Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
4/23.5S5LSB.L1.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: PEDRO BRANQUINHO DIAS
Descritores: RECURSO PER SALTUM
ROUBO
ROUBO AGRAVADO
CONCURSO DE CRIMES
CÚMULO JURÍDICO
PENA ÚNICA
MEDIDA DA PENA
AMNISTIA
PERDÃO
IMPROCEDÊNCIA
Data do Acordão: 03/13/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário :

I. De acordo com a doutrina e a jurisprudência mais relevantes, a determinação da pena do concurso implica, fundamentalmente, duas operações: em primeiro lugar, o tribunal tem de determinar a pena que concretamente caberia a cada um dos crimes em concurso, seguindo o procedimento normal de determinação da pena; em seguida, construirá a moldura penal do concurso, que é uma verdadeira moldura penal, com o seu limite máximo e o seu limite mínimo, dependendo esta operação da espécie ou das espécies de penas parcelares que tenham sido concretamente determinadas.

II. Estabelecida a moldura penal do concurso, o tribunal determinará, então, dentro dos limites daquela, da medida da pena conjunta do concurso, que encontrará em função das exigências gerais da culpa e de prevenção. Mas, para além dos critérios gerais de medida da pena contidos no art. 71.º n.º 1, a lei fornece ao tribunal um critério especial: «Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente» (art. 77.º n.º 1, 2.ª parte).

III. Como acentua, nomeadamente, o Professor Figueiredo Dias, tudo deve passar-se, por conseguinte, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado. Na avaliação da personalidade do agente, revelará, sobretudo, a questão de se saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência ou mesmo a uma “carreira” criminosa ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade. De grande relevo, será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização).

IV. Na situação sub judice, constata-se que o tribunal a quo cumpriu tais procedimentos legais e orientações doutrinais, na determinação da pena conjunta do concurso dos mencionados crimes, ao ter aplicado ao arguido/recorrente uma pena única de 6 anos de prisão, sendo a moldura do concurso, previamente determinada, de 4 (limite mínimo) e 14 anos de prisão (limite máximo).

V. A pena única fixada fica, assim, bem abaixo do ponto médio da referida moldura, pelo que não se pode dizer que é excessiva e desproporcional.

VI. Nesta conformidade, não se justifica uma intervenção corretiva por parte do Supremo Tribunal de Justiça, devendo, por conseguinte, a pena única imposta ser confirmada, por se encontrar bem alicerçada e ser justa, adequada e proporcional.

VII. E confirmando-se a pena única estabelecida, prejudicada fica a possibilidade de suspensão da sua execução, nos termos do art. 50.º n.º 1, do Cód. Penal.

VIII. Também sobre a pretendida aplicação ao caso da Lei n.º 38.º -A/2023, de 2/8 (Perdão de penas e amnistia de infrações) que o tribunal a quo, de forma fundamentada, afastou, não assiste igualmente razão ao recorrente, não podendo, de forma alguma, colher a sua tese, atentas as disposições conjugadas dos arts. 7.º n.º 1 g), da citada lei, e 210.º n.º 1, do Cód. Penal, e 1.º j) e l) e 67.º-A n.ºs 1 b) e 3, do C.P.P.

IX. Nestes termos, acorda-se em negar provimento ao recurso do arguido e, em consequência, manter-se o acórdão recorrido.

Decisão Texto Integral:
Proc. n.º 4/23.5S5LSB.L1.S1

Recurso per saltum

Acordam, em Conferência, na 3.ª Secção Criminal, do Supremo tribunal de Justiça

I. Relatório

1. Por acórdão do Juízo Central Criminal de Lisboa -J18, de 18/10/2023, foi o arguido AA, com os sinais dos autos, condenado de acordo com o seguinte dispositivo, que passamos a transcrever, na parte que ora releva:

Nestes termos, tudo visto e ponderado, julgando a acusação procedente acordam os Juízes que constituem o Tribunal Colectivo:

a) Condenar o arguido na pena de 4 (quatro) anos de prisão, pela prática no dia 29 de Dezembro de 2022, em coautoria material e na forma consumada, de 1 (um) crime de roubo “qualificado”, p. e p. pelos artigos 210.º n.º 1 e 2, alínea b) e 204.º n.º 2, alínea f), todos do Código Penal;

b) Condenar o arguido na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão, pela prática no dia 24 de Janeiro de 2023, em autoria material e na forma consumada, de 1 (um) crime de roubo “qualificado”, p. e p. pelos artigos 210.º n.º 1 e 2, alínea b) e 204.º n.º 2, alínea f), todos do Código Penal;

c) Condenar o arguido na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão, pela prática no dia 2 de Fevereiro de 2023, em autoria material e na forma consumada, de 1 (um) crime de roubo “qualificado”, p. e p. pelos artigos 210.º n.º 1 e 2, alínea b) e 204.º n.º 2, alínea f), todos do Código Penal;

d) Condenar o arguido na pena de 1 (um) anos e 6 (seis) meses de prisão, pela prática no dia 1 de Janeiro de 2023, em autoria material e na forma consumada, de 1 (um) crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210.º n.º 1, do Código Penal;

e) Condenar o arguido na pena de 1 (um) anos e 6 (seis) meses de prisão, pela prática no dia 25 de Janeiro de 2023, em autoria material e na forma consumada, de 1 (um) crime de roubo, p. e p. pelo artigo 2010.º n.º 1, do Código Penal [

f) Em cúmulo jurídico, pelo cometimento dos crimes identificados nas alíneas a), b), c), d) e e) deste dispositivo, condenar o arguido AA na pena única de 6 (seis) anos de prisão;

(…)

2. Inconformado, interpôs o referido arguido, em 19/11/2023, recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, concluindo a sua Motivação, nos seguintes termos (Transcrição):

1) Entende o arguido que a pena aplicada em cúmulo, 6 anos, é excessiva face à postura e colaboração do arguido.

2) Embora se reconheça a gravidade dos crimes, sabemos que os mesmos ocorreram com a participação de outros intervenientes não identificados nos autos.

3) Sabemos que o arguido os praticou devido à dependência que tinha na altura de produto estupefaciente.

4) O arguido tem estado controlado e pretende afastar-se dos locais que frequentava e dos consumos.

5) Nesse âmbito a sua companheira foi residir em ... onde o arguido está recluso, e pretendem nessa cidade recomeçar uma nova vida.

