Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
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| Nº Convencional: | 2ª SECÇÃO | ||
| Relator: | BETTENCOURT DE FARIA | ||
| Descritores: | DEMANDA DOS SÓCIOS DE SOCIEDADE EXTINTA | ||
| Data do Acordão: | 02/07/2013 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REVISTA | ||
| Decisão: | CONCEDIDA A REVISTA | ||
| Área Temática: | DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / PROVAS. DIREITO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS - LIQUIDAÇÃO DA SOCIEDADE. DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO / INSTÂNCIA (SUSPENSÃO) - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA. | ||
| Legislação Nacional: | CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 342.º, N.ºS 1 E 2. CÓDIGO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS (CSC): - ARTIGOS 162.º, N.º2, 163.º. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 276.º, N.º1, 668.º. | ||
| Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: -DE 26.06.08. | ||
| Sumário : | I - Na acção posta pelo credor contra a sociedade, que, posteriormente, seguiu contra os sócios, o autor só pode obter a condenação destes no pagamento do respectivo crédito, se alegar e provar que aqueles obtiveram bens da sociedade resultantes da partilha do seu património. II - Com efeito, a referida partilha é uma facto constitutivo do direito do autor e não matéria de excepção. III - A invocação da mesma partilha, nos termos do artº 163º do CSC, deverá ser feita em articulado autónomo, dado que, obviamente, não pode ser alegado na petição inicial. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I AA , S.A., moveu a presente acção ordinária contra: BB e CC, na qualidade de ex-sócios da sociedade inicialmente demandada, DD- Actividades Hoteleiras, Lda, pedindo que: - Seja declarado resolvido o contrato dos autos, por incumprimento da primitiva ré., sendo os réus condenados, a pagar-lhe a quantia de € 29.927,87, acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados da resolução do contrato, vencidos no valor de €15.664,17 e vincendos, até integral pagamento. Celebrou com a primitiva ré um contrato de exclusividade de comercialização dos seus produtos no estabelecimento desta, entregando a esta, em contrapartida, a quantia de 3.000.000$00. O contrato vigoraria até a ré ter adquirido 40.000 litros daqueles produtos. Porém, a ré deixou de adquirir os mesmos em Abril de 1998, quando apenas tinha feito a aquisição de 20.185 litros. Por esta razão, em 03.05.98, por carta registada com aviso de recepção, enviada à ré, declarou resolvido o contrato. Frustrada a citação pessoal da ré, procedeu-se à citação edital desta para contestar a presente acção, não tendo sido deduzida qualquer oposição. Dado cumprimento ao disposto no artigo 15° do Código de CPC, o Ministério Público, igualmente, não apresentou contestação. Entretanto e prosseguindo a acção contra os sócios da primitiva ré, dissolvida, procedeu-se à citação pessoal da ré CC e à citação edital do réu BB. O processo seguiu os seus trâmites e, feito o julgamento, foi proferida a seguinte sentença: - De acordo com o exposto e de harmonia com os preceitos legais supra citados, julgo apresente acção procedente e, em consequência: A) Declaro resolvido o contrato a que se reportam os autos, por incumprimento da primitiva R.; B) Condeno os RR., BB e CC a pagar à A. "AA , S.A., a quantia de €29.927,87 (vinte e nove mil, novecentos e vinte e sete euros e oitenta e sete cêntimos) acrescida de juros de mora, vencidos desde 13/05/1999 e, vincendos, contabilizados à taxa legal em vigor para os juros moratórios relativos aos créditos de que sejam titulares empresas comerciais, singulares ou colectivas, até efectivo e integral pagamento. Custas pelos RR.. Apelou a ré CC, mas sem êxito. Recorre a mesma novamente, a qual, nas suas alegações de recurso, apresenta, em síntese, as seguintes conclusões: 1 Não consta da matéria provada a dissolução e liquidação oficiosa da primitiva ré, o que inculca a nulidade das alíneas b), c) e d) do art.º 668º nº 1 do C. P. Civil. 2 Nem é dado como provado essa liquidação com efectiva partilha do activo entre os sócios com detrimento do crédito da autora, o que também importa a nulidade das alíneas b) e c) do nº 1 do art.º 668º nº 1 do C. P. Civil. 3 Também não foi considerado provado, porque não o podia ser, que a ré recorrente foi notificada para contestar as pretensões da autora e os articulados e requerimentos apresentados nos autos, o que implica a nulidade da decisão impugnada, por os seus fundamentos estarem em oposição com a decisão condenatória da ré na totalidade das pretensões da autora. 