas e não pagas e das rendas que, entretanto, se têm vencido e a vencer na pendência desta ação até efetivo despejo e que não pagas por nenhum dos 1º, 2º e 3º Réus (cfr. artigo 32 da PI).

19) Reitera-se que a 1ª Ré/Arrendatária bem como os 2º e 3º Réus/Fiadores, estão solidariamente obrigados a liquidar as referidas rendas aos Autores/Senhorios até ao primeiro dia útil do mês anterior aquele a que cada uma dissesse respeito (cfr. clausula 6.ª do doc. n.º 1).

20) Nesse sentido, os Autores/Senhorios, em 14/10/2019 (conforme notificações judiciais avulsas juntas aos presentes autos com a PI sob o doc. n. 2), bem como novamente e respetivamente em 05/12/2020, 05/12/2020 e 02/12/2020 notificaram a 1ª Ré/Inquilina bem como 2º e 3º Réus/Fiadores, através de Notificação Judicial Avulsa, comunicando-lhes expressamente o seguinte:

a) Os Autores AA e esposa BB consideram resolvido o contrato de arrendamento para Fim Não Habitacional Exercício De Industria com Fiança de duração limitada celebrado em 20 de Julho de 2018 entre os mesmos na qualidade de senhorios e a 1ª Ré M..., Limitada na qualidade de arrendatária e do qual são fiadores e principais pagadores os 2º e 3ª Réus CC DD melhor identificados no artigo 9. da mesma notificação, referente à cave e rés- do-chão do prédio urbano composto por edifício de cave e rés-do-chão, destinada a uma industria de fumeiro, sito na Travessa ..., freguesia ..., concelho ..., inscrito na respetiva matriz urbana sob o artigo ...26º e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...04 - ..., com o alvará de licença de utilização n.º ...10, emitido em 20/09/2010 pela Câmara Municipal ...;

b) Para evitarem que a presente resolução produza efeitos, deveria a 1ª Ré M..., Limitada na qualidade de arrendatária e/ou 2º e 3ª Réus CC DD na qualidade de fiadores e principais pagadores regularizarem o pagamento de todas das rendas em atraso até ao 1.º mês seguinte ao recebimento dessas notificações judiciais avulsas;

c) Caso tal não sucedesse, deveria a 1 ª Ré/arrendatária Motivos Predilectos, Limitada, desocupar o local arrendado no mesmo prazo, o qual deverá ser entregue pela 1º Ré aos Autores completamente livre de pessoas e bens e no estado de conservação em que se encontrava aquando da celebração do mesmo contrato de arrendamento, nos termos previstos na clausula 19ª do contrato de arrendamento celebrado em 20 de Julho de 2018 entre os Autores na qualidade de senhorios e a 1ª Ré Motivos Predilectos, Limitada na qualidade de arrendatária e os 2º e 3º Réus CC DD na qualidade de fiadores e principais pagadores, sem direito a qualquer indemnização;

d) Mesmo para a hipótese de a 1ª Ré/Arrendatária Motivos Predilectos, Limitada e/ou os 2º e 3º Réus CC DD na qualidade de fiadores e principais pagadores, regularizarem o pagamento de todas as rendas em atraso até ao 1.º mês seguinte ao recebimento desta notificação, os Autores, comunicaram desde logo e pelas presentes notificações judiciais avulsas a vontade da não renovação automática do contrato de arrendamento para Fim Não Habitacional Exercício De Industria com Fiança de duração limitada celebrado em 20 de Julho de 2018, referente ao local arrendado acima melhor identificado em 1.º e 2.º das Notificações Judiciais Avulsas, celebrado entre os mesmos na qualidade de senhorios e a 1ª Ré Motivos Predilectos, Limitada na qualidade de arrendatária e os 2º e 3º Réus CC DD na qualidade fiadores e principais pagadores, pelo que o mesmo contrato de arrendamento cessará os seus efeitos no dia 31/07/2023 data em que o local arrendado deverá ser entregue pela 1ª Ré aos Autores completamente livre de pessoas e bens e no estado de conservação em que se encontrava aquando da celebração do mesmo contrato de arrendamento, nos termos previstos na clausula 19ª do contrato de arrendamento celebrado em 20 de Julho de 2018 e entre os Autores na qualidade de senhorios e a 1ª Ré Motivos Predilectos, Limitada na qualidade de arrendatária e os 2º e 3º Réus CC DD, na qualidade fiadores e principais pagadores, sem direito a qualquer indemnização (tudo conforme cópia das mesmas notificações judiciais avulsas cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os devidos efeitos legais sob os doc.s n.ºs 1, 2 e 3 juntos aos autos com o requerimento junto aos autos em 05/04/2021 coma refª citius ...

