Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
08P1417
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: FERNANDO FRÓIS
Descritores: RECURSO DE REVISÃO
NOVOS FACTOS
MENOR
INIMPUTABILIDADE
CORRECÇÃO DA DECISÃO
Nº do Documento: SJ200805140014173
Data do Acordão: 05/14/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: AUTORIZADA A REVISÃO
Sumário :

I - O recurso de revisão constitui um meio extraordinário de reapreciação de uma decisão transitada em julgado, e tem como fundamento principal a necessidade de se evitar uma sentença injusta, de reparar um erro judiciário, por forma a dar primazia à justiça material em detrimento de uma justiça formal.
II - Um dos fundamentos do recurso de revisão é a existência de novos factos (art. 494.º, n.º 1, al. d), do CPP), isto é, de factos cuja existência era ignorada ao tempo do julgamento, que não foram valorados no julgamento porque desconhecidos do tribunal – embora pudessem ser conhecidos do arguido no momento em que o julgamento teve lugar.
III - Por outro lado, é condição essencial que tais factos provoquem uma grave dúvida (e não apenas uma qualquer dúvida) sobre a justiça da condenação.
IV - É de autorizar o recurso de revisão se, depois do trânsito em julgado da decisão condenatória, o tribunal teve conhecimento de que o arguido era, à data dos factos, menor de 16 anos, tendo apenas 13 anos de idade.
V - Com efeito, a sentença cuja revisão se requer resultou de um erro substancial, quanto à idade do arguido, erro esse que determinou, indevidamente, o exercício da acção penal e subsequentes acusação, julgamento e sentença, sendo certo que a decisão correcta teria sido o arquivamento do processo crime, por inadmissibilidade legal, o que se traduz numa modificação essencial da sentença, não permitida pela simples correcção ao abrigo do art. 380.º, n.º 1, al. b), do CPP.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

A Exmª Magistrada do MºPº junto do 2º Juízo Criminal de Lisboa interpôs recurso para revisão de sentença, com os fundamentos seguintes:

Por sentença de 18 de Dezembro de 2006, proferida no processo nº 121/01.2S6LSB, da 3ª Secção do 2º Juízo Criminal de Lisboa, foi o arguido AA, identificado nos autos, condenado na pena de 7 (sete) meses de prisão, pela prática de um crime de resistência e coacção sobre funcionário, p. e p. pelo artigo 347º do Código Penal.

O julgamento foi realizado na ausência do arguido, nos termos dos artigos 333º-1 e 196º-3-d), do Código de Processo Penal.

A sentença transitou em julgado em 16 de Março de 2007.

Tal sentença julgou procedente a acusação que havia sido deduzida, porque provados os factos ali descritos, da autoria daquele arguido, ocorridos em 27 de Fevereiro de 2001.

Por isso, e porque os elementos de identificação do arguido, existentes à data, indicavam como data do seu nascimento o dia 25 de Janeiro de 1984, aquele teria mais de 16 anos à data dos factos.

Por isso, seria responsável criminalmente.

Posteriormente à notificação da sentença e ao seu trânsito em julgado, apurou-se que o arguido não nasceu na data que constava dos autos mas sim em 25 de Janeiro de 1998, pelo que, à data dos factos, tinha apenas 13 anos.

Por isso, o arguido era inimputável em razão da idade, sendo legalmente inadmissível o procedimento criminal, pelo que processo teria de ser arquivado.

Tal não sucedeu tão só por erro identificativo do arguido, agora confirmado.

Assim, tendo havido acusação e sentença condenatória devido àquele erro, tais actos processuais mostram-se legalmente inadmissíveis.

Por isso, a sentença proferida nos autos não pode produzir efeitos pois, sendo a condenação ilegal por força do artigo 19º do Código Penal, é necessariamente injusta, devendo a decisão ser revista de modo a ser declarada a absolvição daquele menor, inimputável.

Juntou documentos.

