Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
5985/13.4TBMAI.P1.S2
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: LUIS ESPÍRITO SANTO
Descritores: PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
TRIBUNAL SUPERIOR
DECISÃO JUDICIAL
DEVER DE OBEDIÊNCIA
PODERES DA RELAÇÃO
INCUMPRIMENTO
NULIDADE DE ACÓRDÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
EXCEÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO
BAIXA DO PROCESSO AO TRIBUNAL RECORRIDO
Data do Acordão: 01/31/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: REVISTA PROCEDENTE.
Sumário :

I – Não compete ao Supremo Tribunal de Justiça sindicar, reanalisar ou reponderar o mérito e o sentido do veredicto de um anterior acórdão do mesmo Supremo Tribunal de Justiça proferido nos autos, quiçá revendo-o, para chegar eventualmente à conclusão de que tal decisão constituiu afinal um equívoco ou que estaria pura e simplesmente errada, desde logo face ao efeito de caso julgado constituído por esse acórdão do Supremo Tribunal de Justiça.

II – Neste contexto, ao Tribunal da Relação – instância judicial inferior – compete apenas e só, nos termos do artigo 152º, nº 1, do Código de Processo Civil, a estrita obrigação de cumprir com todo o zelo, rigor e atenção, ponto por ponto, o que lhe foi ordenado pelo Supremo Tribunal de Justiça – instância judicial superior -, sem tecer quaisquer outras considerações que pretensamente justifiquem o não conhecimento dessa matéria, mormente ajuizando da sua irrelevância ou inutilidade para a decisão da causa.

III – Perante o incumprimento do ordenado no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça quanto aos pontos de facto especificados que cumpria apreciar, o acórdão recorrido é nulo, sendo os autos remetidos ao Tribunal da Relação para estrito e integral cumprimento da decisão.

IV – O Tribunal da Relação na elaboração do seu acórdão encontra-se, nos termos gerais do artigo 608º, nº 2, do Código de Processo Civil, adstrito ao dever de pronúncia sobre a excepção de não cumprimento tal como se encontrava configurada na réplica e, não o tendo feito, a pretexto de considerar tratar-se (erroneamente) de uma questão nova não suscitada nos articulados, incorreu no vício de omissão de pronúncia, o qual é causa de nulidade do acórdão nos precisos termos do artigo 615º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil.


V - Não constituindo o Supremo Tribunal de Revista tribunal de substituição relativamente à nulidade com fundamento na omissão de pronúncia, nos termos do artigo 684º, nº 1 e 2, do Código de Processo Civil, é ao Tribunal da Relação que compete conhecer desta questão jurídica, antes omitida, sendo-lhe os autos remetidos (também) para este efeito.

Decisão Texto Integral:

Revista nº 5985/13.4TBMAI.P1.S2

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção - Cível).

I - RELATÓRIO.

Instauraram AA, viúva, residente na Rua ..., Portugal, representada pela sua filha e sua tutora, BB, também ela A.; CC, residente na Rua ...; DD, residente na Rua ... e EE, residente na Rua ..., a presente acção contra Município da Maia, representado pela Câmara Municipal da Maia, por sua vez representada pelo seu Presidente e contra o Estado Português, representado pelo Ministério Público.

Essencialmente alegaram:

A A. AA foi declarada interdita, estando o início da sua incapacidade fixada em 2005/2006.

Os AAs. são donos dos imóveis que estão identificados na petição inicial, na proporção de ½ para a A. AA e 1/8 para cada um dos demais As..

O Município da Maia sempre reconheceu este direito de propriedade.

O Município da Maia ocupou parte destes terrenos no fim de 1981, princípios de 1982, reservando-os para a construção de escolas e centro de saúde.

Mais tarde, no início de 1988, foi vedado o terreno ocupado tendo em vista a construção do Agrupamento de Escolas do ..., tendo esta sido efectuada e financiada por ambos os RR., tendo sido assinado um protocolo visando tal construção.

Ambos os RR. ocuparam os terrenos sem o conhecimento ou autorização dos AA., colocando-os perante factos consumados, aproveitando-se da fraqueza, inexperiência, idade e condição social da 1ª A. e do seu ascendente sobre os filhos.

Esta ocupação causou angústia à 1ª A., levando-a à doença de que padeceu, tendo por isso de ser interditada.

O Município sempre disse que pagaria aos AA. o preço dos terrenos.

Os eventuais acordos existentes com a Câmara são nulos por vício de forma.

Os AA. deixaram de poder utilizar os terrenos desde a data da sua reserva.

Os RR. ficaram com os terrenos sem pagar o que quer que seja aos AA., sendo devido o pagamento do preço respectivo.

Os RR. estão impedidos de utilizar a parcela sobrante dos terrenos, sendo devido aos As. o valor dessa desvalorização.

Toda esta situação foi geradora de danos para os AA., que devem ser indemnizados.

Concluem formulando os seguintes pedidos:

I - a) Condenar-se os réus a reconhecerem que os autores são donos e legítimos possuidores da totalidade dos prédios identificados nos artigos nº 9 e seguintes desta PI.

b) Declarar-se que a sua detenção parcial pelos réus é ilegal, por não terem qualquer título que a legitime.

c) Ser declarado nulo o protocolo de acordo e quaisquer outros celebrados entre o Réu Município e os autores por vício de forma, por ser (em) insusceptível (eis) de transmitir a propriedade, e, em consequência,

d) Serem declarados ineficazes os Protocolos e acordos celebrados entre os autores e réu-Município, em virtude da anterior nulidade do(s) negócio(s) celebrado(s) entre o Réu Município e os AA. e se não fosse caso disso, subsidiariamente e relativamente a I, c) e d) e) Ser declarados nulos todos os negócios dada a incapacidade mental da primeira autora.

f) Ainda subsidiariamente, ser declarada a resolução do(s) Protocolo(s) outorgado(s) entre os AA. e o Réu Município, com fundamento em incumprimento por parte dos RR. e/ou alteração anormal das circunstâncias.

II - E em todos os casos condenar-se os réus:

a) A desocupar, esvaziar e restituir aos autores os prédios livres e desonerados de pessoas e bens e no estado em que se encontravam à data da sua ocupação e, em simultâneo condenar-se ambos os réus, solidariamente, a pagar aos autores o valor de 14.345.396,85€, que é o equivalente aos juros legais desde a reserva até à data, ou no justo valor.

b) ou, se a restituição não fosse possível, condenar-se ambos os réus, solidariamente, a pagar aos autores o valor dos terrenos correspondente em dinheiro, que é o valor dos terrenos no montante de 6.006.240,00€ e juros legais sobre aquele seu valor desde a reserva, no montante de 14.345.396,85€, tudo somando 20.351.636,85€, ou subsidiariamente condenar os réus, solidariamente, a pagar o justo preço dos terrenos ocupados acrescido dos justos juros.

c) E, em todos os casos, ainda devem ser condenados os réus, solidariamente, a pagar uma indemnização pela reserva e ocupação, desde 1981/1982, até à efectiva restituição do imóvel, a fixar equitativamente ou naquela que se vier a liquidar.

III a) E se os pedidos anteriores não fossem procedentes serem condenados os RR., com fundamento em enriquecimento sem causa, a restituir aos AA. os referidos terrenos, livres e desonerados e no estado em que se encontravam à data da sua ocupação e, solidariamente, a pagar uma indemnização pela reserva e ocupação, desde 1981/1982, até à efectiva restituição dos terrenos, no valor equivalente de juros às sucessivas taxas legais, no montante de 14.345.396,85€ ou, subsidiariamente, no valor a fixar equitativamente ou naquele que se vier a liquidar.

b) ou se a restituição não fosse possível, condenar-se a pagar, solidariamente, o valor correspondente em dinheiro, que é o valor do terreno no montante de 6.006.240,00€, e juros legais sobre aquele valor desde a reserva no montante de 14.345.396,85€, tudo somando 20.351.636,85€.

c) Ou, quando assim se não entendesse, condenar-se os réus, solidariamente, a pagar o justo preço do terreno ocupado, acrescido dos juros legais no valor de 20.351.636,85€, desde a data da reserva, ou ainda subsidiariamente condenar-se os réus, solidariamente, a pagar noutro valor dos terrenos e nos juros a fixar, equitativamente, ou a liquidar.

d) E, em todos os casos, ainda devem ser condenados os réus, solidariamente, a pagar uma indemnização pela reserva e ocupação, desde 1981/1982, até à efectiva restituição do imóvel, a fixar equitativamente ou naquela que se vier a liquidar.

IV- Bem como devem os RR, em qualquer caso, ser condenados, solidariamente, a pagar aos autores a quantia de 32.553,62€ a que se referem os artigos 247º a 257º desta peça.

V - Em todos os casos, condenar-se os RR, solidariamente, a pagar aos autores o prejuízo tido com o terreno sobrante no valor de 6.446.715,65€ (seis milhões quatrocentos e quarenta e seis mil setecentos e quinze euros e sessenta e cinco cêntimos) ou, subsidiariamente, noutro calculado equitativamente ou a liquidar.

VI - Em todos os casos, condenar-se os réus, solidariamente, a pagar à primeira autora a quantia de 100.000,00€ (cem mil euros) por danos morais, a que se referem os artºs 242º e ss. ou noutra quantia a fixar equitativamente ou a liquidar e relativamente aos outros quatro autores a quantia de 50.000,00€ para cada um (artº 245º), ou noutra quantia a fixar equitativamente ou a liquidar.

VII - a) E, em todos os casos, condenar-se os réus, solidariamente, a pagar juros legais de mora relativamente a todas as quantias atrás mencionadas que se forem vencendo, desde 15/10/2013 ou desde a citação, ou desde a sentença, até à data da efectiva restituição e pagamento.

VIII - Sempre, e para o caso de se entender que a sanção não é automática, deve condenar-se os réus, solidariamente, a pagar uma sanção pecuniária compulsória correspondente à taxa de 5% ao ano sobre o valor da dívida, e ainda no caso de eventual não restituição dos terrenos, desde o trânsito em julgado da sentença, nos termos do artº 829º-A, nº 4, e outros do Código Civil.

EM TODOS OS CASOS os Autores receberão nas proporções de ½ para a primeira autora e 1/8 para os restantes, com excepção do pedido VI que tem o valor aí indicado.

Os RRs. foram devidamente citados, tendo ambos contestado.

O 1º R., o Município da Maia, veio contestar, excepcionando a incompetência material do Tribunal, entendendo ser competente o foro administrativo, e invocando a ineptidão da petição inicial.

Alegou ainda a prescrição da pretensão indemnizatória fundada na responsabilidade civil extracontratual deduzida pelos As. nos pontos II, IV, V, VI e VII, pelo decurso do prazo de 3 anos.

Mais alegou a prescrição do direito dos As. formulado em III, fundado no enriquecimento sem causa, pelo decurso do prazo de 3 anos.

Os juros peticionados não são devidos pois que deveriam ser considerados apenas a partir da citação, invoca também a prescrição do direito aos juros pelo decurso do prazo de 5 anos.

Quanto ao mais, impugnou a generalidade dos factos relevantes alegados na petição inicial.

Refere que nunca colocou em causa o direito de propriedade dos AA.; a ocupação que foi realizada foi consentida pelos AA, no âmbito de uma negociação encetada entre ambos; é ilícita a reserva após a celebração do protocolo de 2001 constituindo abuso do direito; não existe qualquer nulidade do protocolo celebrado entre as partes, constituindo este um contrato-promessa; não existe qualquer incapacidade mental da A. AA na data em que os acordos foram celebrados; não existe fundamento para a resolução do contrato celebrado por alteração anormal das circunstâncias ou incumprimento do R., pois que este não existe; o R. nunca se apropriou dos terrenos reconhecendo que os mesmos pertencem aos AA..

Peticionam em reconvenção que seja reconhecido que o R. Município da Maia tem direito à execução específica do contrato – promessa celebrado e que, assim, seja proferida sentença que substitua a declaração negocial de doação relativamente às parcelas de terreno identificadas.

O 2º R., o Estado português, representado pelo Ministério Público, veio contestar, excepcionando a competência material do Juízo Cível da ..., entendendo ser competente para a tramitação destes autos a jurisdição administrativa,

Quanto ao mérito da acção, alegou que o Estado português adquiriu por usucapião pois que a construção do Agrupamento Escolar foi iniciada em 1989, à vista de toda a gente, sem oposição de quem quer que fosse, estando o mesmo aberto desde 31 de Outubro de 1992, de forma ininterrupta.

Subsidiariamente, invoca que sempre teria adquirido a parcela de terreno em causa por acessão industrial imobiliária.

No mais, e no geral, impugnou a factualidade alegada pelos AA., alegando ser alheio à negociação mantida entre AA. e o Município da Maia, desconhecendo grande parte da factualidade alegada.

Deduziu ainda pedido reconvencional, peticionando o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre os imóveis onde foi construído o Agrupamento Escolar e, subsidiariamente, a sua aquisição por acessão.

Os AA. vieram replicar, alegando a competência material do Tribunal Comum; a violação contínua dos direitos dos As., não correndo prazos de prescrição enquanto decorreram negociações, aplicando-se prazos de prescrição e interrupção quando uma das partes é incapaz, sendo aplicável o disposto no art. 1292º do C. Civil; o R. Município da Maia está a agir de má-fé e em abuso do direito; o direito do R. reconvinte estaria prescrito, se existisse, sendo nulo por falta de reconhecimento de assinaturas e por incapacidade da 1ª A.; o contrato-promessa é insusceptível de execução por não haver mora ou incumprimento, não estando cumprida a parte a que o Município se obrigou; verificou-se a alteração das bases negociais e alteração das circunstâncias; os representantes dos doadores não podem fazer doações, podendo esta ser revogada; o protocolo é nulo como doação ou promessa de doação; a reconvenção deduzida pelo R. Município é inepta.

Na mesma data, os As. apresentaram outro articulado de réplica, agora dirigido contra a contestação do R. Estado.

Foi realizada audiência prévia, na qual se proferido despacho saneador que admitiu o pedido reconvencional deduzido por ambos os Rs.; fixou o valor da acção em € 29.736.404,68; julgou improcedente a excepção de incompetência material deduzida pelos RR.; julgou improcedente a excepção de ineptidão da petição inicial; relegou para esta decisão a apreciação das questões de prescrição que foram suscitadas; fixou o objecto do litígio: seleccionou os factos assentes e os temas da prova.

A A. AA faleceu em 17 de Maio de 2014, tendo sido habilitados como seus herdeiros os demais As., seu filhos (apenso B).

Foi proferida sentença em 1ª instância que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência:

I - a) Condenou os RR. Município da Maia e Estado a reconhecer que os As. são proprietários da totalidade dos prédios inscritos na matriz predial rústica sob os arts. 125 e 127.

b) Declarou que a detenção que o R. Município da Maia fez relativamente a 579 m2 de área do prédio inscrito na matriz predial rústica sob o art. 125, com a construção do centro de saúde, não tem qualquer título que a legitime.

c) Condenou o R. Município a pagar aos As. a quantia de € 83.376,00 (oitenta e três mil trezentos e setenta e seis euros) a título de indemnização em substituição da obrigação de restituição desta parcela de terreno com a área de 579 m2, sendo tal valor actualizado desde 4 de Junho de 2003 até à data desta decisão, nos termos do disposto no art. 24.º do C. Expropriações, de acordo com os índices de preços no consumidor, com exclusão da habitação, publicados pelo Instituto Nacional da Estatística.

d) Esta quantia é devida aos As. na proporção de 1/2 para os sucessores da 1ª A. e na proporção de 1/8 para cada um dos demais As..

e) Condenou ainda o mesmo R. a pagar aos AA. juros de mora contabilizados nos termos desta decisão, sobre a quantia referida em c), devidamente actualizada, desde a citação até integral pagamento, sendo aplicável qualquer alteração de que seja introduzida à taxa de juro civil.

f) Condenou ainda o mesmo R. a pagar aos AA. juros compulsórios de 5% sobre a mesma quantia, desde a data do trânsito em julgado desta decisão e até ao seu pagamento.

g) Absolveu os Rs. Estado e Município da Maia de todos os demais pedidos formulados pelos As..

II – Julgou a reconvenção deduzida pelo R. Município procedente e, em consequência, declarou a execução específica do contrato-promessa celebrado, determinando a transferência para o R. Município da propriedade das parcelas de terreno do prédio inscrito na matriz predial rústica no art. 125, freguesia de ..., identificadas no acordo celebrado e constante de fls. 225, ficando o R. Município obrigado a prestar aos As. as contrapartidas constantes desse mesmo acordo, nos seus exactos termos:

- parcela B, com a área de 4.150 m2 utilizada para instalação da Escola Pré Primária e Primária (superfície parcial);

- parcela C com a área de 16.422 m2 utilizada para instalação da Escola Preparatória e Secundária;

- parcela D com a área de 14.595 m2 utilizada para instalação da Escola Secundária (superfície parcial);

e ainda três parcelas destinadas a arruamentos e baías de estacionamento: - parcela E com a área de 62,4 m2;

- parcela F com a área de 6.255 m2; - parcela G com a área de 890 m2.

III – Julgou a reconvenção deduzida pelo R. Estado improcedente, absolvendo todos os As. do pedido reconvencional deduzido pelo R. Estado.

Vieram os AA. interpor recurso de revista, apresentando as seguintes conclusões:

1.ª O litígio em apreço nos autos teve início numa decisão unilateral e arbitrária do Município da Maia, tomada na década de 80, de utilizar um terreno pertencente aos Recorrentes para nele implantar um complexo escolar, sem, todavia, o pretender comprar ou, no limite, expropriar, mediante o pagamento de uma justa contrapartida.

2.ª Para atingir o seu objectivo, e obter dos Recorrentes a autorização para a ocupação das parcelas do terreno onde seriam construídas as escolas, o Município fez-lhes crer que lhes seria atribuída, em compensação, uma capacidade construtiva equivalente à que teriam obtido em todo o terreno, que tinha inicialmente uma área total de 72.500 metros quadrados, mediante o aumento dessa parte sobrante através da aquisição pelo Município a terceiros de outros terrenos confrontantes que o mesmo cederia àqueles.

3.ª Depois de longos anos a aguardar a definição concreta por parte do Município de contrapartidas adequadas e proporcionadas ao valor das parcelas de terreno em causa, os Recorrentes, já com as escolas construídas e a funcionar, assinaram no final do ano de 2001 um protocolo que lhes foi apresentado por aquele (nestas alegações designado “Protocolo”), onde, finalmente, se estabelecia por escrito uma plataforma de entendimento, com as bases e linhas gerais que se traduziriam na concretização e posterior celebração de um contrato que os mesmos sempre consideraram que seria de permuta e através da qual seriam ressarcidos justa e adequadamente da cedência que iriam realizar.

4.ª No entanto, na presente acção, em que os Recorrentes pediram que o Município fosse condenado a indemnizá-los pela dita ocupação, o Protocolo foi transformado num contrato-promessa, e julgado procedente o pedido reconvencional deduzido pelo Município, de execução específica do mesmo.

5.ª E a transmissão da propriedade dos terrenos foi feita nos termos do sobredito Protocolo, ou seja, de forma, senão gratuita, muito próxima disso, por isso que as alegadas contrapartidas a cargo do Recorrido — que se traduzem afinal numa mão cheia de nada, numa promessa de aprovação de um projecto que não se sabe qual é e na realização subsequente de umas “obras necessárias” também sem conteúdo definido — são seguramente de valor muitíssimo inferior ao dos ditos terrenos.

6.ª O Tribunal a quo não viu nenhum vício no aludido Protocolo e foi absolutamente insensível ao contexto em que o mesmo surgiu e que o explica, agarrando-se à letra do mesmo e a um respeito dogmático por aquilo que considerou ser a liberdade e autonomia de vontade das partes, como se o Protocolo não tivesse de ser interpretado com base em toda a factualidade relevante que antecedeu a sua celebração (ao longo de quase 20 anos!) e como se estivéssemos numa relação negocial entre partes iguais e igualmente fortes. Com isso, manteve a decisão que privou os Recorrentes de diversas parcelas do seu terreno, sem saberem concretamente qual a contraprestação a efectuar pelo Município e, sobretudo, o respectivo valor, que o Município nunca quantificou. Nem as Instâncias.

7.ª O recurso de revista é admissível porque, tendo o Supremo Tribunal de Justiça ordenado a baixa do processo para que o Tribunal da Relação apreciasse a impugnação da matéria de factos relativamente a um conjunto de pontos de facto, que especificou, o Tribunal a quo não cumpriu essa determinação relativamente aos factos 26-A, 26-B e 26-C, e também relativamente aos factos 37-A e alíneas g) e h) da 3.ª conclusão do recurso de apelação.

8.ª Ao omitir a efectiva apreciação da impugnação dos factos acima indicados, o douto acórdão recorrido incorreu em violação do caso julgado formado sobre o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, que julgou relevante aquela matéria de facto e ordenou que fosse efectivamente apreciada a impugnação do julgamento da mesma (art. 620.º, n.º 1, do C.P.C.), pelo que é admissível o presente recurso de revista nos termos do disposto no art. 629.º, n.º 2, al. a), do C.P.C..

9.ª Por outro lado, no acórdão recorrido, a Relação, ainda que incorrendo nos vícios acima apontados, que levaram a que alguns dos factos não tivessem sido considerados, julgou provado um conjunto relevante de factos que não tinham sido tidos em conta em Primeira Instância, com relevância para a apreciação e decisão das questões do carácter usurário do Protocolo e da sua nulidade por ofensa dos bons costumes.

10.ª Esses factos foram os que foram aditados pela Relação à matéria de facto assente sob os n.ºs 37-A, 73-A, 74-B, 74-C, 85-A, 94-A, 99-A, 99-B, 104-A e 109.