21) Sucedeu, porém, que os 1º, 2º e 3º Réus, respetivamente nas qualidades de arrendatária e fiadores e principais pagadores, apesar citados da presentes Petição Inicial em 21/11/2019, bem como notificados das Notificações Judiciais Avulsas juntas aos presentes autos com a PI sob o doc. n. 2 em 14/10/2019, bem como ainda novamente notificados das Notificações Judiciais Avulsas ora juntas aos autos sob os doc.s n.ºs 1, 2 e 3 em 05/12/2020, 05/12/2020 e 02/12/2020,

22) Não apresentem prova de que efetuaram o depósito liberatório ou consignaram em depósito as somas devidas e relativas às rendas em atraso desde Dezembro de 2018 a Dezembro de 2019 (13 meses de rendas vencidas e não pagas) e desde Janeiro de 2020 a Abril de 2021 (16 meses de rendas vencidas e não pagas) e a respetiva indemnização (nos termos previstos nos artigos 1.048 e 1.041 ambos do Código Civil),

23) Motivo pelo qual desde já se requer a V.Ex.a que seja decretado o despejo imediato nos termos do disposto nos artigos 14º, n.º 5, 15º, n.º 7, 15º- J, 15º-K e 15º- L do NRAU.

24) Pelas razões de facto e de direito supra expostas, deverá o presente Recurso de Revista ser julgado totalmente procedente por provado, devendo o Douto Despacho Judicial ora recorrido proferido nos presentes autos datado de 07/04/2021 com re..., o qual julgou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide (cfr. art.º 277º, al.ª e) do CPC), ser revogado e substituído por Douto Acórdão que ordene o normal prosseguimento dos autos, decretando o despejo imediato nos termos do disposto nos artigos 14º, n.º 5, 15º, n.º 7, 15º- J, 15º-K e 15º- L do NRAU, ou a prolação do douto despacho saneador a identificar o objeto do litígio e enunciar os temas da prova (com recurso à divisão da matéria assente e da factualidade a provar).

25) O Douto Acórdão do Tribunal da Relação ... ora recorridos e o Douto Despacho Judicial ora recorrido, violaram entre outras que V.Ex.as mui doutamente suprirão, as seguintes disposições legais: 277º, al.ª e) do CPC, 17.º-E, n.º 1, do CIRE, 14º, n.º 5, 15º, n.º 7, 15º- J, 15º-K e 15º- L do NRAU

TERMOS EM QUE deverá o presente recurso de revista ser julgado totalmente procedente por provado, devendo o douto Acórdão do Tribunal da Relação ... bem como o douto despacho judicial ora recorridos proferido nos presentes autos datado de 07/04/2021 com referência Citius ..., o qual julgou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide (cfr. art.º 277º, al.ª e) do CPC), serem revogados e substituídos por douto acórdão que ordene o normal prosseguimento dos autos, decretando o despejo imediato nos termos do disposto nos artigos 14º, n.º 5, 15º, n.º 7, 15º- j, 15º-k e 15º- l do NRAU, ou a prolação do douto despacho saneador a identificar o objeto do litígio e enunciar os temas da prova (com recurso à divisão da matéria assente e da factualidade a provar).

Não foram apresentadas contra-alegações.

                                               *

II – Objeto do recurso

Tendo em consideração as conclusões das alegações de recurso e o conteúdo da decisão recorrida, cumpre averiguar se a sentença homologatória do plano de revitalização da Ré M..., Limitada, tem como consequência a extinção da presente ação de despejo.

                                               *

III – Factos provados

Da consulta do processo especial de revitalização da 1.ª Ré mostram-se provados os seguintes factos processuais:

1. A 1.ª Ré, em 27.12.2019, propôs Processo Especial de Revitalização no Juízo de Comércio ... (processo n.º 7903/19...., do juiz ...).

2. Por despacho proferido a 30.12.2019 foi nomeado administrador judicial provisório.

3. Em 04.02.2020, o Administrador Judicial juntou a relação provisória de credores, nos termos do artigo 17.º-D, n.º 2, in fine e n.º 3, de onde constava um crédito dos Autores, no valor de 18.200,00 €, relativo a “contrato de arrendamento”.