O Ex.mº Juiz prestou a informação a que alude o artigo 454º do Código de Processo Penal na qual considera ser de autorizar a revisão.

Neste Supremo Tribunal, o Exmº rocurador-Geral Adjunto emitiu parecer em que conclui igualmente pela autorização da revisão.

Colhidos os vistos, o processo foi à conferência.

Cumpre decidir.

O MºPº tem legitimidade para requerer a revisão – artigo 450º-1-a), do Código de Processo Penal.

“In casu”, podem considerar-se assentes os seguintes factos:

No dia 11 de Dezembro de 2006, no 2º Juízo Criminal de Lisboa e no processo nº121/01.2S6LSB , foi submetido a julgamento em processo comum e perante Tribunal Singular, o arguido AA, filho de BB e de CC, nascido a 25 de Janeiro de 1984 em Guiné-Bissau, solteiro, estudante, então com residência na Praça Dr. ........., Lote ...., .. – C, Lisboa.

Era-lhe imputada a prática de um crime de resistência e coacção sobre funcionário, p. e p. pelo artigo 347º do Código Penal, praticado no dia 27 de Fevereiro de 2001, pelas 17 horas, na Alameda dos Oceanos, Parque das Nações, em Lisboa.

Esse julgamento foi realizado na ausência do arguido nos termos dos artigos 333º-1 e 196º-3-d), ambos do Código de Processo penal, e com documentação da prova, nos termos do artigo 364º do mesmo diploma legal.

A final – porque provados os factos constantes da acusação – designadamente que: 1 - No dia 27 de Fevereiro de 2001, pelas 17 horas, na Alameda dos Oceanos, Parque das Nações, em Lisboa, verificaram-se alguns distúrbios, os quais envolviam o arguido; 2 – Com o propósito de estabelecer a ordem pública, vários agentes da PSP resolveram intervir; 3 – Em consequência e porque o arguido não possuía qualquer identificação, foi decidido que teria de ser conduzido à esquadra policial; 4 – Contudo, nesse momento de intervenção policial, o arguido desfere um forte empurrão ao agente policial DD, logrando que caísse prostrado no solo; 5 – Em resultado da queda, o ofendido ficou com um hematoma no joelho esquerdo, sendo assistido de seguida no Hospital de S. José, onde lhe foi diagnosticada uma contusão no joelho; 6 – O arguido ao empurrar o agente policial, agiu com o propósito de impedir que tal agente de autoridade o interceptasse e o detivesse, apesar de saber que se tratava de agente policial no exercício das suas funções; 7 – O arguido agiu voluntária, livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei; 8 – O arguido tem os seguintes antecedentes criminais: a) no processo comum colectivo nº 50/04.8SULSB, da 7ª Vara, 3ª Secção, do Tribunal Criminal de Lisboa, por acórdão de 25.05.2005, pela prática de um crime de roubo agravado, um crime de furto de uso de veículo e um crime de detenção ou tráfico de armas proibidas, praticados em 24.11.2004, foi condenado na pena única de 3 anos e 3 meses de prisão; b) no processo comum colectivo nº 779/04.0PLLSB, da 8ª Vara, 1ª Secção, do Tribunal Criminal de Lisboa, por acórdão de 30.05.2005, pela prática de um crime de roubo na forma tentada, praticado em 03.01.2004, foi condenado na pena de 2 anos de prisão; c) no processo comum colectivo nº 779/04.0PLLSB, da 8ª Vara, 1ª Secção, do Tribunal Criminal de Lisboa, por acórdão de 14.07.2005, foi realizado cúmulo jurídico entre as anteriores condenações, fixando-se a pena única em 4 anos de prisão; d) no processo comum colectivo nº 1771/04.08PTLSB, da 4ª Vara, 1ª Secção, do Tribunal Criminal de Lisboa, por acórdão de 25.10.2005, pela prática de um crime de furto simples, de dois crimes de roubo agravados, sendo um na forma tentada e outro consumado, praticados em 24.10.2004, foi condenado na pena única de 7 anos e 6 meses de prisão - foi aquele arguido condenado, pela prática do crime que lhe era imputado, na pena de 7 (sete) meses de prisão.

