Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
186/03.2TBCMN.G1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: LOPES DO REGO
Descritores: OBRIGAÇÃO
JUROS
CRÉDITO
EMPRESA COMERCIAL
JUROS MORATÓRIOS
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 02/11/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
Versando o litígio sobre a obrigação da seguradora de ressarcir o seu segurado pelos danos, conexionados com os riscos seguros, sofridos em coisa integrada no estabelecimento comercial do segurado, que exerce actividade empresarial enquadrável no art. 230º do C Com.,estamos perante um crédito de que é titular empresário comercial, por virtude da exercício da respectiva actividade, pelo que, no caso de incumprimento pontual, são devidos juros moratórios `a taxa agravada prevista no art.102º daquele Código.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


1.AA, na qualidade de empresário individual, intentou acção condenatória, com processo ordinário, contra a Companhia de Seguros Tranquilidade, pedindo a condenação desta no pagamento da quantia de €116.778,82 e respectivos juros, com fundamento na celebração de contrato de seguro de máquinas – casco, em função do qual a R. garantia ao segurado o pagamento da indemnização pelas perdas ou danos sofridos acidentalmente pelo bem seguro, em consequência de sinistro previsto no nº 3 do art. 2º da apólice – que efectivamente se verificou, em consequência de incêndio que a danificou irremediavelmente.
A acção foi julgada parcialmente procedente na 1ª instância, sendo a R. condenada a pagar ao A. a quantia de €48.483,17,acrescida de juros de mora, às taxas estabelecidas para operações comerciais.
Inconformada, apelou para a Relação, questionando – no que interessa ao presente recurso, - a fixação da taxa de juros de mora de acordo com as portarias que regulam os juros comerciais: o recurso foi julgado improcedente, por se considerar que o seguro titulado pela apólice tinha a natureza de contrato comercial, não visando garantir a responsabilidade civil do recorrido, mas antes os riscos de perda e dano da máquina, objecto do contrato de seguro e utilizada na actividade comercial desenvolvida pelo A.
2.É desta decisão que vem interposta a presente revista, que a recorrente encerra com as seguintes conclusões:

1-O direito do recorrido AA no recebimento, por parte da recorrente, das quantias reclamadas emerge da circunstância de haver celebrado com esta o contrato de seguro titulado pela apólice n° 00000000

2- Em termos gerais e para o que aqui releva, com a celebração daquele contrato recorrente e recorrido tiveram em vista a cobertura do risco de danos verificados na máquina objecto do seguro, designadamente as indemnizações por danos e perdas materiais sofridos pelo bem seguro em consequência de causa acidental.

3- A recorrente, com a celebração do contrato de seguro em causa, constituiu-se, enquanto responsável civil, na obrigação de indemnizar o recorrido, apuradas que fossem as circunstâncias de algum sinistro que preenchessem os pressupostos dessa mesma obrigação.

4- Revestindo tal obrigação, como reveste, natureza civil, não poderá a obrigação de pagamento de juros revestir natureza comercial, como se decidiu no douto acórdão ora recorrido.

5- No douto acórdão ora recorrido incorreu-se num lapso - ressalvando, sempre, o muito e devido respeito por opinião contrária - que foi o de confundir a natureza da actividade exercida pelo recorrido, e a natureza do contrato celebrado entre recorrente e recorrido, com a natureza da obrigação.

6- Os juros de mora devidos ao recorrido devem assim ser calculados à taxa de juro vigente para as obrigações civis.

7- No douto acórdão recorrido fez-se menos acertada interpretação dos factos e menos acertada aplicação da Lei, designadamente do disposto no art.° 559° do C. Civil e nos art.°s 102° e 425° e segs. do C.Comercial.

Pelo exposto,
Deve a douta sentença ora recorrida ser revogada nos termos supra descritos, assim se fazendo
JUSTIÇA.

3. No caso dos autos, estamos confrontados com um seguro de danos, incidente sobre um elemento corpóreo do estabelecimento comercial do A., empresário em nome individual, cumprindo à seguradora ressarci-lo pela danificação ou perda do bem, consequente a sinistro conexionado com os riscos acautelados pela apólice vigente. Implica isto naturalmente que o


fundamento da obrigação de custear o dano sofrido pelo proprietário dos bens seguros não é o instituto da responsabilidade civil , - como ocorreria num seguro de responsabilidade civil , em que se garante a cobertura da obrigação de indemnizar do tomador de seguro perante terceiros lesados - mas as típicas cláusulas do contrato de seguro de danos em coisas, em que outorgaram inquestionavelmente entidades empresariais, no exercício das suas típicas actividades económicas: a seguradora, de um lado, e o empresário segurado, de outro, - o qual exerce , aliás, actividade enquadrável no art.230º do C:Com.
Perante tal quadro factual e jurídico, não se vê qualquer razão para pôr em causa a aplicabilidade do regime especialmente revisto no art. 103º para os juros moratórios relativos aos créditos de que sejam titulares empresas comerciais, singulares ou colectivas: na verdade, credor da obrigação da seguradora de ressarcir os danos é, neste caso, o titular de uma empresa, conexionando-se manifestamente os riscos seguros com o exercício da sua actividade empresarial ( já que o objecto seguro é precisamente um elemento corpóreo do seu estabelecimento).


4. Nestes termos e pelos fundamentos apontados improcede manifestamente o recurso, pelo que se nega provimento à revista,
Custas pela recorrente.

Lisboa, 11 de Fevereiro de 2010

Lopes do Rego (Relator)
Pires da Rosa
Custódio Montes