6) O Arguido assumiu toda a factualidade.

7) O arguido quis pedir perdão pessoalmente a todas as vítimas.

8) Mostrou sincero arrependimento.

9) O arguido tem neste momento apenas 22 anos, completará os 23 anos ainda este ano.

10) O arguido tem acompanhamento familiar, e terá oportunidade de assumir um cargo na empresa que a mãe tem.

11) Entende o arguido que deve se aplicado o perdão de penas previsto na Lei n.º 38- A/2023, de 2 de Agosto, pois em causa dois crimes de roubo previstos no artigo 210.º n.º 1

12) Tais crimes não estão excluídos das exceções de aplicação da lei.

13) Na referida lei estão explicitamente excluídos os crimes de roubo qualificados, no âmbito do artigo 210.º n.º 2, ora esses são exatamente os que se referem à criminalidade violenta, pois nesses casos sim, estamos perante criminalidade especialmente violenta, e nesses casos sim, são sempre consideradas vítimas especialmente vulneráveis.

14) Quanto ao Roubo simples, o legislador pretendeu deixá-lo dentro dos crimes que admitem a aplicação do perdão previsto nesse diploma onde se prevê as exceções à aplicação do sobredito perdão, a saber

15) Pelo que não pode o Tribunal generalizar e ir além das exceções que o legislador entendeu aplicar

16) Pelo que deve ser aplicado o perdão, e ser perdoado um ano.

17) Nesses termos passaremos a ter de ponderar uma eventual suspensão de pena.

18) Assim devemos verificar os termos do artigo 50.º do C.P. e socorrermo-nos de tudo o que já foi dito sobre a postura do arguido, da idade, do arrependimento, da vontade de remediar todos os danos causados.

19) Termos em que nos parece ser possível chegarmos a um juízo de prognose favorável, e permitir que o arguido possa cumprir esta pena de forma suspensa, com regime de prova onde teria condições que teriam de ser cumpridas no que toca à prevenção relativa ao consumo de produtos estupefacientes.

Tendo em conta o exposto, entendemos que deve ser reapreciada a moldura penal, e ser aplicada uma pena não superior a 5 anos de prisão, face ao arrependimento, à colaboração do arguido e respetiva confissão integral e sem reservas, entendemos também que deve o arguido ver ser-lhe aplicado um ano de perdão da sua pena nos termos da Lei n.º 38- A/2023, de 2 de Agosto, uma vez que na pena que lhe foi aplicada contam dois crimes, que no nosso entender não são exceções ao referido perdão, e nesses termos e porque a pena seria inferior a 5 anos de prisão, entendemos que nos parece ser possível chegarmos a um juízo de prognose favorável, e permitir que o arguido possa cumprir esta pena de forma suspensa, com regime de prova onde teria condições que teriam de ser cumpridas no que toca à prevenção relativa ao consumo de produtos estupefacientes, sendo que dessa forma se fará JUSTIÇA !

3. Por despacho do Senhor Juiz titular, de 27/11/2023, foi tal recurso admitido, com efeito suspensivo.

4. O Ministério Público, junto do tribunal recorrido, respondeu, em 07/12/2023, ao recurso do arguido, defendendo a sua improcedência.

5. Por decisão sumária da Senhora Desembargadora do TRL, de 10/01/2024, na sequência de promoção do Ministério Público nesse sentido, foi determinada a remessa dos autos a este Supremo Tribunal, por ser o competente para apreciar o recurso em causa, nos termos dos arts. 432.º n.º 1 c) e 417.º n.º 6 a), do C.P.P.

6. Neste Tribunal, o Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu, em 07/02/2024, douto parecer, nos termos do qual, na linha da tomada de posição da sua Colega da primeira instância, entende também o que o recurso não merece provimento.

Observado o contraditório, nada foi acrescentado.

7. Colhidos os vistos e realizada a Conferência, cumpre apreciar e decidir.

II. Objeto do recurso

Considerando o conteúdo das Conclusões apresentadas que delimitam, como é conhecido, o objeto do recurso, sem prejuízo, naturalmente, das questões de conhecimento oficioso, o recorrente entende que lhe deve ser aplicada uma pena única não superior a 5 anos de prisão, face ao arrependimento, à sua colaboração e confissão integral e sem reservas, devendo também ser-lhe aplicado um ano de perdão da sua pena, nos termos da Lei n.º 38- A/2023, de 2/08, e ser suspensa na sua execução, com regime de prova, com particular incidência na prevenção relativa ao consumo de produtos estupefacientes.

III. Fundamentação

1. Na parte que interessa ao julgamento do recurso em questão é do seguinte teor o acórdão recorrido:

(…)

II – FUNDAMENTAÇÃO

Os Factos

Produzida a prova e discutida a causa resultaram os seguintes Factos Provados:

Acusação Pública

[NUIPC 1929/22.0 S5LSB]

1. No dia 29 de dezembro de 2022, cerca das 05H15, o arguido e um outro indivíduo de identidade não apurada, encontravam-se na praça do ..., em ..., quando verificaram que ali também se encontrava o ofendido BB, pelo que de imediato formularam o propósito de se apoderarem de bens e valores que o mesmo tivesse consigo, com recurso á violência física, se a tanto fosse necessário;

2. Para tanto, o arguido dirigiu-se ao ofendido e pediu-lhe uma moeda, enquanto o indivíduo que o acompanhava, permaneceu aos comandos do veículo automóvel de marca, modelo e matrícula desconhecidos, que os transportava;

3. Como o ofendido dissesse não ter moedas e se prontificasse a comprar-lhe um bolo, o arguido recusou;

4. No momento em que o ofendido virou costas, o arguido encostou-lhe uma faca de cozinha, com o cabo de cor branca, às costas e obrigou-o a entrar para o referido veículo e a ocupar o banco de trás do mesmo, entrando também ele de seguida ocupando o lugar ao seu lado;

5. Dali, o referido condutor iniciou a marcha do veículo, e durante o percurso, o arguido desferiu inúmeros socos e pontapés por várias partes do corpo do ofendido, enquanto insistia com este para que fizesse uma transferência de dinheiro por “MB WAY”;

6. Temeroso com aquilo que lhe pudesse acontecer e procurando evitar novas agressões, o ofendido, procurou por diversas vezes proceder à exigida transferência, porém, por erro na gestão de códigos, não o conseguiu fazer;