A sentença respectiva, proferida no dia 18 de Dezembro de 2006, foi notificada àquele arguido, no Estabelecimento Prisional de Leiria, no dia 01 de Março de 2007.

E transitou em julgado em 16 de Março de 2007.

Pretende agora o Exmº Magistrado do MºPº a revisão dessa sentença com o fundamento de que o arguido julgado e condenado, era menor – e, portanto, legalmente inimputável criminalmente - ao tempo da prática dos factos por que foi condenado.

Os casos de revisão de sentença estão expressamente previstos no artigo 449º do Código de Processo Penal.

Só nos casos e com os fundamentos ali taxativamente enumerados é que pode ter lugar aquela revisão.

E compreende-se que assim seja pois, importando o recurso de revisão o “sacrifício” do caso julgado, a estabilidade das decisões transitadas – corolário da segurança jurídica – só deve ser admitido em casos pontuais e expressamente previstos na lei.

Tal recurso constitui um meio extraordinário de reapreciação de uma decisão transitada em julgado e tem como fundamento essencial a necessidade de se evitar uma sentença injusta, a necessidade de reparar um erro judiciário, de modo a dar primazia à justiça material em detrimento de uma justiça formal.

Destina-se a corrigir uma sentença que se mostra flagrantemente injusta em virtude, p.ex. do conhecimento superveniente ao respectivo trânsito em julgado, de novos factos ou novos meios de prova.

Na verdade, um dos fundamentos do recurso de revisão é a existência de factos novos (cfr. artº 494º-1-d), do CPP), isto é, de factos que, por um lado, fossem ignorados ao tempo do julgamento e, por outro, que tais factos provoquem uma grave dúvida (e não apenas uma qualquer dúvida) sobre a justiça da condenação.

Trata-se de factos que não tenham sido apreciados no processo que conduziu á condenação e que, desconhecidos na ocasião do julgamento, suscitem graves dúvidas sobre a culpabilidade do arguido.

E quando dizemos ignorados ao tempo do julgamento ou desconhecidos na ocasião do julgamento, isso não significa que não fossem ou não pudessem ser conhecidos pelo arguido no momento em que o julgamento teve lugar (neste sentido cfr. Maia Gonçalves in CPP anotado, pág. 982 e acórdão deste STJ de 03.04.1990 in Processo 41800/3ª).

Significa tão só que se trata de factos que não foram valorados no julgamento porque desconhecidos do tribunal.

Tendo isto em consideração, cremos que, no caso em apreço, a decisão a rever se alicerçou num pressuposto de facto que não se verificava.

Na verdade, tendo os factos – que levaram à condenação – sido praticados pelo arguido AA no dia 27 de Fevereiro de 2001, foi aquele condenado porque se teve por assente que o mesmo nascera no dia 25 de Janeiro de 1984.

Era essa a informação que constava do processo aquando do julgamento (cfr. o auto de notícia de fls. 3, acusação de fls.83 vº e TIR de fls. 131).

Sendo assim, face a essa informação, na data da prática daqueles factos – 27.02.01 – o arguido AA teria já 17 anos feitos.

Pelo que seria imputável criminalmente face ao estatuído no artigo 19º do Código Penal, segundo o qual “os menores de 16 anos são inimputáveis”.

Ora, já depois do trânsito em julgado da referida decisão condenatória, o tribunal teve conhecimento que o arguido nascera realmente no dia 25 de Janeiro de 1988 (e não em 25.01.1984).