11.ª Não obstante a decisão da Relação ser de confirmação do decidido em Primeira Instância, a Relação chega a esse resultado através de um caminho essencialmente distinto, que a levou a discutir a aplicação de um instituto (a usura) e de um regime jurídico que não haviam sido considerados na sentença da Primeira Instância.

12.ª Donde se dever reconhecer, como se fez no acórdão do STJ de 7 de Novembro de 2017 (proc. n.º 919/15.4T8PNF.P1.S1) que “a decisão recorrida, nesta última vertente, confirmou a de instância, mas com uma fundamentação essencialmente diferente, o que arreda o obstáculo posto pelo art. 671º 3 do CPC à admissibilidade do recurso”.

13.ª Para a eventualidade que, por dever de patrocínio se considera, de o recurso de revista “normal” acima interposto não ser admitido por se considerar existir a situação de dupla conformidade do artigo 671.º, n.º 3, do C.P.C., é também interposta revista excepcional, ao abrigo do disposto no art. 672.º, n.º 1, als. a) e c), do C.P.C.

14.ª O fundamento da revista excepcional está, por um lado, no facto de estar em causa uma questão que, pela sua relevância jurídica, é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito e, por outro lado, na relevância social das questões apreciadas e decididas na presente acção.

15.ª A decisão recorrida assenta, do ponto de vista jurídico, na qualificação de um Protocolo celebrado entre os Recorrentes e o Município da Maia, cuja natureza jurídica é debatida nos presentes autos. Logo surge aqui, por conseguinte, uma primeira questão jurídica controvertida, da natureza jurídica de determinados instrumentos inseridos em processos negociais entre particulares e entes públicos, em que se discute na doutrina e nos Tribunais, com resultados muitas vezes não coincidentes, se estamos perante instrumentos juridicamente vinculantes ou não e, se sim, se se trata de autênticos contratos, maxime contratos-promessa.

16.ª Conexionada com esta, é discutida nos autos uma outra questão de inegável relevância jurídica, que é a do carácter oneroso ou gratuito da cedência dos terrenos dos Recorrentes. Prevendo-se no Protocolo que os terrenos serão transmitidos gratuitamente para o Município, e que este se obriga a um conjunto de contrapartidas, e caso se aceite que estamos perante um contrato-promessa, será este uma promessa de transmissão onerosa dos terrenos, como entenderam as Instâncias, ou antes uma promessa de doação (ou de negócio misto com doação), tendo em conta a patente desproporção entre o valor dos terrenos a ceder e o das referidas contrapartidas.

17.ª Essa outra questão é, também ela, de relevância jurídica paradigmática, transcendendo a sua utilidade os limites dos presentes autos. E suscita uma outra, muito discutida na doutrina e nos tribunais, que é a de saber se é válida e admissível uma promessa de doação e se, sendo-o, é susceptível de execução específica.

18.ª Na presente acção, está em causa uma questão entre os proprietários do terreno onde foram construídos relevante equipamentos públicos no centro da cidade da Maia, uma escola que é sede do agrupamento escolar do ... e um centro de saúde, para além de arruamentos e estacionamento, na qual os Recorrentes invocam terem aqueles equipamentos sido construídos nos seus terrenos sem título que o legitimasse — o que só por si demonstra a relevância social do litígio.

19.ª Tal relevância social é comprovada pela grande repercussão junto do público que o litígio adquiriu, como o demonstram as frequentes notícias nos órgãos de comunicação social locais e nacionais a seu respeito.

20.ª A substância do que se discute na acção é também susceptível de dar à decisão que nela for proferida uma repercussão social muito para além dos limites do processo: está em causa, no entender dos Recorrentes, um acto abusivo de um ente público municipal, de ocupação de terrenos privados e criação de uma espécie de factos consumados, acompanhada de uma negociação em que, com respeito das regras da boa fé, se procura conduzir o particular a um resultado profundamente desequilibrado, em que fica privado dos terrenos e de uma compensação minimamente razoável.

21.ª O acórdão recorrido foi proferido na sequência de um anterior, datado de 24 de Março de 2020, que foi anulado por douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 14 de Outubro de 2021, em virtude de se ter considerado que “a Relação errou ao rejeitar a impugnação da matéria de facto” relativamente a determinados pontos de facto, a saber: 23-C, 26-A, 26-B, 26-C, 37-A, 37-B, 73-A, 84-A, 84-B, 85-A, 99-A, 99-B, 155-A, 155-B (tal como foram numerados no recurso de apelação, por referência à decisão de facto da Primeira Instância), e os referidos nas alíneas g) e h) da 3.ª conclusão desse recurso.

22.ª O Tribunal da Relação aditou alguns dos aludidos factos, sendo que rejeitou outros em termos tais que se deve considerar ter incumprido o acórdão do Supremo, porque se absteve novamente de apreciar a impugnação de facto com os mesmos argumentos apresentados no 1.º acórdão, violando o caso julgado.

23.ª Por outro lado, na fixação dos factos materiais da causa, o acórdão recorrido incorreu em violação de regras de direito probatório material, relativamente aos factos indicados na apelação como 23-A, 26-A, 26-B, 26-C, 37-A (o documento de fls. 347) e o facto da alínea g) da 3.ª conclusão desse do recurso.

24.ª Acresce que, o Tribunal a quo, na apreciação da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, recusou — injustificadamente, no entender dos Recorrentes — o aditamento de factos relativos a comportamentos abusivos do Município, antecedentes à celebração do Protocolo, os quais revelam a prepotência que este assumiu perante os Recorrentes, e o uso do seu poder para retirar vantagens indevidas da situação de boa fé e de fragilidade e sujeição em que os Autores foram colocados, perante o facto consumado da ocupação do seu terreno e a demora na negociação das contrapartidas, que foram diminuindo ao longo do tempo até à sua completa indefinição.

25.ª Sendo que desconsiderou muitos desses factos com o argumento de ter sido celebrado o Protocolo, quando o que estava em causa era justamente factualidade que — por demonstrar a postura do Município desde o início do longo processo e as demais circunstâncias, conhecidas e desconhecidas dos Recorrentes, que os levaram à assinatura desse documento— se destinava a pôr em causa a relevância que o Tribunal de Primeira Instância lhe dera.

26.ª Entre os factos “desvalorizados” por ambas as Instâncias conta-se, desde logo, a manifestação pública feita pelo Município do seu propósito de utilizar o terreno (todo ele) dos Recorrentes, sem um contacto prévio com estes; as primeiras propostas de acordo efectuadas pelo Recorrido que colocavam os Recorrentes numa posição totalmente diferente da que resulta do Protocolo; que o Município considerou que a cedência das parcelas do terreno dos Recorrentes, nos termos que vieram a ser “protocolados”, era um “negócio” vantajoso para ele; que nunca deu a conhecer as avaliações que fez, das parcelas e das contrapartidas que a final se propunha conceder, não obstante o Recorrido não ter sequer alegado que essa informação teria sido transmitida aos Recorrentes.

27.ª E veja-se que foi dado como não provado que “as parcelas de terreno tivessem sido ocupadas sem autorização ou consentimento dos AAs.”, sem qualquer referência na decisão à causa dessa autorização, e ao modo e ao quando.

28.ª Aliás, de acordo com os factos dados como não provados, o Município não se aproveitou de nada, nem mesmo do seu jus imperium e, demais disso, toda a situação com que os Recorrentes se viram confrontados e o longo caminho que tiveram de percorrer por causa da decisão do Município de ocupar a “...” da Maia, que era o terreno dos Autores, não lhes causou nenhum stress, nenhuma angústia, não teve qualquer efeito psicológico ou de outro tipo na vida dos Recorrentes e na da sua Mãe, já falecida...

29.ª Dada a extensão da matéria de facto, os Recorrentes assinalam como relevantes os factos relativos às relações entre as partes (incluindo o Réu Estado), desde a decisão unilateral do Município, no início da década de 80, da intenção de usar o terreno pertencente aos Autores para implantar um complexo escolar, os posteriores contactos entre os Autores e a Câmara Municipal, o Protocolo celebrado entre a DREN e o Município, que este incumpriu, prestando ao Estado a informação falsa de que já havia adquirido o tereno para a construção das escolas, e assim impedindo que os Autores beneficiassem de uma expropriação por parte daquele, as minutas de protocolo iniciais que foram apresentadas aos Autores em 1990 e 1995, por confronto com teor do Protocolo de 2001, a apresentação de um projecto por parte da 1.ª Autora em 1997, com uma capacidade construtiva equivalente à inicialmente proposta, em 1990, pelo Presidente da Câmara Municipal e a proposta que esta lhe efectuou em 2000, e que incluía como condição a aprovação do dito projecto, o arquivamento do mesmo projecto pela Câmara em Outubro de 2001, as avaliações internas do Município que se lhe seguiram e que os Autores desconheciam e que traduziam uma desproporção de 3 para 1 entre o valor dos terrenos e as contrapartidas, e a celebração do Protocolo em Dezembro desse ano, bem como o envio pelo Município aos Autores de uma minuta de escritura de doação, em Outubro de 2002, onde, pela primeira vez lhes deu a conhecer os valores, muito abaixo do valor do mercado, que tinha atribuído às parcelas.

30.ª No douto acórdão recorrido o Tribunal da Relação decidiu não conhecer da excepção de não cumprimento do contrato por entender que se trata de questão “totalmente nova, que não foi suscitada pelos Autores/Recorrentes até agora, designadamente no seu articulado de resposta às reconvenções”.

31.ª Sucede, porém, que a matéria em causa foi efectivamente invocada na réplica, pelo que, ao recusar-se a conhecer deste fundamento do recurso, o Tribunal da Relação incorreu em omissão de pronúncia sobre uma questão nele suscitada, o que é causa de nulidade do acórdão recorrido (art. 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC).

32.ª A matéria da excepção de não cumprimento foi alegada nomeadamente nos arts. 37.º a 43.º da réplica, sob a epígrafe “porque não está cumprida a parte do Município”, nos quais os Recorrentes alegam e defendem que não é possível a execução específica do suposto contrato-promessa porque tal contrato suporia obrigações recíprocas e o Município não cumpriu as suas obrigações, traduzidas nas contrapartidas a que se teria vinculado — estando com isso a invocar a excepção de não cumprimento do contrato como impeditiva da execução específica.

33.ª No entender dos Recorrentes, com a celebração do Protocolo de 2001 as partes não se vincularam a celebrar um concreto contrato, mas antes estabeleceram uma plataforma de entendimento, definiram bases e linhas gerais que se traduziriam na concretização e posterior celebração de um contrato individualizado e pormenorizado, que poderia até ser precedido, então sim, de um contrato-promessa.

34.ª O Protocolo surgiu como mais uma etapa de um processo negocial longo, difícil e mesmo tortuoso que vinha sendo conduzido pelo Município da Maia, que não traduzia uma vontade de vinculação dos Recorrentes a transferir para o Município os terrenos de que eram proprietários de forma gratuita ou contra um conjunto de promessas de contrapartidas genéricas e não concretizadas.

35.ª Isso mesmo é o que resulta, no entender dos Recorrentes, da interpretação do Protocolo à luz dos vários critérios atendíveis.

36.ª Em primeiro lugar, temos a própria designação dada ao documento, o nomen iuris do acordo, que foi de protocolo de acordo e não de contrato-promessa.

37.ª Não será também por via do conteúdo do Protocolo que se encontrará argumentos decisivos para a sua qualificação como contrato-promessa.

38.ª A desconsideração pelos requisitos formais do artigo 410.º, n.º 3, do Código Civil é igualmente tópico interpretativo valioso no sentido de que não estamos perante um contrato-promessa, nem as partes o tomaram como tal.

39.ª Por último, relevam ainda as condições em que o Protocolo surgiu e foi celebrado, o ambiente negocial em que ele se inseriu e que o explica na sua peculiaridade.

40.ª Os Recorrentes nunca quiseram abrir mão dos terrenos de mão beijada, ou mediante uma mera compensação simbólica ou parcial, mas antes procuraram sempre ser ressarcidos integralmente da ocupação do seu terreno pelo Município.

41.ª A essa luz, a celebração de um protocolo de acordo em que as partes prevêem uma futura cedência dos terrenos e esboçam um quadro de possíveis contrapartidas assume o significado que realmente tem: de desenho de uma base para a continuação das negociações, dentro do quadro ali delineado, com vista a uma definição concreta de contrapartidas adequadas e proporcionadas ao valor dos terrenos a ceder.

42.ª Mesmo que estivéssemos perante um verdadeiro contrato-promessa nos moldes configurados pelas Instâncias, no que não se concede, este sempre seria nulo, por indeterminabilidade do seu objecto.

43.ª Os Recorrentes suscitaram a questão no recurso de apelação, mas a Relação do Porto rejeitou-a dizendo que, no seu entender, o objecto da prestação do Município está suficientemente concretizado e que este é, aliás, absolutamente claro; no modesto entender dos Recorrentes, assim não acontece efectivamente.

44.ª A contrapartida a prestar pelo Município afigura-se não só indeterminada como manifestamente indeterminável.

45.ª Uma vez que o putativo contrato-promessa é nulo, e não sendo possível a sua execução específica, tendo havido, neste caso, também uma ocupação ilegítima por parte do Município, deveria este restituir as parcelas ocupadas.

46.ª No entanto, face ao princípio da intangibilidade da obra pública, que impede a restituição, deve o Réu Município indemnizar os Recorrentes, em montante a liquidar.

47.ª A avaliação feita pelo Município, e que consta da minuta da escritura de doação, foi unilateral e não imparcial, não se encontrando demonstrado (nem, de resto, foi alegado) que os Autores tivessem aceitado esse valor de avaliação, que não reflecte a compensação devida, pelo que não deve ser considerada.

48.ª A cedência das 6 (seis) parcelas de terrenos aparece configurada como um acto gratuito, que na minuta de escritura pública se precisa ter a natureza de uma doação.

49.ª Segundo autorizada doutrina e jurisprudência dos nossos Tribunais superiores, a promessa de doação é nula, porque incompatível com o espírito de liberalidade e a espontaneidade que são próprios da doação.

50.ª Ainda que não se entenda que é nula a promessa de doação, do que não cabem dúvidas é que a referida promessa, como qualquer promessa de doação, não é susceptível de execução específica, por a isso se opor a natureza da obrigação assumida (art. 830.º, n.º 1, parte final, do Código Civil), pelo que nunca poderia proceder o pedido reconvencional deduzido pelo Município da Maia nos presentes autos.

51.ª Caso se entenda não poder dispensar, para que a comparação entre os valores dos terrenos e das contrapartidas possa ser feita com segurança, a prova do real valor, em 2001, daquelas contrapartidas, então deverá este Supremo Tribunal lançar mão do mecanismo previsto no art. 682.º, n.º 3, do C.P.C. e ordenar a baixa do processo ao Tribunal recorrido com vista à ampliação da decisão sobre a matéria de facto.

52.ª Ainda que se tome o Protocolo como um contrato-promessa oneroso de transmissão das seis parcelas de terreno contra as contrapartidas a que o Município se vinculou, como fizeram as Instâncias, a consideração do contrato no seu correcto enquadramento factual, tendo em conta as condições em que foi celebrado, leva a concluir que ele seria nulo por força do seu carácter usurário.

53.ª No início da década de 80, e sem que nada o fizesse prever, os Recorrentes foram confrontados com a reserva do seu terreno pelo Município da Maia — na sua totalidade — para a construção de escolas públicas, sem qualquer tipo de preocupação pelo direito fundamental de propriedade dos Recorrentes, sem um prévio contacto com os mesmos para aferir da sua disponibilidade e das contrapartidas que veriam como justas e adequadas.

54.ª A assinatura do Protocolo de 2001 explica-se no quadro de tremendo desgaste provocado pelas circunstâncias específicas que este caso denota. Pelo abuso do poder público por parte do Município desde o início, pela postura fugidia que este assumiu durante anos, pelo medo dos Recorrentes de virem a ficar sem os terrenos sem qualquer contrapartida, dada a referida postura e a sensação de inferioridade que experimentavam perante a Câmara.

55.ª Como referiu a Autora BB, “assinámos, porque estávamos exaustos, já não podíamos mais negociar fosse o que fosse. E ao menos ter alguma coisa que dissesse que nós tínhamos estado a negociar. Esse protocolo para nós não é mais que um início de conversa. Mas que ao menos fique escrito. Que ao menos fique escrito”.

56.ª As Instâncias, salvo o devido respeito, não se aperceberam do absurdo que é os Recorrentes pretenderem a aprovação de um projecto com uma capacidade construtiva que os compensasse da área que tinha sido ocupada e, passados dois meses de lhes ter sido comunicado o arquivamento do respectivo processo, terem, conscientemente, assinado um alegado contrato-promessa que, bem vistas as coisas, não lhes dava nada em concreto, nem era explícito quanto ao quando e ao como, e ainda menos quanto ao respectivo valor, fosse das contrapartidas, fosse dos terrenos a ceder.

57.ª Na situação em apreço, o Município da Maia actuou com a consciência de estar a aproveitar-se da situação de inferioridade dos Recorrentes para daí retirar benefícios injustificados com a cedência gratuita dos terrenos.

58.ª Basta atentar nas diferenças entre o Protocolo de 2001 e as minutas anteriores referidas no ponto de facto 109) para se concluir que, tendo o Município começado por oferecer como contrapartida uma majoração construtiva na parte sobrante, através, inclusivamente, da aquisição de terrenos confrontantes com os Recorrentes, a que acrescia “a execução da necessária obra de Urbanização (...), e o pagamento da Taxa de compensações pela realização de infra-estruturas urbanísticas em operações de loteamento”, obras essas que foram especificadas na minuta de protocolo então apresentada, já no Protocolo de 2001, apenas se obrigou à “realização das necessárias obras de urbanização e de infraestruturação”, sem as especificar, e ainda aumentou a área das parcelas ocupadas.

59.ª As diferenças entre a postura inicial e a final do Município revelam-se também noutros aspectos, como no prazo em que este teria que executar as obras, na estipulação de uma cláusula penal para o atraso destas e, sobretudo, na prerrogativa que antes fora prevista a favor dos Recorrentes de ser necessária a sua anuência para eventuais futuras alterações dos instrumentos de gestão territorial, e a garantia de que dessas alterações jamais poderia resultar a diminuição das áreas construtivas previstas.

60.ª O Protocolo, na cláusula quarta, refere um novo instrumento — o Estudo Urbanístico realizado para a área sul do Plano de Pormenor da Quinta da ... e Áreas Adjacentes no ... —, que não existia aquando da ocupação do terreno para a construção das escolas, mas que o projecto “agora” teria de cumprir, o que constituía violação dos compromissos assumidos anteriormente pelo Município perante os Recorrentes, sendo que “a diminuição das áreas construtivas previstas” decorria só por si do facto de os Recorrentes apenas poderem lotear a área da parcela sobrante (sem outros terrenos cedidos pela Câmara, como tinha anteriormente sido prometido).

61.ª Acresce que, aquando da celebração do Protocolo, e sem o dar a conhecer aos Recorrentes (facto provado 85-A), o Município já só tencionava atribuir aos Recorrentes, como únicas contrapartidas, as obras de infra-estruturas e as taxas, apoiado num documento interno de avaliação, que ocultou daqueles, que apontava para uma diferença entre o valor dos terrenos e o custo das obras de infra-estruturas do loteamento da parte sobrante e da isenção de taxas municipais de cerca de três para um (concretamente, de € 2.325.000,00 para € 887.884,00) — factos provados n.ºs 73, 73-A, 74-B e 74-C.

62.ª A omissão por parte do Recorrido da informação sobre o valor das contrapartidas revela que ele bem sabia que as que haviam sido estipuladas no Protocolo de modo algum compensavam os Autores pela cedência.

63.ª Claramente, o Protocolo foi um instrumento elaborado “à pressão”, que, na realidade, não se destinou de forma alguma a compensar os Autores pela ocupação dos seus terrenos, mas apenas a resolver o problema que o Município tinha então perante o Estado por não ter adquirido o terreno como se obrigara.

64.ª Assim, as conclusões daRelação de que a análise das contrapartidas “não permite, de forma objectiva, concluir que o Município tenha, através deste contrato, recebido benefícios excessivos”, que “os factos provados dos autos não legitimam que identifiquemos a existência de uma qualquer situação de fragilidade concreta por parte dos Autores” e que “o acordo dos autos foi alcançado, de forma voluntária e esclarecida, por ambas as partes” são manifestamente erradas.

65.ª Não cabem dúvidas, por isso, de que se devem considerar preenchidos os requisitos da usura (art. 282.º, n.º 1, do Código Civil), que são os três seguintes: a) existência de uma situação de inferioridade do declarante; b) exploração da situação de inferioridade pelo usurário; c) promessa ou concessão de benefícios excessivos ou injustificados para o usurário ou terceiro.

66.ª Tal como é em geral entendido, também no caso em questão “esta excessividade da usura partilha a censura ético-jurídica devida ao negócio ofensivo dos bons costumes, pois não pode deixar de chocar pessoas honestas, correctas, de boa fé, a moral predominante” que um Município decida ocupar, sem acordo prévio dos proprietários, um terreno alheio, fazendo-se valer do seu jus imperium, prometendo-lhes compensações durante anos e anos, que depois se esfumam numa mão cheia de nada.

67.ª Assim, também esta actuação do Município arrepia o homem médio de uma forma gritante, é ofensiva dos bons costumes e fere a consciência ético-jurídica ao ponto de afectar o negócio em causa com o vício da nulidade (art. 280.º, n.º 2, do Código Civil).

68.ª Caso não se entenda que o caso sub judice é nulo por ter carácter usurário e ser ofensivo dos bons costumes, no que não se concede, configurará uma nítida situação de abuso de direito, subsumível à previsão da norma legal constante do art. 334.º do Código Civil, por estar em causa o exercício de um direito em frontal desconformidade com a finalidade económica e social por que este foi conferida e em oposição aos ditames da boa fé.