7. Enquanto o ofendido procurava gerir os códigos de acesso, o arguido disse-lhe por diversas vezes que lhe dava uma facada e que de seguida o lançaria ao rio Tejo;

8. A determinado momento, o arguido pegou no telemóvel de marca “Apple”, modelo “iPhone11 Promax”, no valor declarado de 700€ e puxando-se para si, retirou-o das mãos do ofendido;

9. Percebendo o arguido e quem o acompanhava que o ofendido não lograria gerar os códigos de acesso ao “MBWAY”, enquanto o referido indivíduo abrandou a marcha do veículo, o arguido abriu a porta do mesmo, do lado onde o ofendido se encontrava e empurrou para fora, com aquele ainda em andamento;

10. Na posse o telemóvel o arguido e quem o acompanhava, abandonaram o local para parte incerta;

11. O arguido e quem o acompanhava agiram de forma conjunta, em articulação de esforços e de vontades, no deliberado e concretizado propósito de se apoderarem do telemóvel, bem sabendo que não lhes pertencia e que o faziam contra a vontade de seu dono;

12. Sabiam aqueles que se apresentando perante o ofendido da forma que o fizeram, criariam uma situação de superioridade numérica e de ascendente físico sobre o mesmo e dessa forma o impediriam de reagir aos seus intentos, o qual tolhido pelo medo não esboçou qualquer reação nesse sentido;

***

[NUIPC 4/23.5 S5LSB]

13. No dia 01 de janeiro de 2023, cerca das 04h30m, o arguido encontra-se no cruzamento formado pela Alameda ... e a Rua ..., quando verificou que ali também se encontrava o ofendido CC com o telemóvel da marca “Xiaomi”, modelo “PocoX3Pro”, no valor de €249,90, numa das mãos, pelo que de imediato, decidiu apoderar-se daquele equipamento;

14. Para tanto, aproximou-se do ofendido, pegou no citado equipamento telefónico e puxando-o para si retirou-lhe das mãos;

15. Na posse do telemóvel que fez seu e integrou no seu património, abandonou o local em fuga;

16. Com a conduta descrita o arguido agiu com o propósito de se apoderar do telemóvel, que sabia não lhe pertencer e que o fazia contra a vontade do respetivo dono, o que quis;

17. Como meio para a plena concretização dos seus intentos apropriativos, puxou o telemóvel das mãos do ofendido e assim venceu a resistência que aquela impunha enquanto o segurava;

***

NUIPC 176/23.9 PKLSB

18. No dia 24 de janeiro de 2023, cerca das 23h15m, o arguido encontrava-se na Alameda ..., em ... quando verificou que ali também se encontrava o ofendido DD com o telemóvel da marca “OPPO”, modelo “A54”, no valor de €200,00, numa das mãos, pelo que de imediato, decidiu apoderar-se daquele equipamento;

19. Para tanto, dirigiu-se ao ofendido e pediu-lhe emprestado o telemóvel para contactar com a progenitora, alegando ter ficado sem bateria;

20. Acreditando nas palavras do arguido, o ofendido entregou–lhe o telemóvel, sendo que este, após o receber e enquanto efetuava uma chamada foi caminhando em direção à rua ..., levando o ofendido consigo;

21. Uma vez próximo do supermercado “...”, localizado no nº ...da referida artéria, após finalizar a chamada telefónica, ofendido pediu ao arguido a devolução do telemóvel;

22. Nessa ocasião, o arguido EE desferiu-lhe um empurrão contra a parede e ato contínuo retirou de forma rápida uma navalha de um saco que trazia consigo, encostou-a à barriga do ofendido e disse; “vai embora ou queres levar uma facada?”

23. Na posse do telemóvel que fez seu e integrou no seu património, abandonou o local em fuga;

24. O arguido agiu como o propósito de se apoderar do telemóvel que sabia não lhe pertencer e que o fazia contra a vontade do seu dono, o que conseguiu;

25. Como meio para a plena concretização dos seus intentos apropriativos, encostou a navalha que trazia consigo à barriga do ofendido, o que fez como forma de o levar a não procurar reaver o telemóvel, intenção que este deixou de esboçar logo após a exibição do referido objeto, já que ficou tolhido pelo medo;

***

[NUIPC 188/23.2 PSLSB]

26. No dia 25 de janeiro de 2023, cerca das 23h30m, o arguido encontrava-se na Alameda ..., quando verificou que ali também se encontrava o ofendido FF, pelo que de imediato formulou o propósito de se apoderar do telemóvel que o mesmo tivesse consigo, com recurso á força física se a tanto fosse necessário;

27. Para tanto dirigiu-se ao ofendido e pediu-lhe um cigarro;

28. Após o ofendido lhe ter entregue um cigarro, o arguido exaltado disse: “Dá aí o telemóvel para mandar uma mensagem, olha que ando com uma faca”;

29. Receando poder ser golpeado pela faca anunciada, que acreditou existir, o ofendido entregou-lhe o telemóvel da marca “XIAOMI”, modelo “Redmi”, no valor de €109,99;

30. Na posse do telemóvel que fez seu e integrou no seu património, abandonou o local em fuga;

31. Dias depois usando a aplicação instalada no mesmo efetuou compras no valor total de €36,00;

32. O arguido agiu como o propósito de se apoderar de telemóvel que sabia não lhe pertencer e que o fazia contra a vontade do respetivo dono, o que conseguiu;

33. Como meio para a plena concretização dos seus intentos apropriativos, o arguido anunciou ter consigo uma navalha que poderia utilizar no imediato, o que fez como forma de levar o ofendido a entregar-lhe o referido equipamento telefónico, e também de modo a obstar qualquer resistência por parte daquele, que não esboçou sequer, já que ficou tolhido pelo medo;

***

[NUIPC 185/23.8S5LSB]

34. No dia 02 de fevereiro de 2023, cerca das 15h50m, o arguido encontrava-se na Alameda ..., quando verificou que ali também se encontrava o ofendido GG, pelo que de imediato formulou o propósito de se apoderar do telemóvel que o mesmo tivesse consigo, com recurso à violência se a tanto fosse necessário;

