Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
148/08.3TJPRT.P1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: ALVES VELHO
Descritores: INSOLVÊNCIA
RECURSO DE REVISTA
ADMISSIBILIDADE
Data do Acordão: 05/24/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: REJEITADA
Área Temática: DIREITO PROCESSUAL CIVIL - RECURSOS
Legislação Nacional: CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 678.º, N.º1, 721.º, NºS 1 E 2, 754.º,N.º2.
CÓDIGO DE INSOLVÊNCIA E DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS (CIRE): - ARTIGO 14.º, N.º1.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 28/11/2002, PROCESSO N.º 03B1925, EM WWW.DGSI.PT ;
-DE 10/2/005.
Sumário : Quando aplicável o regime de recursos emergente das alterações ao CPC constantes do Dec.-Lei n.º 303/2007, de 24/8, em processo de insolvência só é admissível o recurso do acórdão da Relação desde que, além do concurso dos requisitos especiais de admissibilidade previstos no art. 14º-1 do CIRE (oposição de acórdãos), concorram os demais requisitos gerais de admissibilidade do recurso de revista exigidos pelos arts. 678º-1 e 721º-1 e 2 CPC.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

       1. - AA interpôs recurso de revista do acórdão da Relação do Porto que, mediante recurso de apelação interposto por “BB, S.A.”, a julgou parte legítima para requerer a declaração de sua insolvência, revogando a decisão da 1º Instância que julgara verificada a ilegitimidade activa da Requerente e a absolvera o Requerido da instância.

         Alegou, como fundamento de admissibilidade do recurso, estar o acórdão que ora impugna em oposição com o proferido pela mesma Relação, em 04/7/2007, que, entre as mesmas Partes e perante a mesma causa de pedir e o mesmo pedido reconheceu a ilegitimidade da Requerente, preenchendo, assim, a condição excepcional de recorribilidade acolhido no n.º 1 do art. 14º do CIRE.

         A Recorrida sustenta a inadmissibilidade do recurso argumentando não estar em causa a mesma questão fundamental de direito, sendo diferentes as que foram colocadas em ambos os recursos.

       Na decisão liminar, o relator rejeitou o recurso, por legalmente inadmissível.

         O Recorrente vem reclamar para a conferência, impugnando os fundamentos da decisão do relator, para concluir:

1. O recurso interposto nos termos do art. 14°, nº 1 do CIRE não é uma revista excepcional, pelo que em tais recursos não são aplicáveis as regras e requisitos exigíveis às revistas excepcionais.

2. As regras de admissibilidade dos recursos interpostos nos termos do art. 14°, nº 1 do CIRE constam apenas desse mesmo artigo, significando isto que importa apenas aferir se, além do valor da acção ser suficiente, existe oposição de Acórdãos que, "no domínio da mesma legislação ", decidiu "de forma divergente a mesma questão fundamental de direito ", e que o Acórdão recorrido não está conforme Jurisprudência que tenha sido fixada pelo STJ, nos termos dos artigos 732°-A e 732°-B do Cód. Proc. Civil - art. 14°, nº 1 do CIRE.

3. Há efectiva oposição entre os acórdãos proferidos pelo Tribunal da Relação do Porto, designadamente em Julho/2007 e o agora recorrido.

         2. - Mérito da reclamação.

         2. 1. - No despacho do relator escreveu-se, no que para a presente decisão pode relevar:

“ (…) 2. 1. 2. - Ao processo, distribuído em 2008, é aplicável o regime de recursos emergente das alterações ao CPC constantes do Dec.-Lei n.º 303/2007, de 24/8 (arts. 11º-1 e 12º-1).

            A partir de então, deixou de existir o recurso de agravo continuado, com o regime de admissibilidade previsto no art. 754º-2 e 3 CPC, em harmonia com a norma do n.º 4 do art. 678º, normas excepcionais ao abrigo das quais se abria a porta à admissibilidade de impugnação de decisões que estivessem em oposição com outra, desde que a decisão recorrida não fosse proferida em conformidade com jurisprudência uniformizada.