69.ª Na verdade, é chocante que, depois de toda a postura assumida ao longo das décadas, o Município possa ainda fazer-se valer de uma situação de poder e lançar mão da execução específica de um protocolo conseguido de forma extremamente ardilosa.

70.ª Choca também que, sujeitando os Recorrentes à execução específica, o Município fique depois em condições de livremente determinar se cumpre ou não o mesmo Protocolo — por isso que o objecto das contrapartidas a cargo do Município, se fosse determinável, que não é, estaria sempre dependente do livre-arbítrio do Município, do exercício ou não exercício das suas prerrogativas de poder público, concedendo um alvará e um projecto de loteamento, ou não o fazendo sem que daí adviesse qualquer consequência.

71.ª No entender dos Recorrentes, caso o Protocolo tenha a configuração defendida pelo Município da Maia e aceite pelas Instâncias, nunca poderia ser transmitida a titularidade dos terrenos para o Município sem que fosse simultaneamente cumprida a contraprestação prevista no Protocolo.

72.ª E isto porque se teria de considerar existir entre as prestações a cargo de cada uma das partes o nexo de correspectividade que está subjacente ao regime do art. 428.º do Código Civil.

73.ª Nos termos do disposto no art. 220.º do Código Civil, “a declaração negocial que careça da forma legalmente prescrita é nula”, pelo que ainda que tivesse sido alegado, que não foi, que os outorgantes do protocolo tivessem verbalmente acordado, aquando da sua celebração, que a escritura pública de transmissão da propriedade se faria em primeiro lugar, tal estipulação seria igualmente nula. — art. 221.º do Código Civil.

74.ª Interpretado o Protocolo de acordo com o critério jurídico de interpretação estabelecido no art. 236.º do Código Civil, que está ao alcance do S.T.J. sindicar, resulta patente que nada justifica que a transmissão das parcelas de terreno para a titularidade do Município deva anteceder a aprovação do projecto e a realização das obras de infra-estruturas, pois só nessa altura saberiam os Recorrentes o valor das mesmas para as partes poderem acordar no que deveria ser prestado ainda pelo Município para se obter uma compensação adequada e equilibrada.

75.ª Por conseguinte, não tendo sido assegurado pelo Município, na acção, o cumprimento das suas obrigações relativamente às contrapartidas, sempre teria o pedido reconvencional de improceder.

76.ª Tendo em conta que o recurso de apelação não foi complexo, que não foram deduzidos quaisquer incidentes anómalos, que os próprios Recorrentes empreenderam um notório esforço de simplificação nas alegações de recurso apresentadas e que a conduta processual das partes no recurso pautou-se pala maior lisura e não existiu qualquer comportamento de má-fé, justifica-se a dispensa do pagamento de remanescente da taxa de justiça.

77.ª O douto acórdão recorrido violou, por errada interpretação e aplicação, as normas dos arts. 574.º, n.º 2, 607.º e 620.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, dos arts. 220.º, 221.º, 236.º, 280.º, n.º 1, 282.º, 294.º, 334.º, 410.º, n.º 1, 428.º e 830.º, n.ºs 1 e 5,do Código Civil, que deviam ser interpretados com o sentido de delas decorrer a nulidade do Protocolo e a insusceptibilidade de execução específica do mesmo, ou o carácter abusivo do direito que o Município pretende exercer, e ainda do art. 62.º, n.º 2, da Constituição.

Contra-alegou o R. Município da Maia apresentando as seguintes conclusões:

1. Pretendendo perpetuar o dissídio, vêm os AA, novamente, pedir Revista, pugnando o Recorrido que a Revista (normal ou excepcional) não deve ser admitida e que, a sê-lo, no que se não concede, o recurso não poderá proceder.

2. Vem o presente recurso interposto do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação que, sem voto vencido, julgou parcialmente procedente o recurso dos autores no que contende com a modificabilidade da decisão de facto, mas totalmente improcedente o recurso no que concerne à decisão de direito, confirmando-se a decisão de 1ª instância, com fundamentação idêntica.

3. Verifica-se nos autos a denominada dupla conforme prescrita no n.º 3 do artigo 671.º do CPC; disto cientes (aliás, nos termos da Revista anteriormente proferida nos autos, tal resulta indubitável) os Recorrentes pretendem perpetuar o dissidio e, procurando a revista “normal” vêm pretextar que i) o Acórdão recorrido incorreu em violação de caso julgado [conclusões 7, 8 e 22] e que o Acórdão recorrido, apesar de confirmatório da decisão de primeira instância, envereda por fundamentação “essencialmente diferente” [conclusões 9, 11 e 12].

Vejamos:

4. O Acórdão recorrido é tirado na sequência do Acórdão do STJ proferido nos autos, que ordenou à Relação que conhecesse da impugnação da matéria de facto pretendida pelos então apelantes e cujo conhecimento fora rejeitada na primeira apelação, a qual havia julgado ser de rejeitar o conhecimento da impugnação de determinados pontos de facto por «não estarem reunidas as condições legais de admissibilidade uma vez que os Recorrentes não justificam, por qualquer forma, a sua pretensão recursiva e/ ou por não se afigurar que se trate de factualidade imprescindível para a apreciação do recurso”» - cita-se a p. 32 do Acórdão do STJ, que, por sua vez, transcreve a fundamentação de p. 44 da primeira apelação.

5. Consequente, o Acórdão do STJ concedeu provimento a essa apelação e determinou que os autos baixassem “à Relação para que esta aprecie a impugnação da matéria de fato relativamente aos pontos de facto acima mencionados”.

6. Afirmam os Recorrentes que “os pontos de facto acima mencionados” eram os “23-C, 26-A, 26-B, 26-C, 37-A, 37-B, 73-A, 84-A, 84-B, 85-A, 99-A, 99-B, 155-A, 155-B e os referidos nas alíneas g) e h) da 3.ª conclusão desse recurso” (nota de rodapé 1, p. 22 das alegações), e que, no Acórdão recorrido apenas se deu cumprimento parcial a essa injunção do Supremo Tribunal de Justiça.

7. Sucede que Relação do Porto, na primeira apelação, tinha já conhecidos os pontos de facto factos 26-A, 26-B e 26-C e os das alínea h) da conclusão 3ª da apelação (i.e., não recusou julgar a impugnação quanto a estes), circunstância em que o Acórdão do STJ não terá atentado na medida em que os Recorrentes “misturaram” na sua minuta recursiva esses pontos de facto com os identificados como 23-C), 37-A), 37-B), 73-A), 84-A), 84-B), 84-C), 99-A), 99-B), 155-A), 155-B) e alínea g) da conclusão 3 do recurso.

8. Ora, foi este conjunto defactos –e não os 26-A, 26-B e 26-C, aos factos das alíneas h) – que a Relação da Porto havia excluído do objecto do recurso (p. 44 desse primeiro Acórdão de apelação), tendo os efectivamente julgado na primeira apelação.

9. Ou seja: oAcórdão do STJ, motivado pela incorrecção daquestãoformulada pelos Recorrentes, disse mais do que queria dizer quando se referiu “aos pontos de facto acima elencados” na medida em que entre esses facto (indicados pelos Recorrentes) alguns – os ora em causa, os factos 26-A, 26-B e 26-C e aos factos das alínea h) – não enfermavam do erro que foi imputado pelo STJ ao primeiro acórdão da Relação.

10. Dessa sorte, o Acórdão recorrido, respeitando a determinação doAcórdão do STJ, proferiu julgamento sobre os pontos de facto que havia decidido não conhecer (dando, aliás procedência a algumas das pretensões dos Recorrentes) e, muito naturalmente, manteve o julgamento que havia proferido sobre os demais factos que havia julgado – pelo que não existe violação do determinado pelo Acórdão do STJ nem, inerentemente, violação de caso julgado.

11. Quanto à supostamente diferente fundamentação do Acórdão Recorrido dir-se-á simplesmente que nos autos não se suscita dúvida de que se está em face a uma decisão da Relação que confirma integralmente a decisão de 1ª instância com o mesmo fundamento.

12. Os Recorrentes, nas conclusões 11ª e 12ª, afirmam que a circunstância de o Acórdão recorrido se ter pronunciado sobre a questão da usura (sobre o qual a primeira instância se não havia debruçado) constitui causa para que se reconheça que as fundamentações das instâncias são substancialmente distintas, argumento que não pode proceder pois a decisão a quo não só não julgou o contrato como usurário como em nada alterou a fundamentação jurídica em que assentou a decisão da primeira instância.

13. Termos em que se conclui que não se encontram preenchidos os requisitos que, em tese, seriam aptos a excepcionar o pressuposto negativo do recurso previsto no n.º 3 do artigo 671.º do CPC, pelo que deverá o recurso – revista normal – ser rejeitado.

14. Cientes da previsívelrejeição do recurso, os Recorrentes impetram, àcautela, que o mesmo seja admitido como revista excecional nos termos do disposto no n.º 1, als. a) e b) do artigo 672.º do CPC.

15. Porém, não se verificam, no caso dos autos, nenhum dos apertados requisitos que permite o accionamento da Revista excepcional, porquanto a suposta relevância social e jurídica da questão se prende com a análise e interpretação de um concreto documento contratual, com eficácia inter-partes, enum quadro fáctico dificilmente projectável para situações análogas, que assim se mostra insusceptível de repetição em situações futuras,

16. A mera divergência entra as expectativas dos recorrentes e o que foi decidido pelas instâncias (normal em todas as situações de decaimento de um dos sujeitos processuais) não preenche as razões das necessidades que justificam a intervenção do STJ do âmbito do recurso da revista excepcional.

17. Ademais, as questões jurídicas convocadas nos autos, não envolvem ou suscitam qualquer debate jurídico, doutrinal ou jurisprudencial que clame pela intervenção do mais alto Tribunal.

18. Acresce que a mera publicação de 3 notícias na imprensa (uma num jornal nacional e duas em órgãos de comunicação locais) não é, seguramente, por si só, um sinal de que o caso se correlacionada com valores socioeconómicos importantes, sendo normal, e não “alarmante”, que, numa sociedade democrática e fortemente mediatizada, os factos relevantes relativos a uma das mais relevantes autarquias do Norte do país sejam noticiados.

19. Para além do que já ficou dito, consigne-se que os recorrentes não cumpriram o respetivo ónus a seu cargo nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 672.º do CPC, pelo que também a revista excepcional não deverá ser admitida.

SEM PRESCINDIR

20. Quanto ao suposto

a) Incumprimento do Acórdão do STJ, dá-se por reproduzido o que atrás se afirmou em resposta à questão da violação de caso julgado, aproveitando para se sintetizar que o Acórdão tirado na primeira apelação havia já conhecido dos pontos de facto que ora a Recorrente vem afirmar que o Tribunal a quo insistiu em não conhecer, i.e., os factos sob os itens 26-A, 26-B e 26-C e sob a alínea g) da conclusão 3ª e que, em cumprimento do ordenado pelo Acórdão do STJ, o Acórdão recorrido tomou conhecimento da alteração da matéria de facto que constava h) da conclusão 3ª – pelo que não pode proceder esta questão.

21. Quanto à questão b) Violação de regras de direito probatório material dir-se-á que a tese proposta pelos Recorrentes, no limite, levaria a que todo e qualquer facto (ou teor de documento) que não fosse impugnado teria, por se tratar de “prova vinculada” de ser vertida no probatório, independentemente da sua natureza, qualidade, adequabilidade ou pertinência.

22. Como é sabido, a tarefa de julgar a matéria de facto não inclui apenas a decisão sobre a verificação / não verificação da matéria de facto, mas também à sua selecção em face da respectiva relevância, incumbindo ao Juiz encontrar, dentro dos parâmetros legais, a melhor formulação do teor dos pontos de facto a acolher no probatório.

23. Desde logooJuiz nãodeve pronunciar-se sobre factos que não tenham relevância para a decisão da causa, seja porque não são factos essenciais, alegados pelas partes, sejamporque não são factos instrumentais que permitam a ilação de factos essenciais, seja porque não se tratam, ainda, sequer, de factos complementares ou concretizadores (tendo em conta que quanto a todos estes, com excepção dos facto essenciais, não se exige sequer que se encontrarem enunciados em juízos probatórios autónomos, nomeadamente em sede da decisão de facto, bastando que estejam, de algum modo, referenciados na fundamentação dessa decisão).

24. Nas situações convocadas pela Recorrente, constata-se que o Tribunal recorrido não indeferiu as impetrâncias dos Recorrentes por entender que não foi feita prova bastante dos factos em causa (caso em que a questão da violação de prova vinculada poderia fazer sentido) antes fundamentou as razões pelas quais julgava não ser de acolher os aditamentos requeridos.

25. Quanto ao item 23-A o Tribual a quo afirmou, no seu juízo, agora insindicável, que a realidade factual pertinente estava apropriadamente reflectida no ponto de facto 23, em nada acrescentando o aditamento pretendido à sorte dos autos, mais referindo que a pretensão dos Recorrentes comporta a indesejável virtualidade de introduzir um conceito jurídico de índole conclusivo (reserva) que não está em questão nos autos, pelo que bem andou o Tribunal recorrido ao não seleccionar o pretendido facto para o probatório.

26. Relativamente aos items 26-A, 26-B e 26-C o indeferimento do aditamento pretendido pelos Recorrentes igualmente não resultou de qualquer ilegalidade cometida pelo Acórdão a quo, antes, e como expressamente consta da Decisão recorrida, da circunstância de os factos dados como provados sob os itens 25), 26), 38) a 60), 67), 74) e 85) a 93) tornarem a impetrada alteração da matéria de facto inútil (vide p. 49 do Acórdão recorrido).

27. Sem prescindir, assinale-se que enquanto o item 26-A tem correspondência com o artigo 127º da p.i. (efectivamente não impugnado), já o que se acha em 26-B e 26-C, ao contrário do que os Recorrentes fazem crer, não encontram acolhimento nem no alegado nessa peça processual nem no documento 25-H junto com a p.i., assim como que os Recorrentes, na crítica que imputam à Sentença de primeira instância, não indicam qualquer elemento probatório que determinasse a procedência do pedido formulado na Apelação.

28. Relativamente ao facto 37-A as instâncias rejeitam que o teor do documento de fls. 347 seja de transpor para o probatório por se desconhecer a respectiva autoria e, bem assim, por se tratar de um inadmissível depoimento por escrito (p. 51 do Acórdão recorrido).

29. Os Recorrentes limitam-se a discordar do decidido, verberando apenas que tal documento não foi impugnado e exigindo a sua inclusão no probatório – carece de qualquer sustentação pretender-se que um documento apócrifo que as instâncias consideraram unanimemente como um depoimento escrito constitua prova vinculada e pugnar pela sempre excepcional intervenção do Supremo Tribunal de Justiça no âmbito das questões de facto, por natureza reservadas às instâncias.

30. Já quanto “facto da alínea g) da 3.ª conclusão desse do recurso” cujo aditamento os Recorrentes pretendem, afirmou-se já que a mesma foi conhecida pelo Acórdão a quo em cumprimento do determinado pelo Acórdão do STJ, que não tendo aceitado incluir no probatório a expressão “foi considerada vantajosa”, acolheu “o mesmo, na sua parte relevante e não conclusiva” nos factos aditados “sob os Itens 73), 73-A) e 73-B).” – p. 59 do Acórdão recorrido.

31. Em síntese, o julgamento tirado pela Relação, porque feito sem violação da invocada “prova vinculada”, inscreve-se na reserva de competência das instâncias, não estando a bondade desse julgamento sujeita a revista.

32. Sem prescindir, e ainda que assim não se entendesse, no que se não concede, o Acórdão recorrido não incorreu em erro de julgamento relativamente aos pontos de facto aqui em causa, pelo que não merece qualquer censura.

33. No ponto c) Dos facto relevantes conclusões 24ª a 29ª das suas alegações, os recorrentes peroram ao longo de 34 páginas da sua minuta de recurso sobre “factos” que entendem ser “relevantes”, levando-os, timidamente às conclusões 24ª a 29ª – porém, como os Recorrentes “confessam” (vide, p.e, conclusão 24ª e 27ª) tais “factos” não foram dados como provados, cumprindo apenas, relativamente a este segmento das alegações da Revista, assinalar o paradoxo de que, afinal, se trata de um manancial de irrelevâncias.

34. Mal se percebendo – a não ser para criar ruído processual – que os Recorrentes se tenham dedicado ao esforço de escrever as assinaladas 34 páginas (corresponde a mais de um terço do recurso) sobre factos que o não são, servindo-se da revista para, sem propriedade processual, se revelarem descontentes com o quadro factual que os autos comportam e, sub-repticiamente, alegarem uma realidade alternativa que, como parece evidentemente, não deverá ser sequer analisada.

35. Sem prejuízo, a tese dos factos alternativos narrado nessas páginas colide com a decisão (coincidente nas instâncias) de que o “Protocolo de Acordo de 2001” (facto provado n.º 7, tido julgado consensualmente como contrato promessa) consubstancia, em face do probatório, um acordo de vontades entre as partes através do qual foram acomodadas, finalmente (após cerca de dez anos de negociações) as pretensões das partes.

36. Os Recorrentes, sob a epígrafe Do Direito| a) Nulidade por omissão de pronúncia conc. 30ª a 32ª alegam que o Tribunal a quo não deveria ter considerado a questão da “excepção de não cumprimento” como uma questão nova, como efectivamente o fez a p. 43 e 44 e que, ao expurgar tal pretensão do objecto do recurso incorreu em omissão de pronúncia.

37. Tal como se retira da conclusão 32ª, os Recorrente entendem que nos artigos 37.º a 43.º da réplica suscitaram a questão excepção de não cumprimento e que, por essa causa, o Tribunal recorrido deveria ter-se pronunciado sobre a mesma. – porém, respigada essa peça processual constata-se que não assiste razão aos recorrentes, pois que nela, efectivamente, não é suscitada a excepção de não cumprimento, pelo que não se verifica a apontada nulidade (vide também, e sem prescindir, as conclusões referentes ao ponto g) infra).

38. A questão Do Direito| b) Qualificação Jurídica do Protocolo conc. 33ª a 41ª convoca, tal como as questões c) Nulidade do contrato por indeterminabilidade do objecto” (conclusões 42ª a 45ª), d) “Qualificação jurídica do “contrato promessa” (conclusões 47ª a 50ª) f) “O carácter usurário e ofensivo dos bons costume” (conclusões 52ª a 67ª) g) “Da excepção de não cumprimento” (conclusões 70ª a 75ª) e h) “Abuso de direito” (conclusão 68ª ) a interpretação do sentido e alcance do “Protocolo” que está no cerne dos autos.

39. Referem os Recorrentes (conclusão 33ª) que, ao contrário do decidido pelas instâncias, “(…) com a celebração do Protocolo de 2001 as partes não se vincularam a celebrar um concreto contrato, mas antes estabeleceram uma plataforma de entendimento..”

40. Ora, a interpretação e qualificação de contrato é uma tarefa que assenta na realidade factual que o rodeia implicando a fixação do sentido e alcance juridicamente relevantes do documento contratual, importando por isso que os Recorrentes tivessem indicado quais os factos assentes nos autos que implicariam qualificação distinta daquela que resulta consensual das instâncias para evidenciar o erro de julgamento invocado – o que não fizeram.

41. E, na verdade, a matéria de facto apurada e relevante para esta tarefa, em concreto a que se acha fixada nos pontos 85.º a 93.º dos factos dados como provados impele o intérprete, à luz do art.º 236º do Cód. Civil a qualificar o negócio jurídico em presença como um verdadeiro contrato promessa, tal como o fizeram as instâncias.

COM EFEITO

42. Desse espólio probatório resulta que o quadro em que se desenvolveram, ao longo de 10 anos, as negociações entre os Autores e os Réus é dado pela edificação de um núcleo escolar edificado, na sua maior parte, nos terrenos que são propriedade dos Recorrentes, pese embora tenha sido levada a cabo e as escolas tenham entrado em funcionamento, sempre à vista de toda a gente, e sem qualquer oposição de ninguém, incluindo dos Autores.

43. Face a tal estado de coisas, a pretensão do Réu Município encontrava-se, desde o início, bem definida – obter o consenso dos Autores com vista à cedência das parcelas ocupadas pelo núcleo escolar – tendo as negociações como objecto se para a determinação das contrapartidas para os Autores por essa cedência.

44. Nesta matéria – contraprestações pela cedência das parcelas dos terrenos - e tomando por referência o pedido de licenciamento de loteamento (pontos 79 e 80 dos factos assentes) e a carta que a Autora remeteu à Câmara Municipal da Maia, datada de 12 de Outubro de 2000, a que se reportam os pontos 81 e 82 dos factos assentes, torna-se perfeitamente explicita a pretensão dos Autores, no sentido de que a contraprestação consistisse, para além do deferimento do projecto constante do procedimento do loteamento acima referido, na elaboração e aprovação do projecto especialidades, respeitante a esse projecto de loteamento, a realização das infra estruturas no prazo de doze meses; na isenção de taxas de urbanização e a emissão de respectivo alvará, em data que viesse a ser indicada pelos Autores.

45. A pretensão dos Autores, assim manifestada pela 1ª Autora, na sua carta datada de 12 de Outubro de 2000, passou para o Protocolo de Acordo celebrado entre aqueles e Município Réu, apenas com duas diferenças: o município não assumiu, no Protocolo, a obrigação de elaborar o projecto de execução e o licenciamento do loteamento tomou por referência, não o projecto constante do procedimento que à data da carta estava em curso, por iniciativa dos Autores, mas antes, como se disse o Estudo Urbanístico realizado para área sul do Plano de Pormenor da Quinta da ... e Áreas Adjacentes no ..., conforme planta anexa ao Protocolo.