35. Para tanto, dirigiu-se ao ofendido e lhe pediu emprestado o telemóvel para fazer uma chamada;

36. Como aquele se recusou a emprestar o telemóvel, o arguido encostou-lhe uma navalha com o cabo cinzento e castanho com 7cm de lâmina às costelas, que o manteve imobilizado e sequentemente, retirou-lhe o telemóvel da marca “...”, modelo “Redmi Note 8 Pro”, no valor de €350,00, da mão;

37. Já na posse do telemóvel, empunhando a navalha, e num tom agressivo obrigou o ofendido a acompanhá-lo na direção do jardim da Bela Vista;

38. Ali chegados, o arguido retirou ao ofendido HH os fones da Apple no valor de €150,00 e após obrigou que fosse á sua casa buscar 100€, em numerário, para lhos entregar;

39. O ofendido dirigiu-se á casa como lhe fora ordenado e quando ali chegou contatou o sucedido à sua progenitora e já não regressou ao local onde deixara o arguido;

40. Verificando que o ofendido já não regressava, o arguido abandonou o local, levando consigo o telemóvel e os fones, que fez coisas suas e integrou no seu património;

41. O arguido agiu com o propósito de se apoderar dos citados objetos, que sabia não lhe pertencer e que o fazia contra a vontade de seu dono, o que conseguiu;

42. Como meio para a plena concretização dos seus intentos apropriativos, o arguido encostou a navalha que trazia consigo às costelas do ofendido, o que fez como

forma de o levar a entregar-lhe os referidos bens, e também de modo a obstar qualquer resistência por parte daquele, que não esboçou sequer, já que ficou tolhido pelo medo;

43. No dia 03.02.2023 o arguido tinha sua posse uma navalha com cabo cinzento, de comprimento total de 15,5cm e lâmina de 7cm;

44. O arguido agiu sempre livre, deliberada e conscientemente sabendo que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal.

***

Mais se provou

45. O arguido apresentou uma declaração confessória relativamente à globalidade dos factos que lhe foram imputados;

46. Declarou pretender apresentar pessoalmente um pedido de desculpa aos ofendidos (testemunhas arroladas), o que fez exclusivamente com relação a II por ter sido esta a única testemunha que aceitou que o arguido se lhe dirigisse;

47. No momento da prática dos factos, o arguido encontrava-se com sintomatologia de privação de consumo de cocaína/crack;

48. Em meio prisional, não tem consumos de estupefacientes;

***

(condições pessoais, sociais e antecedentes criminais)

49. Do relatório social elaborado pela DGRSP, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 370º e 1º, alínea g), do CPP, fez-se constar que:

“1 – CONDIÇÕES PESSOAIS E SOCIAIS

À data dos factos que originaram o presente processo - que a peças processuais nos permitem situar entre 29/12/2022 e 02/02/2023 - EE apresentava um modo de vida caracterizado por desvinculação familiar, social e laboral. Segundo referiu, desde outubro de 2022, que tinha abandonado a casa onde vivia com a companheira, JJ, de 25 anos de idade, o entendo de 6 anos de idade e a filha de ambos recém-nascida.

EE, alega que, inicialmente deslocou-se para ... com o intuito de procurar trabalho, no que teve dificuldades, pelo que, o seu sustento era assegurado por amigos que ali conheceu. Ainda segundo o arguido, após ter permanecido cerca de um mês naquele país, regressou a ... e não desejou procurar o apoio da mãe, nem da companheira, porque se encontrava a atravessar uma fase de desorganização pessoal e mantinha consumos excessivos de estupefacientes (cocaína e haxixe). Alega que passou então a viver na condição de sem abrigo na região de ....

JJ, companheira, reconhece este facto como verídico e salienta que o arguido apenas a contatava esporadicamente, através de telefone, para lhe dizer que estava bem, sem nunca lhe revelar o seu paradeiro. A companheira recorda com mágoa, que durante o período em que o arguido esteve em paradeiro incerto, nunca demostrou preocupação em assumir o sustento da filha ou cuidado com o bem-estar da família. Por se encontrar a viver com dificuldades económicas e não ter capacidade para pagar sozinha a renda de casa, JJ viu-se forçada a ir viver para casa da sua mãe.

JJ e o arguido iniciaram uma relação de namoro em novembro de 2020 e passaram a viver maritalmente, em casas arrendadas. Ainda segundo a mesma, o inicio do relacionamento amoroso revelou-se estável e harmonioso, mantendo o arguido alguns hábitos de trabalho, ainda que de forma precária. JJ refere ainda que, inicialmente, lhe custou encarar a situação de afastamento que o arguido protagonizou, bem como a sua reclusão, pelo que necessitou refletir e ponderar sobre a continuação da relação amorosa. Presentemente JJ menciona que as divergências estão ultrapassadas e, no futuro, está disponível para continuar a relação amorosa e apoiar o arguido no que se mostrar necessário.

JJ, alega ainda que após a prisão do arguido, o relacionamento entre ela e a mãe passou a revelar-se problemático, porque a mãe não aceita que ela continue a relação com o arguido. Assim, há cerca de dois meses JJ, acompanhada do enteado do arguido, mudou residência para a cidade de ..., onde arrendou um quarto. Refere quem tem intenção de aqui procurar trabalho, para organizar a sua vida e também porque lhe é mais fácil fazer visitas ao arguido no Estabelecimento Prisional. A filha de ambos, até que consiga vaga numa creche em ..., ficou em ... aos cuidados da avó paterna. Atualmente, JJ subsiste com recurso apoios sociais, nomeadamente fundo degarantia de alimentos e abono de crianças e jovens atribuído aos filhos, num valor mensal de aproximadamente 300€. Refere ainda que consegue fazer alguns biscates em limpezas, o que lhe permite assegurar a sua subsistência.

KK, mãe do arguido, salienta que durante alguns meses desconhecia o paradeiro do filho e apenas tomou conhecimento da situação em que ele se encontrava quando ele foi preso. Ainda segundo a mãe, o arguido desde o inicio da adolescência que demonstra uma postura instável a nível emocional e comportamental, com insucesso escolar e comportamentos aditivos. Neste contexto solicitou ajuda junta da Comissão de Crianças e Jovens (CPCJ) da área de residência, e EE integrou a comunidade terapêutica Centro Jovem do Tejo, em .... KK recorda que o arguido apenas aí permaneceu durante alguns meses, depois ausentou-se da instituição sem autorização e andou em parte incerta durante algum tempo. Quando foi encontrado regressou ao agregado materno, onde permaneceu cerca de 15 dias, voltando depois a fugir. A mãe refere que esteve um ano sem saber do paradeiro do arguido e, passado esse tempo, foi contactada por uma ... que a informou que o arguido se encontrava naquele país e apresentava um modo de vida errante e desorganizado. LL regressou então a ... e integrou o agregado materno, constituído pela mãe, padrasto e irmã uterina, agora com 9 anos de idade. Permaneceu neste agregado até iniciar a relação marital com JJ.