4. A 1.ª Ré, por requerimento de 18.02.2020, veio impugnar este crédito, requerendo que o mesmo fosse reduzido para 10.050,00 €.

5. Após pronúncia do administrador judicial, concordante com a impugnação, foi proferido despacho em 16.04.2020 que determinou a “correção” daquele crédito para o valor de 10.050,00 €.

6. Em 01.09.2020 foi proferida sentença, a qual transitou em julgado em 22.09.2020, que homologou o plano de revitalização da sociedade Ré Motivos Prediletos, Limitada.

7. Além do mais, constava o seguinte desse plano, relativamente aos créditos das “Instituições Financeiras e de Crédito e créditos dos restantes credores e/ou fornecedores”:

O reembolso de 20% do valor dos créditos a pagar a esses credores ocorrerá durante um período de 8 (oito) anos, através de 16 (dezasseis) prestações semestrais e sucessivas, vencendo-se a primeira no dia 15 de junho de 2022 e as restantes no mesmo dia após seis meses subsequentes.

Perdão total da dívida reclamada e não reconhecida pelo Administrador Judicial Provisório na Lista Definitiva de Credores homologada nos termos e para os efeitos do artigo 17.º-D do CIRE, e bem assim, perdão total da dívida existente à data do despacho de admissão do Processo Especial de Revitalização que não tenha sido reclamada.

Perdão total dos juros vencidos e vincendos.

Por último e quanto aos créditos detidos pelos sócios e pessoas com ele especialmente relacionados, o Plano de Recuperação prevê o perdão total dos mesmos.

(...)

As garantias prestadas mantêm-se sem qualquer alteração. Caso o plano seja homologado, tal não constitui novação da dívida, mantendo.se as garantias nos exatos termos inicialmente prestados

Nos termos e para os efeitos do artigo 218.º do CIRE o perdão de capital e juros mantêm-se mesmo em caso de incumprimento do plano.

Cláusula penal para o caso de incumprimento que faz acrescer 20% ao remanescente em dívida.

                                               *

IV – O direito aplicável

1. A homologação do plano e a extinção das ações em curso

Neste recurso discutem-se as repercussões da homologação de um plano de revitalização de uma sociedade numa ação de despejo movida pelos senhorios, em que essa sociedade é demandada, com fundamento na resolução do contrato de arrendamento, por falta de pagamento de rendas.

Na primeira instância foi proferido na ação de despejo despacho de extinção da instância, por aplicação do disposto no artigo 17.º-E, n.º 1, do CIRE.

Em recurso de apelação, o acórdão do Tribunal da Relação validou esta decisão.

O Processo Especial de Revitalização (PER) consiste num meio processual, de cariz essencialmente negocial, que visa a revitalização económica dos devedores em situação de insolvência iminente, tendo sido instituído pelo legislador com o objetivo específico de alcançar a recuperação do devedor que ainda é passível de uma viabilização económica. Pretende-se, através de um plano desenhado para retirar o devedor das dificuldades económicas que atravessa e que tenha o voto favorável da maioria dos credores, evitar a insolvência daquele.

Nada obstando a que o tribunal homologue esse plano, as suas medidas terão repercussão nas obrigações patrimoniais do devedor, tendo o legislador também previsto consequências para os processos em que se exija o cumprimento dessas obrigações.

O artigo 17.º-E, n.º 1, do CIRE, foi recentemente objeto de alterações pela Lei n.º 9/2022, de 11 de janeiro, as quais entraram em vigor em 11.04.2022 (artigo 12.º da referida Lei). No entanto, a nova redação dos artigos 17.º-C a 17.º-F do CIRE só se aplica aos PER instaurados após a data da sua entrada em vigor (artigo 10.º), pelo que a este caso há que continuar a aplicar o disposto naqueles artigos, na redação do Decreto-Lei n.º 79/2017, de 30 de junho, não havendo razões para considerar que estamos perante alterações de cunho interpretativo, uma vez que as mesmas visaram transpor para a ordem interna portuguesa a Diretiva (EU) 2019/1023, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de junho de 2019, e não resolver as dúvidas de interpretação dos anteriores preceitos.