46. No Protocolo de Acordo a que se reportam os pontos 85 a 93 dos factos assente, os Autores assumiram o compromisso de ceder gratuitamente e livre de quaisquer ónus ou encargos, para o domínio privado do Município da Maia as parcelas de terreno em que se encontra edificado o núcleo escolar e, para além disso mais 3 parcelas de terreno destinadas a arruamentos e baías de estacionamento no total de 7.207,40m2, cedência essa a efectuar por escritura pública.

47. Em contrapartida, o Município da Maia comprometia-se a licenciar um loteamento da parcela restante que sempre ficaria na propriedade dos Autores, cujo projecto contemplaria a constituição de lotes com a área e a configuração prevista no Estudo Urbanístico realizado para área sul do Plano de Pormenor da Quinta da ... e Áreas Adjacentes no ..., obedecendo ainda à mancha construtiva e aos volumes de construção previstos nesse Estudo, conforme planta anexa a esse protocolo e a dispensar os Autores da realização das obras necessárias de urbanização e de infraestruturas, as quais seriam da responsabilidade da Câmara, (bem como a isentar os Autores da prestação da caução devida para garantir a boa e regular execução das obras de urbanização) e deveriam estar concluídas até seis meses após a data de emissão do alvará de loteamento, isentar os Autores do pagamento da Taxa Municipal de Urbanização devidas no âmbito do licenciamento da operação de loteamento e emitir o respectivo alvará de loteamento.

48. Resulta do preceituado no artigo 232º do CC que, para que o contrato se forme, o texto final, comum a todas as declarações, tem de ser completo e conter o acordo quanto a todos os pontos tidos por relevantes pelas partes (para além de ter de observar a forma legal);

49. Ora, da mera subscrição conjunta, pelas partes envolvidas, do documento referido, resulta a presunção, de facto de que as partes tenham acordado sobre todas as cláusulas que julgaram necessárias para o acordo, ainda que se verificassem algumas lacunas na composição do texto (o que no caso não se consente).

50. Acresce que ponderada a carta que a Autora remeteu à Câmara Municipal da Maia, em 12 de Outubro de 2000 (pontos 81 e 82 dos factos assentes), terá de se concluir que todos os aspectos, por aquela, tidos como essenciais para a celebração do acordo, foram tidos em consideração.

51. À luz de todos os critérios interpretativos, acima referidos, resulta, pois, tal como concluíram as instâncias, que o Protocolo de Acordo celebrado entre as partes em 12 de Dezembro de 2001, nos termos que resultam os pontos 85 a 93 da matéria assente, corresponde a um contrato-promessa, do qual resulta a obrigação para os Autores de outorgaremaescritura de cedência as parcelas a favor do Município Réu e, para este a obrigação de, em contrapartida dessa cedência, conceder aos Autores a licença e alvará de loteamento e respetivas obras de urbanização e isenção de pagamento as taxas devidas por essa operação.

52. Trata-se, pois de um contrato bilateral (dele resultam obrigações para ambas as partes), oneroso e formal (a lei impõe a forma escrita – art.º 410º, n.ºs 1 e 2, do Cód. Civil).

53. Qualquer declaratário medianamente sagaz, prudente e diligente posicionado no lugar dos destinatários da declaração negocial (art.º 238.º do CC), interpretaria o Protocolo no sentido de que o Município se comprometeu a licenciar um loteamento, de acordo com o projecto apresentado pelos Autores, desde que esse projecto cumprisse com o que consta do Protocolo e nomeadamente com a planta a ele anexa, ficando a cargo do Município todas as obras de infraestruturas que vierem a ser previstas no projecto de loteamento.

54. A obrigação a cargo do Município é, assim uma obrigação condicional (nos termos definidos no artigo 715.º do CPC), dependente da apresentação pelos Autores de um projecto de loteamento que obedeça à planta anexa ao protocolo de 2001: na sequência da aprovação desse projecto, se seguirá o dever de proceder às obras de infraestruturas e de isentar os Autores das respectivas taxas.

55. Definido o contrato dos autos como um verdadeiro e próprio contrato-promessa, a questão da Qualificação Jurídica do contrato, tal como invocada pelos Recorrentes, só poderá improceder.

56. Suscitam os recorrentes que, mesmo que se tratasse de um contrato promessa, ele seria nulo:

III.2 Do Direito|c) Nulidade do contrato por indeterminabilidade do objecto conc. 42ª a 45ª, sendo que o argumentário em que baseiam tal pretensão é exactamente o mesma que serve de fundamento à sua alegação de que o Protocolo de Acordo entre as partes não constitui um verdadeiro contra-promessa, isto é, a questão de se apurar se a contrapartida, a cargo do Município Réu, pela cedência das parcelas de terreno está devidamente determinada.

ORA

57. Não existe qualquer “indeterminabilidade”, para os efeitos do disposto no artigo 280.º do CC. da prestação a cargo do Município Réu, uma vez que essas obrigações implicam a aprovação de um projeto apresentado pelos Autores que se conforme com a planta anexa a esse protocolo e, por referência a esse licenciamento decorrem todas as demais obrigações do Município.

58. As obrigações que emergem do contrato promessa para o Município são, isso sim, dependentes (ou consequentes) de uma acção dos Recorrentes, perante a qual se efectiva o dever sequencial de prestar a cargo do Recorrido, começando pela aprovação do projecto quando este for apresentado pelos Autores e, subsequentemente, e por referência a esse licenciamento, todas as demais obrigações do Município que se acham clausuladas a propósito da obrigação urbanística que os Recorrentes poderão desenvolver.

59. O que tudo conflui para a conclusão de que contrato celebrado pelas partes não enferma do vício de nulidade por indeterminabilidade do objeto, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 280.º do CC,

60. Ainda em torno da interpretação contratual, os Recorrentes formulam como questão a d) Qualificação Jurídica do “contrato promessa” conc. 46ª a 50ª tentando transmutar o contrato dos autos numa “promessa de doação”, pretextando que o Protocolo de Acordo seria nulo ou, quando assim se não entenda insuscetível de execução especifica.

61. Os fundamentos esgrimidos pelos Recorrentes são os mesmos atrás analisadas: a suposta inexistência de contrapartidas para a cedência dos terrenos objeto do Protocolo de Acordo, pelo que, tendo presente tudo quanto acima ficou já se afirmou reforça-.se que da matéria de facto provada (cfr. pontos 91 e 92) resulta evidente o carácter oneroso, sendo a contrapartida a cargo do Município é constituída por cinco obrigações: (i) aprovar o licenciamento de loteamento, permitindo a constituição de lotes com a área, configuração, implementação e volumes previstos no Estudo Urbanístico realizado para área sul do Plano de Pormenor da Quinta da ... e Áreas Adjacentes no ...; (ii) conceder o respetivo alvará de loteamento; (iii) realizar obras necessárias de urbanização e de infraestruturas (ficando os autores dispensados de a fazer) no prazo de seis meses após a data de emissão do alvará de loteamento; (iv) isentar os autores do pagamento da Taxa Municipal de Urbanização devidas no âmbito do licenciamento da operação de loteamento; (v) isentar os autores da prestação da caução devida para garantir a boa e regular execução das obras de urbanização, devendo essas obras de urbanização e de infraestruturas.

62. Reforça-se também que o acordo assim alcançado correspondia no essencial à proposta formulada pela primeira Autora na carta que remeteu à Câmara Municipal da Maia com data de 12 de Junho de 2000 (cfr. pontos 81 e 82 da matéria de facto assente), do que resulta que a prometida cedência das parcelas pelos Autores era de carater oneroso, tendo como contrapartidas as que se vem de referir.

63. O “Protocolo de Acordo” constitui indubitavelmente um acordo de vontades entre as partes, do qual resulta a assunção de obrigações assumidas pelos seus outorgantes: pelo quer quanto aos autores, quer quanto ao Município recorrido, aquele Protocolo é susceptível de execução especifica.

64. No ponto e) Subsidiariamente: baixa do processo ao Tribunal recorrido conc. 51ª os Recorrentes pretendem demonstrar uma hipotética “enorme desproporção” entre as prestações do contrato.

65. O Recorrido, mais do que não conceder que tal desproporção exista, salienta que, como decidiram as instâncias, a questão da avaliação do valor das contrapartidas e dos terrenos esteve sempre na disponibilidade das partes, sendo que tais avaliações constituem, rectius: constituíram, “elementos de ponderação da decisão final de contratar ou não contratar” (p. 61 do Acórdão recorrido).

66. As partes, após longo período negocial, vincularam-se nos termos atrás mencionados, não vindo demonstrado qualquer erro ou vício na formação da vontade, estando inclusivamente assessoradas por um distinto Advogado, pelo que se intui que o verdadeiro propósito desta invocação radica na pretensão de, nesta fase processual, procurar, em desespero de causa, ver discutidos factos que nunca alegou com vista a abrir a discussão (que como veremos lhe está vedada) a que se dedica no segmento recursório subsequente e que passaremos a contraditar: o suposto carácter usurário ou ofensivo dos bons costumes do contrato promessa em mérito.

67. Com efeito, na questão f) O carácter usurário e ofensivo dos bons costumes conc. 52ª a 67ª os Recorrentes argumentam que Município Recorrido se aproveitou, conscientemente, de uma suposta situação de inferioridade dos Recorrentes, retirando benefícios injustificados mostrando-se preenchidos os requisitos da usura art. 282.º, n.º 1, do Código Civil.

68. Começa por se consignar que a anulabilidade do negócio por usura não se compreende na causa de pedir desenhada pelos autores na sua petição, não constando de qualquer um dos (vários) pedidos formulados na p.i., sendo agora invocada “em desespero de causa”.

69. Independentemente, nem nos planos dos factos (dos factos dados como provados, não aqueles que os Recorrentes pretendem considerar “relevantes”) nem no plano do direito se acham minimamente preenchidos, no caso dos autos, os caracteres objectivos e subjectivos da usura.

70. Acresce que ao contrário do que os Recorrentes alegam, no decurso das negociações havidas entre as partes, a situação de fragilidade era aquela em que o Município (e não os autores) se encontrava: tendo feito edificar nas parcelas de terreno o núcleo escolar sem título bastante, o Município estava incurso em responsabilidade civil perante os Autores.

71. Assim, do facto de as parcelas propriedade dos Autores terem sido ocupadas pela construção do núcleo escolar promovida pelos Réus, não se poderá concluir, de forma alguma, que existisse qualquer situação de inferioridade daqueles, em relação a estes, no que se reporta ao rumo das negociações.

72. Por outro lado, se é certo que os Autores não lograram obter do Réu Município para a sua pretensão inicial de fazerem equivaler a capacidade construtiva da parcela restante àquela que resultaria da totalidade do terreno, certo é que daí também não se pode concluir queoRéu Município tivessealcançado um benefício excessivo.

73. Atente-se que da instrução da causa resultou não provado que “[o]s Réus se tivessem aproveitado da fraqueza, falta de saúde, idade, viuvez, inexperiência, condição social da 1.ª Autora e do seu ascendente sobre os filhos” (item e)), pelo que os Autores não têm substrato fáctico que suporte a situação de “exploração de uma situação de necessidade, inexperiência, ligeireza, dependência, estado mental ou fraqueza de carácter de outrem” de que depende a aplicação do invocado instituto.

74. Nos termos do artigo 287.º, n.º 1 do mesmo Código a anulabilidade deveria ter sido arguida no prazo de um ano a contar da cessação do vício que lhe serve de fundamento, isto e, no caso dos autos, a partir da data da celebração do Protocolo de Acordo – mão o tendo feito no prazo legal de um ano (art. 287º, n.º 1, do C. Civil), atenta à data da propositura da presente acção (15.10.2013), ates decorridos que eram quase doze anos após a celebração do Protocolo, forçoso é concluir pela procedência da invocada excepção de caducidade.

75. Relativamente à questão g) Da excepção de não cumprimento conc. 70ª a 75ª , secunda-se o acórdão recorrido quando afirma que se trata de questão nova, não suscitada na réplica, sendo que o vertido nos arts. 37.º a 43.º dessa peça, ao contrário do que pretendem os recorrentes, não é invocada tal excepção.

76. Sem prescindir, o fundamento a apreciar prende-se com art. 830º nº 5 do Cód. Civil, que estipula que, “no caso de contrato em que ao obrigado seja lícito invocar a exceção de não cumprimento, a ação improcede se o requerente não consignar em depósito a sua prestação no prazo que lhe for fixado pelo tribunal.”.

77. Para esta fazer operar esta norma importa analisar o artigo 428.º do Código Civil, a qual tem aplicação quando “nos contratos bilaterais não houver prazos diferentes para o cumprimento das prestações”, sendo que, como resulta da matéria de facto provada (cfr. pontos 85 a 93) a obrigação da cedência que emerge do contrato-promessa dos autos não estava dependente do cumprimento prévio ou simultâneo das obrigações impostas ao Município.

78. Pelo contrário, as obrigações a que o Município ficou contratualmente adstrito pressupõem a realização prévia da cedência, pelos Autores das parcelas do terreno a favor daquele, pois só assim se poderá falar em parcela sobrante, sobre a qual deveria incidir o licenciamento de loteamento (o qual, por sua vez, tem como pressuposto que os Autores o requeriam, apresentando o respectivo projecto: facto que, como resulta da matéria assente, ainda não ocorreu, até hoje).

79. Ora, nunca poderia assacar-se ao Município o incumprimento de uma obrigação que se encontra dependente de um facto praticado pelos Autores, quando estes, até hoje, nunca praticaram esse acto: requerer o licenciamento de loteamento.

80. Acresce, ainda que as obrigações assumidas pelo Réu Município não têm uma data única de cumprimento; pelo contrário têm um caracter sucessivo e com uma lógica cronológica intrínseca: primeiro a aprovação da operação de loteamento, após o que seria emitido o respectivo alvará, sem dependência de pagamento das taxas previstas para essa operação e isenção de prestação da cauação e, por fim, a realização das obras de infra- estruturas.

81. Essa sucessão entre as várias obrigações impostas ao Réu Município e, portanto, o diferente prazo de cumprimento de cada uma delas, inviabilizam, só por si a conclusão de que o prazo para o cumprimento dessas obrigações era o mesmo da obrigação imposta aos Autores.

82. A conclusão a retirar, afigura-se, pois, evidente: entre a obrigação dos Autores e as obrigações impostas ao Réu Município não existe qualquer relação de interdependência que permita concluir que aquelas prestações têm o mesmo prazo de cumprimento.

83. Sendo assim, como é e ficou demonstrado, aos Autores não era lícito, no caso dos autos, invocar a excepção de não cumprimento do contrato, pelo que não está demonstrado o requisito de que depende a aplicação ao caso dos autos do artigo 830.º, n.º 5 do CC.

84. Finalmente, sob a epígrafe Do Direito|h) Abuso de Direito conc. 68ª os Recorrentes pretextam que seria abusivo o exercício ao direito da execução específica do contrato promessa de cedência das parcelas propriedade dos Autores, consubstanciado no Protocolo de Acordo, por ficar na disponibilidade do Município Réu aprovar ou não os sucessivos projectos de loteamento que lhes fossem feitos presentes pelos Autores, pelo que, por esse método poderiam, até negar aos Autores a compensação que lhes era devida pela ocupação das parcelas de terreno.

85. Esta tese dos Autores tem na sua origem a sua alegação de que a contraprestação a cargo do Ré Município não estaria devidamente concretizada, o que como sobejamente se viu já, não corresponde à verdade: o Município ficou obrigado a aprovar um (qualquer) loteamento que se conformasse com o Plano de Pormenor da Quinta da ... e às Adjacentes no ..., conforme planta anexa ao Protocolo de Acordo assinado pelas partes (cf. pontos 87 e 91 da matéria de facto assente), pelo que não poderá proceder, também, esta questão.

II – FACTOS PROVADOS.

Foi dado como provado:

1) A A. AA nasceu no dia 25 de Fevereiro de 1930.

2) A A. AA foi declarada interdita, mediante sentença proferida em 17 de Abril de 2013, no âmbito do processo que correu termos no ... Juízo Cível do Tribunal Judicial de ... sob o n.º 965/12.0..., conforme documento junto a fls. 95 a 100 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido, tendo sido nomeada como sua tutora a filha BB, aqui A.

3) Nos termos da sentença referida, o início da incapacidade da A. foi fixado nos sete anos anteriores a 17 de Abril de 2013.

4) Os As. BB, CC, DD e EE são filhos da A. AA.

5) Mostra-se inscrita na Conservatória do Registo Predial da Maia, mediante apresentação n.º 16, datada de 1 de Setembro de 1983, a aquisição a favor dos As., na proporção de 1/2 para a 1ª A. e de 1/8 para cada um dos demais As., por sucessão deferida em partilha judicial, do prédio rústico composto por terreno a mato, sito no Lugar de ..., a confrontar a norte e a sul com estrada, a nascente com FF e a poente com GG, descrita na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...........03, freguesia de ...), inscrito na respectiva matriz predial rústica sob o art. 125, conforme documento junto aos autos a fls. 105 a 107, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

6) Mostra-se inscrita na Conservatória do Registo Predial da Maia, mediante apresentação n.º 16, datada de 1 de Setembro de 1983, a aquisição a favor dos As., na proporção de 1/2 para a 1ª A. e de 1/8 para cada um dos demais As., por sucessão deferida em partilha judicial, do prédio rústico composto por terreno a mato, sito no Lugar de ..., a confrontar a norte com HH, a sul e a poente com II, a nascente com AA, descrita na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...........30, freguesia de ...), inscrito na respectiva matriz predial rústica sob o art. 127, conforme documento junto aos autos a fls. 111 e 112, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

7) Em 12 de Dezembro de 2001, os As. e o R. Município da Maia subscreveram um acordo escrito denominado “protocolo de acordo”, junto a fls. 225 a 229 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

8) Parte do núcleo escolar do ... encontra-se construído e implantado na área do prédio aludido em 5.

9) A Escola Preparatória e Secundária do ... foi edificada de acordo com o protocolo celebrado em 1988, publicado no DR, II Série, n.º 154, de 7/7/1989.

10) A A. AA sofreu de Alzheimer.

11) O prédio inscrito na matriz sob o art.125 está inscrito com as seguintes confrontações: norte e sul: estrada, nascente: JJ e outros e poente: KK e outros.

12) O prédio inscrito na matriz sob o art. 127 está inscrito com as seguintes confrontações: norte: LL, herdeiros, sul: II, nascente: MM e poente: NN.

13) Situam-se ambos no Lugar de ..., tendo a área inscrita na matriz de 6,335000 e 0,029000 hectares respectivamente.

14) Por escritura pública de habilitação e partilha realizada por óbito de OO e marido PP, outorgada no dia 13 de Janeiro de 1971 no Cartório Notarial de ..., foi indicado pertencer à A. AA 3/16 dessa herança.

15) Na 2ª Secção do 1º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Santo Tirso correu com o nº 212 um processo de inventário em que era inventariado o marido da 1ª A., falecido em 05/03/1977.

16) Os imóveis aqui descritos – inscritos na matriz sob os arts. 125 e 127 – foram nesse inventário adjudicados aos aqui As., na proporção de 1/2 para a 1ª A. e 1/8 para cada um dos demais As..

17)Até pelo menos 1980 eram os As. e os seus antepossuidores que exploravam a totalidade destes dois prédios, tratando das matas, e colhendo os seus frutos e rendimentos.

18) O que faziam sem qualquer interrupção, continuamente.

19) À vista e com conhecimento de toda a gente, incluindo dos próprios Rs., sem qualquer oposição.

20)Ignorando lesar os direitos de terceiros e na convicção de ninguém prejudicar, na qualidade de donos dele.

21) O que faziam, então, há mais de 20 anos.

22) O R. Município sempre reconheceu o direito de propriedade dos As. sobre os imóveis em causa, reconhecimento que manteve após a data referida em 17) e até aos dias de hoje.

23)Pelo menos desde o início da década de 1980 estava pensada a construção do complexo de escolas do ... em parte do terreno pertencente aos AA.

24) Desde 1988 que ambos os RR. trocaram entre si correspondência sobre essa construção.

25) No terreno inscrito na matriz rústica sob o art.º 125, o R. Município construiu a Escola Pré-Primária e Primária do ..., tendo a consignação da empreitada sido realizada em 3 de Setembro de 1990.

26) No terreno inscrito na matriz rústica sob o art.º 125, ambos os RR. construíram parte da Escola Preparatória e Secundária do ....

27) Este estabelecimento de ensino foi edificado em conjunto pelo Município R. e pela DREN de acordo com o Protocolo referido em 9).

28)A construção deste estabelecimento de ensino foi paga pelo maioritariamente pelo Réu Estado, assumindo o Réu Município o financiamento restante do custo total do empreendimento, aqui se incluindo pelo menos a aquisição do terreno e a execução dos acessos e respectivas infra-estruturas para a realização da construção.

29)O Ministério da Educação trocou correspondência com o Presidente da Câmara da Maia sob o assunto “empreitada de construção de Escola Preparatória e Secundária do ... – C+S”, assumindo a responsabilidade da construção deste complexo escolar.

30) O protocolo celebrado entre a Direcção Regional de Educação do Norte e a Câmara Municipal da Maia tinha o seguinte teor:

“Protocolo - A Direcção Regional de Educação do Norte e a Câmara Municipal da Maia, de acordo com o estabelecido nos artºs 17 e 20 do Dec-Lei 384/87, de 24-12, celebraram o presente acordo de colaboração, de harmonia com as normas programáticas e construtivas em vigor, na Direcção de Serviços dos Equipamentos Educativos do Norte e nos termos seguintes:

1 - O presente acordo de colaboração tem por objectivo a construção da Escola Preparatória e Secundária do ....

2 - À Direcção Regional de Educação do Norte compete:

2.1 - Aprovar os limites definidores do terreno vinculado à Escola.

2.2 - Assegurar a elaboração dos projectos de edifícios e de arranjos exteriores a executar dentro do perímetro do terreno da Escola.

2.3 - Garantir o financiamento de 70 % do custo total do empreendimento.