Presentemente, a mãe não demonstra disponibilidade para acolher o filho no seu agregado, pois os ressentimentos existentes entre ambos impedem tal intento, e também por motivos familiares. Refere, contudo, que está disponível para o ajudar a nível financeiro, nomeadamente arrendar um espaço para que ele possa viver autonomamente.

Antes de preso preventivamente, LL encontra-se inativo. Segundo refere, para se sustentar contava com apoio alimentar de conhecidos ou de amigos. Admite também que chegou a recorrer a ilícitos para poder satisfazer as suas necessidades básicas.

O arguido registou um percurso escolar instável, apresentando retenções, ocorridas no 1.º ciclo e no 6ºano de escolaridade, nível de ensino que concluiu com 13 anos de idade. Posteriormente ingressou num curso profissional de Restauração e Bar que lhe daria equivalência ao 9º ano de escolaridade, que não concluiu. Do ponto de vista laboral, o arguido destaca o exercício de atividades profissionais diversificadas, de caráter precário e de curta duração.

EE reconhece que, antes de preso, apresentava uma postura de instabilidade emocional e comportamental, gerindo de forma autónoma e desadequada as suas rotinas, assumindo comportamentos desajustados socialmente e consumo de droga (haxixe) que iniciou com 12 anos de idade, em contexto de grupo de pares. Alguns meses antes de preso passou também a consumir cocaína.

Presentemente, em contexto prisional menciona que se mantém abstinente de consumo de drogas e não reconhece a necessidade de qualquer tipo de acompanhamento/tratamento para esta problemática.

2 – REPERCUSSÕES DA SITUAÇÃO JURÍDICO-PENAL DO ARGUIDO

A atual situação jurídico-penal é vivida pelo arguido com angústia e ansiedade, em virtude de ter antecedentes criminais. EE está consciente das eventuais consequências jurídico-penais a que poderá ser sujeito e simultaneamente verbaliza que a experiência de privação de liberdade se mostra negativa, mas tem resultado numa oportunidade de reflexão e mudança comportamental.

Em termos abstratos, demonstra capacidade de entendimento e juízo crítico sobre factos de natureza idêntica aos que lhe são imputados, reconhecendo a sua ilicitude e gravidade.

Em ambiente de reclusão, o arguido tem apresentado um comportamento consentâneo com as normas institucionais. Devido à situação em que se encontra, preso preventivamente, encontra-se inativo.

No Estabelecimento Prisional de ... (jovens) conta com o apoio e visitas da mãe e da namorada, contando ainda com o apoio económico das mesmas.

EE tem apresentado um modo de vida pouco adaptado às normas sociais o que implicou anteriores contactos com o sistema de justiça penal. No âmbito do processo n.º 430/19.4PBOER, pela prática de crime de tráfico de estupefacientes foi condenado numa pena de 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período de tempo. A medida encontra-se em acompanhamento por parte destes Serviços de Reinserção Social.

No âmbito do processo nº 98/19.8PLLRS, pela prática de crime de furto qualificado, foi condenado numa pena de 6 meses de prisão, substituída por 180 horas de trabalho a favor da comunidade. No âmbito desta medida foi efetuado relatório de incumprimento ao processo relacionado com o facto de o arguido apenas ter concluído 12 horas de TFC e não mais ter comparecido na Entidade e Beneficiária do trabalho, nem ter dado qualquer justificação para a sua ausência.

3 – CONCLUSÃO

Antes de preso, EE mantinha um modo de vida desajustado, sem contactos com a família há vários meses. Não desempenhava qualquer atividade laboral, e alega que subsistia com apoio de amigos ou conhecidos, estes com o mesmo modo de vida.

Segundo foi possível apurar, deste o inicio da adolescência que o arguido apresenta uma postura de instabilidade emocional, comportamental e consumos de estupefacientes (haxixe). Por esse motivo houve intervenção da CPCJ da área de residência e EE foi encaminhado para comunidade terapêutica, em .... Na comunidade revelou dificuldades de adaptação, de onde se ausentou sem autorização e sem concluir o programa terapêutico, passando a adotar um modo de vida errante e desorganizado.

Após ter permanecido vários períodos de tempo em paradeiro incerto, um dos quais em ..., regressou a ... e iniciou uma relação marital com JJ. Deste relacionamento tem uma filha, atualmente com 18 meses de idade.

A relação amorosa com a companheira parece não ter sido suficiente contentora de forma a que o arguido adotasse uma postura adequada a nível comportamental e emocional. Logo após o nascimento da filha, EE ausentou-se de casa e não informou o seu paradeiro. Segundo as fontes contactadas também não mostrou preocupação com o bem-estar da filha, nem procurou garantir o sustento da mesma.

Atualmente o relacionamento familiar encontra-se estável, e a companheira mostra-se disponível para o apoiar, o que poderá constituir-se como um fator de proteção e poderá adjuvar a sua reinserção social.

A mãe, apesar de se mostrar desiludida com os comportamentos do filho, visita-o no ..., e mostra-se disponível para o apoiar financeiramente, sobretudo arrendar um espaço onde o arguido possa viver autonomamente.

Em meio livre EE apresentou fraco investimento a nível escolar e laboral e vinculação a grupo de pares com comportamentos aditivos. Estes factos terão contribuído para que o arguido apresente anteriores contactos com o sistema de justiça penal.

Em contexto prisional, o arguido apresenta um comportamento consentâneo com as regras e normas institucionais.

Em termos abstratos relativamente a factos de idêntica natureza àqueles pelos quais se encontra acusado, o arguido reconhece o carácter danoso dos mesmos e a existência de vítimas. Face ao exposto, verificamos estar perante um jovem com necessidades de intervenção, nomeadamente ao nível da importância do enquadramento profissional/formativo; dos contactos sociais em atividades de lazer e ocupação de tempos livres estruturadas e pró-sociais e na resolução de problemas de autogestão e autocontrolo.