O artigo 17.º-E, n.º 1, do CIRE, na redação do Decreto-Lei n.º 79/2017, de 30 de junho, dispunha o seguinte:

A decisão a que se refere o n.º 4 do artigo 17.º-C obsta à instauração de quaisquer ações para cobrança de dívidas contra a empresa e, durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, suspende, quanto à empresa, as ações em curso com idêntica finalidade, extinguindo-se aquelas logo que seja aprovado e homologado plano de recuperação, salvo quando este preveja a sua continuação.

Os efeitos suspensivos das ações em curso e impeditivos da propositura de novas ações são desencadeados pelo despacho inicial de recebimento do PER, através da nomeação do administrador judicial provisório (a decisão referida no n.º 4, do artigo 17.º-C, do CIRE), perdurando esses efeitos até ao trânsito em julgado da homologação do plano de recuperação aprovado pelos credores. Já o efeito extintivo das ações em curso à data do recebimento do PER ocorre com o trânsito em julgado desta última decisão.

A ambiguidade da expressão “ações para cobrança de dívidas”, utilizada no transcrito artigo 17-º-E, n.º 1, do CIRE, para genericamente denominar os processos abrangidos pelos efeitos suspensivos, impeditivos e extintivos do PER, suscitou diferentes leituras quanto ao leque das ações abrangidas por estes efeitos.

A extinção das ações em curso aquando do início do PER, movidas contra o devedor para cobrança de dívidas, em consequência da homologação judicial de um plano de recuperação, tem a sua razão de ser no facto desse plano redefinir o modo de satisfação daquelas dívidas, podendo, inclusive, modificar o conteúdo das prestações obrigacionais, o que determina uma impossibilidade de prosseguir um litígio que deixou de ter a sua causa, verificando-se um fenómeno extintivo semelhante ao que ocorre nas transações judiciais [1].

Sendo este o fundamento dos efeitos processuais extintivos da homologação do plano revitalizador, apenas devem considerar-se abrangidos por essa consequência os processos, nos quais se exerçam judicialmente os direitos de crédito sobre o devedor afetados pelas medidas previstas no plano [2], sendo irrelevante se essas ações são do tipo executivo ou meramente declarativas [3]. Na verdade, tal como sucede nas ações executivas, também nas ações declarativas, as alterações produzidas pelas medidas do plano nos créditos cuja existência se pretendia ver reconhecida, podem determinar uma impossibilidade superveniente de prosseguimento da lide [4].

Dispunha o artigo 17.º-F, n.º 10, do CIRE, na redação do Decreto-Lei n.º 79/2017, de 30 de junho, que a decisão de homologação vincula a empresa e os credores, mesmo que não hajam reclamado ou participado nas negociações, relativamente aos créditos constituídos à data em que foi proferida a decisão prevista no n.º 4, do artigo 17-C (nomeação do administrador provisório) e é notificada, publicitada e registada pela secretaria do tribunal.

Como refere CATARINA SERRA [5], o plano de recuperação converte-se, assim, num instrumento contratual atípico, dotado de características que não estão ao alcance da autonomia privada – num contrato com “eficácia reforçada”. É a lei que opera esta transformação: ela restringe a liberdade individual e subordina-a à vontade coletiva ou da maioria, ou, por outras palavras, substitui a regra do consentimento individual, típica dos contratos, pela regra do consentimento coletivo.

Se não é preciso um credor participar na negociação e na aprovação do Plano para ver o seu crédito afetado pelas medidas nele contidas é, contudo, necessário que lhe tenha sido dada essa oportunidade, ou porque o crédito foi reconhecido no PER ou porque, apesar de não o ter sido, após impugnação, o juiz lhe conferiu essa possibilidade, nos termos do artigo 17.º-F, n.º 5, do CIRE [6].

Na presente ação, os Autores pediram a resolução do contrato de arrendamento da qual a 1.ª Ré (cujo plano de revitalização foi, entretanto, judicialmente homologado) era locatária, com fundamento na falta de pagamento de rendas, e o subsequente despejo do arrendado, além da condenação daquela e dos seus fiadores (os 2.º e 3.º Réus) no pagamento das rendas vencidas e vincendas, juros de mora e sanção pecuniária compulsória.

Os Autores vieram ainda deduzir, por duas vezes, pedido de despejo imediato, por falta de pagamento de rendas no decurso da ação, nos termos do artigo 14.º, n.º 5, do NRAU, os quais não chegaram a ser apreciados.