Esse conhecimento adveio da junção ao processo, dos documentos – todos respeitantes ao citado arguido AA – que constituem fls. 29 a 57 (mandado de detenção emitido pela Polícia Judiciária em 03.12.2004; do pedido de autorização de residência de menor, dirigido ao Ministério da Administração Interna/Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, deferido em 16.03.00; da cédula de inscrição consular nº ...... do Consulado Geral em Lisboa, da República da Guiné Bissau emitida em 07 de Maio de 1999; do passaporte nº .......... emitido pela República da Guiné-Bissau; da declaração emitida em 16 de Agosto de 2002 pela Exmª Subdirectora do Centro Educativo de São Fiel – Instituto de Reinserção Social de que, em 16.08.2002 e desde 17.04.2002, AA ali se encontra internado por ordem do Tribunal de Família e Menores de Lisboa – Proc. Tutelar nº ..../...-.....ª Secção; do termos de responsabilidade assinado por BB, datado de 26.08.2002; e da autorização de residência nº .... emitida pelo Ministério da Administração Interna – Serviço de Estrangeiros e Fronteiras em 19.03.2003).

Recorde-se, aliás, que o julgamento foi realizado na ausência do arguido.

Sendo assim, como é, resulta claro e seguro que o dito arguido AA, à data da prática dos factos (supra descritos e pelos quais foi condenado no processo nº 121/01.2S6LSB do 2º Juízo Criminal de Lisboa, 3ª secção) tinha apenas 13 anos de idade.

Por isso, era, então, inimputável criminalmente (cfr. artº 19 do Código Penal).

Pelo que, aquele processo contra ele instaurado e no qual acabou por ser condenado, deveria ter sido arquivado face ao preceituado no artº 277º-1, in fine, do Código de Processo Penal (o procedimento criminal era legalmente inadmissível).

Se a data correcta e verdadeira do nascimento do arguido fosse conhecida do julgador aquando do julgamento, obviamente que não teria havido condenação.

A decisão teria sido outra e bem diferente: indubitavelmente, a de mandar arquivar o processo crime.

Decorre do exposto, claramente, que a sentença cuja revisão se requer, resultou de um erro substancial quanto á idade do arguido, erro esse que determinou, indevidamente, o respectivo exercício da acção penal e subsequentes acusação, julgamento e sentença condenatória.

E só posteriormente ao trânsito em julgado da respectiva sentença condenatória veio a ter-se conhecimento que, á data dos factos que praticou e por que foi condenado, o arguido era menor e, portanto, inimputável criminalmente.

Isto é, a injustiça – no caso sub Judice, a ilegalidade – da condenação, só se vem a revelar pelos factos novos (no sentido apontado de que não foram apreciados e considerados no processo que levou à condenação porque desconhecidos do julgador, sendo certo que a novidade dos factos avalia-se quanto ao processo, ao seu julgador e não relativamente ao arguido; o fundamento da alínea d) do artº 449º do CPP é entendido como exclusivamente “pro reo” – cfr. Ac. deste STJ de 16.02.2000, in Proc. 713/99, 3ª S).

Ora, não obstante ter sido submetida a julgamento e condenada a pessoa que praticou os factos constantes da sentença, isto é, apesar de a pessoa condenada ter sido efectivamente aquela que cometeu o crime, embora erradamente identificada, a verdade é que, no caso sub Júdice, não basta a simples rectificação da sentença no que respeita à identificação do arguido.

É que essa correcção acarreta a inimputabilidade em razão da idade – artº 19º do CPenal e a consequente irresponsabilidade criminal do condenado.

Assim, o erro evidenciado implica uma modificação essencial da sentença, não podendo subsistir a condenação penal. Mas também não é possível a correcção da mesma, nos termos do artigo 380-1-b, do CPP.

Sendo assim o facto novo justifica e impõe que seja autorizada a revisão da sentença (com o fundamento previsto no artº 449º-1-d) do Código de Processo Penal).

Decisão:

Pelo exposto, acorda-se em autorizar a revisão,

Sem custas.

Oportunamente, remeta para apensação aos autos onde foi proferida a decisão a rever – artº 452º do CPP.

Lisboa, 14 de Maio de 2008


Fernando Fróis (relator)

Armindo Monteiro
Pereira Madeira