A problemática aditiva e instabilidade emocional constituem-se uma problemática que necessita de acompanhamento/tratamento, apesar de o arguido não reconhecer essa necessidade.

50. O arguido beneficia do apoio da sua mãe;

51. Sofreu as seguintes condenações anteriores:

a) por sentença de 8 de Outubro de 2021, transitada em julgado no dia 8 de Novembro de 2021, no processo comum (singular) n.º 98/19.8PLLRS, JLC de Loures, Juiz 2, na pena de 6 meses de prisão substituída por 180 horas de trabalho, pela prática no dia 29 de Janeiro de 2019, de 1 crime de furto qualificado, p. e p. pelo artigo 203.º e 204.º n.º 1, alínea b), do Código Penal;

b) por sentença de 3 de Maio de 2022, transitada em julgado no dia 26 de Outubro de 2022, no processo comum (singular) n.º 430/19.4PBOER, JLC de Oeiras, Juiz 1, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa por igual período, pela prática no dia 13 e Maio de 2019, de 1 crime de tráfico de quantidades diminutas e de menor gravidade, p. e p. pelo artigo 25.º, do Decreto-lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro.

(…)

IV – MOLDURA PENAL - DETERMINAÇÃO DAS MEDIDAS CONCRETAS DAS PENAS

Feito pela forma descrita o enquadramento jurídico-penal da conduta do arguido, importa agora proceder à fixação concreta da medida das penas, sendo o crime de roubo “simples” punido com pena de prisão de 1 a 8 anos e, o roubo “qualificado” punido com pena de prisão de 3 a 15 anos (artigos 210.º n.º 1 e 2, alínea b) e 204.º n.º 2, alínea e), ambos do Código Penal);

***

Nos termos do artigo 71.º/3 do Código Penal, “na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena”.

No mesmo sentido, o n.º 1 do artigo 375.º do CPP prevê que. “a sentença condenatória especifica os fundamentos que presidem à escolha e à medida da sanção aplicada”

Assim, enquadrada juridicamente a conduta do arguido e apurada a responsabilidade criminal, importa agora expor os fundamentos que irão presidir à medida das penas a aplicar.

A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, devendo levar-se em conta que, nos termos previstos no artigo 40.º do CP, a pena não pode, em caso algum, ultrapassar a medida da culpa.

Culpa e prevenção são os dois termos do binómio com auxílio do qual será construído o modelo da medida da pena.

A medida da pena, além de determinada em função da culpa do arguido e das exigências de prevenção geral e especial, deve atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra aquele, devendo o Tribunal atender, nomeadamente, ao grau de ilicitude do facto, à culpa do agente, a intensidade do dolo ou negligência, aos sentimentos manifestados no cometimento do crime, aos fins ou aos motivos que o determinaram, às condições pessoais do agente e à sua situação económica, à conduta posterior e anterior ao facto e à falta de preparação, revelada através dos factos, para manter uma conduta conforme às prescrições ético-jurídicas.

Pela prevenção geral (positiva) faz-se apelo à consciencialização geral da importância social do bem jurídico tutelado, visando o restabelecimento ou revigoramento da confiança da comunidade na efectiva tutela penal dos bens tutelados.

Já pela prevenção especial pretende-se a ressocialização do delinquente (prevenção especial positiva) e a dissuasão da prática de futuros crimes (prevenção especial negativa).

***

Cotejando os factos do caso sub judice, e tendo em conta os princípios supra referidos, verificamos que:

-Mostram-se elevadíssimas exigências de prevenção geral (positiva e negativa) quanto aos crimes cometidos pelo arguido, tendo em consideração a frequência do cometimento de ilícitos desta natureza, no caso concreto, exceptuando a actuação sobre HH, sempre durante a noite e madrugada, sendo essencial que a comunidade em geral, sinta a actuação eficaz do Estado, impondo-se desincentivá-las de forma eficaz, consciencializando a comunidade para o seu desvalor;

- No que concerne às exigências de prevenção especial, se antedermos apenas aos antecedentes criminais do arguido, tenderíamos a considerá-las moderadas na medida que não cometera crimes de roubo. No entanto, não podemos alhear-nos da idade do arguido, ainda relativamente jovem, mas já condenado por crimes relacionados com tráfico (ainda que de menor gravidade) e de furto qualificado. Em reclusão, abandonou os hábitos de consumo de “crack” (que manteve durante poucos meses) conhecida como uma droga geradora de fortíssima adição, sendo que no caso do arguido, foi durante o período de consumo que actuou da forma considerada. Mais, sem passar por um patamar intermédio em termos de gravidade das suas condutas, logo se iniciou em roubos de maior gravidade e repercussão, com molduras penais mais elevadas, pelo que, atenta a relativa facilidade com que os cometeu, não podemos deixar de concluir terem-se por moderadas as exigências de prevenção especial.

- Há que ponderar a intensidade da culpa do agente, que sabia de antemão que não podia proceder da forma como fez, e ainda assim não se coibiu, conhecendo a proibição e punição da sua actuação.

No entanto, teremos que ter em consideração, a circunstância da actuação do arguido ter subjacente a dependência do consumo de cocaína, encontrando-se a sua capacidade de acção e da sua vontade condicionada pela dependência do consumo daquela droga (dura).

“Ainda que a toxicodependência não anule a consciência do acto nem a liberdade de acção, não isentando, por isso, a responsabilidade criminal do agente, há que reconhecer que a pressão que a satisfação do vício exerce sobre o mesmo, é susceptível de enfraquecer, de algum modo, os mecanismos de autocontrolo, com o inerente reflexo no grau de culpa” [Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 9 de Março de 2017, n.º 74/16.2PAVFC.S1, 3ª secção, Relator, Rosa Tching, in www.dgsi.pt]

- No que respeita à ilicitude, não é elevada perante o valor dos objetos dos quais se apropriaram e a repercussão física das suas condutas na pessoa dos ofendidos;

- O modo de execução dos crimes, não revela grande sofisticação, não deixando de ser relevado a actuação do arguido sobre MM, que forçou a entrar no veículo, empurrou para o exterior do mesmo, assim que estava na posse do objecto que pretenda fazer seu e que não conseguiria aceder à conta bancária do ofendido, evidenciando um claro e manifesto desprezo relativamente àquele individuo, quando poderia pura e simplesmente ter feito parar o automóvel para que a sua vítima o abandonasse.