2. Os pedidos formulados contra a 1.ª Ré

2.1. O pedido de pagamento das rendas vencidas

O direito ao valor das rendas vencidas à data da admissão do PER sobre a 1.ª Ré invocado na presente ação foi reconhecido neste processo, embora por valor inferior ao reclamado na ação de despejo, tendo o plano aprovado e homologado determinado um perdão de 80% daquele valor, devendo o pagamento dos restantes 20% ser efetuado durante um período de 8 (oito) anos, através de 16 (dezasseis) prestações semestrais e sucessivas, vencendo-se a primeira no dia 15 de junho de 2022 e as restantes no mesmo dia após seis meses subsequentes, pelo que o crédito relativo a rendas vencidas foi reestruturado, tendo sido significativamente reduzido o seu montante, repartido em prestações e diferido o prazo do seu vencimento para datas ainda futuras.

Apesar deste crédito no PER ter sido reconhecido, após impugnação pela devedora, por um valor inferior àquele cujo pagamento é peticionado na presente ação, o que lhe confere um estatuto de “crédito parcialmente litigioso”, isso não obsta à extinção desta ação, relativamente a esse pedido. É certo que se tem entendido que os processos para cobrança de créditos que não sejam reconhecidos no PER, não permitindo que o respetivo credor, em princípio [7], participe na deliberação sobre a aprovação do plano, não se podem considerar extintos, sob pena de violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva (artigo 20.º da Constituição) [8]. Contudo, nos casos em que no PER se reconhece um determinado crédito, mas por um valor inferior àquele cujo pagamento é peticionado em processo pendente à data do recebimento do PER, como o credor não deixa de poder participar na deliberação sobre a aprovação do plano de recuperação, embora com uma influência menor do que aquela que lhe conferiria o valor do crédito peticionado, não há razões para que opere uma redução teleológica do disposto no artigo 17.º-E, n.º 1, do CIRE, na redação do Decreto-Lei n.º 79/2017, de 30 de junho, de modo a garantir o respeito pela exigência constitucional da tutela jurisdicional efetiva, pelo que, nesses casos, deve aquele processo extinguir-se.

Por estas razões, revela-se correta a decisão de considerar extinta a presente ação, quanto ao pedido de pagamento das rendas vencidas formulado contra a 1.ª Ré.

2.2. O pedido de pagamento de juros de mora

O plano aprovado e homologado contempla um perdão total de juros vencidos sobre o valor do crédito reconhecido sobre a 1.ª Ré, relativo às rendas em dívida, pelo que, tendo sido afetado pelo plano de reestruturação o crédito relativo a juros, deve também este processo extinguir-se quanto ao respetivo pedido formulado contra a 1.ª Ré, valendo também aqui as razões adiantadas no ponto anterior quanto ao reconhecimento parcial do crédito cujo pagamento é aqui reclamado.

2.3. O pedido de pagamento das rendas vincendas

Os Autores pediram que a 1.ª Ré fosse condenada a pagar a quantia que se vier a apurar a título de todas rendas que se vierem a vencer na pendência desta ação e até efetiva entrega do imóvel/locado livre e devoluto de pessoas e bens.

Apenas é admissível pedir-se a condenação na satisfação de prestações cujo cumprimento ainda não é exigível em situações excecionalmente previstas na lei processual (artigo 557.º do Código de Processo Civil).

Uma dessas situações é o caso das prestações periódicas que o devedor já tenha deixado de pagar (n.º 1, do referido artigo 557.º). Nessa hipótese, pode pedir-se a condenação do devedor a pagar tanto as prestações vencidas como as que se vencerem enquanto subsistir a obrigação.

Ora, com a aprovação e homologação do plano de reestruturação, deixaram de existir prestações por pagar, atenta a dilação do prazo de pagamento do valor das rendas que não foi perdoado, pelo que deixou de subsistir o pressuposto que permitia o pedido de pagamento das rendas vincendas, não podendo o mesmo manter-se desacompanhado do pedido de pagamento das rendas vencidas.

Por essa razão, é também correta a decisão de considerar a presente ação extinta, quanto a este pedido formulado contra a 1.ª Ré.

2.4. O pedido de resolução do contrato de arrendamento

Os Autores formularam pedido de resolução do contrato de arrendamento celebrado com a 1.ª Ré, com fundamento na falta de pagamento de rendas, e o consequente despejo do arrendado.