2.4 - Prestar o apoio técnico que lhe for solicitado pela Câmara Municipal da Maia até e depois da adjudicação da obra, incluindo a fiscalização inerente à execução dos trabalhos;

2.5 - Fornecer e instalar o mobiliário e material didáctico necessários ao funcionamento e complementação da Escola;

2.6 - Promover o registo de todos os bens que constituem e constituirão o complexo escolar;

3 - À Câmara Municipal da Maia, como dono da obra, compete:

3.1 - Indicar à Direcção Regional de Educação do Norte os acessos viários que servirão a Escola, a projectar e a executar exclusivamente pelo Município;

3.2 - Adaptar o projecto ao local, se tal entender como necessário;

3.3 - Lançar o concurso e adjudicar a obra ainda durante o ano de 1988, prestando a Direcção Regional de Educação do Norte toda a colaboração de técnicos para o acto do concurso e apreciação das propostas;

3.4 - Iniciar a construção ainda em 1988;

3.5 - O financiamento de 30% do custo total do empreendimento e a aquisição do terreno e a execução dos acessos e respectivas infra-estruturas;

3.6 - Executar os trabalhos em conformidade com as peças escritas e desenhadas fornecidas com o projecto pela Direcção de Serviços dos Equipamentos Educativos da Direcção Regional de Educação do Norte, com as adaptações a introduzir pelo Município na qualidade de dono da obra, conforme os documentos anexos ao presente acordo de colaboração e que dele fazem parte; 3.7 - Nos termos contratuais, satisfazer os pagamentos regulares ao adjudicatário, colmatando, se necessário, qualquer falta de liquidez do Orçamento do Estado, designadamente na transição de ano económico;

3.8 Acompanhar e fiscalizar a execução da obra em colaboração com os serviços competentes do Ministério da Educação (Direcção de Serviços dos Equipamentos Educativos da Direcção Regional de Educação do Norte).

4 - Qualquer alteração ao projecto inicialmente aprovado, ou a realização de trabalhos não previstos que impliquem aumento de encargos, terá de ter o acordo de ambas as partes.

5 - A Direcção Regional de Educação do Norte e a Câmara Municipal da Maia acordam em que o empreendimento deve estar concluído para entrar em funcionamento em 1-9-89.

6 - Os valores financeiros necessários à satisfação dos compromissos resultantes do presente acordo serão definidos em aditamento ser celebrado até à data de adjudicação da obra.

7 - A responsabilidade financeira a assumir pela Direcção Regional de Educação do Norte, nos termos do 2.3 do presente acordo, será satisfeita por dotações orçamentais inscritas, aprovadas e visadas nos termos legais, no respectivo PIDDAC.

8 Ambas as partes se comprometem a que o custo de construção dos edifícios não pode exceder 30 000$/m2.

29-12-88

O Director Regional de Educação do Norte (Assinatura ilegível) - O Presidente da Câmara Municipal da Maia (Assinatura ilegível) 30-12-88. - Pelo Ministro da Educação, QQ”.

31) Na execução deste protocolo, o R. Município fez publicar no DR nº176, III Série de 02/08/1989, pág. 13494, o edital destinado ao concurso público para a empreitada da construção civil da Escola Preparatória e Secundária C + S do ..., sendo que a data limite para a execução do referido empreendimento foi fixada em 31 de Julho de 1990.

32) A obra teve início no ano de 1989, cabendo ao R. Município a responsabilidade pela construção do empreendimento escolar e das infra-estruturas exteriores, enquanto, nos termos do protocolo, competia ao R. Estado fornecer o projecto, proceder ao financiamento e ainda fiscalizar e coordenar a obra.

33) Desde o início, a construção foi levada a cabo à vista de toda a gente, sem a oposição de quem quer que fosse.

34) O R. Estado procedeu ao financiamento da obra, à sua fiscalização e coordenação.

35) E procedeu à abertura do estabelecimento de ensino em 31 de Outubro de 1992, que desde então funciona como tal.

36) À vista de toda a gente, sem oposição de quem quer que seja nomeadamente dos As..

37) Desde o início da construção no ano de 1989 o R. Estado agiu sobre os terrenos indicados e cedidos pelo Município para a construção da Escola Preparatória e Secundária C + S do ..., como estando autorizado a neles construir a escola, agindo como donos desta escola.

37-A) O referido em 37) deveu-se à circunstância de o Réu Estado, à data da construção, desconhecer o incumprimento do protocolo por parte do Município quanto à obrigação de adquirir os terrenos.

38) O imóvel inscrito na matriz sob o art.º 125 confronta a Norte com a ..., numa extensão de aproximadamente 187 m.

39) A planta apresentada nos autos pelos As. como documento 20-B foi efectuada pela Câmara Municipal da Maia, à escala 1/1000, e não 1/2000 como dela consta, contendo a tracejado a área do art. rústico 125.

40) Nessa planta, a área do prédio inscrito na matriz predial rústica sob o art.º 125 é de 72.545 m2.

41)As seis parcelas de terreno identificadas nessa planta são as seis parcelas referidas no Protocolo celebrado com a Câmara Municipal da Maia.

42) O tracejado a norte constante dessa planta confronta com a ..., via pública construída pela Câmara Municipal.

43) O terreno onde foi construída a ... integrava o prédio rústico inscrito sob o art.º 125.

44) A parte do terreno do prédio inscrito na matriz rústica sob o art.º 125 onde foi construído o complexo escolar ficou a confrontar a norte com a ..., numa extensão de 315 m.

45) A parte de terreno do prédio inscrito na matriz rústica sob o art.º 125 onde foi construído o complexo escolar ficou a confrontar a sul com a ..., numa extensão de 235 m.

46) A parte de terreno do prédio inscrito na matriz rústica sob o art.º 125 onde foi construído o complexo escolar ficou a confrontar a nascente com pavilhões do complexo escolar construídos em terreno de outro proprietário.

47) A parte de terreno do prédio inscrito na matriz rústica sob o art.º 125 onde foi construído o complexo escolar ficou a confrontar a poente com a ... e a ..., respectivamente em 15 e 4 m.

48) As ruas ... e R. Vieira de Castro foram construídas, em parte, no prédio inscrito na matriz predial rústica sob o art.º 125.

49) A área do prédio inscrito na matriz predial rústica sob o art.º 125 efectivamente ocupada pelos acessos construídos e baías de estacionamento é de 7.207,40 m2, nos termos parcelares que de seguida se descrevem.

50) A área do prédio inscrito na matriz predial rústica sob o art.º 125 efectivamente ocupada com a ... e baía de estacionamento é de 62,40 m2.

51) A área do prédio inscrito na matriz predial rústica sob o art.º 125 efectivamente ocupada com a ... e baía de estacionamento é de 6.255 m2.

52) A área do prédio inscrito na matriz predial rústica sob o art.º 125 efectivamente ocupada com o alargamento da ... é de 890 m2.

53)A área do prédio inscrito na matriz predial rústica sob o art.º 125 efectivamente ocupada pelo complexo escolar é de 35.167 m2, nos termos parcelares que de seguida se descrevem.

54) A Escola Secundária ocupa 14.595 m2 da área do imóvel inscrito na matriz predial rústica sob o art.º 125.

55) A Escola Preparatória e Secundária ocupa ainda a área 16.422 m2 da área do imóvel inscrito na matriz predial rústica sob o art.º 125.

56) A Escola Pré-Primária e Primária ocupa 4.150 m2 da área do imóvel inscrito na matriz predial rústica sob o art.º 125.

57) Duas parcelas desse mesmo prédio, com a área total de 579 m2, foram também efectivamente ocupadas com a construção do C..... .. ......

58) Estas duas parcelas de terreno não estão referidas no Protocolo assinado pelos AA. e pelo Município da Maia, sendo as que estão referidas na proposta de permuta de terrenos efectuada pelo Município.

59) A parcela de terreno com maior dimensão exibe-se de forma trapezoidal (no gaveto formado pela ... e ...) e a de menor dimensão exibe-se sob a forma rectangular (com o lado menor a confrontar com a ... e ...).

60) No âmbito da proposta de permuta efectuada pela Câmara Municipal, foi considerado que nas parcelas de terreno onde foi implantado o C..... .. ....., o índice de construção dos terrenos era, de acordo com o PDM de 1,2 m2/m2.

61) No âmbito do processo de loteamento 2235/98, iniciado pela A. AA junto da Câmara Municipal da Maia, foi elaborado pelo Departamento de Planeamento e Gestão Urbanística daquela entidade um cálculo da capacidade construtiva do prédio inscrito sob o art.º 125 da matriz rústica que, considerando a área total do terreno de 72.545 m2, sendo, de acordo com o PDM, 28.720 m2 de área predominantemente residencial de nível 1 e 43.825 m2 de equipamento estruturante, com uma área bruta de construção admissível de 34.464 m2, implicava uma cedência obrigatória para espaços verdes de 7.180 m2 e para equipamento de 10.052 m2.

62) Nesse cálculo, considerando que a área cedida para as escolas seria de 33.642 m2, concluiu-se que teria sido cedido em excesso a área de 16.410 m2.

63) A área efectivamente ocupada pelo complexo escolar foi de 35.167 m2, já referida.

64) De acordo com o PDM pulicado no DR 1º Série B, nº114 de 17/05/1994, a parcela de terreno ocupada pelo complexo escolar encontrava-se em Área de Equipamento Estruturante, com índice de construção 1,0 m2/ m2, estando a área de 579 m2 ocupada com o C..... .. ..... em Área Predominantemente Residencial de Nível 1, com índice de construção de 1,2 m2/m2.

65) De acordo com este PDM, a área sobrante do prédio rústico inscrito na matriz predial sob o art.º 125 está em Área Predominantemente Residencial de Nível 1, com índice de construção de 1,2 m2/m2.

66) De acordo com o PDM publicado no DR, 2ª Série, nº17, de 26/01, alterado conforme publicação no DR, 2ª série, nº145, de 30/07/2013, as áreas ocupadas com o Agrupamento Escolar e o C..... .. ..... estão em Área de Equipamento, com um índice de construção de 1,0 m2/m2.

67) De acordo com este PDM, a área sobrante do prédio rústico inscrito na matriz predial sob o art. 125 está em Área de Habitação Colectiva a Consolidar, com índice de construção que varia de 0,8 a 1,2 m2/m2 e numa parcela menor em áreas Centrais, com um índice de construção máximo de 1,2 m2/m2.

68) O prédio inscrito na matriz predial rústica sob o art. 125 tem boa localização, boa envolvência e boa acessibilidade e encontra-se próximo de centros urbanos, sendo rodeado por habitações.

69) O prédio em causa localiza-se na contiguidade de um importante eixo rodoviário da ..., a ..., a cerca de 4 Kms do centro da ..., e enquadra-se em paisagem calma, sossegada e por isso vocacionada para a habitação.

70)Os períodos de boom económico no sector do imobiliário localizaram-se nos anos de 1991 e 1992 e entre 1997 e 2002.

71) Ao longo do tempo, e considerando o médio / longo prazo, os preços de habitação tiveram uma tendência de crescimento, mais acentuado nos anos referidos no ponto anterior, com excepção do período entre 2007 a 213 onde se verificou uma inversão dos valores da venda da habitação.

72) Não foi realizada na parcela sobrante deste prédio inscrito na matriz predial rústica sob o art.º 125 qualquer infra-estrutura, tendo em vista o seu loteamento.

73) O loteamento da parte sobrante implica as seguintes despesas: custos dos projectos de loteamento, taxas municipais, custo de construção de infra-estruturas e custos de comercialização.

73-A) Das despesas referidas em 73), o Réu Município avaliou, em Outubro de 2001, o custo das obras de infraestruturas do loteamento da parte sobrante e a isenção das taxas municipais em PTE 176.000.000$00 (equivalente a 887.884 euros).

74-B) Na mesma ocasião, o Município avaliou as parcelas de terreno dos Autores ocupadas pelas escolas em cerca de 2.325,00 euros.

74-C) Nessa mesma avaliação, foi considerado o valor de 55,00 € por metro quadrado.

74) A parcela sobrante do prédio inscrito na matriz predial rústica sob o art.º 125 tem a área de 29.591,6 m2.

75) A existência de escolas e equipamentos de saúde numa zona contribui normalmente para uma maior valorização da mesma, estando esta mais-valia associada ao aspecto negativo de maior tráfego rodoviário e pedonal a certas horas do dia.

76) Na situação concreta do prédio inscrito na matriz predial rústica sob o art.º 125, não existiu valorização nem desvalorização da parte sobrante, que está separada do complexo escolar por um arruamento largo, a ....

77) Começou por ser a 1ª A. a relacionar-se com o Município, com quem este lidava e dirigia a correspondência.

78) Os RR. nunca promoveram a seu favor o registo dos bens que constituem o complexo escolar ou o centro de saúde.

79) No dia 28 de Outubro de 1997, a 1ª A., na qualidade co-proprietária, apresentou na Câmara Municipal da Maia um pedido de licenciamento (Processo nº 2235/98) de loteamento da parcela sobrante do terreno descrito e inscrito na 1ª Conservatória do Registo Predial da Maria sob o nº ...........03 da freguesia de ...), inscrito na respectiva Repartição de Finanças da Maia sob o artigo matricial rústico com o nº 125, tendo anexado o extracto da planta actualizada de condicionantes do PDM.

80) Após várias análises ao pedido de licenciamento e emissão de vários pareceres emitidos pelos Arquitectos dos Serviços da Câmara Municipal da Maia, o Sr. Vereador do Pelouro de Obras Particulares e Loteamentos emitiu o seguinte despacho, em 4 de Dezembro de 1998:

1. Concordo globalmente com a informação técnica elaborada pelo Sr. Arqº RR e constante a fls. 58, 58 verso e 59 do presente processo; 2. Como complemento da mesma, deve ainda o projecto atender ao parecer técnico do Centro de Estudos Urbanos subscrito pelos consultores Sr. Arq. SS e Sr. Eng. TT e constante de fls. 60 e 61 deste mesmo processo. 3. À Câmara para aprovar em conformidade”.

81) Em 12 de Junho de 2000 a 1ª A. e co-proprietária do terreno descrito e inscrito na 1ª Conservatória do Registo Predial da Maria sob o nº ...........03 da freguesia de ...), inscrito na respectiva Repartição de Finanças da Maia sob o artigo matricial rústico com o nº 125, dirigiu uma carta ao Sr. Presidente da Câmara Municipal da Maia, Prof. UU, que versava sobre o assunto: “Negociação do terreno ocupado pela C... VV, para construção das escolas: Primária e C + S de ...”, com a proposta final de negociação entre os AA. e a Câmara devido à ocupação desta do terreno acima identificado para a construção das Escolas Primária e C+S de ....

82) Essa carta foi recebida em 7 de Julho de 2000, conforme dela consta o carimbo do Município, e dizia o seguinte:

Assunto: Negociação do terreno ocupado pela C.M.Maia, para construção das escolas: Primária e C + S de .... Dado a última reunião com o Sr. Presidente não ter sido conclusiva no referente à negociação do terreno que cerca de oito anos está ocupado pelo equipamento acima referido, vimos por este meio, transmitir a nossa proposta final de negociação. Cremos que encerra as intenções sugeridas pelo Srº Presidente, aquando o início da negociação pelo que passamos a referir: -Aprovação do projecto por nós apresentado. - Elaboração e aprovação do projecto especialidades. - Realização das infra estruturas no prazo de doze meses. - Isenção de taxas de urbanização. - Emissão de alvará em data por nós sugerida.

83) A essa carta o R. Município não respondeu.

84) Por ofício da Câmara Municipal da Maia de 12 de Outubro de 2001 com o nº 14634, sob o assunto: Arquivamento do processo de loteamento – Local de obra: ... – ...) – Processo nº 2235/98, a 1ª A. foi notificada que o processo de loteamento com o nº 2235/98 tinha sido arquivado definitivamente, nos termos da deliberação camarária aprovada na reunião da Câmara Municipal realizada em 13 de Setembro de 2001.

85) Com data de 12 de Dezembro de 2001 foi outorgado o já referido Protocolo de Acordo sendo outorgantes os ora AA. e o Exmo Sr. Dr. UU, na qualidade de Presidente da Câmara Municipal da Maia e em representação do Município da Maia, com poderes para o acto, conforme referido em 7).

85-A) Do protocolo referido em 85) não constavam os valores resultantes da avaliação efectuada pelos serviços do Réu Município, quer das parcelas a ceder, quer das obras de infraestruturas e das taxas municipaia.

86)O protocolo foi assinado pelo Vice-Presidente da Câmara Municipal da Maia e pelos AA.

87) Esse protocolo pressupõe o Estudo Urbanístico realizado para a área sul do Plano de Pormenor da Quinta da ... e às Adjacentes no ..., estabelecendo que o alvará de loteamento a conceder pelo R. Município obedeceria à mancha construtiva e aos volumes de construção previstos nesse Estudo, conforme planta anexa a esse protocolo.

88) Nesse protocolo de acordo, as primeiras outorgantes, ora AA., comprometiam-se a ceder à segunda outorgante, Câmara Municipal da Maia, com vista à formalização contratual do Núcleo Escolar do ..., sito na freguesia do ...), gratuitamente e livre de quaisquer ónus ou encargos, e para o seu domínio privado, três parcelas de terreno do prédio descrito e inscrito na 1ª Conservatória do Registo Predial da Maria sob o nº 1454/20100203 da freguesia de ...), inscrito na respectiva Repartição de Finanças da Maia sob o artigo matricial rústico com o nº 125, no total de 35.167m2.

89) Seriam ainda cedidas pelos primeiros outorgantes à segunda outorgante (Câmara) mais 3 parcelas de terreno destinadas a arruamentos e baías de estacionamento no total de 7.207,40m2.

90) Essas parcelas estavam de facto já ocupados com os arruamentos, estacionamento e escolas nas áreas referidas.

91) Em contrapartida desta cedência dos primeiros outorgantes, ora AA., a Câmara Municipal da Maia comprometia-se a conceder um alvará de loteamento contemplando a constituição de lotes com a área e a configuração prevista no Estudo Urbanístico realizado para área sul do Plano de Pormenor da Quinta da ... e Áreas Adjacentes no ..., obedecendo ainda à mancha construtiva e aos volumes de construção previstos nesse Estudo.

92) Em face desta cedência, a segunda outorgante (Câmara) comprometia-se a dispensar os primeiros outorgantes da realização das obras necessárias de urbanização e de infra-estruturas, as quais seriam da responsabilidade da Câmara e isentar os primeiros outorgantes do pagamento da Taxa Municipal de Urbanização devidas no âmbito do licenciamento da operação de loteamento bem como da prestação da caução devida para garantir a boa e regular execução das obras de urbanização, devendo essas obras de urbanização e de infra-estruturas estar concluídas até seis meses após a data de emissão do alvará de loteamento.

93) Esta cedência deveria ser efectuada por escritura pública, conforme cláusula 6ª do Protocolo de Acordo.

94) Por ofício da Câmara de 29 de Outubro de 2002 (nº 15821), sobre o assunto: Doação ao Município da Maia de seis parcelas de terreno a destacar do prédio sito no Lugar de ..., Freguesia de ..., Concelho da Maia, a 1ª A. foi notificada para em 8 dias se pronunciar sobre a minuta do contrato de doação ao Município das referidas seis parcelas de terreno a destacar do prédio sito no lugar de ..., freguesia ..., concelho da Maia, descrito e inscrito na 1ª Conservatória do Registo Predial da Maia sob o nº ...........03 da freguesia de ...) e inscrito na respectiva Repartição de Finanças da Maia sob o artigo matricial rústico com o nº 125, nos termos que constam dos autos a fls. 243, cujo teor aqui se considera reproduzido.

94-A) Da minuta da escritura de doação constava que às seis parcelas a ceder pelos Autores era atribuído o valor total de € 2.325.083,33.

95) Os AA. responderam ao R. Município nos termos que constam da carta de fls. 406, que aqui se considera integralmente reproduzida, e na qual referem não estar em condições de analisar a minuta uma vez que tinham de proceder à rectificação da inscrição na Conservatória do Registo Predial dos prédios em questão.

96) Posteriormente recusaram-se a celebrar a escritura nos termos da minuta proposta pelo R. Município, evidenciando os AA. desconforto quanto aos termos em que seria efectuada a escritura pública de cedência dos terrenos e os impostos que dai pudessem resultar, tendo-se sucedido no tempo reuniões entre As. e representantes dos Município que se prolongaram por vários anos, até data próxima da propositura da acção, sem qualquer sucesso.

97) Os AA. não apresentaram ao Município da Maia qualquer pedido loteamento posterior à celebração deste acordo, que tivesse por objecto a área da parcela sobrante referida do prédio inscrito na matriz predial rústica sob o art. 125.

98) Por ofício de 3 de Julho de 2003 (nº 9078) sobre o assunto: Permuta de uma parcela de terreno com a área de 260m² pertencente à Câmara Municipal, sita na freguesia de ...) com duas parcelas de terreno, com a área total de 579m², propriedade de AA e Outros, localizadas na mesma Freguesia, a 1ª A. foi notificada da cópia da acta da deliberação tomada em reunião de Câmara realizada no dia 5 de Junho de 2003 subordinada ao assunto supra referenciado.

99) Para essa deliberação, o Município avaliou, em 4 de Abril de 2003, as duas parcelas, com a área total de 579 m2, em 83.376,00 euros.

99-A) Na avaliação feita pelo Município às parcelas dos Autores referidas em 98) foi atribuído o valor de 144 m2 por metro quadrado.

99-B) A parcela do domínio privado da Câmara, com a área de 260 m2, não foi avaliada, tendo-se sido atribuído o mesmo valor atribuído às parcelas avaliadas dos Autores, com a área de 579 m2.

100) Estas duas parcelas de terreno, com a área total de 579m², foram de facto ocupadas pelo R. Município com a construção do centro de saúde.