- Os factos ocorreram num período bastante limitado, mas terá que ser considerado que a conduta do arguido cessou com a sua detenção e os consumos só pararam com a sujeição a meio prisional;

- Não revela inserção profissional, mas capacidade para integrar o mercado de trabalho, beneficiando do apoio da mãe;

- O arrependimento do arguido terá necessariamente que ser relevado em seu benefício na determinação da medida concreta da pena, tendo manifestado o seu propósito em apresentar um pedido de desculpa às suas vítimas;

- O arguido assumiu logo no início do julgamento uma postura confessória e de arrependimento.

Tudo ponderado, devendo a pena ser fixada em termos que constitua uma verdadeira sanção, visando a protecção dos bens jurídicos violados e a reintegração dos agentes na sociedade, o tribunal decide aplicar as seguintes penas ao arguido:

- 4 (quatro) anos de prisão, pela prática no dia 29 de Dezembro de 2022, em coautoria material e na forma consumada, de 1 (um) crime de roubo “qualificado”, p. e p. pelos artigos 210.º n.º 1 e 2, alínea b) e 204.º n.º 2, alínea f), todos do Código Penal [MM];

- 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão, pela prática no dia 24 de Janeiro de 2023, em autoria material e na forma consumada, de 1 (um) crime de roubo “qualificado”, p. e p. pelos artigos 210.º n.º 1 e 2, alínea b) e 204.º n.º 2, alínea f), todos do Código Penal [NN];

- 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão, pela prática no dia 2 de Fevereiro de 2023, em autoria material e na forma consumada, de 1 (um) crime de roubo “qualificado”, p. e p. pelos artigos 210.º n.º 1 e 2, alínea b) e 204.º n.º 2, alínea f), todos do Código Penal [HH];

- 1 (um) anos e 6 (seis) meses de prisão, pela prática no dia 1 de Janeiro de 2023, em autoria material e na forma consumada, de 1 (um) crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210.º n.º 1, do Código Penal [II];

- 1 (um) anos e 6 (seis) meses de prisão, pela prática no dia 25 de Janeiro de 2023, em autoria material e na forma consumada, de 1 (um) crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210.º n.º 1, do Código Penal [OO];

***

Concurso de crimes

Perante uma concreta conduta ou uma pluralidade de condutas, podemos estar perante uma situação de:

-concurso efectivo de crimes, que será real, quando o agente pratica vários actos que preenchem autonomamente vários crimes ou várias vezes o mesmo crime (pluralidade de acções) e, ideal, quando através de uma mesma acção se violam diversas normas penais ou a mesma norma repetidas vezes (unidade de acção);

-concurso aparente de crimes, onde as leis penais concorrem só na aparência, excluindo umas as outras, segundo regras de especialidade, subsidiariedade ou consumpção.

No caso concreto dos autos, conclui o Tribunal, que o arguido praticaram actos que “preencheram” em concurso efectivo (real) os crimes que lhe foram imputados.

***

Pena única

Nos termos do artigo 77º, n.º 1, do Código Penal “Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa pena única. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.”

A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes (artigo 77º, n.º 2, do Código Penal).

Tendo em conta o supra exposto, encontramos com facilidade a pena abstracta dentro da qual se situará a pena única aplicável ao arguido, sendo fixada entre os 4 (quatro) e os 14 (catorze) anos de prisão.

***

A fixação da pena conjunta pretende sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas também e especialmente pelo respectivo conjunto – não como mero somatório de factos criminosos, mas enquanto facto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente, ponderando os factos por si cometidos e a sua personalidade.

“Estabelece o art. 77.º, n.º 1, do CP que o concurso é punido com uma pena única, em cuja medida são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente. E o n.º 2 acrescenta que a pena única aplicável tem como limite máximo a soma das penas parcelares (não podendo ultrapassar 25 anos de prisão) e como limite mínimo a mais elevada das penas parcelares.

Optou o legislador penal, na punição do concurso de crimes, por um sistema de pena conjunta, e não de pena unitária, uma vez que impôs a fixação das penas correspondentes a cada um dos crimes em concurso, e é das penas parcelares que se parte para a fixação da moldura penal do concurso (enquanto que, segundo o sistema de pena unitária, seria aplicável uma única pena ao agente, sem determinação prévia das penas referentes a cada infração)” [Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 16 de Maio de 2019, Maia Costa, in dgsi].

No momento da fixação da pena conjunta, a proporcionalidade e a proibição do excesso (evidente no recurso ao cúmulo material), deverá o Tribunal recorrer à ponderação entre a gravidade do comportamento ou atividade global (do concurso de crimes), as caraterísticas da personalidade do arguido e a gravidade da medida da pena conjunta no ordenamento punitivo.

Segundo J. Figueiredo Dias, na escolha da medida da pena única “tudo deve passar-se, por conseguinte, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido a atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)” [“Direito Penal Português, as consequências jurídicas do crime”, Coimbra Editora, 3ª reimpressão, pág. 291-292, § 421].

Revertendo à situação dos autos, verificamos que é muito limitado o período da actuação do arguido.

O Tribunal não pode deixar de proceder a uma avaliação conjunta dos factos, procurando aferir a gravidade global do comportamento, sendo que o arguido visava a apropriação de bens com vista à posterior “troca” por crack destinado a “aliviar” os efeitos da adição que padecia.

Na determinação da pena única, terá ainda que ser relevada a personalidade do arguido, que revelou sincero arrependimento tendo procurado apresentar um pedido de desculpa às vítimas.

Assim, em face do que se deixou acima consignado, e perante o juízo de aferição das medidas concretas das penas a aplicar ao arguido já explicitado, nunca descurando as elevadíssimas exigências de prevenção geral, o Tribunal Colectivo julga justa adequada e proporcional, satisfazendo as finalidades da punição, a condenação do arguido AA numa pena única de 6 (seis) anos de prisão.

O arguido é condenado, além do mais, pela prática de 2 (dois) crimes de roubo, previsto e pelo artigo 210º, n.º 1, do Código Penal.

Conforme decorre do disposto no artigo 7º, n.º 1, alínea g) da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto, não beneficiam do Perdão e da Amnistia previstos no Diploma Legal citado, os condenados, além do mais, por crimes praticados contra vítimas especialmente vulneráveis, nos termos do artigo 67º-A do Código de Processo Penal, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de Fevereiro.