Não estamos perante o exercício de um direito à realização de uma prestação, mas sim perante o exercício de um direito potestativo de extinção de uma relação contratual, com fundamento na violação de obrigações nela assumidas, pelo que este pedido, em princípio, não integraria o conceito das ações de cobrança de dívidas para os efeitos extintivos da homologação de plano de reestruturação no âmbito de um PER.

Contudo, há que ter presente que, numa ação em que se deduza um pedido de resolução de um contrato de arrendamento, com fundamento na falta de pagamento de rendas, é possível ao arrendatário demandado fazer caducar o direito à resolução do contrato, se até ao termo do prazo para a contestação, pagar ou depositar ou consignar em depósito as somas devidas e a indemnização referida no n.º 1, do artigo 1041.º do Código Civil (artigo 1048.º, n.º 1, do Código Civil).

A apreciação do pedido resolutivo será, pois, influenciada pelo pagamento das rendas, cujo atraso o justifica, até ao termo do prazo para o arrendatário demandado contestar.

Note-se que nesta ação, conforme já foi decidido por despacho proferido na audiência prévia, transitado em julgado, o prazo para contestar esteve suspenso desde 30.12.2019 (data em que foi proferido o despacho que nomeou o administrador judicial provisório) até 22.09.2020 (data em que transitou o despacho que homologou o plano de reestruturação da 1.ª Ré).

Ora, perante a redução do valor das rendas em dívida e do diferimento do prazo para pagamento desse valor reduzido para datas futuras, por força da homologação do referido plano de reestruturação, a obrigação de pagamento das rendas que fundamentavam o pedido resolutivo e cuja satisfação até ao termo do prazo para contestar influenciava a decisão a proferir sobre a resolução do contrato, passou a ter um novo conteúdo, estando ainda longe a data do seu vencimento, o que impossibilita que, nesta ação, se possa verificar a subsistência do direito resolutivo invocado, uma vez que ficou prejudicada a possibilidade da 1.ª Ré fazer caducar o direito à resolução do contrato através do pagamento das rendas em dívida no prazo que dispunha para contestar.

Por estas razões, deve também considerar-se extinta a presente ação, relativamente aos pedidos de resolução do contrato e consequente despejo do arrendado, formulados pelos Autores.

2.5. O pedido de condenação em sanção compulsória

Os Autores pediram a condenação da 1.ª Ré numa sanção compulsória para o caso de incumprir o determinado na sentença a proferir nesta ação.

Tendo-se concluído pela extinção desta ação, relativamente a todos os pedidos formulados contra a 1.ª Ré, deixa de ser possível a fixação de uma sanção compulsória, pelo que também a ação se extingue, relativamente a este pedido. 

2.6. O pedido de despejo imediato

No decurso desta ação, os Autores formularam, por duas vezes, um pedido de despejo imediato, com fundamento na falta de pagamento de rendas no decurso da ação.

Nenhum destes pedidos foi objeto de decisão.

Tendo-se concluído que a homologação do plano de reestruturação da 1.ª Ré extingue esta ação, relativamente ao pedido de resolução do contrato de arrendamento e consequente despejo, não é possível o prosseguimento da ação para tramitação deste incidente, uma vez que o mesmo só tem lugar numa ação em que se peticione o despejo do arrendado.

Extinguindo-se esta, extingue-se também o incidente de despejo imediato.

 

3. Os pedidos formulados contra os 2.º e 3.º Réus

Os Autores demandaram também nesta ação os 2.º e 3.º Réus, na qualidade de fiadores da 1.ª Ré no contrato de arrendamento, pedindo que os mesmos fossem condenados juntamente com a 1.ª Ré a satisfazer as obrigações relativas ao pagamento de rendas.

 No plano de reestruturação da 1.ª Ré aprovado e homologado consignou-se que as garantias prestadas mantêm-se sem qualquer alteração. Caso o plano seja homologado, tal não constitui novação da dívida, mantendo-se as garantias nos exatos termos inicialmente prestados.

A previsão da manutenção das garantias prestadas nos exatos termos inicialmente acordados, apesar das alterações produzidas nos direitos de crédito reconhecidos, encontra-se na linha da aplicação analógica ao PER do disposto no artigo 217.º, n.º 4, do CIRE, respeitante aos efeitos da aprovação e homologação do plano de insolvência quanto aos condevedores e garantes [9], no qual se dispõe: as providências previstas no plano de insolvência com incidência no passivo do devedor não afetam a existência nem o montante dos direitos dos credores da insolvência contra os condevedores ou os terceiros garantes da obrigação, mas estes sujeitos apenas poderão agir contra o devedor em via de regresso nos termos em que o credor da insolvência pudesse exercer contra ele os seus direitos.