101) Atento o tempo decorrido e a conjuntura de crise, à data da propositura desta acção, os AA. já não estavam interessados em lotear e / ou construir na parcela sobrante do imóvel.

102) Os AA. tiveram conhecimento das construções das escolas e do centro de saúde pelo menos quando estas se iniciaram, sendo que já antes tinham conhecimento da intenção do R. Município de construir as escolas no terreno inscrito na matriz predial rústica sob o art. 125, tendo autorizado a construção destas, mediante contrapartidas que não estavam ainda, à data, definidas, existindo sucessivas reuniões para o efeito que culminaram com a assinatura do referido protocolo de 2001.

103) O prédio inscrito na matriz predial rústica sob o art.º 125 teve, ao longo dos anos, o seguinte valor, considerando o preço unitário por m2 de acordo com a sua capacidade construtiva, as áreas onde se encontra construído o centro de saúde, as escolas referidas no protocolo e a parcela sobrante:

(…)

104) Os As. celebraram com a empresa A.. Atelier de Arquitectura, Lda, representada pelo Sr. Arq. WW, um contrato de prestação de serviços de arquitectura para a realização e aprovação do Projecto de Arquitectura e especialidade de um Plano de pormenor seguido de um projecto de Loteamento.

104-A) O projecto referido em 104) foi o que deu origem ao processo de loteamento n.º 2235/98 referido no Item 79).

105) Os AA. e esse atelier não se entenderam quanto ao valor dos honorários, tendo sido proposta uma acção que os condenou no pagamento da quantia de € 18.333,33 que pagaram efectivamente.

106)Pagaram de honorários a advogado a quantia de € 2.662,00.

107) Pagaram ainda de taxas de justiça e custas as quantias de: 1.068,00 euros +1.068,00 euros + 1.068,00 euros + 1.068,00 euros + 1.068,00 euros + 4.082,29 euros.

108) A situação vivida pelos AA. antes e depois da assinatura do protocolo com o R. Município gerou nos AA. apreensão e desgosto, pois que os sucessivos contactos estabelecidos com o R. Município não determinaram a efectiva transmissão da propriedade sobre as parcelas de terreno ocupadas com a construção das escolas, não tendo existido negociação relativamente à área ocupada pelo centro de saúde.

109) O teor das minutas de protocolo datadas de 1990 e de 1995, juntas a fls. 71 e 420 do processo do Tribunal de Santo Tirso n.º 396/2001.

III – QUESTÕES JURÍDICAS ESSENCIAIS DE QUE CUMPRE CONHECER.

1 – Alegada violação do caso julgado. (In)cumprimento da decisão de conhecer da impugnação de facto apresentada pelos AA. (factos nºs 26-A, 26º-B, 26º-C, 37º-A, e alegações g) e h) da 3ª conclusão do recurso de apelação). Violação do dever de acatamento das decisões proferidas, por via de recurso, pelos tribunais superiores.

2 – Invocada nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 615º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil.

3 – Natureza jurídica do acordo denominado “Protocolo de 2001” celebrado entre as partes. Vícios que enfermam, no dizer da recorrente, o acordo denominado “Protocolo de 2001” (usura). Invocada nulidade do acordo por indeterminabilidade do seu objecto. Invocado incumprimento contratual por parte dos RR. Aplicabilidade do instituto da alteração de circunstâncias previsto no artigo 437º do Código Civil. Existência (ou não) de danos de natureza não patrimonial que pela sua gravidade, nos termos do artigo 496º, nº 1, do Código Civil, mereçam a tutela do direito. Invocado abuso do direito, nos termos gerais do artigo 334º do Código Civil. Do pedido de dispensa de pagamento do remanescente restante no termos do artigo 6º, nº 7, do Regulamento das Custas Processuais. Conhecimento prejudicado quanto a todas estas matérias face à anulação do acórdão recorrido nos termos supra enunciados.

Passemos à sua análise:

1 – Alegada violação do caso julgado. (In)cumprimento da decisão de conhecer da impugnação de facto apresentada pelos AA. (factos nºs 26-A, 26º-B, 26º-C, 37º-A, e alegações g) e h) da 3ª conclusão do recurso de apelação). Violação do dever de acatamento das decisões proferidas, por via de recurso, pelos tribunais superiores.

Alegam, a este propósito, os recorrentes:

Tendo o Supremo Tribunal de Justiça ordenado a baixa do processo para que o Tribunal da Relação apreciasse a impugnação da matéria de factos relativamente a um conjunto de pontos de facto, que especificou, o Tribunal a quo não cumpriu essa determinação relativamente aos factos 26-A, 26-B e 26-C, e também relativamente aos factos 37-A e alíneas g) e h) da 3.ª conclusão do recurso de apelação.

Ao omitir a efectiva apreciação da impugnação dos factos acima indicados, o douto acórdão recorrido incorreu em violação do caso julgado formado sobre o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, que julgou relevante aquela matéria de facto e ordenou que fosse efectivamente apreciada a impugnação do julgamento da mesma (art. 620.º, n.º 1, do C.P.C.), pelo que é admissível o presente recurso de revista nos termos do disposto no art. 629.º, n.º 2, al. a), do C.P.C..

Respondeu o Réu Município sobre este ponto:

Afirmam os Recorrentes que “os pontos de facto acima mencionados” eram os “23-C, 26-A, 26-B, 26-C, 37-A, 37-B, 73-A, 84-A, 84-B, 85-A, 99-A, 99-B, 155-A, 155-B e os referidos nas alíneas g) e h) da 3.ª conclusão desse recurso” (nota de rodapé 1, p. 22 das alegações), e que, no Acórdão recorrido apenas se deu cumprimento parcial a essa injunção do Supremo Tribunal de Justiça.

Sucede que Relação do Porto, na primeira apelação, tinha já conhecidos os pontos de facto factos 26-A, 26-B e 26-C e os das alínea h) da conclusão 3ª da apelação (i.e., não recusou julgar a impugnação quanto a estes), circunstância em que o Acórdão do STJ não terá atentado na medida em que os Recorrentes “misturaram” na sua minuta recursiva esses pontos de facto com os identificados como 23-C), 37-A), 37-B), 73-A), 84-A), 84-B), 84-C), 99-A), 99-B), 155-A), 155-B) e alínea g) da conclusão 3 do recurso.

Ora, foi este conjunto defactos –e não os 26-A, 26-B e 26-C, aos factos das alíneas h) – que a Relação da Porto havia excluído do objecto do recurso (p. 44 desse primeiro Acórdão de apelação), tendo os efectivamente julgado na primeira apelação.

Ou seja: oAcórdão do STJ, motivado pela incorrecção daquestãoformulada pelos Recorrentes, disse mais do que queria dizer quando se referiu “aos pontos de facto acima elencados” na medida em que entre esses factos (indicados pelos Recorrentes) alguns – os ora em causa, os factos 26-A, 26-B e 26-C e aos factos da alínea h) – não enfermavam do erro que foi imputado pelo STJ ao primeiro acórdão da Relação.

Dessa sorte, o Acórdão recorrido, respeitando a determinação doAcórdão do STJ, proferiu julgamento sobre os pontos de facto que havia decidido não conhecer (dando, aliás procedência a algumas das pretensões dos Recorrentes) e, muito naturalmente, manteve o julgamento que havia proferido sobre os demais factos que havia julgado – pelo que não existe violação do determinado pelo Acórdão do STJ nem, inerentemente, violação de caso julgado.

Apreciando:

Estão em causa os seguintes pontos de facto:

26-A, onde se refere “Em Agosto de 1991 a Câmara apresentou à primeira autora uma planta do loteamento da parte sobrante dos terrenos elaborada por um Gabinete de Arquitectura sito na ..., efectuada à escala de 1/1000, com a Ref n° 495, a data de 91AG0 e designada por: "1.3 Planta do loteamento". Nessa planta consta um mapa-quadro onde se identificam os lotes, as áreas, as tipologias, n° de fogos em cada lote, as áreas de construção em cada lote e área total de construção em cada lote. A requerente é a Câmara Municipal da Maia e o local da obra é a ... (Doe. 25-Hdefls. 294 e 295, que se dá por reproduzido)”.


26-B, onde se refere “Este loteamento apenas poderia ser implantado com a aquisição de terrenos de terceiros”.


26-C, onde se refere “A área de construção dos lotes, nessa planta de loteamento, ascendia a um total de 68.523,50 m2”.


37-A, onde se refere “O teor do documento de fls. 347”.


Alínea g) da conclusão 3ª das alegações de apelação, onde se refere “A deliberação camarária relativa à assinatura do protocolo de 12.12.2001, está datada de 27/12/2001, foi suportada por uma avaliação efectuada pelos próprios serviços do R. Município e que consta de fls. 820, tendo a cedência nos termos protocolados sido considerada vantajosa para o Município.


- o teor das minutas de protocolo datadas de 1990 e de 1995, juntas a (fls. 71 e 420 do processo do Tribunal de Santo Tirso n. ° 396/2001)”.


h) da conclusão 3ª das alegações de apelação, onde se refere “O relatório de avaliação de fls 820 e seg., datado de 24.10.2010, tenha sido dado a conhecer aos Autores antes do protocolo ou posteriormente a ele”.

No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Outubro de 2021, a fls. 1756 a 1788, referiu-se:

“(…) a Relação rejeitou a impugnação de facto nessa parte por não estarem reunidas as condições legais de admissibilidade uma vez que “os recorrentes não justificam, por qualquer forma, a sua pretensão recursiva” e/ou por não se afigurar “que se trate de factualidade imprescindível para a apreciação do recurso”.

No caso dos autos os Recorrentes vêm defendendo, entre outra argumentação, que o protocolo que firmaram com o Réu Município é usurário e ofensivo dos bons costumes. A apreciação desses invocados vícios implica uma análise pormenorizada dos comportamentos antecedentes dos intervenientes, e nesse conspecto os pontos de facto que constituem o objecto do recurso (acima elencados), tal como contextualizados na alegação dos Recorrentes, assumem-se relevância para a caracterização da situação.


Por outro lado, o enquadramento jurídico invocado pelos Recorrentes não pode deixar de ser considerado, nesta fase do processo, como plausível. Com efeito a plausibilidade da solução jurídica preconizada é de afastar (com a consequente rejeição do recurso quanto a essa parte da impugnação da matéria de facto) quando tal solução seja manifestamente infundada ou quando o tribunal conclua que ela não é a aplicável à situação; com a diferença de que no primeiro caso, a falta de plausibilidade é aparente sendo passível de uma sumária fundamentação, enquanto no segundo caso a falta de plausibilidade só surge na sequência de uma análise pormenorizada e requer uma elaborada fundamentação.


A eventualidade de ocorrência de usura e ofensa dos bons, tal como vem invocado pelos Recorrentes, não surge como manifestamente infundada. E a Relação ao afirmar a implausibilidade dos mesmos (e, consequentemente, a irrelevância dos factos em causa), fê-lo sem que se encontre análise e fundamentação específica para afastar essa plausibilidade; pelo contrário, e de forma manifestamente contraditória, justifica a falta de plausibilidade com o facto de não se terem provado factos cujo estabelecimento se recusou a analisar por serem irrelevantes ("Quanto a estes (...) fundamentos do recurso (...) verifica-se que a reapreciação do julgamento de direito dependia (...) das alterações pretendidas ao julgamento da matéria de facto").

(…) Donde se conclui que a Relação errou ao rejeitar a impugnação de facto relativamente aos pontos de facto acima elencados”.

Ou seja, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Outubro de 2021 decidiu, por estes motivos, anular o acórdão recorrido para que o Tribunal da Relação do Porto viesse a apreciar, em termos materiais, a impugnação de facto relativamente aos pontos acima elencados (23-C, 26-A, 26-B, 26-C, 37-A, 37-B, 73-A, 84-A, 84-B, 85-A, 99-A, 99-B, 115-A, 155-B, g) e h) indicados na conclusão 3ª das alegações de apelação).

Regressados os autos ao Tribunal da Relação do Porto, foi proferido o acórdão de 25 de Janeiro de 2022, onde se decidiu relativamente à apreciação dos pontos de facto elencados pelo Supremo Tribunal de Justiça no seu acórdão de 14 de Outubro de 2021:

“Decorre do disposto no art.º 662.º, n.º 1, do CP Civil que "A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa."

A Relação usa do princípio da livre apreciação da prova com a mesma amplitude de poderes da 1ª instância, nos termos consagrados pelo n.º 5 do art.º 607.º do CP Civil. Assim, após análise conjugada de todos os meios de prova produzidos, a Relação deve proceder a reapreciação da prova, de acordo com a própria convicção que sobre eles forma, sem quaisquer limitações, a não ser as impostas pelas regras de direito material.

Os Autores pretendem – em concreto – que sejam aditados aos Factos Provados diversos factos, que seja eliminado o Item 28) dos Factos Provados, que seja alterada a redacção do Item 108) dos Factos Provados, que transitem para os Factos Provados os Itens e), f), l) e m) dos Factos não provados e que sejam aditados factos aos Factos não provados.

Reanalisadas todas as provas produzidas nos autos, cumpre analisar as pretensões dos Autores paulatinamente.

Os Autores começam por alegar que, contrariamente às suas alegações na Petição Inicial que aludem a que a Câmara Municipal “reservou” parte dos seus terrenos, o tribunal recorrido “apenas” deu como provado, no respectivo Item 23), que “Pelo menos desde o início da década de 1980 estava pensada a construção do complexo de escolas do ... em parte do terreno pertencente aos Autores.”

Defendem que, pelo menos à data dos factos, a aludida expressão “reserva” era comum, sendo mesmo referida no Código das Expropriações. Bem como que, não obstante não ter sido publicado no Diário da República, nenhum acto declarativo de utilidade pública, o certo é que a publicitação da “reserva” no “J..... .. ....” os impediu, desde logo, de dispor, de facto, de todo o prédio.

Propõem o aditamento de um novo Item 23-A) aos Factos Provados com o seguinte teor: “O Réu Município publicitou no “J..... .. ....”, em 08/07/1982, que o terreno dos Autores, situado entre a ... e a ..., estava reservado para a instalação do complexo de escolas do ..., sem especificar a que área se referia a reserva.”

Em termos teóricos e jurídicos, não há qualquer justificação na substituição da expressão escolhida pelo tribunal recorrido pela de “reserva”, já que as boas regras processuais aconselham a utilização de palavras comuns em detrimento de conceitos jurídicos. Ainda que assim não fosse, é pacífico nos autos que nunca se previu a expropriação dos prédios dos Autores, ao abrigo do Código das Expropriações.

Além disso, concordamos inteiramente com a análise feita na sentença sobre a dita notícia do “J..... .. ....”: “Não se percebe exactamente em que sentido se fala de reserva (e estava reservado para quem?), admitindo-se que tal significasse apenas que se pretendia instalar naquele local as escolas, estando o terreno afecto para esse fim, como, aliás, é corrente acontecer quando as autarquias definem planos para o ordenamento do território, mais ou menos formais, ficando por essa via definido o que se pensa edificar nesta ou naquela zona do concelho este ou aquele equipamento que serve a comunidade.”

Indefere-se, portanto, o aditamento do Item 23-A) requerido.

Alegam seguidamente os Autores que – tal como referido na Petição – apenas tiveram conhecimento da “escolha” do seu terreno por parte do Réu Município através da comunicação social e de um placard que aí foi colocado.

Sustentam que esta alegação resultou provada das declarações da Autora BB.

Entendem que este facto demonstra o evidente abuso de poder por parte do Município e nenhum respeito pelos direitos dos particulares.

Pedem o aditamento de um facto 23-B) aos Factos Provados com o seguinte teor: “Os Autores tiveram conhecimento da intenção do Réu Município de construir as escolas no terreno inscrito na matriz predial rústica sob o art.º 125, apenas através da comunicação social e de um placard que ali foi posteriormente colocado.”

Nas respectivas contra-alegações, o Réu Município contrapõe que se trata de facto sem qualquer relevância para a decisão da causa, seja porque não é factos essencial, alegado pelas partes, seja porque não é facto instrumental que permita a ilação de factos essenciais, seja porque não se trata, ainda, sequer, de facto complementar ou concretizador.

Como já deixamos dito acima, os factos relevantes são “apenas” os que se revelarem úteis à apreciação das causas de pedir expostas na acção e reconvenção ou das excepções a estas opostas.

Neste particular, entendemos assistir razão ao Recorrido: a forma concreta por que os Autores tiveram conhecimento da intenção do Município da Maia é absolutamente irrelevante. A factualidade relevante a este propósito é a constante da alínea b) dos Factos não provados, que não foi impugnada pelos Recorrentes: “As parcelas de terreno onde estão construídas as escolas tivessem sido ocupadas sem autorização ou consentimento dos Autores.”

Indefere-se, portanto, o recurso nesta parte.

Pretendem os Autores que se inclua na matéria provada o seguinte facto: “23-C – O terreno dos Autores foi terraplanado antes de 1977.”

Concretizam que este facto foi por si alegado no art.º da Petição Inicial e foi confirmado pela Autora BB e pela testemunha XX.

O Município da Maia veio, a este propósito, contrapor que os depoimentos não são corroborados por qualquer outro elemento de prova.

Efectivamente, concordamos com a Recorrida, no sentido de que não há prova cabal da factualidade em causa, sendo, para tal, insuficiente umas meras referências da Autora e da indicada testemunhas. Como é do conhecimento geral, tal eventual terraplanagem necessitou seguramente de ser autorizada pela Câmara Municipal, pelo que facilmente poderia ser provada documentalmente.

Indefere-se, portanto, o pretendido aditamento.

Mais alegam os Autores que, complementarmente aos factos incluídos nos Itens 25) e 26), devem ser incluídos outros factos, sob um ponto de vista cronológico.

Remetem para o teor do art.º 127.º da Petição Inicial que, no seu entender, não foi impugnado pelas Rés, e para o teor do documento junto com este articulado sob o n.º 25-H.

Emitem a opinião de que o teor deste documento é relevante por dele constar um loteamento proposto em 1991 pela Câmara para o terreno sobrante dos Autores, cujos lotes abrangiam áreas de terrenos pertencentes a terceiros com eles confrontantes.

Propõem o aditamento dos seguintes factos: “26-A Em Agosto de 1991 a Câmara apresentou à primeira autora uma planta do loteamento da parte sobrante dos terrenos elaborados por um Gabinete de Arquitectura sito na ..., efectuada à escala de 1/1000, com a Ref.ª n.º 493, a data de 91AGO e designada por: “1.3 Planta do loteamento”. Nessa planta consta um mapa-quadro onde se identificam os lotes, as áreas, as tipologias, n.º de fogos em cada lote, as áreas de construção em cada lote e área total de construção em cada lote. A requerente é a Câmara Municipal da Maia e o local da obra é a ... (Doc. 25-H de fls. 294 e 295, que se dá por reproduzido).”; “26-B Este loteamento apenas poderia ser implantado com a aquisição de terrenos de terceiros.” e “26-C A área de construção dos lotes, nessa planta de loteamento, ascendia a um total de 68.523,50 m2.”

Sendo certo resultar dos documentos indicados uma planta de loteamento, proposto pela Câmara, em 1991, abrangendo o terreno sobrante dos Autores, não existe qualquer utilidade para a inclusão destes novos factos aos autos, face aos factos já dados como provados sob os Itens 25) e 26) indicados e também sob os Itens 38) a 60), 67), 74) e, principalmente, 85) a 93), atinentes ao teor do Protocolo assinado pelas partes, em que - entre o mais – a Câmara Municipal da Maia se comprometeu a conceder o alvará de loteamento contemplando a constituição de lotes com a área e a configuração prevista no Estudo Urbanístico realizado para área sul do Plano de Pormenor da Quinta da ... e Áreas Adjacentes no ....

Indefere-se, pois, o aditamento pretendido.

Seguidamente os Recorrentes pretendem que se elimine o Item 28) dos Factos Provados, sendo substituído por dois novos Factos não Provados do seguinte teor: “l) O Réu Estado pagou apenas 70 % da construção do estabelecimento de ensino referido no protocolo celebrado entre a DREN e a Câmara Municipal da Maia” e “m)O Réu Município financiou 30 % do custo total desse empreendimento.”

Justificam que a testemunha YY pôs em causa que tivesse havido alguma participação financeira do Município na construção.

Acrescentam que mesmo a fundamentação de facto da sentença recorrida aponta nesse sentido, ao referir que “A Câmara assumiu ainda o financiamento de 30% do custo total do empreendimento: aquisição do terreno e a execução dos acessos e infra-estruturas”, com o que parecer dar a entender ter assumido a interpretação de que o custo da aquisição do terreno e da execução dos acessos e infra-estruturas estaria incluído, como obrigação assumida contratualmente, nos aludidos 30 %.”

Efectivamente, a fundamentação de facto da sentença recorrida não é exactamente coincidente com o teor escolhido para o Item 28) em causa, na parte em que se refere que o Réu Município assumiu “o financiamento de 30% do custo total do empreendimento” e cumulativamente “a aquisição do terreno e a execução dos acessos e respectivas infra-estruturas”.

Por outro lado, o depoimento da testemunha indicada pelos Recorrentes, sendo a única que depôs sobre a matéria e apresentando como razão de ciência ter sido Consultor Jurídico do Ministério da Educação, entre 1981 e 2012, foi prestado exactamente no sentido referido na fundamentação de facto acima transcrita: explicou que, a partir de certa altura, as obras passaram a ser feitas “em colaboração com as Câmaras” (sic), sendo que, na maioria dos casos, a Câmara entregava o terreno e o Ministério pagava a obra (“Consignava-se que o terreno valia os 30%” - sic). Acrescentou que, independentemente deste procedimento, era sempre o Município a fazer os acessos e as infra-estruturas (“Eram sempre feitos pelas Câmaras” – sic). Quanto ao caso concreto dos autos, afirmou que ocorreu uma especificidade, consistente no facto de, por sugestão do então Presidente da Câmara, o Município ter sido o dono da obra (sendo que o Ministério ia transferindo as dotações financeiras para o Município, que pagava ao empreiteiro). Mais afirmou estar convicto de que a Câmara facultou o terreno e fez as infra-estruturas enquanto o Estado fez a obra (“A ideia que tenho é que o Estado pagou na totalidade a empreitada” – sic).