            Com efeito, no regime aplicável a este processo, o recurso próprio será o de revista, a admitir ou não, de harmonia com os comandos do art. 721º e 721º-A CPC, sendo certo que a lei processual não contém, agora, norma de conteúdo idêntico à do n.º 4 do anterior art. 678º.

            Ora, afastada já a revista excepcional, por não haver dupla conforme, não cabe a situação sob análise na previsão do art. 721º, seja por não se estar perante decisão que tenha posto termo ao processo, pelo contrário, seja lhe ser alheio o conteúdo a que alude o n.º 2, al. h) do art. 691º, seja, finalmente, por não ocorrer o pressuposto do n.º 2 do preceito, isto é, não ser a decisão impugnada um acórdão interlocutório proferido na instância de recurso de apelação, mas o próprio objecto do recurso de apelação a que o n.º 1 veda recurso de revista.

            Fora da previsão do regime geral, pois, o recurso interposto.  

            2. 1. 3. - O art. 14º-1 do CIRE, invocado pelo Recorrente, começa por proibir o recurso dos acórdãos proferidos pela Relação nos processos de insolvência para, de seguida, à semelhança do que sucedia com os anteriores arts. 678º-4 e 754º-2, abrir a excepção: - a decisão terá recurso se o acórdão estiver em oposição com outro, em que se tenha decidido a mesma questão fundamental de direito e não haja jurisprudência uniformizada.

            Trata-se, sem dúvida, de um regime especial que, começando por limitar o regime geral, ao admitir apenas recorribilidade até à Relação, estabelece pressupostos excepcionais de admissibilidade da decisão da 2ª Instância.

            Condição sine qua non de recorribilidade do acórdão da Relação é, pois, a verificação do requisito oposição de acórdãos.

        Consequentemente, e concretizando, do acórdão da Relação proferido em processo de insolvência é admissível recurso desde que, além de concorrerem os demais requisitos gerais, esse acórdão esteja em oposição com outro sobre a mesma questão fundamental de direito.

            Não basta, pois, a oposição de acórdãos. É necessário o concurso dos requisitos de admissibilidade, a que este tem de acrescer para escapar à limitação excepcional de recorribilidade estabelecida para o processo de insolvência. 

            Os requisitos gerais do recurso ordinário, como a revista, são, agora, além do valor da causa, e não estando em causa acórdão interlocutório, ter a decisão impugnada posto termo ao processo, pronuncie-se ou não sobre o mérito, ou conhecido do mérito da causa – arts. 678º-1 e 721º-1 e 2 CPC.

            Ora, sendo a oposição de acórdãos, no caso, requisito especial de recorribilidade - que visa apenas estes colocar recursos em posição de paridade com aqueles em que o mesmo é dispensado, superando a limitação-regra -, se a lei processual geral não prevê ou admite recurso de decisões da Relação que não conhecendo do mérito da causa não ponham termo ao processo, o mero concurso do requisito, que permitiria ultrapassar a especial limitação do recurso à Relação, é, só por si, inidóneo para postergar os requisitos gerais que sempre o precedem. 

            Assim, no caso, por isso que, insiste-se, o recurso não é admissível, de acordo com as regras gerais de recorribilidade, a revista interposta também não o será.

            2. 1. 4. - As normas – regra e excepção – contidas no art. 14º-1 do CIRE, que antes poderiam valer para a admissibilidade dos recursos de revista e de agravo (cujo regime coincidia com o geral), terão, com a reforma processual, ficado com o âmbito de aplicação comprimido, na medida em que apenas aplicáveis aos casos em que a lei processual prevê e admite o recurso de revista, acrescendo-lhes como condição especial da sua admissibilidade, ou seja, às decisões que ponham termo ao processo, que conheçam do mérito ou em que – tratando-se de acórdãos interlocutórios, que não é o caso - se verifique a situação a que aludem as alíneas do n.º 2 do art. 721º.