A manutenção das obrigações dos garantes apenas respeita à existência e ao montante dos créditos garantidos, mas não à sua exigibilidade, a qual, tendo sido objeto de dilação, deve também aproveitar aos garantes [10].

O cariz acessório da fiança não obsta a que as medidas de perdão ou redução dos créditos garantidos aprovadas e homologadas no PER não se estendam à obrigação dos fiadores, uma vez que esta garantia destina-se precisamente a proteger o credor das situações de rico de insuficiência do património do devedor para satisfazer o crédito garantido.

Assim, os fiadores podem continuar a ser responsabilizados na presente ação pelo pagamento das rendas em dívida, juros de mora e sanção pecuniária compulsória.

Apesar de ter sido diferido o prazo de pagamento de 20% do valor dessas rendas, não há razão para que o processo não prossiga contra os fiadores, relativamente aos pedidos de pagamento de todas as rendas, uma vez que o artigo 557.º do Código de Processo Civil permite que, tratando-se de prestações periódicas, possa pedir-se a condenação não só no pagamento das rendas vencidas, mas também no pagamento das rendas vincendas.

Os Autores também pediram a condenação dos Réus fiadores a despejar o arrendado. Tendo-se, contudo, considerado extinta a ação, relativamente ao pedido de resolução do contrato de arrendamento, sendo o despejo uma consequência da resolução do contrato a ação deve ser julgada extinta, relativamente a todos os Réus, quanto a esse pedido.

4. Conclusão

Face ao exposto, o recurso deve ser julgado apenas parcialmente procedente, revogando-se a decisão recorrida na parte em que confirmou a extinção da ação, relativamente aos pedidos formulados contra os 2.º e 3.º Réus de condenação no pagamento de rendas, juros de mora e sanção compulsória.

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Decisão

Pelo exposto, acorda-se em julgar parcialmente procedente o recurso de revista e, em consequência, revoga-se o acórdão recorrido na parte em que julgou extinta a presente ação quanto aos pedidos formulados contra os 2.º e 3.º Réus, relativos aos pedidos de condenação no pagamento de rendas, juros de mora e sanção pecuniária compulsória, determinando-se o prosseguimento da ação apenas nessa parte.

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Custas dos recursos pelos Autores, na proporção de 75%, e pelos 2.º e 3.º Réus, na proporção de 25%.

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Notifique.

Lisboa, 21 de abril de 2022

João Cura Mariano (relator)