Em face deste depoimento, prestado de forma credível e isenta, concorda-se, no essencial, com a pretensão dos Recorrentes.

Por inerência, altera-se a redacção do indicado Item 28) dos Factos Provados, retendo no mesmo apenas a parte que se pode considerar assente: “A construção deste estabelecimento de ensino foi paga maioritariamente pelo Réu Estado, assumindo o Réu Município o financiamento restante do custo total do empreendimento, aqui se incluindo pelo menos a aquisição do terreno e a execução dos acessos e respectivas infra-estruturas para a realização da construção.” Cumulativamente, admite-se a pretendida inclusão dos dois novos Itens aos Factos não provados.

Os Recorrentes pretendem seguidamente que, complementarmente à factualidade dada como provada sob o Item 37), se dê como provado o teor do documento de fls. 347 (Facto 37-A) e que “O referido em 37) deveu-se à circunstância de o Réu Estado, à data da construção, desconhecer o incumprimento do protocolo por parte do Município quanto à obrigação de adqurir os terrenos.”

Invocam, neste sentido, o teor do documento de fls. 347 e os depoimentos das testemunhas ZZ, AAA e BBB.

Pronunciou-se o Recorrido, a este respeito, no sentido de que o documento de fls. 347 consubstancia um verdadeiro depoimento por escrito e que, desconsiderando este, não deverá considerar-se como provado o proposto Item 37.º-B.

Efectivamente, e tal como se refere na sentença recorrida, desconhece-se a quem pertence a autoria da declaração de fls. 347, que consubstancia um verdadeiro depoimento por escrito.

Não deverá, pois, atender-se ao teor do mesmo e muito menos aditar o seu conteúdo ao elenco dos Factos Provados.

Relativamente ao proposto aditamento sob o Item 37-B), a testemunha YY, enquanto Consultor Jurídico do Ministério da Educação, foi clara e convincente ao explicar que o Ministério estava inicialmente convencido de que a Câmara tinha adquirido validamente os terrenos, apenas tendo tomado conhecimento da realidade da situação em momento mais tardio.

Atendendo à credibilidade demonstrada pela mesma, e às regras da experiência comum que apontam no sentido de que o Estado não anuíria com estas irregularidades, defere-se o aditamento à matéria de facto provada da factualidade proposta, sob o Item adicional 37-A).

De seguida, os Recorrentes pretendem, em complemento da factualidade já dada como provada sob o Item 73), que se considere igualmente provado que “Das despesas referidas em 73), o Réu Município avaliou, em Outubro de 2001, o custo das obras de infra-estruturas do loteamento da parte sobrante e a isenção das taxas municipais em PTE 176.000.000$00 (equivalente a 887.884 euros).”

Invocam para tanto o teor do Relatório de Avaliação datado de 24/10/01, constante de fls. 820 e ss.

Este documento - tal como se refere na sentença recorrida – serviu de avaliação efectuada pelos próprios serviços do Réu Município com vista à avaliação do Protocolo, assinado em 27/12/01.

Assim sendo, defere-se o aditamento da factualidade em causa, nos precisos termos sugeridos pelos Recorrentes.

Mais pretendem os Recorrentes a eliminação do Item 77) dos Factos Provados e a sua substituição por dois novos Itens provados com a seguinte redacção: “77-A) O primeiro contacto dos Autores com o Município foi feito por iniciativa da Autora BB no dia em que verificou que tinha sido colocado um cartaz no terreno a anunciar a construção das escolas.” E “77-B. Não houve troca de correspondência ou qualquer contacto escrito dos Réus com os Autores sobre a construção das escolas no terreno destes.”

Justificam que resulta das declarações da Autora BB que foi ela quem deu a notícia à mãe da colocação do placard e quem se dirigiu sozinha pela primeira vez ao Município, estando depois presente nas reuniões subsequentes.

Bem como que não resulta dos autos que o Réu Município tenha enviado à 1.ª Autora qualquer correspondência, apenas havendo notícia do envio de uma carta em Outubro de 2001.

Acrescentam que mesmo quando a Autora enviou ao Sr. Presidente da Câmara a carta datada de 12/06/00 não houve resposta à mesma.

Efectivamente, a Autora BB prestou declarações por forma a confirmar a factualidade invocada pelos Recorrentes.

No entanto, estas declarações não invalidam que tenha sido a 1.ª Autora, como matriarca da família, a iniciar e a assumir as negociações, num primeiro momento, com o Município da Maia.

Neste sentido, há que ter em conta que está provado sob o Item 81) dos Factos Provados que, em 12/06/00, a 1.ª Autora dirigiu uma carta ao Presidente da Câmara Municipal da Maia com o teor de fls. 216, em que se alude à última reunião com o Sr. Presidente e se transmite a proposta final para finalizar as negociações.

A sentença recorrida refere, na respectiva motivação, que esta carta comprova algo que ficou evidente após toda a produção de prova: que a construção das escolas foi consentida pelos Autores, na pessoa da sua mãe que, até determinado momento, assumiu este processo negocial.

Concordamos com estas considerações, que, aliás, foram corroboradas pelas declarações de parte do legal representante do Município, CCC, que referiu ter sido informado pelo anterior Presidente da Câmara, por volta de 1989, que se tinham iniciado negociações com a Autora e família (“que conhecia bem” – sic, por serem inclusivamente familiares). Bem como que falou várias vezes com a 1.ª Autora sobre o assunto, sendo que era habitual esta fazer-se acompanhar dos filhos.

Assim sendo, indefere-se quer a eliminação do Item 77), quer o aditamento dos Itens sugeridos.

Mais pretendem os Recorrentes que, em complemento aos factos constantes dos Itens 84) e 85), se considere igualmente provado que “84-A) Em 24/10/2001, o Município avaliou as parcelas de terreno dos Autores ocupadas pelas escolas em cerca de 2.325,00 euros (doc. de fls. 820).”; “84-B) Nessa avaliação foi considerado o valor de 55 € por metro quadrado.”e “85-A) Do protocolo referido em 85) não constavam os valores resultantes da avaliação efectuada pelos serviços do Réu Município, quer das parcelas a ceder, quer das obras de infraestruturas e das taxas municipais.”

Invocam para tanto, e uma vez mais, o teor do Relatório de Avaliação datado de 24/10/01, constante de fls. 820 e ss.

Tal como já se referiu acima, este documento serviu de avaliação efectuada pelos próprios serviços do Réu Município com vista à avaliação do Protocolo, assinado em 27/12/01.

Face ao seu teor, e atendendo a que o mesmo foi junto aos autos pelo Recorrido Réu Município, defere-se o aditamento da factualidade em causa proposta sob os Itens 84-A) e 84-B), nos precisos termos sugeridos pelos Recorrentes. Contudo, por uma questão sequencial, tais Itens serão aditados logo a seguir ao Item já aditado sob o número 73-A).

Por outro lado, do cotejo dos teores do Protocolo junto a fls. 225 e ss. e do acima indicado Relatório de Avaliação de fls. 820 e ss., resulta evidente que do primeiro não constam os valores resultantes da avaliação feita no segudo.

Defere-se, por inerência, o aditamento sugerido, com a redacção proposta.

Mais pretendem os Recorrentes que, em aditamento ao Item 94) (que, certamente por lapso, identificam como facto 155), se incluam os seguintes factos: “155-A) Da minuta da escritura de doação constava que às seis parcelas a ceder pelos Autores era atribuído o valor total de € 2.325.083,33” E “155-B) Não foi atribuído valor às contrapartidas a receber pelos Autores.”

Invocam, neste sentido, o teor da minuta do projectado Contrato de Doação de fls. 243 e ss.

Sendo claro da leitura deste documento o valor atribuído às parcelas a ceder pelos Autores, não se justificaria – tratando-se de um contrato de doação – a referência a qualquer contrapartida. Assim sendo, decide-se aditar apenas ao Item 94) a primeira das alíneas propostas.

Seguidamente os Recorrentes pedem que, em aditamento aos factos constantes dos Itens 98) e 99), se aditem dois novos Itens com o seguinte teor: “99-A) Na avaliação feita pelo Município às parcelas dos Autores referidas em 98) foi atribuído valor de 144 m2 por metro quadrado.” E “99-B) A parcela do domínio privado da Câmara, com a área de 260 m2, não foi avaliada, tendo-lhe sido atribuído o mesmo valor atribuído às parcelas avaliadas dos Autores, com a área de 579 m2.”

Invocam, neste sentido, o teor do Auto de Avaliação de fls. 275 e 276.

Apesar de este Auto ter tido por objecto um eventual contrato de permuta que não chegou a ser outorgado, decide-se aditar à factualidade provada este conjunto de factos, por resultar directamente do mesmo, nos precisos termos propostos.

Seguidamente os Recorrentes pretendem a alteração da redacção do Item 102) para a seguinte alternativa: “102. Os As. tiveram conhecimento das construções das escolas e do centro de saúde pelo menos quando estas se iniciaram, sendo que já antes tinham conhecimento da intenção do R. Município de construir as escolas no terreno inscrito na matriz predial rústica sob o art. 125, tendo autorizado a construção destas. (1.ª parte do anterior ponto de facto, eliminando-se o restante).”

Bem como o aditamento de um novo Item complementar com a seguinte redacção: “102-B. Após ter sido contactado pelos Autores, o Réu Município, prometeu-lhes contrapartidas que nunca foram definidas nas sucessivas reuniões realizadas nem até hoje.” Ou simplesmente “102-B. Após ter sido contactado pelos Autores, o Réu Município, prometeu-lhes contrapartidas que se relacionavam com o aproveitamento construtivo das partes sobrantes.”

Justificam que o tribunal recorrido desprezou a circunstância de a autorização pressupor autonomia de vontade, que, nestes casos, do lado dos particulares, é sempre diminuída, ou mesmo inexistente.

Dizem que, no que respeita às contrapartidas a prestar pelo Município aos Autores, o referido protocolo de 2001 não as concretiza, tendo sido assinado por estes, que o viram como “um início de conversa”, para salvaguarda do reconhecimento pela Câmara de que a ocupação que tinha feito não fora “a título gracioso”.

Invocam, para tanto, o depoimento de parte da Autora BB. Entendemos não lhes assistir razão.

Da mera leitura do Protocolo de fls. 225 e ss. resulta, de forma clara, a indicação das contrapartidas da cedência dos terrenos por parte dos Autores: concessão de alvará de loteamento, conforme a planta anexa; dispensa de realização de obras de infra-estruturação, que seriam da responsabilidade do Município; isenção de taxa municipal de urbanização e de caução.

Complementarmente, os depoimentos dos intervenientes principais nas negociações revelam que o acordo em causa foi alcançado, de forma voluntária e esclarecida, por ambas as partes, independentemente de o teor do mesmo acordo poder não ser a solução ideal idealizada pelos Autores.

Assim, o legal representante do Município da Maia, CCC, explicou que participou em várias reuniões com a Dr.ª BB, juntamente com a mãe e, ocasionalmente, com outros familiares (“sempre muito cordiais” – sic). Disse que, ao cabo de ano e meio, chegaram a “um entendimento com a família” (sic), que foi vertido para o dito protocolo. Emitiu a opinião de que o assunto ficou resolvido com a assinatura do protocolo (nas suas palavras “o protocolo reflectia a vontade da família” – sic). Acrescentou que a minuta do protocolo foi inclusivamente entregue à Autora BB para possibilitar a sua prévia análise e conferência com todos os membros da família ou terceiros.

Por sua vez, a Autora BB disse que “A nossa perspectiva é que ia haver um negócio…de no final haver um documento de permuta” (sic). Descreveu a sucessão de reuniões com o representante do Município e declarou que, a certa altura, a Câmara anuiu, como contrapartida da cedência dos terrenos, em aprovar um projecto de loteamento, em isentá-los de taxas autárquicas e em fazer as infra-estruturas. Confirmou que, antes da assinatura do protocolo dos autos, lhe foi facultada uma minuta, que mostrou à família e a um Advogado. Afirmou que esse Advogado lhe transmitiu, logo nessa altura, que teriam que pagar impostos de valor elevado. Declarou que, apesar disso, optaram por assinar o protocolo com o teor constante da tal minuta.

Em face do teor do protocolo assinado e da conjugação destes depoimentos, indefere-se a pretendida alteração e aditamento de factos.

Mais pretendem os Recorrentes o aditamento de um novo facto ao Item 104) dos Factos Provados, com o seguinte teor: “104-A O projecto referido em 104. foi o que deu origem ao processo de loteamento n.º 2235/98 referido em 79.”

Justificam que a mera redacção deste Item pode dar a ideia, errada, de que tenham feito diligências no sentido de vir a apresentar um projecto de loteamento após o protocolo de 2001.

Uma vez que é pacífico da prova produzida nos autos que os serviços de arquitectura em causa tiveram por objecto precisamente o processo de loteamento aludido no Item 79) dos Factos Provados, defere-se o pretendido aditamento, por questões de clarificação.

Pretendem, de seguida, os Recorrentes a alteração da redacção do Item 108)dos Factos Provados da seguinte forma: “108. A situação vivida pelos As. antes e depois da assinatura do protocolo com o R. Município gerou nos As. apreensão e desgosto, pois que os sucessivos contactos estabelecidos com o R. Município não levaram a nenhuma real ou efectiva compensação pela ocupação das parcelas de terreno com a construção das escolas.”

Limitam-se a justificar que a redacção escolhida pelo tribunal recorrido é algo confusa.

Contrapôs, a este respeito, o Recorrido Município que não existe qualquer contradição ou obscuridade que cumpra esclarecer a propósito do ponto 108 da matéria de facto dada como assente.

Esta requerida substituição não pode ser atendida, na medida em que a redacção escolhida é clara quanto ao seu conteúdo e, por outro lado, que a proposta apresentada alteraria, de forma relevante, o conteúdo do Item em causa, sem sustentação na prova produzida nos autos.

Finalmente, não vemos qualquer utilidade para a apreciação e decisão da causa na inclusão do seguinte facto pretendido aditar aos Factos Provados “A deliberação camarária relativa à assinatura do protocolo de 12.12.2001, está datada de 27/12/2001, foi suportada por uma avaliação efectuada pelos próprios serviços do R. Município e que consta de fls. 820, tendo a cedência nos termos protocolados sido considerada vantajosa para o Município.”, por o mesmo, na sua parte relevante e não conclusiva, já ter sido aditada sob os Itens 73), 73-A) e 73-B).

Por fim, com base no teor dos documentos em causa, adita-se aos Factos Provados o último facto proposto para aditamento, do seguinte teor:“O teor das minutas de protocolo datadas de 1990 e de 1995, juntas a (fls. 71 e 420 do processo do Tribunal de Santo Tirso n.º 396/2001”.

Quanto aos factos não provados, os Recorrentes sustentam dever transitar para os Factos Provados o Item e) dos Factos não provados, com a seguinte redacção: “Ao ocupar o terreno dos Autores, o Réu Município abusou da sua posição de autoridade, da viuvez, ingenuidade e submissão da 1.ª Autora.”

Invocam, para tanto, o depoimento da testemunha XX, na parte em que referiu que, se o Professor DDD resolvesse ver um terreno que gostasse para qualquer coisa, o mesmo terreno “ficava marcado para sempre”.

Contrapôs o Recorrido Município, nas suas contra-alegações, que o julgamento efectuado pelo Tribunal na alínea e) dos factos não provados não é inferido pelo depoimento da testemunha XX na parte que os Autores citam na página 34 das alegações, nem por qualquer outro meio de prova.

Entendemos - tal como o Recorrido – que o depoimento da testemunha XX, pela sua vaguidade, não tem a virtualidade de alterar a consideração da factualidade em causa para provada.

Além disso, as considerações acima feitas, e aqui reiteradas, quanto à forma como decorreram as negociações que levaram a outorga do protocolo referido nos Itens 85) e ss. dos Factos Provados inculcam entendimento diverso e coincidente com o transposto para a decisão de facto da sentença.

Indefere-se, portanto, o recurso nesta parte.

Ainda quanto aos factos não provados os Recorrentes pretendem a eliminação do Item f) dos Factos não provados e a sua substituição por um facto provado com o seguinte teor: “A ocupação dos terrenos sem expropriação, sem uma permuta ou concretização de um qualquer outro tipo de contrapartidas que compensasse os Autores, numa situação que se arrastou durante longos anos, causou angústia, stress, insegurança, incerteza e medo, aos Autores, e sentimentos de culpa na 1.ª A. mãe.”

Invocam para tanto o depoimento da testemunha XX.

Esta sua pretensão não pode ser por nós atendida por que - nos termos já expostos acima – não resultou provado nos autos, nem tal prova pode alicerçar-se no depoimento da testemunha indicada, que a ocupação dos terrenos tenha ocorrido sem autorização ou consentimento dos Autores ou que não se tivessem concretizado contrapartidas que os compensassem.

Assim, dando por reproduzidas as considerações acima feitas, indefere-se igualmente esta pretendida alteração.

Pretendem igualmente os Recorrentes o aditamento de um Item aos Factos não provados, com o seguinte teor: “O relatório de avaliação de fls. 820 e seg., datado de 24.10.2010, tenha sido dado a conhecer aos Autores antes do protoloco ou posteriormente a ele.”

Sustentam, para tanto, que do protocolo de 2001 não consta nem os valores dos prédios a ceder – mesmo os que a Câmara lhes atribuísse, para que os Autores os pudessem eventualmente contestar – nem os valores das contrapartidas.

Invocam nesse sentido as declarações do representante do Município da Maia, na parte em que referiu que a Câmara avaliou os terrenos, acrescentando que a família “também deve ter feito contas” (sic).

Advogam que terá sido este entendimento de que “cada um faz as suas contas” que levou a que o Município tivesse ocultado dos Autores a avaliação que tinha feito, e que consta do documento de fls. 820.

Mais invocam as declarações da Autora BB na parte em que esta referiu que tal informação não lhe foi facultada.

O tribunal recorrido não atentou neste facto, considerando-o provado ou não provado, presumivelmente por ser inútil para a apreciação e/ou decisão da causa.

Efectivamente, não assume qualquer relevo saber se o indicado documento de fls. 820 foi ou não dado a conhecer aos Autores.

Durante todos os anos de negociações, incumbia aos Autores, tal como fez o Município, avaliar os terrenos e o valor das contrapartidas oferecidas como elementos de ponderação da decisão final de contratar ou não contratar.

Além disso, nem sequer está indiciado nos autos que o Réu Município tivesse tido intenção de enganar os Autores, quanto aos valores das prestações e contraprestações previstas no protocolo.

Assim sendo, indefere-se o pretendido aditamento aos Factos não provados. Finalmente, os Recorrentes requerem o aditamento de um outro facto aos Factos Provados com o seguinte teor: “97-A No Protocolo de 2001, os Autores não assumiram a obrigação de vir a apresentar um pedido de loteamento que tivesse por objecto a área da parcela sobrante.”

Contrapõe o Recorrido Município que este facto é uma mera conclusão a retirar pelo tribunal da interpretação a dar ao acordo assinado pelas partes e de acordo com as regras constantes dos artigos 236.º a 238.º do Código Civil.

Assim é, de facto. Como é pacífico, os factos conclusivos, irrelevantes ou de direito não devem ser considerados provados ou não provados, devendo, ao invés, ser desconsiderados na fundamentação de facto.

A interpretação do acordo assinado pelas partes é uma conclusão a retirar em sede de apreciação de direito e não um facto naturalístico.

Indefere-se, com este fundamento, o aditamento em causa.

Conclui-se, pois, pela parcial procedência deste fundamento de recurso”.

Apreciando:

Cumpre, antes de mais, deixar claro que, contrariamente ao sugerido, de forma implícita, nas contra-alegações do Réu Município da Maia, não compete ao Supremo Tribunal de Justiça sindicar, reanalisar ou reponderar o mérito e o sentido do veredicto de um anterior acórdão do mesmo Supremo Tribunal de Justiça proferido nestes autos, quiçá revendo-o, para chegar eventualmente à conclusão de que tal decisão constituiu afinal um equívoco ou que estaria pura e simplesmente errado.

Tal não é manifestamente possível em termos jurídicos.

O efeito de caso julgado constituído pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Outubro de 2021 impede tal hipotética reanálise, como não poderia aliás deixar de ser.