Nos termos do disposto no n.º 3, do referido artigo, as vítimas de criminalidade violenta e de criminalidade especialmente violenta são sempre consideradas vítimas especialmente vulneráveis, sendo que o crime de roubo, p.e p. no n.º 1, do artigo 210.º do Código Penal se inclui na definição conferida pela alínea j), do artigo 1.º do CPP e é punido com pena de prisão de máximo igual a 8 anos de prisão, pelo que se impõe concluir que estamos perante uma situação de excepção à aplicabilidade da referida Lei, não beneficiando o condenado de perdão, porquanto se mostra condenado pela prática de crime contra vítimas especialmente vulnerável - cfr. alínea g), do artigo 7.º da Lei Lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto, ex vi artigos 1.º, alíneas j) e l), 67.-A do CPP.

(…)

2. Pondo apenas o recorrente em causa a medida concreta da pena conjunta aplicada pelo tribunal recorrido, que, recorde-se, foi de 6 (seis) anos de prisão, diremos que, tendo por base a doutrina1 e a jurisprudência2 mais relevantes, a determinação da pena do concurso implica, fundamentalmente, duas operações: em primeiro lugar, o tribunal tem de determinar a pena que concretamente caberia a cada um dos crimes em concurso, seguindo o procedimento normal de determinação da pena; em seguida, construirá a moldura penal do concurso, que é uma verdadeira moldura penal, com o seu limite máximo e o seu limite mínimo, dependendo esta operação da espécie ou das espécies de penas parcelares que tenham sido concretamente determinadas.

Estabelecida a moldura penal do concurso, o tribunal determinará, então, dentro dos limites daquela, da medida da pena conjunta do concurso, que encontrará em função das exigências gerais da culpa e de prevenção. Mas, para além dos critérios gerais de medida da pena contidos no art. 71.º n.º 1, a lei fornece ao tribunal um critério especial: «Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente» (art. 77.º n.º 1, 2.ª parte).

Como acentua o Professor Figueiredo Dias3, tudo deve passar-se, por conseguinte, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado. Na avaliação da personalidade do agente, revelará, sobretudo, a questão de se saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência ou mesmo a uma “carreira” criminosa ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade. De grande relevo, será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização).

Feito este enquadramento, podemos verificar que o tribunal a quo cumpriu, na situação concreta, tais procedimentos legais e orientações doutrinais, na determinação da pena conjunta do concurso dos mencionados crimes, ao ter aplicado ao arguido/recorrente uma pena única de 6 anos de prisão, sendo a moldura do concurso, previamente determinada, de 4 (limite mínimo) e 14 anos de prisão (limite máximo)4.

A pena única fixada fica, assim, bem abaixo do ponto médio da referida moldura, pelo que não pode dizer-se que é excessiva e desproporcional.

O Tribunal não deixou de proceder a uma avaliação conjunta dos factos, procurando aferir a gravidade global do comportamento, sendo que, conforme realçou, o arguido visava a apropriação de bens com vista à posterior “troca” por crack, destinado a “aliviar” os efeitos da adição que padecia.

Teve ainda em consideração a personalidade do arguido, que revelou sincero arrependimento tendo procurado apresentar um pedido de desculpa às vítimas. Por outro lado, como não podia deixar de ser, teve ainda em conta as elevadas exigências da prevenção geral.

Mostra-se, assim, a pena única aplicada adequada à conduta do arguido, pelo que nenhuma censura nos merece o acórdão recorrido.

Nesta conformidade, não se justifica uma intervenção corretiva por parte do Supremo Tribunal de Justiça, devendo, por conseguinte, a pena única imposta ser confirmada, por se encontrar bem alicerçada e ser justa, adequada e proporcional.

E revalidando-se a pena única fixada, prejudicada fica a pretendida suspensão da sua execução, nos termos do art. 50.º n.º 1, do Cód. Penal.

Por último, sobre a aplicação da Lei n.º 38.º -A/2023, de 2 de agosto (Perdão de penas e amnistia de infrações) que o tribunal a quo, de forma fundamentada, afastou, não assiste, aqui, também razão ao recorrente, sendo, como salienta o Senhor Procurador-Geral Adjunto, da mais linear compreensão a razão de ser do decidido, a este propósito, não podendo colher, de modo algum, a tese do recorrente, atentas as disposições conjugadas dos arts. 7.º n.º 1 g), da citada lei, e 210.º n.º 1, do Cód. Penal, e 1.º j) e l) e 67.º-A n.ºs 1 b) e 3, do C.P.P.

IV. Decisão

Em face do exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso do arguido AA e, em consequência, manter-se o acórdão recorrido.

Custas a cargo do recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 6 UC.

Lisboa, 13 de março de 2024

(Processado e revisto pelo Relator)

Pedro Branquinho Dias (Relator)

Ana Barata de Brito (Adjunta)

Teresa de Almeida (Adjunta)

________________________




1.Por todos, Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime, 1993, Aequitas Editorial Notícias, pg. 283 e ss., Maria João Antunes, Penas e Medidas de Segurança, 2.ª ed., Almedina, pg. 71 e ss., Anabela Mirando Rodrigues, A determinação da medida da pena privativa de liberdade, 1995, Coimbra Editora, pg. 520 e ss., e Artur Rodrigues da Costa, O Cúmulo jurídico na Doutrina e na Jurisprudência do STJ, JULGAR n.º 21, Setembro-Dezembro de 2013, pg. 172 e ss.

2.Entre outros, os acórdãos do STJ de 11/10/2023, relator o Senhor Conselheiro Ernesto Vaz Pereira, Proc. n.º 3673/22.0T8PNF.P1.S1, de 11/7/2023, relatora a Senhora Conselheira Maria do Carmo Silva Dias, Proc. n.º 5310/19.0JAPRT.G1.S1, de 18/5/2022, relatora a Senhora Conselheira Helena Fazenda, Proc. n.º 388/20.7GDSTB.S1 e de 16/5/2019, relator o Senhor Conselheiro Nuno Gonçalves, Proc. n.º 765/15.5T9LAG.E1.S1, todos disponíveis em www.dgsi.pt.

3. Ob.cit., pgs. 291 e 292.

4. Art. 77.º n.º 2, do Cód. Penal.