            2. 2. - Oposição de acórdãos.      

            Apesar de se ter já concluído pela inadmissibilidade da revista por não concorrerem os requisitos gerais de que o referido art. 14º-1 do CIRE não prescinde, pois que estabelece um regime limitativo, que não de ampliação de recorribilidade no processo de insolvência, apreciar-se-á a convocada oposição de acórdãos.

A oposição de acórdãos pressupõe que a decisão e fundamentos do acórdão recorrido se encontrem em contradição com outro ou outros relativamente às correspondentes identidades.

Como tem vindo a ser afirmado, a oposição de acórdãos quanto à mesma questão fundamental de direito verifica-se quando a mesma disposição legal se mostre, num e noutro, interpretada e/ou aplicada em termos opostos, havendo identidade de situação de facto subjacente a essa aplicação.

A oposição ocorrerá, pois, quando um caso concreto (constituído por um similar núcleo factual) é decidido, com base na mesma disposição legal, num acórdão num sentido e no outro em sentido contrário.

Exigível, sempre a identidade, em ambos os casos, do núcleo central da situação de facto e das normas jurídicas interpretandas e/ou aplicandas (ac. STJ, de 10/2/005).

Assim, a questão fundamental de direito cuja identidade pode legitimar a contradição “não se define pela hipótese/estatuição, desenhada abstractamente da norma jurídica em sua maior ou menor extensão ou compreensão, a que seja possível subsumir uma pluralidade de eventos reais a regular” -  pois que, se assim fosse, os casos de oposição multiplicar-se-iam de forma incontrolável -, mas pela questão “nuclear necessariamente recortada na norma pelos factos da vida que revelaram nas decisões” (ac. STJ, de 28/11/2002, Proc. 03B1925 ITIJ).

Ora, volvendo ao acórdão convocado pelo Recorrente, enquanto possível acórdão fundamento, logo pode constatar-se que, aferido pelo concurso do requisitos enunciados, os mesmo não conflitua, com a decisão recorrida, ao julgar, bem ou mal – o que aqui não releva -, que não ocorre ilegitimidade activa da Requerente.

            No acórdão de Julho de 2007, a ilegitimidade da Requerente foi declarada por não se ter demonstrado que o contrato dos autos consta da lista da cessão da posição contratual com base na qual a mesma Requerente, ora Recorrida, invocava a qualidade de credora. A declaração de ilegitimidade fundou-se na falta de prova desse facto, “que o tribunal a quo não podia presumir”.

            No acórdão impugnado, a legitimidade da mesma Requerente, e a sua qualidade de credora do Requerido, foi directamente reconhecida, com fundamento nos factos e normas jurídicas que se tiveram por demonstrativos dos contratos de cessão e da sucessão em direitos societários, sem qualquer ligação à questão da menção do concreto crédito na lista, questão que não foi sequer suscitada no recurso e, consequentemente, também não foi objecto de apreciação.

            Os fundamentos das decisões contrárias, efectivamente proferidas, são totalmente diferentes, não estando em causa, quanto aos respectivos pressupostos - correspondentes às conclusões da alegação, em que se resolve o objecto do recurso, que integram a sua causa de pedir -, interpretação divergente da norma do art. 26º CPC.

            Assim sendo, não se trata de, com os mesmos pressupostos de facto, interpretar, definir e aplicar o conceito de legitimidade, optando entre duas soluções jurídicas tomadas com base nos mesmos elementos, integradores da mesma concreta hipótese.

            Donde que não se tenha por verificada coincidência de fundamentos de facto e de direito na divergência das decisões, a preencher os requisitos objectivos de identidade sobre a mesma questão de direito”.

        2. 2. 1. – Como do transcrito ponto 2.1.2. expressamente se fez constar, o caso não é de revista excepcional, nem como tal foi tratado ou apreciada a admissibilidade como se de tal espécie de recurso se tratasse.