Fernando Baptista

Vieira e Cunha


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[1] Sobre essa similitude, CARLOS FERREIRA DE ALMEIDA, Contratos IV, Funções. Circunstâncias, Interpretação, Almedina, 2014, pág. 16, e TIAGO SOARES DA FONSECA, A Transação Civil na Litigância Extrajudicial e Judicial, Gestlegal, 2018, pág. 397 e 402-404.
[2] Neste sentido, CATARINA SERRA, Lições de Direito da Insolvência, 2.ª ed., Almedina, 2021, pág. 454.
[3] CARVALHO FERNADES e JOÃO LABAREDA, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3.ª ed., Quid iuris, 2015. Pág. 160-161, ANA PRATA, JORGE MORAIS CARVALHO, RUI SIMÕES, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Almedina, 2013, pág. 61, JOÃO AVEIRO PEREIRA, A Revitalização Económica dos Devedores, O Direito, Ano 145, Vol. I/II, 2013, pág. 37, CATARINA SERRA, Revitalização – A designação e o misterioso objeto designado. O processo homónimo (PER) e as suas ligações com a insolvência (situação e processo) e com o SIREVE, “I Congresso de Direito da Insolvência”, Almedina, 2013, pág. 99-100, O Processo Especial de Revitalização na Jurisprudência, 2.ª ed., Almedina, 2017, pág. 63, ANA PAULA BOULAROT, Apontamentos sobre os Efeitos do Processo Especial de Revitalização, Julgar, n.º 31 (2017), pág. 14, FÁTIMA REIS SILVA, Processo Especial de Revitalização – Notas Práticas e Jurisprudência Recente, Porto Editora, 2014, pág. 53, MENEZES LEITÃO, Direito da Insolvência, 7.ª ed., Almedina, 2017, pág. 332-333, ALEXANDRE  DE SOVERAL MARTINS, Um Curso de Direito de Insolvência, Almedina, 2015, pág. 470-471, ARTUR DIONÍSIO OLIVEIRA, Os Efeitos Processuais do PER e os Créditos Litigiosos, “III Congresso de Direito da Insolvência”, 2015, Almedina, pág. 215-217, JOSÉ GONÇALVES MACHADO, O Dever de Renegociar no Âmbito Pré-Insolvencial: Estudo Comparativo sobre os Principais Mecanismos de Recuperação de Empresas, Almedina, 2017, pág. 154, e os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 26.11.2015, Proc. 1190/12 (Rel. Ana Luísa Geraldes), de 05.01.2016, Proc. 172724/12 (Rel. Nuno Cameira), de 17.11.2016, Proc. n.º 43/13 (Rel. Ana Luísa Geraldes), de 17.03.2016, Proc. 33/13 (Rel. Ana Luísa Geraldes), de 18.09.2018, Proc. 190/13 (Rel. José Raínho), de 16.06.2020, Proc. n.º 234/14 (Rel. Pinto de Almeida).
    Sustentando, porém, que apenas são abrangidas as ações executivas, NUNO SALAZAR CASANOVA e DAVID SEQUEIRA MARTINS, O Processo Especial de Revitalização, 26.11 Comentários aos artigos 17º-A a 17º-I do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, Coimbra Editora, 2014, pág. 99, MARIA DO ROSÁRIO EPIFÂNIO, O Processo Especial de Revitalização, “II Congresso Direito das Sociedades em Revista”, Almedina, 2012, pág. 257-264, ISABEL ALEXANDRE, Efeitos Processuais da Abertura do Processo de Revitalização, “II Congresso de Direito da Insolvência”, Almedina, 2014, pág. 243, PESTANA VASCONCELOS, Recuperação de Empresas: o Processo Especial de Revitalização, Almedina, 2017, pág. 64, e Madalena Perestrelo de Oliveira, O Processo Especial de Revitalização: o Novo CIRE, RDS, 2012, n.º 3, pág. 718 e seg.
[4] Após as alterações introduzidas no artigo 17.º-E. n.º 1, do CIRE, pela Lei n.º 9/2022, de 11 de janeiro, se o efeito suspensivo do PER passa a afetar apenas as ações executivas, deixou de aí se prever a extinção de qualquer ação pendente à data do recebimento do PER, por efeito da homologação do plano, sem que isso signifique que essa extinção continue a ocorrer, por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, nos termos do artigo 277.º, e), do Código de Processo Civil, relativamente a qualquer tipo de ação.
[5] Lições de Direito da Insolvência, cit., pág. 453.
[6] CATARINA SERRA, Lições de Direito da Insolvência, cit., pág. 454.
[7] O artigo 17.º-F, n.º 5, do CIRE, permite que o juiz compute no cálculo das maiorias os créditos que tenham sido impugnados se entender que há probabilidade séria de estes serem reconhecidos.
[8] CATARINA SERRA, Lições de Direito da Insolvência, cit., pág. 457-458.
[9] Defendendo esta aplicação, CATARINA SERRA, Lições de Direito da Insolvência, cit., pág. 449, MARIA ISABEL MENÉRES CAMPOS, A Posição dos Garantes no Âmbito de um Plano Especial de Revitalização – Anotação ao Acórdão do TRG de 05.12.2013, Cadernos de Direito Privado, n.º 46 (2014), pág. 65 e seg., NUNO FERREIRA LOUSA, O Incumprimento do Plano de Recuperação e os Direitos dos Credores, “I Colóquio do Direito da Insolvência de Santo Tirso”, Almedina, 2014, pág. 136-138, e Crónica de Jurisprudência dos Tribunais da Relação, Revista de Direito da Insolvência, 2019, n.º 3, pág. 127, e EVARISTO MENDES, Comentário ao Código Civil. Direito das Obrigações. Das Obrigações em Geral, Universidade Católica Editora, 2018, pág. 783-784.
   Em sentido contrário, JANUÁRIO GOMES, Sobre os Poderes dos Credores Contra os Fiadores no Âmbito de Aplicação do CIRE. Breves Notas, “III Congresso de Direito da Insolvência”, Almedina, 2015, pág. 333 e seg.
[10] Neste sentido, CATARINA SERRA, Lições de Direito da Insolvência, cit., pág. 450.