4 A dissolução da primitiva ré não implica, por si só que as responsabilidades dela se tenham transmitido aos sócios, uma vez que nas sociedades por quotas a responsabilidade destes limita-se á realização do capital social, princípio que se aplica não só durante a a vida da sociedade, mas também no fim de ciclo desta. 5 De acordo com o art.º 163º nº 1 do C. S. Comerciais, os antigos sócios da primitiva ré só respondem pelo passivo social até ao montante que hajam recebido na partilha, sendo certo que tendo a sociedade em questão sido oficiosamente dissolvida presume-se que a mesma não tinha qualquer activo a partilhar, presunção esta que não foi ilidida. 6 De qualquer modo, não foi alegado nem provado que existiam bens sociais, aquando da dissolução da sociedade, ou que a recorrente recebeu quaisquer bens sociais na sequência da liquidação e partilha, pelo que o acórdão em causa incorreu na nulidade da alínea a) e d) do nº 1 do art.º 668º nº 1 do C. P. Civil, ao decidir contra esta situação factual. 7 Indo contra a jurisprudência do STJ – cf. Ac. de 26-06-08 -. 8 Mais violou a decisão recorrida, por referência ao art.º 163º do C. S. Comerciais, os princípios constitucionais da legalidade, da proporcionalidade e da liberdade económica. 9 Quando muito, poderia a ré recorrente ser condenada a pagar, até ao montante que recebeu, a liquidar em ulterior liquidação. Corridos os vistos legais, cumpre decidir II Vêm dados por provados os seguintes factos: 1) A sociedade "AA - Central de Cervejas, S.A." tinha por actividade a indústria de refrigerantes e cervejas e a comercialização, quer dos produtos que fabricava, quer dos fabricados por outras empresas (cfr. Doe. n" 1 junto com a petição inicial, que se dá por integralmente reproduzido); 2) Em 2001.12.14, foi incorporada, através de uma fusão, na sociedade A., antes denominada "EE — S.G.P.S., S.A.", que já detinha, de forma directa ou indirecta, a totalidade do seu capital social (cfr. Doe. n.° 1 junto com a petição inicial, que se dá por integralmente reproduzido); 3) No acto referido em 2), a "EE" alterou, também, a sua denominação, para "AA - Sociedade Central de Cervejas; 4) No exercício da sua actividade, a mencionada "AA - Central de Cervejas, S.A." celebrou, em 20 de Março de 1995, com a R., um contrato, que teve nessa data o seu início de vigência (Doe. n.° 2 junto com a petição inicial que se dá por integralmente reproduzido); 5) O acordo referido em 4) respeitava ao estabelecimento denominado "Restaurante FF", situado em Lisboa, de que a R. era, nessa data, titular, e onde se dedicava, designadamente, à venda de bebidas ao público; 6) Por força desse contrato, a primitiva ré obrigou-se a " (...) comprar, qualquer que seja o respectivo fornecedor, para revenda no citado estabelecimento produtos fabricados e/ou simplesmente comercializados pela AA (...) relacionados em Anexo I ao contrato (...) " (cfr. cláusula 1., n. l),a "não adquirir nem pôr à venda no mencionado estabelecimento produtos similares ao produto (objecto do contrato), nem sequer permitir que terceiros o façam" (Doe. n.° 2, cláusula 2., alínea a), a "não fazer publicidade, por qualquer meio, de produtos similares aos produtos (contratados) nem permitir que terceiros a façam, no referido estabelecimento" (Doe. n.° 2, cláusula 2, alínea b); e a "em caso de trespasse, cessão da exploração ou transmissão por qualquer outro título do estabelecimento, no seu todo ou em parte, inserir no respectivo contrato cláusula que obrigue o trespassário, cessionário ou transmissário a permanecer vinculado ao presente contrato, sem qualquer reserva, ressalva ou restrição, e inserir cláusula idêntica a esta em futuros trespasses, cessões da exploração ou transmissões do mesmo estabelecimento " (Doe. n° 2, cláusula 2, alínea f); 7) Através do referido acordo, a "AA, S.A. " acordou, com a R., em entregar-lhe, a título de contrapartida pela celebração deste e apoio à comercialização dos produtos acordados, a quantia Esc.3.000.000$00, que, esta, se comprometeu a devolver em 12 prestações trimestrais de Esc.250.000$00, cada uma (cfr. Doe. n.° 2, cláusula 3), 8) A "AA, S.A." efectivamente, entregou à primitiva R. a importância acordada de Esc.3.000.000$00, que, esta, recebeu e da qual deu a respectiva quitação; 9) Ficou estabelecido no contrato, que se vem mencionando, que este vigoraria até que a R. primitiva adquirisse 40.000 litros dos produtos acordados, o que se estimou que se verificasse, no prazo de três anos, contados desde a data da sua assinatura (Doe. n.°2, cláusula 6); 10) A primitiva ré deixou, desde Abril de 1998, de adquirir os produtos da "AA, S.A." - e agora da A. - a cuja aquisição se tinha, contratualmente, obrigado tendo adquirido até essa data apenas 20.185 litros, dos 40.000 litros que tinham sido contratados; 11) Atento o referido em 10), a "AA, S.A", enviou-lhe, em 3 de Maio de 1999, a carta registada com aviso de recepção, que se junta - como Doe. n° 3 -, em que declarava resolvido o contrato e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; 12) A carta foi enviada para a morada que a primitiva Ré indicara aquando da celebração do contrato - e a única que facultara à A. - , mas a mesma foi devolvida com a menção de "mudou-se " lavrada pelo funcionário dos CTT (c/r. Doe. n°3). III Apreciando 1 A recorrente argui, por diversas vezes, nas suas conclusões, nulidades do acórdão em apreço derivadas do art.º 668º do C. P. Civil. Nomeadamente, o não constar dos factos assentes a dissolução oficiosa da sociedade em causa, bem como que houve efectiva partilha pelos sócios do seu activo, o facto da mesma não ter sido citada para contestar as pretensões da autora e ainda o facto de se ter decidido contra o acervo factual. O referido art.º 668º prevê as nulidades da sentença. Ora o que indica a recorrente ou são eventuais erros de julgamento e não nulidades – a decisão não estar de acordo com os factos – ou então seriam eventuais nulidades do processo que não da decisão – a alegada falta de citação da ré para contestar. Em qualquer dos casos, não ocorre, pois, qualquer das nulidades do art.º 668º. Quanto à falta de citação da ré para contestar, refira-se que estamos perante um caso de habilitação de parte, previsto expressamente pelo art.º 276º nº 1 do C. P. Civil, que importa que as novas partes continuem os autos no estado em que estes se encontrarem. Aliás, será uma forma de habilitação “automática”, na medida em que o art.º 162º nº 2 do C. S. Comerciais refere que, extinta a sociedade, não é suspensa a instância, nem é necessário o incidente de habilitação. Não ocorre, por isso, aqui nenhuma nulidade. 2 A questão de fundo é a de saber se, dizendo o art.º 163º do C. S. Comerciais que os sócios da sociedade extinta respondem pelo passivo da sociedade extinta até ao montante do que receberam na partilha, compete ao credor alegar e provar essa partilha, ou então, se compete aos sócios demandados alegar e provar que a mesma partilha não teve lugar. No Tribunal da Relação entendeu-se que tratava-se de matéria de excepção e, portanto, o ónus da prova competia ao réu. Salvo o devido respeito, não temos esse entendimento. O art.º 163º nº 1 é claro: o direito do credor sobre o sócio depende do facto deste ter partilhado. Assim, a existência de partilha é um facto constitutivo desse direito, não um facto que, provado, seja modificativo, impeditivo ou extintivo do direito em questão. Logo, estamos perante um facto constitutivo do direito e que, portanto, deve ser alegado e provado pelo autor – cf. art.º 342º do C. Civil nºs 1 e 2-. No caso dos autos, a autora não alegou, nem provou esse facto. Assim, não demonstrou o seu direito contra os réus sócios da primitiva ré sociedade. No Ac. de 26.06.08 deste STJ (Conselheiro Santos Bernardino e subscrito por dois dos juízes que subscrevem a presente decisão), que a ré invocou, consignou-se em sumário: “Em acção pendente contra a sociedade, uma vez operada, em consequência da sua extinção devidamente registada, a substituição pelos dois sócios, impende sobre a autora – para lograr a responsabilidade destes, nos termos descritos nos nºs 4 e 5 – o ónus de alegar e provar que a sociedade tinha bens e que esses bens foram partilhados entre os sócios, em detrimento da satisfação do seu crédito.” 3 O momento próprio para essa alegação não poderia ter sido evidentemente a petição inicial, uma vez que a acção começou por ser intentada contra a sociedade. No entanto, como refere o mesmo acórdão: “A autora podia ter feito a alegação em articulado superveniente, nos termos do art.º 506º do CPC, logo que tomou conhecimento da extinção da sociedade” Não bastava, pois, apenas pedir a substituição da sociedade pelos sócios, nos termos do art.º 162º do C. S. Comerciais. Era necessário, também, para obter a sua condenação, alegar e provar conforme o prescrito no art.º 163º da mesma lei. Pelo que só se pode concluir como no Acórdão citado pela absolvição do pedido dos réus sócios, sendo que a condenação solidária e não pessoal de ambos faz com que o recurso aproveite ao réu não recorrente. Termos em que procede o recurso. Pelo exposto, acórdão em conceder a revista e, em consequência, revogam o acórdão recorrido e absolvem os réus do pedido. Custas da revista e nas instâncias pela recorrida. Lisboa, 7 de Fevereiro de 2013 Bettencourt de Faria (Relator) Pereira da Silva João Bernardo |