       Assim, antes de mais deve deixar-se claro, pondo termo a interpretações indevidas – e que se tem por certo não encontrarem apoio numa leitura minimamente atenta do despacho reproduzido -, que a admissibilidade do recurso foi, como devia ser, apreciada apenas à luz dos requisitos de admissibilidade emergentes do regime de recursos emergente do Dec.-Lei n.º 303/2007 e da norma do art. 14º-1 do CIRE.

         Não lhe são, pois, aplicáveis as regras sobre a revista excepcional, não se divergindo, ao menos quanto ao caso concreto, da conclusão do Reclamante.

         2. 2. 2. – Relativamente à admissibilidade dos recursos a que alude o art. 14º-1 do CIRE, entende-se que – como sustentado no despacho reclamado – eles serão ou não de admitir consoante concorram ou não os pressupostos de que o actual regime de recursos faz depender a admissibilidade do recurso de revista.

         Com efeito, o regime-regra estabelecido no n.º 1 do art. 14º era, e é, a irrecorribilidade das decisões da Relação, salvo se, relativamente às mesma, ocorressem os requisitos de excepcionalidade do recurso previstos no art. 754º-2 (oposição de acórdão,), acolhendo o legislador uma solução idêntica à adoptada para os agravos continuados.

         A oposição de acórdão é, pois, um quid mais eleito como requisito especial de admissibilidade dos recursos de decisões da Relação, em geral.

         Depois, e verificado esse requisito especial, que colocará a decisão impugnanda em pé de igualdade com as que não estão a ele sujeitos, mas apenas às regras gerais de recorribilidade (art. 678º-1), haverá que averiguar se a decisão comporta revista no confronto com as normas constantes do art. 721º-1 e 2 CPC.

         Ora, no caso, estas normas não permitem o recurso de revista, pois que em nenhum dos números ou alíneas cabe a espécie e natureza da decisão proferida pela Relação.

         Como se deixou referido no despacho impugnado, se a lei processual geral afasta a possibilidade de recurso de decisões da Relação que não conhecendo do mérito da causa não ponham termo ao processo, o mero concurso do requisito, que permitiria ultrapassar a especial limitação do recurso à Relação, será inidóneo para postergar os requisitos gerais, que sempre o precedem.        

Solução diversa, decorrente da consideração isolada ou autónoma das normas do n.º 1 do art. 14º, conteria mesmo a perversão da admissibilidade, em geral, de recursos que o legislador do CIRE quis restringir e que não encontram correspondência, em termos de admissibilidade e tramitação, no regime de recurso em vigor.

Por isso se reitera a afirmação/conclusão de que as normas – regra e excepção – contidas no art. 14º-1 do CIRE, que antes poderiam valer para a admissibilidade dos recursos de revista e de agravo (cujo regime coincidia com o geral), terão, com a reforma processual, ficado com o âmbito de aplicação comprimido, na medida em que apenas aplicáveis aos casos em que a lei processual prevê e admite o recurso de revista, acrescendo-lhes como condição especial da sua admissibilidade.

         Conclui-se, assim, sufragando a fundamentação convocada no despacho do relator, pela inadmissibilidade do recurso de revista interposto.

         2. 2. 3. – Da conclusão a que se chegou no ponto anterior resulta a desnecessidade de apreciação do último dos fundamentos da reclamação, oposto ao entendimento do relator, subsidiariamente manifestado, no sentido da inexistência de oposição entre os acórdãos convocados pelo Recorrente, para preenchimento do pressuposto previsto no n.º 1 do art. 14º do CIRE.

         Apesar de prejudicada a relevância da impugnação, não se diverge dos fundamentos aduzidos e do juízo formulado sobre a questão, para cujos termos se remete.

3. Nesta conformidade, na improcedência das conclusões da respectiva impugnação, acorda-se em:

- confirmar o despacho reclamado; e,

 - condenar o Reclamante nas custas, fixando-se em 2 UC a taxa de justiça.      

                       

  Lisboa, 24 de Maio de 2011

 Alves Velho (Relator)

 Moreira Camilo

Paulo Sá