O que foi decidido no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Outubro de 2021 é para respeitar escrupulosamente, sendo que o respectivo conteúdo afigura-se-nos totalmente preciso: é anulado o acórdão recorrido para que o Tribunal da Relação do Porto conheça do mérito da impugnação de facto relativamente aos pontos 23-C (O terreno dos Autores foi terraplanado antes de 1977); 26-A (Em Agosto de 1991 a Câmara apresentou à primeira autora uma planta do loteamento da parte sobrante dos terrenos elaborada por um Gabinete de Arquitectura sito na ..., efectuada à escala de 1/1000, com a Ref n° 495, a data de 91AG0 e designada por: "1.3 Planta do loteamento". Nessa planta consta um mapa-quadro onde se identificam os lotes, as áreas, as tipologias, n° de fogos em cada lote, as áreas de construção em cada lote e área total de construção em cada lote. A requerente é a Câmara Municipal da Maia e o local da obra é a ... (Doe. 25-Hdefls. 294 e 295, que se dá por reproduzido); 26-B (Este loteamento apenas poderia ser implantado com a aquisição de terrenos de terceiros); 26-C (A área de construção dos lotes, nessa planta de loteamento, ascendia a um total de 68.523,50 m2; 37-A (O teor do documento de fls. 347); 37-B (O referido em 37 deveu-se à circunstância de o Réu Estado, à data da construção, desconhecer o incumprimento do protocolo por parte do Município quanto à obrigação de adquirir os terrenos); 73A (Das despesas referidas em 73, o Réu Município avaliou, em Outubro de 2001, o custo das obras de infraestruturas do loteamento da parte sobrante e a isenção das taxas municipais em PTE 176.000.000S00 (equivalente a 887.884 euros); 84-A (Em 24.10.2001, o Município avaliou as parcelas do terreno dos Autores ocupadas pelas escolas em cerca de 2.325,000 euros (doc. De fls.820); 84-B (Nessa avaliação foi considerado o valor de 55€por metro quadrado); 85-A (Do protocolo referido em 85 não constavam os valores resultantes da avaliação efectuada pelos serviços do Réu Município, quer das parcelas a ceder, quer das obras de infraestruturas e das taxas municipais) 99-A (Na avaliação feita pelo Município às parcelas dos Autores referidas em 98 foi atribuído valor de 144 m2por metro quadrado); 99-B (A parcela do domínio privado da Câmara, com a área de 260 m2, não foi avaliada, tendo-lhe sido atribuído o mesmo valor atribuído às parcelas avaliadas dos Autores, com a área de 579 m2) 155-A (Da minuta da escritura de doação constava que às seis parcelas a ceder pelos Autores era atribuído o valor total de €2.325.083,33); 155-B (Não foi atribuído valor às contrapartidas a receber pelos Autores); alínea g) da 3ª conclusão (A deliberação camarária relativa à assinatura do protocolo de 12.12.2001, está datada de 27/12/2001, foi suportada por uma avaliação efectuada pelos próprios serviços do R. Município e que consta de fls. 820, tendo a cedência nos termos protocolados sido considerada vantajosa para o Município.


- o teor das minutas de protocolo datadas de 1990 e de 1995, juntas a (fls. 71 e 420 do processo do Tribunal de Santo Tirso n. ° 396/2001); alínea h) da 3ª conclusão (O relatório de avaliação de fls 820 e seg., datado de 24.10.2010, tenha sido dado a conhecer aos Autores antes do protocolo ou posteriormente a ele)”.

Neste contexto, ao Tribunal da Relação do Porto – instância judicial inferior – compete apenas e só a estrita obrigação de cumprir, acatando com todo o zelo, rigor e atenção, ponto por ponto, o que lhe foi ordenado pelo Supremo Tribunal de Justiça – instância judicial superior -, sem tecer quaisquer outras considerações que pretensamente justifiquem o não conhecimento da impugnação de facto neste particular (mormente devido à sua irrelevância para a boa decisão da causa).

Nos termos do artigo 152º, nº 1, do Código de Processo Civil:

“Os juízes têm o dever de administrar justiça, proferindo despacho ou sentenças sobre as matérias pendentes e cumprindo, nos termos da lei, as decisões dos tribunais superiores”.

Dispõe, no mesmo sentido, o artigo 4º da Lei da Organização do Sistema Judiciário, aprovada pela Lei nº 62/2013, de 26 de Agosto:

“Os juízes julgam apenas segundo a Constituição e a Lei e não estão sujeitos a quaisquer ordens ou instruções, salvo o dever de acatamento das decisões proferidas em via de recurso pelos tribunais superiores”.

(vide, ainda, sobre esta matéria o artigo 4º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, aprovado pela Lei nº 21/85, de 30 de Julho e alterações subsequentes, bem como o recente acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de Dezembro de 2023 (relatora Catarina Serra), proferido no processo 2126/15.7T8AVR.P1.S2, publicado in www.dgsi.pt.).

Ora, no que concerne aos pontos de facto 26º-A, 26º-B e 26º-C, bem como às alíneas g) e h) da 3ª conclusão da apelação, impõe-se concluir que o Tribunal da Relação do Porto não cumpriu o que lhe foi concretamente ordenado pelo Supremo Tribunal de Justiça.

Consta do acórdão recorrido sobre estes pontos de facto:

Pontos nos 26º-A, 26º-B e 26º-C:

Propõem o aditamento dos seguintes factos: “26-A Em Agosto de 1991 a Câmara apresentou à primeira autora uma planta do loteamento da parte sobrante dos terrenos elaborados por um Gabinete de Arquitectura sito na ..., efectuada à escala de 1/1000, com a Ref.ª n.º 493, a data de 91AGO e designada por: “1.3 Planta do loteamento”. Nessa planta consta um mapa-quadro onde se identificam os lotes, as áreas, as tipologias, n.º de fogos em cada lote, as áreas de construção em cada lote e área total de construção em cada lote. A requerente é a Câmara Municipal da Maia e o local da obra é a ... 25-H de fls. 294 e 295, que se dá por reproduzido).”; “26-B Este loteamento apenas poderia ser implantado com a aquisição de terrenos de terceiros.” e “26-C A área de construção dos lotes, nessa planta de loteamento, ascendia a um total de 68.523,50 m2.”

Sendo certo resultar dos documentos indicados uma planta de loteamento, proposto pela Câmara, em 1991, abrangendo o terreno sobrante dos Autores, não existe qualquer utilidade para a inclusão destes novos factos aos autos, face aos factos já dados como provados sob os Itens 25) e 26) indicados e também sob os Itens 38) a 60), 67), 74) e, principalmente, 85) a 93), atinentes ao teor do Protocolo assinado pelas partes, em que - entre o mais – a Câmara Municipal da Maia se comprometeu a conceder o alvará de loteamento contemplando a constituição de lotes com a área e a configuração prevista no Estudo Urbanístico realizado para área sul do Plano de Pormenor da Quinta da ... e Áreas Adjacentes no ....

Indefere-se, pois, o aditamento pretendido”.

(Sublinhado nosso).

É manifesto que neste contexto o tribunal de 2ª instância não detém competência para afirmar se existe, ou não, utilidade ou interesse na inclusão desta factualidade nos factos dados como provados (ou não provados), quando o Supremo Tribunal de Justiça no acórdão de 14 de Outubro de 2021 lhe ordenou concretamente que apreciasse se tal factualidade seria de considerar como provada ou não provada (o que significa que teria incontornavelmente de constar na decisão de facto, num sentido ou noutro).

Cabia-lhe unicamente cumprir o ordenado pelo Supremo Tribunal de Justiça, obedecendo.

O que não fez, conforme resulta literalmente da transcrição a que se procedeu.

De resto, a postura processual que foi assumida pelo Tribunal da Relação do Porto relativamente a estes pontos de facto (26ºA, 26ºB e 26ºC) encontra-se praticamente decalcada na que se encontra registada no seu anterior acórdão de 24 de Março de 2020, onde se afirmou a fls. 1631:

“Sendo certo resultar dos documentos indicados na planta de loteamento, proposto pela Câmara, em 1991, abrangendo o terreno sobrante dos Autores, não existe utilidade para a inclusão destes novos factos aos autos, face aos factos já dados como provados sob os itens 25) e 26) indicados e também sob os itens 38) a 60), 67), 74) e, principalmente, 85) a 93, atinentes ao teor do Protocolo assinado pelas partes, em que – entre o mais – a Câmara Municipal da Maia se comprometeu a conceder o alvará de loteamento contemplando a constituição de lotes com a área e a configuração prevista no Estudo Urbanístico realizado para a área sul do Plano de Pormenor da Quinta da ... e Áreas Adjacentes no ...”.

Isto é, perante a anulação deste segmento por parte do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Outubro de 2021, tendo sido ordenada a apreciação da impugnação de facto neste tocante – que não terá sido logicamente considerada inútil ou irrelevante pela instância superior – não é aceitável que o Tribunal da Relação do Porto não atente na ordem recebida e decida nos mesmos e exactos termos que conduziram afinal à referida anulação (admitindo-se todavia que tal se deva a mera desatenção ou lapso, atenta a complexidade e extensão da factualidade em causa).

Pelo que assiste inegavelmente razão aos recorrentes quanto a estes pontos.

Alíneas g) e h) da 3ª conclusão da apelação.

Consta a este propósito no acórdão recorrido:

“Finalmente, não vemos qualquer utilidade para a apreciação e decisão da causa na inclusão do seguinte facto pretendido aditar aos Factos Provados “A deliberação camarária relativa à assinatura do protocolo de 12.12.2001, está datada de 27/12/2001, foi suportada por uma avaliação efectuada pelos próprios serviços do R. Município e que consta de fls. 820, tendo a cedência nos termos protocolados sido considerada vantajosa para o Município.”, por o mesmo, na sua parte relevante e não conclusiva, já ter sido aditada sob os Itens 73), 73-A) e 73-B)”.

(…) Efectivamente, não assume qualquer relevo saber se o indicado documento de fls. 820 foi ou não dado a conhecer aos Autores”.

(Sublinhados nossos).

Outrossim neste tocante não competia, mais uma vez, ao Tribunal da Relação do Porto ajuizar se a factualidade contida nas alíneas g) e h) da 3ª conclusão da apelação revestia ou não interesse para a decisão do mérito da causa.

O seu papel nestas circunstâncias era apenas o de cumprir, acatando com todo o zelo e rigor o que lhe havia sido concretamente ordenado pelo Supremo Tribunal de Justiça.

O que não fez.

De resto no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 24 de Março de 2020 foi escrito, a folhas 1631, por referência a esta questão:

“O tribunal recorrido não atentou neste facto, considerando-o provado ou não provado, presumivelmente por ser inútil para a apreciação da causa.

Efectivamente, não assume qualquer relevo saber se o indicado documento de fls. 820 foi ou não dado a conhecer aos Autores.

Durante todos os anos de negociações, incumbia aos Autores, tal como fez o Município, avaliar os terrenos e o valor das contrapartidas oferecidas como elementos de ponderação da decisão final de contratar ou não contratar.

Além disso, nem sequer está indiciado nos autos que o Réu Município tivesse tido a intenção de enganar os Autores quanto aos valores das prestações e contraprestações previstas no protocolo.

Assim sendo, indefere-se o pretendido aditamento aos Factos não provados”.

Ora, basta comparar os excertos dos textos supra transcritos dos acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 24 de Março de 2020 e de 25 de Janeiro de 2022 para facilmente se concluir que o veredicto assentou exactamente na mesma motivação essencial – ausência de interesse ou relevo para a apreciação (substantiva) da impugnação de facto neste particular -, o que bem demonstra que o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Outubro de 2021 não foi respeitado quanto a estes concretos pontos de facto (uma vez mais se condescendendo no sentido de que se terá tratado de mera desatenção ou lapso, atenta a complexidade e extensão dos factos em causa nos presentes autos).

Pelo que assiste razão aos recorrentes neste particular.

Relativamente o ponto 37º-A, o acórdão recorrido pronunciou-se nos seguintes termos:

“Os Recorrentes pretendem seguidamente que, complementarmente à factualidade dada como provada sob o Item 37), se dê como provado o teor do documento de fls. 347 (Facto 37-A) e que “O referido em 37) deveu-se à circunstância de o Réu Estado, à data da construção, desconhecer o incumprimento do protocolo por parte do Município quanto à obrigação de adqurir os terrenos.”

Invocam, neste sentido, o teor do documento de fls. 347 e os depoimentos das testemunhas ZZ, AAA e BBB.

Pronunciou-se o Recorrido, a este respeito, no sentido de que o documento de fls. 347 consubstancia um verdadeiro depoimento por escrito e que, desconsiderando este, não deverá considerar-se como provado o proposto Item 37.º-B.

Efectivamente, e tal como se refere na sentença recorrida, desconhece-se a quem pertence a autoria da declaração de fls. 347, que consubstancia um verdadeiro depoimento por escrito.

Não deverá, pois, atender-se ao teor do mesmo e muito menos aditar o seu conteúdo ao elenco dos Factos Provados”.

Ora, relativamente a esta factualidade existe uma verdadeira e efectiva pronúncia pelo acórdão recorrido, não existindo neste ponto qualquer desrespeito pelo ordenado no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Outubro de 2021, não assistindo assim razão aos recorrentes.

Contudo, perante o insanável incumprimento do ordenado no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Outubro de 2021, quanto aos pontos de facto mencionados supra, que é absolutamente indiscutível e inegável, o acórdão recorrido será anulado, sendo os autos remetidos ao Tribunal da Relação do Porto para estrito e integral cumprimento daquela mesma decisão.

Espera-se, agora e naturalmente, a máxima celeridade, rigor e atenção na tramitação dos autos, com vista a minorar os efeitos nocivos decorrentes de todas estas anomalias processuais, atendendo a que a petição inicial deu entrada em juízo em 15 de Outubro de 2013.

2 – Invocada nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 615º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil.

Alegam os recorrentes sobre esta matéria:

No douto acórdão recorrido o Tribunal da Relação decidiu não conhecer da excepção de não cumprimento do contrato por entender que se trata de questão “totalmente nova, que não foi suscitada pelos Autores/Recorrentes até agora, designadamente no seu articulado de resposta às reconvenções”.

Sucede, porém, que a matéria em causa foi efectivamente invocada na réplica, pelo que, ao recusar-se a conhecer deste fundamento do recurso, o Tribunal da Relação incorreu em omissão de pronúncia sobre uma questão nele suscitada, o que é causa de nulidade do acórdão recorrido (art. 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC).

A matéria da excepção de não cumprimento foi alegada nomeadamente nos arts. 37.º a 43.º da réplica, sob a epígrafe “porque não está cumprida a parte do Município”, nos quais os Recorrentes alegam e defendem que não é possível a execução específica do suposto contrato-promessa porque tal contrato suporia obrigações recíprocas e o Município não cumpriu as suas obrigações, traduzidas nas contrapartidas a que se teria vinculado — estando com isso a invocar a excepção de não cumprimento do contrato como impeditiva da execução específica.

Respondeu o R. que:

Tal como se retira da conclusão 32ª, os Recorrente entendem que nos artigos 37.º a 43.º da réplica suscitaram a questão excepção de não cumprimento e que, por essa causa, o Tribunal recorrido deveria ter-se pronunciado sobre a mesma.

Porém, respigada essa peça processual constata-se que não assiste razão aos recorrentes, pois que nela, efectivamente, não é suscitada a excepção de não cumprimento, pelo que não se verifica a apontada nulidade (vide também, e sem prescindir, as conclusões referentes ao ponto g) infra).

Apreciando:

Escreveu-se, a este respeito, no acórdão recorrido:

“Como questão prévia, cumpre atender a que os Recorrentes vêm agora, em sede de recurso, invocar – entre o mais e a título supletivo – a excepção de não cumprimento do contrato, alegando que, mesmo que fosse possível a execução específica, esta nunca poderia implicar a transmissão da titularidade dos terrenos para o Município sem que fosse simultaneamente cumprida a contraprestação prevista no Protocolo.

Ora, o objecto do recurso está balizado pelo objecto da acção, designadamente pela causa de pedir e pedidos formulados nos articulados.

Explica, a este respeito, António Abrantes Geraldes que “Os recursos constituem mecanismos destinados a reapreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo quando, nos termos já referidos, estas sejam de conhecimento oficioso e, além disso, o processo contenha os elementos imprescindíveis.”

No mesmo sentido, o Supremo Tribunal de Justiça tem decidido que “Os recursos são meios de impugnação das decisões judiciais, destinados à reapreciação ou reponderação das matérias anteriormente sujeitas à apreciação do tribunal a quo e não meios de renovação da causa através da apresentação de novos fundamentos de sustentação do pedido (matéria não anteriormente alegada) ou formulação de pedidos diferentes (não antes formulados): a novidade de uma questão, relativamente à anteriormente proposta e apreciada pelo tribunal recorrido, tem inerente a consequência de encontrar vedada a respectiva apreciação pelo tribunal ad quem.”

Analisados os autos, verifica-se que esta excepção agora suscitada é uma questão totalmente nova, que não foi suscitada pelos Autores/Recorrentes até agora, designadamente no seu articulado de resposta às reconvenções.

Como resulta do disposto nos art.º 587.º, n.º 2, e 572.º, c), ambos do CP Civil, na réplica o Reconvindo terá que expor os factos essenciais em que se baseiam as excepções deduzidas, especificando-as separadamente.

Assim sendo, e sem necessidade de mais considerações, conclui-se que esta questão, por configurar uma questão nova, não pode ser conhecida por este Tribunal da Relação”.

Vejamos:

Nos termos gerais do artigo 608º, nº 2, do Código de Processo Civil:

“O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”.

Ora, os recorrentes invocaram na sua réplica que constituía factor impeditivo da execução específica pretendida pelo Município a circunstância de este não ter cumprido as suas obrigações (no negócio) em momento prévio ou sequer concomitante.

Com efeito, foi concretamente alegado nos artigos 36º a 38º desta mesma peça processual:


36. O incumprimento ou mora por si só não gera a execução específica. (7) E porque não está cumprida a parte do Município


37. Nunca poderia haver execução específica pois não está cumprida a parte do Município. A execução específica pressupõe valores concretos e definidos.


38. A execução específica só é possível quando o credor cumpriu já a sua parte e o negócio se encontra perfeito, completo, incondicional. Não podiam os autores ficar nas mãos do réu ou à sua mercê como estiveram. (…)”


A própria sentença de 1ª instância abordou directamente tal matéria nos seguintes termos:


Note-se que o facto de as obrigações relativas ao contrato definitivo do R. Município se concretizarem apenas após a transferência da propriedade (pois que, referindo-se à parcela sobrante, dependem de acto a praticar pelos As. e que é a apresentação de pedido de loteamento), não obsta à procedência desta pretensão do R., considerando o disposto no art. 830º, nº5, do C. Civil que apenas acautela as situações em que as obrigações a prestar devem ser realizadas em simultâneo (ou em que a do R. tivesse ser realizada em momento anterior à dos As.).


Não obsta também à validade deste contrato-promessa o facto de estarem em causa apenas parcelas de um terreno rústico (o inscrito na matriz sob o art. 125º, como referimos acima), não existindo qualquer obstáculo à celebração quer da promessa, quer do contrato definitivo.


Temos, pois, de considerar válido o contrato-promessa celebrado e os termos em que foi requerida a execução específica do contrato, sendo certo que, como os autos evidenciam, os As. recusam celebrar o acordo definitivo e, como tal, existe incumprimento definitivo da sua parte, mantendo o R. Município interesse na concretização do acordo definitivo.


Tanto basta para que se reconheça o seu direito à execução específica do contrato-promessa celebrado”.


Da mesma forma, nas suas alegações da apelação os AA. suscitaram a excepção de não cumprimento (já antes referenciada na sua réplica), o que fizeram a fls. 1421 a 1422/verso e nas conclusões 40ª a 42ª, por referência ao que havia sido expressamente decidido, quanto a esta questão, na sentença de 1ª instância (onde não houve dúvidas de que não se tratava aqui de uma questão jurídica omissa nos articulados das partes).


Nas contra-alegações do Réu Município esta questão jurídica (excepção de não cumprimento) foi desenvolvidamente abordada a fls. 1583 a 1585 e nas conclusões 35ª a 39ª, sem a parte se lembrar, em momento algum, de suscitar a questão prévia da não apreciação em sede de recurso de questões novas.


Ora, ainda que em momento algum tivesse sido utilizada na peça processual de réplica, a expressão “excepção de não cumprimento”, não há dúvida que o argumentário desenvolvida pelos AA. reconduz-se nitidamente à figura da exceção de não cumprimento, concretamente invocada em termos materiais na sua réplica, o que foi aliás perfeitamente compreendido pela própria apelada.


Logo, o Tribunal da Relação na elaboração do seu acórdão encontrava-se inevitavelmente adstrito ao dever de pronúncia sobre esta matéria, tal como se encontrava configurada nos artigos 36º a 38º da réplica.


Não o tendo feito, a pretexto de considerar tratar-se (erroneamente) de questão nova não suscitada nos articulados, incorreu no vício da omissão de pronúncia, o qual é causa de nulidade do acórdão nos precisos termos do artigo 615º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil.


Não constituindo o Supremo Tribunal de Revista tribunal de substituição relativamente à nulidade com fundamento na omissão de pronúncia, nos termos do artigo 684º, nº 1 e 2, do Código de Processo Civil, deverá o Tribunal da Relação conhecer da questão jurídica da excepção de não cumprimento, antes omitida.

3 – Natureza jurídica do acordo denominado “Protocolo de 2001” celebrado entre as partes. Vícios que enfermam, no dizer da recorrente, o acordo denominado “Protocolo de 2001” (usura). Invocada nulidade do acordo por indeterminabilidade do seu objecto. Invocado incumprimento contratual por parte dos RR. Aplicabilidade do instituto da alteração de circunstâncias previsto no artigo 437º do Código Civil. Existência (ou não) de danos de natureza não patrimonial que pela sua gravidade, nos termos do artigo 496º, nº 1, do Código Civil, mereçam a tutela do direito. Invocado abuso do direito, nos termos gerais do artigo 334º do Código Civil. Do pedido de dispensa de pagamento do remanescente restante no termos do artigo 6º, nº 7, do Regulamento das Custas Processuais. Conhecimento prejudicado quanto a todas estas matérias face à anulação do acórdão recorrido nos termos supra enunciados.

Face à anulação do acórdão recorrido queda inevitavelmente prejudicado o conhecimento de todas e cada uma das questões jurídicas suscitadas nas alegações da presente revista.

IV – DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes do Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção – Cível) anular o acórdão recorrido, ordenando-se que o Tribunal da Relação do Porto aprecie efectivamente os pontos 26º-A, 26º-B e 26º-C, bem como às alíneas g) e h) da 3ª conclusão da apelação relativos à impugnação de facto apresentada pelos AA., e que conheça da excepção do não cumprimento suscitada pelos AA. na sua réplica, sanando o vício de nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 615º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil.

Custas pela parte vencida a final.

Lisboa, 31 de Janeiro de 2024.

Luís Espírito Santo (Relator)

Graça Amaral

Luís Correia de Mendonça

V – Sumário elaborado pelo relator nos termos do artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil.