Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
7617/15.7T8PRT.S2
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO (CÍVEL)
Relator: MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Descritores: CONSUMIDOR
CRÉDITO À HABITAÇÃO
BEM IMÓVEL
PRINCÍPIO DA INTERPRETAÇÃO CONFORME O DIREITO EUROPEU
BANCO
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
CONTA BANCÁRIA
CLÁUSULA CONTRATUAL
COMISSÕES
CONVENÇÃO COLETIVA DE TRABALHO
SETOR BANCÁRIO
DEVER DE INFORMAÇÃO
CONCORRÊNCIA DESLEAL
ABUSO DO DIREITO
ISENÇÃO DE CUSTAS
Data do Acordão: 11/12/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADO PROVIMENTO EXCEPTO QUANTO À CONDENAÇÃO EM CUSTAS QUE É REVOGADA
Sumário : I. Uma acção popular tanto pode ter como objecto interesses difusos, interesses colectivos ou interesses individuais homogéneos, expressão individualizada de interesses difusos ou colectivos.

II. Não há que proceder ao reenvio prejudicial requerido, respeitante à interpretação de normas da Directiva n.º 2014/17/EU, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de Fevereiro de 2014, relativa aos contratos de crédito aos consumidores para imóveis de habitação, porque a Directiva não é aplicável aos recorrentes e porque, no que respeita aos demais interessados abrangidos, essa interpretação foi definida pelo Tribunal de Justiça em caso materialmente análogo ao presente.

III. Também não é aplicável aos recorrentes o Decreto-Lei n.º 74-A/2017, de 23 de Junho, por terem beneficiado, no crédito à habitação, das condições oferecidas aos trabalhadores do Banco réu e não colocadas à disposição do público em geral (artigo 3.º, c)).

IV. A aplicação do tempo do Decreto-Lei n.º 74-A/2017, nomeadamente do regime relativo às vendas obrigatórias e facultativas associadas ao crédito à habitação, rege-se pelo artigo 12º do Código Civil.

V. A al. a) do n.º 2 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 74-A/2017, que estabelece como excepção à regra da proibição das vendas associadas obrigatórias  a possibilidade de o mutuante exigir que o mutuário abra ou mantenha uma conta de depósito à ordem, tem de ser interpretada em conformidade com a Directiva n.º 2014/17/UE – em particular, com o n.º 2, al. a) do respectivo artigo 12.º ­–, no sentido de que é legítima tal exigência, desde que tenha como único objectivo acumular capital para reembolso do capital do crédito, pagar os respectivos juros ou constituir uma garantia suplementar em caso de incumprimento.

VI. Entende-se que observa os objectivos da Directiva uma cláusula contratual que obrigue o mutuário a manter a conta provisionada para o efeito de pagamento das prestações associadas ao crédito, pois respeita a finalidade da exigência e a regra da proporcionalidade, ao limitar ao efeito de pagamento e/ou de garantia do crédito a exigência do provisionamento e, portanto, do depósito.

VII. A Lei n.º 57/2020, de 28 de Agosto, com entrada em vigor prevista para 1 de Janeiro de 2021, veio alterar a al. a) do n.º 2 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 74-A/2017, passando o mutuante a ter de aceitar que a conta de depósitos à ordem associada ao pagamento do mútuo seja aberta “numa instituição que não a sua”; e veio ainda alterar o Decreto-Lei n.º 133/2009 e o Decreto-Lei n.º 74-A/2017, proibindo o mutuante, no âmbito de contratos de crédito contraído por consumidores, de cobrar comissões associadas ao processamento das prestações de crédito ou cobradas com o mesmo propósito, quando o processamento for realizado pela instituição de crédito credora.

VIII. Quanto à cobrança de comissão de manutenção das contas de depósitos à ordem, a prova não permite concluir que as referidas contas não sejam utilizadas pelos mutuários para outros fins, vindo mesmo provada essa utilização, o que impede que se considerem as comissões cobradas como encargos do crédito, ou que se saiba em que medida assim devem ser havidas.

IX. O n.º 3 do artigo 22.º da Lei das Cláusulas Contratuais Gerais, o Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, não considera nulas as cláusulas que “c) Atribuam a quem as predisponha o direito de alterar unilateralmente os termos do contrato (…)”, se relativas a “a) (…) transacções referentes a valores mobiliários ou a produtos e serviços cujo preço dependa da flutuação de taxas formadas no mercado financeiro”.

X. No que respeita aos recorrentes, o regime aplicável ao tempo da celebração do mútuo, no que toca ao meio de pagamento das respectivas prestações e juros, estava (e está) definido no Regulamento do Crédito à Habitação, para o qual remete o Acordo Colectivo de Trabalho para o Sector Bancário.

XI. No acordo relativo à revogação do contrato de trabalho, o Banco assegurou “a manutenção das condições contratualmente em vigor” quanto ao crédito à habitação. Nesta manutenção inclui-se o acordo quanto às condições de pagamento, ressalvada a dedução no vencimento.

XII. A Directiva 2014/17/EU e o Decreto-Lei n.º 74-A/2017 obrigam a que a informação prévia à conclusão do contrato de mútuo – que deve ser completa, verdadeira, actualizada, clara, objectiva e adequada aos conhecimentos do concreto consumidor –inclua os dados necessários ao cálculo da TAEG, entre os quais figuram os encargos com a abertura e manutenção de uma conta específica, se for exigida.

XIII. Quanto aos recorrentes, está provado que essa informação não consta do contrato de mútuo. Todavia, o contrato foi celebrado num quadro de isenção de comissões de manutenção da conta de depósitos à ordem e de exigência de reembolso do empréstimo se viesse a cessar a relação de emprego com o Banco.

XIV. Não podem proceder as alegações de que o Banco incorreu em prática comercial desleal, abuso de direito ou infracção das regras da concorrência, ou de que os recorrentes não teriam celebrado o contrato de mútuo, pelo menos nos termos em que foi celebrado, por não haver prova que as sustente.

XV. O artigo 20.º da Lei n.º 83/95 encontra-se revogado pelo Regulamento das Custas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro; da al. b) do n.º 1 do respectivo artigo 4.º, conjugado com o n.º 5, resulta que a parte que exerça o seu direito de acção popular está isenta de custas, salvo se o pedido for julgado “manifestamente improcedente”, caso em que é responsável “nos termos gerais”.

Decisão Texto Integral:

Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça:

1. AA e mulher, BB, instauraram uma acção popular contra Banco Comercial Português, S.A., pedindo:

«– Que a todos os clientes da R. titulares de contratos de crédito para a aquisição de imóvel habitação, entre os quais os ora AA., seja reconhecido o direito a procederem ao pagamento das prestações correspondentes a esses mesmos contratos através de qualquer meio de pagamento idóneo, nomeadamente, mas não exclusivamente, por débito em conta de depósitos à ordem de que sejam legítimos titulares e com poderes para movimentação junto de qualquer instituição bancária a operar em Portugal ou crédito de dinheiro em conta titulada pela R. em Portugal com a indicação que permita identificar o contrato para pagamento.

Caso o ponto anterior não proceda,

– Que a todos os clientes da R. titulares de contratos de crédito para a aquisição de imóvel habitação, entre os quais os ora AA., seja reconhecido o direito a procederem ao pagamento das prestações correspondentes a esses mesmos contratos por débito em qualquer conta de depósito à ordem aberta junto de qualquer instituição bancária a operar em Portugal da qual sejam legítimos titulares e com poderes para a sua movimentação, independente da conta escolhida ser a que consta ou não no contrato para a aquisição de imóvel habitação celebrado com a R..

Caso ambos os pontos anteriores não procedam,

– Que a todos os clientes da R. titulares de contratos de crédito para a aquisição de imóvel habitação, entre os quais os ora AA., seja reconhecido o direito a procederem ao pagamento das prestações correspondentes a esses mesmos contratos por débito em qualquer conta de depósito à ordem abertas junta da R. de quais sejam legítimos titulares e com poderes para a sua movimentação, independente da conta escolhida ser a que consta ou não no contrato para a aquisição de imóvel habitação celebrado com a R.

– Em qualquer dos casos, e como consequência, seja a R. obriga a reconhecer que todos os clientes titulares de contratos de crédito para a aquisição de imóvel habitação, entre os quais os ora AA., têm o direito a alterar o domicílio de pagamento das prestações desses contratos.

– Seja a R. obriga[da] a reconhecer publicamente que não pode obstar ao encerramento de uma conta de depósitos à ordem apenas porque na mesma está domiciliado o pagamento das prestações relativas a contratos de crédito para a aquisição de imóvel habitação e, em consequência, seja reconhecido o direito a todos os clientes da R. titulares de contratos de abertura de contas de depósito à ordem, entre os quais os ora AA., o direito a encerrar as contas de depósitos à ordem junto da R. se outras razões a isso não obstarem.

– Seja a R. obriga[da] a reconhecer publicamente que não pode cobrar comissões de gestão de conta de depósitos à ordem que servem para pagamento das prestações de crédito à aquisição de imóvel habitação contraído junto desta, quando a mesma conta consta no contrato que suporta tal crédito.

Em qualquer dos casos, seja a R. condenada a devolver, a cada um dos seus clientes titulares de contratos de crédito para a aquisição de imóvel habitação, incluindo os AA., os montantes relativos às comissões de gestão de conta cobrada pela manutenção das contas de depósitos à ordem que tenha servido, nesse período, para pagamento das prestações dos aludidos contratos de crédito para aquisição de imóvel habitação, a apurar individualmente e a posteriori, em sede de execução de sentença

Pede que sejam citados “todos os clientes da R. com contas de depósito à ordem que servem para pagamento das prestações do contrato de crédito habitação para aquisição de imóvel”, nos termos e para os efeitos do artigo 15º da Lei n.º 83/95, de 31 de Agosto (Lei de participação procedimental e de acção popular).

Em síntese, alegaram que em1998 o autor marido celebrou com a ré um contrato (de adesão) de abertura de conta de depósitos à ordem e um contrato de trabalho, cuja retribuição era necessariamente creditada naquela conta (“conta ordenado colaborador”); que em 2000 celebraram com a ré “um contrato de crédito para aquisição de imóvel para habitação própria e permanente”, também contrato de adesão, cujas prestações mensais tinham de ser debitadas na conta de depósitos à ordem; terminado o vínculo laboral, pretendeu encerrar aquela conta, pela qual passou a ter de pagar comissões de manutenção, cada vez mais elevadas, sem o conseguir; que tal actuação da ré viola a lei que defende os consumidores contra práticas comerciais desleais, a Lei n.º 57/2008, de 26 de Março, e é abusiva; que têm legitimidade para instaurar a presente acção popular.

A ré contestou, desde logo negando que se verificassem os pressupostos de admissibilidade da acção popular e que os autores tivessem qualquer razão; recordou que o contrato de mútuo gozou das condições favoráveis concedidas aos seus colaboradores; que os autores se obrigaram a ter aberta uma conta por ambos titulada enquanto se mantivesse o mútuo; que, enquanto o autor foi trabalhador da ré, a conta associada ao pagamento do mútuo estava isenta de comissões porque tinha domiciliado o pagamento do ordenado; que os benefícios se conservaram quando o autor deixou de ser funcionário, por revogação por acordo do contrato de trabalho; que, enquanto o subsídio de desemprego esteve domiciliado na conta, não foram cobradas comissões de manutenção; que se mostrou disponível “para analisar a substituição da conta associada ao crédito à habitação por outra e nomeadamente por outra que estivesse isenta de comissão de manutenção”, sem obter resposta dos autores, que são titulares de três contas “no universo do Banco réu”; que é legítima a associação entre uma conta de depósito à ordem e de um contrato de concessão de crédito à habitação; que a propositura desta acção é abusiva, pois que, “em quinze anos de duração do mútuo (…) tiveram um desconto na taxa de juro remuneratória superior a € 42.000,00 e pagaram de comissões escassos € 21,00”.

Na sequência do despacho de fls. 550, os autores vieram responder à alegação de inadmissibilidade da presente acção popular.

A acção veio a ser julgada manifestamente inviável no saneador-sentença de fls. 648, sendo a ré absolvida do pedido. No essencial, o tribunal entendeu que, não sendo idênticas as relações contratuais dos clientes do banco, não se verificam os pressupostos do meio processual escolhido, que também não pode ser convolado numa acção destinada à “apreciação da concreta, individual e específica situação dos autores”.

Os autores recorreram directamente para o Supremo Tribunal de Justiça; pelo acórdão de fls. 754, foi revogado o saneador-sentença, determinando-se que o processo regressasse à 1ª Instância para prosseguir “os seus ulteriores termos”. Entendeu-se no acórdão que “Tal como a acção foi proposta, é perfeitamente  possível uma apreciação indiferenciada de cada um dos titulares dos empréstimos, sendo que competirá ao tribunal, numa fase ulterior do processo, avaliar se as particularidades invocadas pela ré podem ser abstraídas para a tomada de uma decisão numa acção popular, tendo sempre em atenção (…) que a tutela colectiva não é possível sem a abstracção do ‘lastro de individualização’ que é característico das situações ‘standard’”.

Rematou desta forma: “concluímos, pois, que não se afigurando a ausência do ‘fumus boni juris’ subjacente ao juízo de manifesta improbabilidade do pedido referida no artigo 13.º da citada Lei 83/95 como causa do indeferimento da petição, deve a acção prosseguir os seus termos para os efeitos acima expostos, assim merecendo censura a decisão recorrida”.

2. A fls. 1656 veio a ser proferida nova sentença, julgando a acção improcedente e absolvendo os réus dos pedidos formulados. Em síntese, o tribunal entendeu:

– que “a questão jurídica é apenas a de saber se pode um contraente, consumidor, eximir-se ao cumprimento de um cláusula acessória do contrato”;

– que, não sendo nula a cláusula (por “vício genético no acordo” ou por “violação de qualquer tipo de disposição legal”), “só pode ser alterada com o acordo de ambas as partes”, pois quando o contrato foi celebrado, o autor, “profissional do sector”, “por certo o leu (…) ou mesmo não o lendo aceitou-o e deu-lhe cumprimento integral durante 15 anos, beneficiando dos pontos positivos (…) e tendo de suportar os pontos negativos”;

– que a cláusula em discussão, relativa ao “modo e forma do pagamento”, não está abrangida “em qualquer das alíneas dos arts 21 e seguintes” do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro (cláusulas proibidas);

– que “o que verdadeiramente prejudica o autor não é a obrigação de ter uma conta bancária mas sim o facto de a ré poder unilateralmente alterar o respectivo preçário e exigir o pagamento de uma determinada retribuição que, actualmente, em média atinge 62 euros anuais”, o que é permitido, uma vez que o n.º 3 do artigo 22º do referido diploma “exclui a aplicação do n.º 1, al. c)”;

– que no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 2/2016, proferido num processo originado por uma questão semelhante, essa possibilidade nem foi questionada;

– que o autor foi beneficiado “em várias dezenas de milhares de euros” pela obrigação que conhecia e aceitou, não ocorrendo um caso de “vendas casadas” proibidas pelo n.º 6 do artigo 6.º da Lei de Defesa do Consumidor (Lei n.º 24/96, de 31 de Junho);

– que, tendo em conta a duração do contrato de mútuo (30 anos), o pagamento acrescido pode considerar-se irrelevante, não sendo apto a desencadear o mecanismo da alteração das circunstâncias (artigo 437.º do Código Civil);

– que não se pode entender ter havido abuso de direito por parte da ré;

– que a ocorrer abuso será por parte do autor;

– que, no que respeita ao seu interesse particular, não foi, nem alegado, nem provado, “qualquer fundamento válido para a alteração da cláusula”, que é obrigatória (artigo 406.º do Código Civil);

– que não há “elementos concretos que permitam determinar grupos de interesses homogéneos susceptíveis de serem protegidos pelas providências requeridas pelo autor”;

– que a exigência, pelo mutuante, de que o mutuário “abra ou mantenha aberta uma conta de depósitos à ordem” é permitida pelo artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 74/2017, de 23 de Junho, que entretanto transpôs a Directiva 2014/17/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de Fevereiro de 2014;

– que não se encontram reunidas as condições para proceder ao reenvio prejudicial pretendido pelo autor; note-se, aliás, que já tinha sido indeferido o pedido apresentado na audiência de discussão e julgamento.

3. O autor recorreu novamente para o Supremo Tribunal de Justiça. Nas alegações que apresentou, formulou as seguintes conclusões:

«1.ª Por muito respeito que mereça o vertido na decisão a quo, com a mesma não se pode de modo algum concordar e a presente decisão veio surpreender sobremaneira os aqui Recorrentes, que irresignados, consideram que o Tribunal recorrido não julgou corretamente.

2.ª Começamos por lamentar que ainda haja quem desvalorize o direito de ação popular que é constitucionalmente consagrado e absolutamente crucial como instrumento de afirmação de cidadania!

3.ª Na presente ação, a primeira Sra. Juiz titular do processo entendeu por decisão de fls. 672 que a ação popular era inviável, mas por decisão deste Venerando Supremo Tribunal de Justiça de fls. 754 foi revogada tal decisão, ordenando-se que a ação prosseguisse os seus ulteriores termos, entendendo que estamos perante interesses coletivos, passíveis de serem invocados numa ação popular e que os Autores/recorrentes pretendem defender não só a sua situação individual mas também a de uma massa de interesses individuais de outros titulares de empréstimos para habitação devendo ser reconhecido o direito a procederem ao pagamento das  prestações  correspondentes a esses mesmos contratos, através de qualquer meio idóneo, nomeadamente, mas não exclusivamente, por débito em conta de depósitos à ordem de que sejam titulares e com poderes de movimentação junto de qualquer outra instituição bancária a operar em Portugal ou crédito em dinheiro em conta titulada pela Ré em Portugal com a identificação que permita identificar o contrato para pagamento.~

4.ª Todavia, como supra alegado, o Mmo. Juiz que substituiu a primeira magistrada, voltou a colocar em causa a viabilidade da ação popular, despachando já em fase de audiência de julgamento que não pode existir cumulação de pedidos particulares dos Recorrentes com os pedidos dos AA. da ação popular; separando valores da causa para tais pedidos, situação com que se discorda, nos termos que foram expostos e que aqui se reproduzem.

5.ª Contrariamente ao que é afirmado na sentença os AA. pediram que fosse reconhecido um direito a todos os clientes da Ré com contas de depósito à ordem que servem para pagamento das prestações do contrato de crédito habitação para aquisição de imóvel habitação, foi inclusivamente assim que foi pedida a citação dos titulares dos interesses em causa, conforme parte final da p.i., sendo que o Tribunal tinha todos os elementos para identificar o universo de lesados, tal como foi requerido pelos AA.

6.ª Como se afirma no citado Acórdão do STJ, na verdade, o que está aqui em causa é o interesse ou interesses dos autores e de cada um dos titulares de contratos de crédito para habitação, fundamentalmente ligados ao pagamento das prestações.

7.ª O que os autores pretendem defender não é só a sua situação individual, mas também a de uma massa de interesses individuais de outros titulares de empréstimos para habitação.

8.ª Face ao objeto da presente ação – definido, como se sabe, pelo pedido e pela causa de pedir – não estão aqui em causa quaisquer particularidades, nomeadamente as decorrentes da eventual multiplicidade dos factos que caraterizam a relação do Banco com todos e cada um dos seus mutuários, apenas está em causa se num contrato de crédito para a aquisição de imóvel para habitação aos autores e a demais titulares dos contratos deve ser reconhecido o direito de procederem aos pagamento das prestações correspondentes a esses contratos através de qualquer meio de pagamento idóneo, ou então, se devem ser reconhecidos os outros direitos invocados subsidiariamente pelos autores.

9.ª O Tribunal Recorrido volta a cometer o mesmo erro, mesmo após este Venerando Supremo tribunal de Justiça ter esclarecido e decidido o que entendia sobre a presente ação.

10.ª Tal como a ação foi proposta, é perfeitamente possível uma apreciação indiferenciada de cada um dos titulares dos empréstimos, sendo que competirá ao Tribunal, numa fase ulterior do processo, averiguar se as particularidades invocadas pela ré podem ser abstraídas para a tomada de uma decisão numa ação popular, tendo sempre em atenção, que a tutela coletiva não é possível sem a abstração do lastro de individualização que é caraterística das situações standard.

11.ª Na verdade, se qualquer elemento particular invocado por um demandante fosse suficiente para descaraterizar imediatamente o interesse como coletivo, praticamente seria impossível a existência de qualquer ação popular, ficando esta, na realidade, na disponibilidade daquele.

12.ª Salvo o devido respeito, o Tribunal recorrido errou também clamorosamente na condenação de custas, na pág. 30 da sentença recorrida, conclui-se que as custas são reduzidas a metade, nos termos do art. 20.º da Lei de Ação Popular (Lei n.º 83/95).

13.ª Tal constitui um lapso grave, porquanto, no que respeita a custas, de acordo com o art. 25º, n.º 1 (norma revogatória) do DL 34/2008, de 26/2 (Regulamento de Custas Processuais, doravante RCP): “São revogadas as isenções de custas previstas em qualquer lei, regulamento ou portaria e conferidas a quaisquer entidades públicas ou privadas, que não estejam previstas no presente decreto-lei», pelo que, encontra-se revogado o art. 20.º, n.º 1 da Lei 83/95, de 31/8, referido pelo Juiz a quo.

14.ª O regime atual de custas na ação popular resulta da conjugação do art. 4.º, n.º 1, al. b) e n.º 5 do RCP. O art. 4.º, n.º 1, al. b) concede a isenção mas o n.º 5 exceciona que, caso se conclua pela manifesta improcedência do pedido «...a parte isenta é responsável pelo pagamento total das custas, nos termos gerais…».

15.ª Resulta da matéria de facto dada como provada que no ano de 1998, o A. marido celebrou um contrato de abertura de utilização de conta à ordem (“contrato DO”), que foi, como alegado, era um mero contrato de adesão, sujeito ao regime das cláusulas contratuais gerais. Esse acordo foi estabelecido entre a R. e o 1.º A. através de cláusulas rígidas, previamente elaboradas e impostas em bloco sem possibilidade de discussão, modelação ou influência pelos destinatários, limitando-se estes a subscrever e aceitar nos exatos termos em que estão apresentados. Aos interessados, como foi o caso dos AA. é apenas concedida a hipótese de aderir e aceitar esse clausulado, ou não aderir, estando-lhe vedada a possibilidade de os negociarem ou alteraram.

16.ª a referida conta de depósitos à ordem foi aberta pelo 1.º A. junto da R. como condição necessária e imprescindível para a celebração do dito contrato de trabalho, nos termos determinados pelo ACT do sector e para a perceção do salário de tal A. como colaborador do BCP.

17.ª Resulta igualmente provado que em 2000, os AA. celebraram com a Ré um contrato de crédito para aquisição de imóvel de habitação permanente (doravante, abreviadamente designado “Contrato CH”), novamente, na típica modalidade de contrato de adesão.

18.ª Mesmo sendo um contrato de adesão, o Contrato CH não inclui qualquer informação sobre os encargos a suportar, ainda em data futura, com a Conta DO (ponto 9 dos factos provados).

19.ª Na altura da contratação do CH, o débito das prestações mensais seria realizado na conta à ordem, conta ordenado colaborador, número 40735941, que era isenta de encargos.

20.ª Conforme provado, o mútuo não incluía quaisquer informações acerca dos encargos a suportar, nem inclui qualquer informação sobre o impacto nas condições relacionadas com eventual alteração da conta de depósitos á ordem para efeitos de débito das prestações mensais para pagamento do CH, nem de quaisquer custos decorrentes de tal alteração.

21.ª No caso em apreço, o contrato DO tem um carácter instrumental de cobrança das prestações do contrato CH. Mas ambos os contratos são independentes, como está provado, o contrato DO foi celebrado dois anos antes do contrato CH.

22.ª Venerandos Conselheiros, o caso é simples, resultou provado que os AA. pretenderam encerrar a conta DO, oferecendo outro meio idóneo de pagamento, como por exemplo, domiciliando o pagamento das prestações mensais do contrato CH, através da domiciliação noutra instituição de crédito.

23.ª a Ré BCP, S.A. impediu tal encerramento da conta DO e, no início de 2012, passou a cobrar comissão mensal de manutenção de tal conta.

24.ª Chegados aqui e porque estamos perante uma ação popular, cuja admissibilidade foi já decidida por este Venerando Supremo Tribunal, os AA., assim como quaisquer outros membros da comunidade que esta ação popular pretende proteger entendem que não podem ficar contratualmente reféns de um contrato DO.

25.ª Nunca os AA. ou outros clientes da Ré BCP, S.A. ou de outra instituição de crédito, podem ser impedidos de encerrar e colocar termo aos seus contratos DO, desde que indiquem outra conta ou ofereçam outro meio idóneo de pagamento. Não podem aceitar a obrigatoriedade de uma venda casada, sem qualquer contrapartida ou benefício contratado.

26.ª Consideram inaceitável que a Ré BCP, S.A. a seu bel-prazer cobre comissões de manutenção de conta que entenda de um contrato de DO, a que os clientes estão amarrados, sem que a isso consigam obstar, fugir ou tão pouco negociar.

27.ª Ao fazê-lo a Ré incorre em prática comercial desleal, violadora da concorrência e em abuso de direito.

28.ª Passou a cobrar comissões que não existiam na altura do contrato CO, não existiam no contrato CH, de forma unilateral, sem hipótese de negociação, aumentando as mesmas discricionariamente, impedindo o encerramento da conta DO, mesmo que os AA. ofereçam, como ofereceram e ficou provado, outro meio idóneo de pagamento.

29.ª Os AA. da presente ação popular, devem poder encerrar, querendo, os contratos DO e fazer a alteração de domicílio de pagamento das prestações do CH. Não podem ser prisioneiros de tal conta DO que a Ré BCP, S.A. de forma abusiva e tirânica impõe as comissões que bem entenda.

30.ª É que no caso sub judice tais custos não existiam ou estavam contratualizados e tal coloca em causa os princípios da confiança e as regras da boa-fé contratual previstas no art. 762.º do C.C., a sua funcionalidade e substância.

31.ª Hoje é perfeitamente assente que os contratos CH devem definir o modo de cálculo do custo total do crédito para o consumidor, que deverá incluir todos os custos que este tenha de pagar no âmbito do contrato de crédito e que sejam do conhecimento do mutuante (maxime juros, comissões, impostos, remuneração dos intermediários de crédito, despesas de avaliação do imóvel para efeitos da hipoteca e quaisquer outros encargos, com exceção dos emolumentos notariais, necessários para a obtenção do crédito, por exemplo, um seguro de vida, ou para a sua obtenção nos termos e condições comercializadas, v.g., um seguro contra incêndio).

32.ª Os contratos dos AA., quero o DO, quer o CH, não mencionam as comissões que a Ré passou a cobrar.

33.ª Acrescenta-se que em matéria de crédito hipotecário, no Decreto-Lei n.º 74-A/2017, de 23 de junho de 2017, sobressaem reforçados os deveres de informação a que está obrigado o Banco Réu e que também não foram cumpridos quanto aos AA. e decerto quanto a muitos consumidores em iguais circunstâncias.

34.ª Insiste-se de forma veemente, que o contrato de trabalho e o contrato CH específico dos colaboradores bancários, com a taxa prevista no ACTV para o Sector Bancário, nada têm a ver com o modo de pagamento das prestações de CH.

35.ª a Ré BCP, S.A. tentou encapotar o seu comportamento ilícito e reprovável no facto do A. marido ter sido colaborador do Banco e ter usufruído de taxa de juro bonificada e, com o devido respeito, o Tribunal recorrido não se poderia deixar levar por tal dissimulação.

36.ª Está cabalmente provado que tal taxa de juro é um benefício de todos os trabalhadores bancários cujas instituições subscreveram o ACTV para o sector bancário e que tal benefício não pesou ou contrapesou no contrato DO, celebrado 2 anos antes do CH.

37.ª Não estamos de forma nenhuma perante um bundle de crédito como a Ré BCP, S.A. pretendeu fazer crer, erradamente.

38.ª Em nosso entender, e no da legislação comunitária a que aludiremos, só existe um caso legítimo de venda cruzada, quando a Ré negocie com os seus clientes uma pequena redução do spread em função da manutenção de outro produto ou serviço bancário.

39.ª Somos de opinião, que sempre que não exista este tipo de cross-selling ou venda cruzada, os clientes de qualquer instituição de crédito deverão poder encerrar as contas DO que são funcionalmente instrumentais para o débito de prestações do contrato CH, podendo manter o mesmo contrato CH em tais instituições, desde que ofereçam outro meio idóneo de pagamento. Daí não advém qualquer prejuízo para tais instituições, o cumprimento do contrato CH fica perfeitamente assegurado.

40.ª Infelizmente, este problema afeta vários portugueses e a cobrança abusiva de comissões bancárias tem repercussões sociais e económicas muito nefastas, objeto de vários debates políticos, regulação e preocupação de vários agentes do mercado de consumo de bens e serviços financeiros.

41.ª É um problema grave que pode e dever ser tutelado por uma ação popular, sendo que somos de opinião, que se torna imperioso mudar o paradigma e modelo de negócio anti concorrencial da Ré e de outras instituições de crédito, que constituem práticas comerciais abusivas e que cerceiam a liberdade de escolha dos consumidores de produtos e serviços financeiros.

42.ª Como defendemos, só naqueles casos em que sejam propostos ao consumidor outros produtos ou serviços financeiros como forma de reduzir as comissões ou outros custos do contrato de crédito, nomeadamente o spread da taxa de juro, o mutuante deve apresentar ao consumidor uma TAEG que reflita aquela redução de comissões ou outros custos, indicando clara e expressamente que a efetiva aplicação desta está condicionada à contratação dos produtos ou serviços financeiros adicionais.

43.ª Tal não existe no caso em apreço, pelo que não podemos concordar com a interpretação do Mmo. Juiz a quo expressa na pág. 27 da sentença recorrida.

44.ª Os AA. quando celebram o Contrato CH, apesar de aceitarem definir, desde logo, uma conta de depósitos à ordem onde pudessem ser debitadas as prestações mensais para pagamento do mesmo, nunca esperaram ficar reféns de tal conta.

45.ª Muito menos esperaram, pela forma como Contrato CH foi apresentado e o fim que se visava alcançar com tal indicação da Conta DO, que a tivessem de manter durante todo o tempo do Contrato CH e, pior do que isso, que a Ré BCP, S.A. pudesse passar a cobrar comissões de manutenção de conta sem que os AA. a isso conseguissem obstar, fugir ou tão pouco negociar.

46.ª O certo é que se os AA. fizessem, na qualidade de consumidores normalmente informados e razoavelmente atentos e advertidos, tendo por referência o bonus pater familiae, nunca teriam tomado a decisão de celebrar tal Contrato CH, pelo menos não nos moldes em que o mesmo foi estabelecido (apesar de tal contrato não poder ser modulado aos seus interesses com base numa negociação entre as partes, por se tratar, como se viu, de um contrato de adesão). Antolha-se então possível dizer, que a ação da R. foi enganosa nos termos e para os efeitos previstos nos art.ºs 7.º, n.º 1, 9.º, n.º 1 e n,º 2 e 10.º al. c) e d) do Decreto-Lei n.º 57/2008 de 26 de Março.

47.ª Como se alegou na p.i., a violação de tais normas, que manifestamente a Ré, cumulativamente desrespeitou, permite aos AA. suscitar a invalidade da cláusula do contrato em crise retirando a mesma do contrato e reduzindo o contrato apenas ao seu conteúdo válido (Cfr. art.º 14.º do Decreto-Lei n.º 57/2008 de 26 de Março).

48.ª a Ré ao cobrar comissões de gestão de conta, que na altura da celebração do Contrato CH e DO não existiam e que também não estavam nestes previstas, nem que remotamente e/ou futuramente, está a exercer com manifesto excesso os limites impostos pela boa-fé que norteou tal contrato, pelos bons costumes e pelo fim social e económico desse direito (Cfr. art.º 334.º do CC).

49.ª Da mesma forma e pelas mesmas razões, a Ré incorre em abuso de direito todas as vezes que, unilateralmente e sem hipótese de recusa ou negociação por parte dos AA., aumenta significativamente tais comissões.

50.ª O abuso de direito é ainda mais notório quando a R. não permite aos AA. o encerramento da Conta DO e a alteração do domicílio de pagamento do Contrato CH.

51.ª Contrariando o que vem referido na sentença recorrida, os AA. não têm de facto qualquer interesse em rescindir ou de qualquer outra forma colocar termo ao Contrato CH, apesar do valor em dívida ser já residual. Sendo que essa será, pelo menos em teoria, a única hipótese de encerrar a dita Conta DO e assim deixar de pagar os custos de manutenção dessa conta agora impostos pela Ré aos AA., algo que os mesmos não aceitam, quando propuseram meio idóneo de pagamento equivalente ao que estava acordado entre as partes.

52.ª Diga-se ainda que mesmo que os AA. e restantes consumidores pretendessem creditar a conta de depósitos à ordem apenas pela quantia certa para fazer face ao pagamento da prestação dos seus contratos de CH (procurando assim evitar os tais custos de manutenção da conta de DO), não o poderiam fazer, pois a Ré BCP, S.A. imediatamente debita a comissão de gestão da conta de depósitos à ordem e só depois a prestação para pagamento dos contratos de crédito, o que impede que os AA. e restantes consumidores em iguais circunstâncias cumpram integralmente com a obrigação mensal que resulta do contrato de crédito.

53.ª O comportamento da Ré BCP, S.A. descrito nos presentes autos, viola o disposto na DIRETIVA 2014/17/UE DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO de 4 de fevereiro de 2014 relativa aos contratos de crédito aos consumidores para imóveis de habitação e que altera as Diretivas 2008/48/CE e 2013/36/UE e o Regulamento (UE) n.º 1093/2010; a DIRETIVA 2005/29/CE DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO de 11 de Maio de 2005 relativa às práticas comerciais desleais das empresas face aos consumidores no mercado interno e que altera a Diretiva 84/450/CEE do Conselho, as Diretivas 97/7/CE, 98/27/CE e 2002/65/CE e o Regulamento (CE) n.º 2006/2004, bem como a DIRETIVA 2014/65/UE DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO de 15 de maio de 2014 relativa aos mercados de instrumentos financeiros e que altera a Diretiva 2002/92/CE e a Diretiva 2011/61/EU e art. 102.º do TFUE, constituindo uma prática abusiva nos termos das alíneas a) e d) do mesmo artigo.

54.ª Considerando que, com este recurso ficam esgotadas as instâncias (terceiro grau de jurisdição) sem mais oportunidade de recurso, é oportuna a revisão por parte do TJUE, por clara e manifesta violação das Diretivas Comunitárias infra, pelo que requer-se assim, o Reenvio Prejudicial nos termos do disposto no artigo 267º do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) porquanto, qualquer órgão jurisdicional dispõe de poder para submeter ao TJUE, um pedido de decisão prejudicial, relativamente à interpretação de uma regra de Direito da União Europeia, quando o considerar necessário para resolução do litígio que lhe tenha sido submetido.

55.ª Ademais, casos há em que mais que uma faculdade de suscitar questões prejudiciais ao TJUE, estão os Tribunais nacionais obrigados a fazê-lo.

56.ª Tal sucederá, nomeadamente, nos termos do art. 267.º, § 2 do TFUE, o qual dispõe: “Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada perante qualquer órgão jurisdicional de um dos Estados-Membros, esse órgão pode, se considerar que uma decisão sobre essa questão é necessária ao julgamento da causa, pedir ao Tribunal que sobre ela se pronuncie.”

57.ª Pese embora a competência para suscitar as questões prejudiciais sejam exclusivas do Tribunal, as partes podem sugerir ao Tribunal nacional, a submissão das mesmas ao TJUE, o que consubstancia, de resto, um ato de promoção do princípio da cooperação processual para a justa composição do litígio (artigo 7.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).

58.ª Assim, é crucial que se se proceda a tal reenvio prejudicial, a propósito de saber qual será a melhor interpretação, à luz das Diretivas Comunitárias infra e pelas razões que se passam a detalhar.

59.ª Entendemos que devemos extrair do artigo 12.º da DIRETIVA 2014/17/UE DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO de 4 de fevereiro de 2014 que proíbe as vendas associadas obrigatórias a interpretação que um banco não pode engessar ou tornar refém o cliente numa conta de depósitos à ordem, aumentando de forma sistemática e significativa os custos com a mesma apenas porque o cliente tem também um crédito contratado, sem que o mesmo tenha qualquer benefício em tal crédito. O tied selling aludido, não permite essa exploração do cliente, mas sim apenas permite que essa aquisição/manutenção obrigatória seja possível em casos muito concretos em que há um evidente beneficio que foi explicado e contratado com o cliente no cômputo dos produtos, o que não se verifica no caso em apreço e portanto a proibição do artigo 12.º é aplicável ao casos dos autos.

60.ª Salvo melhor opinião, o Decreto-Lei n.º 74-A/2017 de 23-06-2017, que veio proceder à transposição parcial da Diretiva n.º 2014/17/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de fevereiro de 2014, relativa aos contratos de crédito a celebrar com os consumidores para aquisição de imóveis destinados à habitação transpõe incorretamente a referida Diretiva que em nosso entender tem um conteúdo substancialmente diverso.

61.ª O Banco Réu efetuou uma venda associada obrigatória (“tied selling”) aos AA., assim como a todo o universo dos seus clientes com crédito habitação, aqui Autores Populares. Diz-se venda associada obrigatória porque o Banco Réu vendeu aos AA e aos restantes Autores Populares um pacote de produtos e serviços, composto por um crédito para a habitação e uma conta de depósitos à ordem, onde pelo menos um dos produtos/serviços oferecido, in casu o crédito para a habitação, não está disponível para venda separada. Ou seja, o Banco Réu não permite comprar um crédito para habitação separado de uma conta de depósitos à ordem.

62.ª Em 2001, quando os AA. contrataram o crédito para a habitação, indicaram a conta de depósitos à ordem que já tinham junto do Banco Réu para débito das prestações do crédito habitação, tal como acontece com vários clientes do Banco Réu, aqui Autores Populares. Os AA. detinham a suprarreferida conta de depósitos à ordem, pelo menos, desde 1998, portanto muito antes da celebração do contrato de crédito para a habitação.

63.ª De 1998 até pelo menos 2014, a conta à ordem suprarreferida não estava sujeita a comissões de gestão ou manutenção. Ou seja, na altura em que os AA. contrataram o crédito para a habitação, a conta de depósitos à ordem não pagava qualquer comissão de gestão ou manutenção – não tinha qualquer tipo de custo associada.

64.ª a partir de 2014, o Banco Réu começou a cobrar comissões de gestão e manutenção da conta de depósitos à ordem, numa decisão unilateral e sem (re)negociar as condições da mesma ou do crédito habitação com os AA.

65.ª O Banco Réu tem vindo a aumentar, de forma unilateral e sem qualquer (re)negociação, as comissões de gestão e manutenção da conta de depósitos à ordem, de forma que os AA., assim como restantes Autores Populares, não podiam contar.

66.ª a taxa anual de encargos efetiva global (TAEG), que mede o custo do empréstimo, contabilizando para além dos juros, todos os outros encargos que o cliente terá de suportar pelo crédito, não contabilizava tais custos com as comissões de gestão e manutenção da conta de depósitos à ordem, apesar de estarmos perante um “tied package” nos termos supra referidos, em que tais custos são efetivamente encargos a suportar pelo crédito para habitação.

67.ª Ou seja, os AA, assim como todos os restantes Autores Populares, quando contrataram o aludido “tied package” não foram informados dos custos que teriam de suportar, num futuro, com as comissões de gestão e manutenção da conta de depósitos à ordem que na altura não existiam e nem hoje tal é possível, pois o Banco Réu, a qualquer momento pode continuar a subir tais custos com as comissões de manutenção e gestão de conta de depósitos à ordem associado ao crédito habitação.

68.ª a conta de depósitos à ordem, que já existia desde pelo menos 1998, não serviu de contrapartida para obter melhores condições no crédito habitação seja no caso dos AA. como no caso dos restantes Autores Populares.

69.ª Os aqui AA. não beneficiaram de nenhuma redução no spread do crédito para habitação por deterem a supra referida conta de depósitos à ordem, até porque a taxa de juro aplicar ao crédito para a habitação não decorreu de nenhuma negociação particular, mas sim do Acordo Coletivo de Trabalho para o Sector Bancário de que o A. marido beneficiava e que estipula(va) que a taxa de juro dos empréstimos à habitação “será igual a 65% da taxa mínima de proposta aplicável às operações principais de refinanciamento pelo Banco Central Europeu”. Ou seja, os AA., assim como os restantes Autores Populares, não tiveram qualquer benefício no seu crédito para habitação ou na conta de depósitos à ordem por terem contratado tais serviços em pacote, designadamente no aludido “tied package”.

70.ª Os AA. assim como os restantes Autores Populares encontram disponíveis no mercado contas de depósitos à ordem em condições muito mais favoráveis do que aquela que compõe o “tied package”, designadamente é possível adquirir em Portugal e em outros Estados Membros contas de depósitos à ordem isentas de comissões e sem qualquer tipo de obrigações associadas (como é público e notório, nomeadamente junto do Banco ActivoBank, Banco Best, Banco Carregosa, em Portugal, ou, por exemplo, o Banco Sabadell, em Espanha).

71.ª Os AA. e, certamente como muitos outros Autores Populares, não têm poupanças e nem recebem qualquer tipo de rendimento na suprarreferida conta de depósitos à ordem que permitisse ao Banco Réu utilizar eventuais valores depositados na conta de depósitos à ordem para pagar as prestações do crédito habitação, ou, por exemplo, proceder à compensação de saldos para pagamento das aludidas prestações.

72.ª Os AA. têm poupanças e recebem os seus rendimentos em outras contas de depósito à ordem em outras instituições financeiras que não o Banco Réu, pelo que todos os meses são obrigados a efetuar a transferência da quantia correspondente à prestação do crédito para habitação para a conta de depósitos à ordem junto do Banco Réu, para que este a possa debitar para pagamento dessa prestação.

73.ª O Banco Réu recusou o pedido dos AA. para trocarem a conta de depósitos à ordem para débito das prestações de crédito para a habitação, assim como não permitiram aos AA. o encerramento da conta de depósitos à ordem e passarem a proceder o pagamento das prestações do crédito para a habitação por outro meio idóneo e que permitisse atingir o mesmo fim.

74.ª O Banco Réu recusou aos AA. a troca e encerramento da conta de depósitos à ordem e que procedessem ao pagamento das prestações do crédito para a habitação por qualquer outro meio idóneo de pagamento.

75.ª O Banco Réu tem e continua a aproveitar-se dessa venda associada obrigatória, que nem sequer está prevista contratualmente, sendo por isso uma venda coerciva, mantém os AA., assim como os restantes Autores Populares, reféns do crédito habitação para impor, unilateralmente um aumento de custos do crédito para a habitação por intermédio de um aumento dos custos com a gestão e manutenção da conta de depósitos à ordem.

76.ª Em consequência, o custo inerente ao contrato de crédito para a habitação está significativamente aumentado (e poderá continuar a ser aumentado por única vontade e coercividade do Banco Ré) face ao custo que inicialmente foi contratado, por força do aumento das comissões de manutenção e gestão da conta de depósitos à ordem, os quais não foram declarados e nem podia ser conhecidos pelos AA. e demais Autores Populares no momento da celebração do contrato de crédito para habitação, já que tais custos dependem única e exclusivamente da vontade arbitrária do Banco Réu.

77.ª a “Mortgage Credit Directive” tem como regra geral os Estados Membros autorizarem as vendas associadas facultativas (“bundle packages”) e proibirem as vendas associadas obrigatórias (“tied packages”) (cfr. artigo 12.º n.º 1 da “Mortgage Credit Diretive”).

78.ª a exceção a essa regra geral é a prevista no artigo 12.º, n.ºs 2 e 3 da aludida “Mortgage Credit Directive”, as quais detalharemos mais à frente. A “Mortgage Credit Diretive” é uma diretiva de harmonização mínima, pelo que os Estados Membros podem impor um nível mais elevado de proteção o que neste caso consistiria em não recorrer às exceções para vendas associadas obrigatórias previstas na Diretiva e nunca o contrário. A “Mortgage Credit Diretive” foi transporta para o ordenamento jurídico português pelo Decreto-Lei 74-A/2017, tendo Portugal optado por não recorrer às exceções previstas no artigo 12.º, n.º 3 da aludida “Mortgage Credit Directive”.

79.ª No entanto, o Decreto-Lei 74-A/2017 falha na transposição da aludida diretiva ao omitir a finalidade da possibilidade do mutuante de exigir ao consumidor que abra ou mantenha aberta uma conta de depósito à ordem.

80.ª O artigo 12.º, n.º 2, alínea a) da Diretiva tem como exceção à regra geral prevista no n.º 1 do mesmo artigo, a possibilidade dos mutuantes exigirem ao consumidor (ou membro da sua família ou alguém que lhe seja próximo) que “[a]bra ou mantenha uma conta de pagamento ou uma conta poupança, cuja única finalidade seja a acumulação de capital destinado a reembolsar o capital do crédito, pagar os juros do crédito, juntar recursos a fim de obter o crédito ou constituir uma garantia suplementar para o mutuante em caso de incumprimento” [sublinhado nosso].

81.ª O artigo 11.º, n.º 2, alínea a) do Decreto-Lei 74-A/2017 apenas prevê que o mutuante pode exigir ao consumidor que “[a]bra ou mantenha aberta uma conta de depósito à ordem”. Ou seja, é omisso quanto à finalidade de tal exigência, eliminando na transposição do seu elemento teleológico.

82.ª Ora, não obstante a falha catastrófica na transposição da aludida Diretiva do “Mortgage Credit Diretive” para o direito interno português, é sabido que um particular pode sempre exigir a reparação de um dano sofrido num Estado Membro quando exista nexo de causalidade entre tal dano e a os direitos decorrentes das disposições da Diretiva que seja incorrectamente transpostas, tal como resulta da clarificação da interpretação no designado Acórdão “Andrea Francovich and Danila Bonifaci and others v Italian Republic”.

83.ª As regras de interpretação de qualquer norma ditam que se procure reconstruir o seu animus seguindo uma metodologia hermenêutica, tendo necessariamente de se considerar a amplitude do seu sentido e os elementos normais de interpretação de qualquer lei ou regulamento: gramatical, histórico, sistemático e a ratio legis.

84.ª Para não sermos fastidiosos, estando resolvida a questão gramatical, considerando que a letra da diretiva é inequívoca até por força do seu elemento teleológico quando dita que a única finalidade da exigência da abertura e manutenção de uma conta de pagamento ou uma conta poupança é “a acumulação de capital destinado a reembolsar o capital do crédito, pagar os juros do crédito, juntar recursos a fim de obter o crédito ou constituir uma garantia suplementar para o mutuante em caso de incumprimento”, debrucemo-nos no seu elemento sistemático - sobretudo a unidade do sistema jurídico.

85.ª a possibilidade do mutuante de exigir ao consumidor que abra ou mantenha aberta uma conta de depósito à ordem tem apenas como finalidade a que nos é dada tanto pelo elemento teológico supra referido como pela “Payment Accounts Diretive”14.

86.ª O considerando 12 da “Payment Accounts Diretive” é claro quando diz que “[a]s disposições da presente diretiva relativa à comparabilidade das comissões e à mudança de conta de pagamento deverão aplicar-se a todos os prestadores de serviços de pagamento, na aceção da Diretiva 2007/64/CE. As disposições da presente diretiva relativas ao acesso a contas de pagamento com características básicas deverão aplicar-se apenas às instituições de crédito.

87.ª Todas as disposições da presente diretiva deverão dizer respeito às contas de pagamento através das quais os consumidores podem efetuar as seguintes operações: colocar fundos, efetuar levantamentos em numerário, e executar e ser beneficiários de operações de pagamento de e para terceiros, inclusive a execução de transferências a crédito. Por conseguinte, deverão ser excluídas as contas com funções mais limitadas.

88.ª Por exemplo, em princípio deverão ser excluídas do âmbito de aplicação da presente diretiva, contas como as contas de poupança, as contas de cartões de crédito em que os fundos são habitualmente transferidos exclusivamente para efeitos de reembolso de créditos de cartões de crédito, as contas à ordem utilizadas exclusivamente para fins de reembolso de créditos hipotecários ou as contas de moeda eletrónica. Todavia, se forem usadas para operações de pagamento quotidianas e se incluírem todas as funções acima referidas, tais contas passam a estar abrangidas pelo âmbito de aplicação da presente diretiva.

89.ª As contas de empresas, mesmo pequenas ou microempresas, salvo se detidas a título pessoal, deverão ser excluídas do âmbito de aplicação da presente diretiva. Os Estados-Membros deverão poder optar por estender a aplicação da presente diretiva a outros prestadores de serviços de pagamento e a outras contas de pagamento, nomeadamente às que oferecem funções de pagamento mais limitadas.”

90.ª Recorta-se com elevada nitiscência, que a conta de pagamento ou poupança que pode ser exigida pelo mutuante deve ter como única finalidade a acumulação de capital destinado a reembolsar o capital do crédito, pagar os juros do crédito, juntar recursos a fim de obter o crédito ou construir uma garantia suplementar para o mutuante em caso de incumprimento, pois só contas nestas precisas condições estão dispensadas do âmbito da aplicação da aludida “Payment Account Diretive”.

91.ª Ao que acrescem as disposições das diretivas 2005/29/EC (artigos 8 e 9), 2014/65/EU (artigos 24 e 25) e o Tratado de Funcionamento da União Europeia (artigo 102), todas a serem consideradas na interpretação da aludida norma prevista na “Mortage Credit Diretive”.

92.ª a unidade do sistema jurídico é um dos fatores mais importantes da técnica interpretativa e fator decisivo por força do princípio da coerência valorativa ou axiologia da ordem jurídica.

93.ª Ora, no caso em apreço não há dúvida da interpretação a retirar quanto à finalidade do mutuante de exigir ao consumidor que abra ou mantenha aberta uma conta de depósito à ordem e que é, in casu, as contas à ordem serem utilizadas exclusivamente para fins de reembolso de créditos hipotecários.

94.ª Por outro lado, a ratio legis do artigo 12.º, n.º 2, alínea a) in fine é de tal fulgor, como os do Sol ou de outra estrela de igual grandeza, pois só assim é possível aceitar que o tribunal a quo tenha sido ofuscado e encandeado sem conseguir perceber por onde deveria ir.

95.ª Isto porque a douta sentença, ao admitir que o Decreto-Lei 74/A/2017 transpõe corretamente a “Mortgage Credit Directive” ao aplicar a norma contida no seu artigo 11.º, n.º 1, alínea a), transforma o elemento teleológico ínsito no artigo 12.º, n.º 2, alínea a) in fine numa noção vagabunda no discurso jurídico, sem paredeiro certo no pensamento do legislador Europeu.

96.ª Ora, a ratio legis esclarece o objetivo da finalidade do mutuante de exigir ao consumidor que abra ou mantenha aberta uma conta de depósito à ordem e que é somente permitir ao mutuante reduzir a sua exposição ao risco de incumprimento por parte do mutuário e, em contrapartida, aceitar celebrar tal contrato de crédito (aprovar o crédito) e eventualmente reduzir o prémio de risco exigido (o “spread”).

97.ª Em primeiro lugar, há sempre que referir que os AA., assim como os restantes Autores Populares, não tem a conta de depósitos à ordem (que compõe o “tied package”) para acumularem capital destinado a reembolsar o capital do crédito, pagar os juros do crédito, juntar recursos ou construir uma garantia suplementar para o mutuante em caso de incumprimento, pois tal não está previsto no contrato e nem os mutuantes foram alguma vez obrigados a fazê-lo.

98.ª Em segundo lugar e por fim, o facto dos AA. e restantes Autores Populares terem uma conta junto do Banco Ré não é suscetível de diminuir o risco de incumprirem no pagamento das ditas prestações do crédito para a habitação (ratio legis das supra referidas Diretivas), uma vez que os AA. não recebem qualquer rendimento nessa conta (e nunca estiveram obrigados a receber) e nem na mesma têm depositado quaisquer valores com vista a acumularem capital destinado a reembolsar o capital do crédito, pagar os juros do crédito, juntar recursos ou construir uma garantia suplementar para o mutuante em caso de incumprimento.

99.ª Os AA., assim como muitos dos restantes Autores Populares, limitam-se a transferir todos os meses a quantia certa para pagar a prestação do crédito para a habitação desse mês, as comissões de gestão e manutenção e, eventualmente, os seguros relacionados com o aludido crédito para a habitação.

100.ª Na realidade e de forma notória, mesmo para um não especialista, a utilização de uma conta de depósitos à ordem junto do Banco Réu nas condições e com os efeitos supra descritos acarreta um maior risco de incumprimento de pagamento das prestações do crédito para a habitação do que aquele que teriam se o pagamento das aludidas prestações fosse efetuado por débito direto na conta de depósito à ordem, mesmo que junto de outra instituição de crédito, onde os AA. e restantes Autores Populares eventualmente tenham domiciliado os seus salários e/ou onde recebam os seus rendimentos e/ou tenham as suas poupanças.

101.ª Ou seja, a conta de depósitos à ordem que os AA. e restantes Autores Populares são obrigados a abrir e a manter junto do Banco Ré para assim (e só assim) acederem ao produto de crédito para a habitação nunca poderia servir de contrapartida para que tal crédito fosse aprovado e/ou obter um spread sobre a taxa de juro mais favorável devido à diminuição do risco de incumprimento (pois tal não se verifica, pelo contrário).

102.ª Assim, se percebe perfeitamente que o único intuito de tal obrigação é o Banco Ré poder cobrar comissões de gestão e manutenção aos clientes assim feitos reféns e poderem aumentar as mesmas unilateralmente e sem (re)negociar as condições do “tied package” sem que os seus clientes possam combater tal aumento trocando de fornecedor de serviços e produtos de contas de depósitos à ordem.

103.ª O Banco Réu, aproveitando a venda associada obrigatória, que nem sequer está prevista contratualmente, sendo por isso para além de um “tied package”, uma venda coerciva (“coercive selling”) na assunção da definição dada pelo artigo 9 (d) da “Unfair Commercial Practives Diretive”15, mantém os AA. e restantes Autores Populares reféns do crédito para a  habitação (que é muito difícil de trocar de fornecedor), para imporem unilateral e abusivamente um aumento dos custos com a comissão de gestão e manutenção da conta de depósitos à ordem.

104.ª Em consequência, o custo inerente ao contrato de crédito habitação está significativamente aumentado face ao inicialmente contratado por força desse aumento que não estava declarado no contrato (na TAEG) a quando a sua celebração.

105.ª Por conseguinte, tal prática viola ainda o conjunto de deveres de informação contratual e pré-contratual no âmbito da negociação, celebração e vigência dos contratos de crédito, a qual deve ser completa, verdadeira, atualizada, clara, objetiva e adequada ao consumidor, nomeadamente as informações que consta nos artigos 14.º a 17.º, com relevo para a TAEG.

106.ª Isto porque os custos de abertura e manutenção de uma conta específica e de utilização de um meio de pagamento tanto para operações como para a utilização do crédito nessa conta, bem como outros custos relativos a operações de pagamento, ambos designados como “custos a pagar periodicamente” são incluídos no custo total do crédito para o consumidor sempre que a abertura ou manutenção de uma conta sejam obrigatórias para a obtenção do crédito ou para a sua obtenção nos termos e condições comercializados (cfr. artigo 17.º n.º 2 da “Mortgage Credit Directive” e n.º 4 do seu Anexo II).

107.ª Releva o artigo 17.º, n.º 2 da “Mortgage Credit Diretive” que diz explicitamente: “[o]s custos de abertura e manutenção de uma conta específica e de utilização de um meio de pagamento tanto para operações como para a utilização do crédito nessa conta, bem como outros custos relativos a operações de pagamento, são incluídos no custo total do crédito para o consumidor sempre que a abertura ou manutenção de uma conta sejam obrigatórias para a obtenção do crédito ou para a sua obtenção nos termos e condições comercializados” [negrito e sublinhado nosso].

108.ª Sendo que a “TAEG é calculada com base no pressuposto de que a taxa devedora e restantes encargos se mantêm fixos em relação ao nível estabelecido aquando da celebração do contrato” [sublinhado e negrito nosso] e a única hipótese concedida para haver uma alteração de tais custos, é no “no caso dos contratos de crédito com cláusulas que permitem variações da taxa devedora e, se for caso disso, dos encargos incluídos na TAEG, mas não quantificáveis no momento do cálculo” (cfr. artigo 17.º n.º 3 da “Mortgage Credit Directive”).

109.ª Ora, a TAEG apresentada aos AA. e aos restantes Autores Populares não considerava os custos de manutenção da conta de depósitos à ordem que o Banco Réu obrigou os AA. e os restantes Autores Populares a abrir e/ou manter junto deste para a inesperada e unilateral por parte do Banco Ré e é possível que continuem a aumentar, principalmente depois do tribunal a quo, na sua douta mas quixotesca sentença, lhes conferir esse salvo conduto.

110.ª Refira-se ainda que as práticas restritivas da concorrência, como a supra descrita, prejudicam a competitividade, o crescimento e a criação de emprego na União Europeia, pelo que é necessário eliminar os obstáculos diretos e indiretos ao seu bom funcionamento, nomeadamente, mas não exclusivamente, aumentando a escolha para os consumidores, bem como a qualidade e a transparência das ofertas.

111.ª Os Recorrentes vão igualmente apresentar uma queixa ao "Directorate-General for Competition in European Comission", uma vez que a comissão tem o poder para investigar e forçar a aplicação do artigo 102.º do TFUE por conduta abusiva (por prática restritiva da concorrência) e aplicar as multas de acordo com o regulamento 1/2003.

112.ª Assim, se retira nitidamente a occasio legis que inspirou o legislador Europeu e da qual não nos podemos afastar. Por isso, as diretivas europeias supra referidas ou não estão corretamente transpostas para o ordenamento jurídico português (e parece ser o caso pelo menos no que diz respeito à “Mortgage Credit Diretive”) ou não foram bem interpretadas pelo tribunal a quo, que incompreensivelmente se recusou a proceder ao requerido reenvio prejudicial para o TJUE.

113.ª Assim, requer-se aos Venerandos Conselheiros que façam pedido de reenvio par o TJUE.

114.ª A intervenção do TJUE impõe-se no caso em apreço por forma a permitir colher a melhor interpretação para as diretivas suprarreferidas, nomeadamente saber se:

 I. O artigo 12.º , n.º 2, alínea a) da Diretiva n.º 2014/17/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de fevereiro de 2014 - “Mortgage Credit Diretive” permite que o Banco Ré possa exigir aos AA. e restantes Autores Populares que estes mantenham uma conta de depósitos à ordem, mesmo quando a dita conta não é utilizada (e não obriga) a acumulação de capital destinado a reembolsar o capital do crédito, pagar os juros do crédito e nem para juntar recursos a fim de obter o crédito ou constituir uma garantia suplementar para o mutuante em caso de incumprimento?

 II. O artigo 12.º, n.º 2, alínea a) da Diretiva n.º 2014/17/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de fevereiro de 2014 - “Mortgage Credit Diretive” permite que o Banco Ré possa exigir aos AA. e restantes Autores Populares que estes mantenham uma conta de depósitos à ordem sem oferecer qualquer contrapartida pela abertura da manutenção dessa conta?

III. O artigo 12.º, n.º 2, alínea a) da Diretiva n.º 2014/17/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de fevereiro de 2014 - “Mortgage Credit Diretive” em conjugação com as “Payment Account Directive”, nomeadamente mas não exclusivamente, tendo em conta os seus artigos 9.º e 10.º, Diretiva 2005/29/EC, nomeadamente mas não exclusivamente, tendo em conta os seus artigos 8.º e 9.º, Diretiva 2014/65/EU, nomeadamente mas não exclusivamente, tendo em conta os seus artigos 24.º e 25.º e o artigo 102.º do TFUE, permite que o Banco Ré possa, por intermédio de práticas comerciais agressivas ou coercivas tais como obrigar a manutenção de uma conta de depósitos à ordem para que continue a fornecer o serviço/produto de crédito para a habitação que nem sequer está prevista contratualmente, impedir os AA. e restantes Autores Populares de trocar de fornecedor de conta de depósitos a prazo que não é utilizada (e não obriga) a acumulação de capital destinado a reembolsar o capital do crédito, pagar os juros do crédito e nem para juntar recursos a fim de obter o crédito ou constituir uma garantia suplementar para o mutuante em caso de incumprimento?

IV. Os artigos 12.º , n.º 2, alínea a) e 17.º da Diretiva n.º 2014/17/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de fevereiro de 2014 - “Mortgage Credit Diretive” permitem que o Banco Ré possa exigir aos AA. e restantes Autores Populares que estes mantenham uma conta de depósitos à ordem e, durante o prazo acordado em que o contrato de crédito para habitação se mantém válido, altere, unilateralmente, os custos com comissões de manutenção e gestão da conta que os AA. e restantes Autores Populares estão obrigados a manter para a obtenção do crédito ou para a sua obtenção nos termos e condições comercializados, custos esses que não foram usados no cálculo da TAEG apresentada aos AA. e restantes Autores Populares?

V. Insiste-se que devemos extrair do artigo 12.º da Diretiva n.º 2014/17/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de fevereiro de 2014 que proíbe as vendas associadas obrigatórias a interpretação que um banco não pode engessar ou tornar refém o cliente numa conta de depósitos à ordem, aumentando de forma sistemática e significativa os custos com a mesma apenas porque o cliente tem também um crédito contratado, sem que o mesmo tenha qualquer benefício em tal crédito. O tied selling aludido, não permite essa exploração do cliente, mas sim apenas permite que essa aquisição/manutenção obrigatória seja possível em casos muito concretos em que há um evidente beneficio que foi explicado e contratado com o cliente no computo dos produtos, o que não se verifica no caso em apreço e portanto a proibição do artigo 12.º é aplicável ao casos dos autos. Salvo melhor opinião, o Decreto-Lei n.º 74-A/2017 de 23-06-2017, que veio proceder à transposição parcial da Diretiva n.º 2014/17/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de fevereiro de 2014, relativa aos contratos de crédito a celebrar com os consumidores para aquisição de imóveis destinados à habitação transpõe incorretamente a referida Diretiva que em nosso entender tem um conteúdo substancialmente diverso.

Termos em que, para a eventualidade de entenderem Vossas Excelências, Exmos. Senhores Juízes Conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça que é necessária a intervenção do Tribunal de Justiça da União Europeia, nos termos e para os efeitos supra requeridos, entendem os Recorrentes que a pronúncia do TJUE, no caso sub judice, nos termos do artigo 267.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia será indispensável para a decisão da controvérsia jurídica que constitui objeto da presente ação. Por essa razão, requer-se seja suspensa a presente instância até que o TJUE se pronuncie, a título prejudicial, expressa e especificamente, sobre as seguintes questões:

I.     O artigo 12.º , n.º 2, alínea a) da  Diretiva n.º 2014/17/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de fevereiro de 2014 - “Mortgage Credit Diretive” permite que o Banco Ré possa exigir aos AA. e restantes Autores Populares que estes mantenham uma conta de depósitos à ordem, mesmo quando a dita conta não é utilizada (e não obriga) a acumulação de capital destinado a reembolsar o capital do crédito, pagar os juros do crédito e nem para juntar recursos a fim de obter o crédito ou constituir uma garantia suplementar para o mutuante em caso de incumprimento?

II.    O artigo 12.º, n.º 2, alínea a) da Diretiva n.º  2014/17/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de fevereiro de 2014 - “Mortgage Credit Diretive” permite que o Banco Ré possa exigir aos AA. e restantes Autores Populares que estes mantenham uma conta de depósitos à ordem sem oferecer qualquer contrapartida pela abertura da manutenção dessa conta?

III.     O artigo  12.º, n.º 2, alínea a) da Diretiva n.º 2014/17/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de fevereiro de 2014 - “Mortgage Credit Diretive” em conjugação com as “Payment Account Directive”, nomeadamente mas não exclusivamente, tendo em conta os seus artigos 9.º e 10.º, Diretiva 2005/29/EC, nomeadamente mas não exclusivamente, tendo em conta os seus artigos 8.º e 9.º, Diretiva 2014/65/EU, nomeadamente mas não exclusivamente, tendo em conta os seus artigos 24.º e 25.º e o artigo 102.º do TFUE, permite que o Banco Ré possa, por intermédio de práticas comerciais agressivas ou coercivas tais como obrigar a manutenção de uma conta de depósitos à ordem para que continue a fornecer o serviço/produto de crédito para a habitação que nem sequer está prevista contratualmente, impedir os AA. e restantes Autores Populares de trocar de fornecedor de conta de depósitos a prazo que não é utilizada (e não obriga) a acumulação de capital destinado a reembolsar o capital do crédito, pagar os juros do crédito e nem para juntar recursos a fim de obter o crédito ou constituir uma garantia suplementar para o mutuante em caso de incumprimento?

IV. Os artigos 12.º , n.º 2, alínea a) e 17.º da Diretiva n.º 2014/17/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de fevereiro de 2014 - “Mortgage Credit Diretive” permitem que o Banco Ré possa exigir aos AA. e restantes Autores Populares que estes mantenham uma conta de depósitos à ordem e, durante o prazo acordado em que o contrato de crédito para habitação se mantém válido, altere, unilateralmente, os custos com comissões de manutenção e gestão da conta que os AA. e restantes Autores Populares estão obrigados a manter para a obtenção do crédito ou para a sua obtenção nos termos e condições comercializados, custos esses que não foram usados no cálculo da TAEG apresentada aos AA. e restantes Autores Populares?

V. O tied selling aludido, não permite a exploração do cliente, mas sim apenas permite que a aquisição/manutenção obrigatória de conta seja possível em casos muito concretos em que há um evidente beneficio que foi explicado e contratado com o cliente no computo dos produtos, o que não se verifica no caso em apreço. Salvo melhor opinião, o Decreto-Lei n.º 74-A/2017 de 23-06-2017, que veio proceder a transposição parcial da Diretiva n.º 2014/17/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de fevereiro de 2014, relativa aos contratos de crédito a celebrar com os consumidores para aquisição de imóveis destinados a habitação transpõe incorretamente a referida Diretiva que em nosso entender tem um conteúdo substancialmente diverso. Destarte, devemos extrair do artigo 12.º da Diretiva n.º 2014/17/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de fevereiro de 2014 que proíbe as vendas associadas obrigatórias a interpretação que um banco não pode engessar ou tornar refém o cliente numa conta de depósitos à ordem, aumentando de forma sistemática e significativa os custos com a mesma apenas porque o cliente tem também um crédito contratado, sem que o mesmo tenha qualquer benefício em tal crédito?

Em qualquer caso, deve o presente Recurso ser julgado procedente e em consequência ser revogada a douta sentença recorrida, substituindo-se por outra que condene a Ré nos pedidos.


Contra-alegaram o Ministério Público, que circunscreveu a sua intervenção “ao objecto da acção popular”, e o Banco Réu, manifestando-se ambos no sentido da improcedência da acção.

O Ministério Público  observou que “da matéria de facto provada resulta que não existe qualquer conta de depósito à ordem com crédito à habitação cujo único movimento seja o referente ao débito da prestação do crédito à habitação” e que a lei permite que as instituições bancárias cobrem despesas de manutenção por contas de depósito à ordem; que  o pagamento das prestações dos empréstimos para habitação é “efectuado com o acordo dos mutuários por débito em conta”; que da prova resulta não existirem “factos donde pudesse emergir a necessidade de tutela dos interesses individuais homogéneos ou colectivos”.

O Banco recorrido recordou o que ficou provado – definitivamente –, e pronunciou-se no sentido da improcedência, quer da “pretensão particular deduzida pelos recorrentes”, quer da vertente popular” da acção, que, em rigor, não deve ser admitida, desde logo porque “inexistem elementos que permitam determinar grupos de interesses homogéneos susceptíveis de serem protegidos pelas providências requeridas pelos autores”.


4. Vem provado o seguinte (transcreve-se da sentença):

1. Ré BANCO COMERCIAL PORTUGUÊS, SA. é uma Instituição de Crédito cuja atividade é supervisionada pelo Banco de Portugal, pela Comissão de Mercado de Valores Mobiliários e pela Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões.

2. A R. exerce a sua atividade económica com carácter profissional e visando a obtenção de benefícios.

3. Em 1998, o 1.º A. celebrou um contrato de abertura e utilização de conta de depósitos à ordem (doravante, abreviadamente designado “Contrato DO”) com a R, à qual foi atribuído o número 40735941.

4. Esse acordo foi estabelecido entre a R. e o 1.º A. através de cláusulas rígidas, previamente elaboradas e impostas em bloco sem possibilidade de discussão, modelação ou influência pelos destinatários, limitando-se estes a subscrever e aceitar nos exatos termos em que estão apresentados.

5. A referida conta de depósitos à ordem foi aberta pelo 1.º A. junto da R. como condição necessária e imprescindível para a celebração do dito contrato de trabalho, nos termos determinados pelo ACT do sector.

6. Todos os AA. são pessoas singulares a quem a R. forneceu serviços destinados a uso não profissional, sendo que o autor era profissional do sector bancário quando abriu essa conta e contraiu o empréstimo.

7. O 1.º A. passou a utilizar a identificada conta de depósitos à ordem para receber o seu ordenado como trabalhador da R. mas também para as operações correntes do dia-a-dia, inclusivamente, como suporte a operações de compra e venda de valores mobiliários.

8. Em 2000, os AA. celebraram um contrato de crédito para aquisição de imóvel de habitação permanente (doravante, abreviadamente designado “Contrato CH”) com a R.

9.    O Contrato CH não inclui qualquer informação sobre os encargos a suportar, ainda em data futura, com a Conta DO.

10. O 1.º A., através de uma comunicação enviada pelo serviço de “BancoMail” da R, solicitou que esta lhe indicasse como poderia proceder ao encerramento da Conta DO (Cfr. doc. 1 que se junta e se dá por integralmente reproduzido).

11. Na referida comunicação, o 1.º A. informou que quanto aos seguros domiciliados naquela conta iria proceder à domiciliação do pagamento dos respetivos prémios mensais junto de outra instituição de crédito.

12. A R. remeteu a resposta para uma comunicação enviada ao 1.ª A. em 12 de Janeiro de 2015.

13. O 1.º A. reclamou junto do Banco de Portugal.

14. A Conta DO não estava sujeita ao pagamento de qualquer comissão de manutenção quando os AA. celebraram o Contrato CH.

15. E nunca pagou até ao momento em que o 1. A. se desvinculou do contrato de trabalho estabelecido com a R. e, em consequência, deixou de aí domiciliar o seu ordenado de trabalho.

16. No entanto, a partir dessa altura, que data ao início de 2012, a Conta DO passou a estar sujeita ao pagamento de uma comissão de manutenção.

17. A solicitação do Autor, em Julho do ano de 2000 o Banco Réu concedeu-lhe o crédito à habitação a que se refere a petição inicial, através do qual lhe mutuou a quantia de € 99.759,58 (Esc. 20.000.000$00), a pagar em 30 anos e em prestações mensais de capital e juro, tudo nos termos da proposta que ao diante se junta como doc. 1 e da escritura e documento complementar que ao diante se junta como doc. 2, tudo aqui dado por integralmente reproduzido.

18. Nessa data o Autor era quadro do Banco Réu, a que estava vinculado por contrato de trabalho celebrado no dia … de Novembro de 1998, o Banco Expresso Atlântico, S.A., que em tal contrato figurou como entidade patronal, foi incorporado, por fusão, no Banco Réu a 28.06.2004, conforme inscrição nº 26, AP 01/20040628 constante do registo comercial (vd. certidão permanente acessível através do código 7336-4051-1628 e que ao diante se junta como doc. 3 para facilidade de consulta).

19.   Por virtude de estar vinculado ao Banco Réu por meio de contrato de trabalho o Autor beneficiou de condições especiais na concessão daquele mútuo, correspondentes às que a banca em geral ainda hoje oferece aos seus colaboradores que a si estão vinculados por contrato de trabalho - cfr. Acordo Colectivo de Trabalho para o sector bancário aplicável à data, doc. 4.

20. Aquando da negociação ocorrida o Autor solicitou ao Banco Réu que lhe fosse ele concedido ao abrigo deste Regulamento, para efeito de colher os respectivos benefícios.

21. Nessa data referiu o Autor que tinha marcado para o ano seguinte, 2001, o seu casamento com BB e que o apartamento a adquirir com recurso ao mútuo se destinaria à residência permanente de ambos, uma vez consumado o casamento - vd. escritura junta como doc. 5.

22. Ponderando a capacidade de endividamento do Autor face aos rendimentos por si recebidos ao tempo e que consistiam apenas no salário que lhe era pago ao abrigo do aludido contrato de trabalho, o Banco Réu chegou à conclusão que o Autor não dispunha de capacidade financeira para honrar compromissos emergentes de um mútuo a conceder naquelas solicitadas condições de montante e prazo, mesmo ponderando as condições especiais decorrentes do dito Regulamento do Crédito à Habitação para o Sector Bancário.

23. Foi então sugerido ao Autor, para efeito de aumentar a capacidade de endividamento, que envolvesse a sua futura mulher no mútuo, outorgando ela como mutuária.

24. O que o Autor aceitou.

25. Ainda assim a capacidade financeira conjunta de ambos ficava aquém dos parâmetros de cautela definidos pelo Banco Réu para a concessão de um tal crédito, o que todavia não veio a obstar à execução da operação, que foi autorizada excepcionalmente com a seguinte fundamentação: autorizo excepcionalmente face à boa informação do colaborador e ao facto de se ir casar e estar em início de carreira - vd. doc. 1 da contestação.

26. O mútuo veio então a ser celebrado nos termos que constam da escritura junta, tendo o Autor beneficiado, como dela consta, das condições constantes do aludido Regulamento, o que ficou expressamente consignado - vd. doc. 2.

27. O principal benefício que o Autor e a sua mulher colheram pela sujeição do mútuo ao Regulamento do Crédito à Habitação para o Sector Bancário centrou-se na taxa de juro remuneratória que o mútuo venceria, correspondente a sessenta e cinco porcento da taxa básica de desconto do Banco de Portugal, correspondente. Aquela taxa – a correspondente a sessenta e cinco porcento da taxa básica de desconto do Banco de Portugal – corresponde assim à única taxa de juro remuneratória que ficou acordado que o mútuo venceria. A ela não acresceu, pois, qualquer outra taxa e nomeadamente a título de spread sobre o indexante, correspondendo esta isenção de spread ao principal benefício colhido pelos Autores, a que se somou o desconto de trinta e cinco porcento do indexante.

28. As condições gerais de preçário em que o Banco Réu aceitava ao tempo conceder um mútuo de natureza equivalente a quem não estivesse abrangido pelo Regulamento do Crédito à Habitação para o Sector Bancário eram substancialmente mais onerosas, compreendendo a taxa de juro remuneratória a totalidade do indexante – a taxa básica de desconto do Banco de Portugal ou outra equivalente – acrescida ainda de um spread de 2 pontos percentuais - cfr. preçário ao tempo vigente (…).

29. Os Autores ainda obtiveram um desconto sobre o próprio indexante e de aproximadamente um terço, beneficiando, pois, de condições muito mais vantajosas do que aquelas que o Banco Réu disponibilizava ao tempo à generalidade dos seus clientes.

30. Este desconto de trinta e cinco porcento que os Autores beneficiaram corresponde a uma quantia a suportar pelo próprio Banco, na medida em que um financiamento concedido nestas condições mais não é de que um financiamento concedido abaixo do preço de custo – custo este que se reporta aos cem por cento da taxa básica de desconto do Banco de Portugal.

31. Ao longo da vigência do mútuo o benefício concedido aos Autores foi até 2015 na quantia de 49.757,73, conforme relatório pericial de fls. 1036 restante teor se dá por reproduzido.

32. Quando contrataram o mútuo os Autores aceitaram, sobre o mais, o seguinte, (cláusula quinta do documento complementar à escritura junta como doc. 2O reembolso do empréstimo deverá estar concluído no prazo de TRINTA anos, contados desde o dia vinte e cinco do mês imediato ao da entrega da quantia mutuada e será efectuado em TREZENTAS E SESSENTA prestações mensais, cujo montante adicionado ao dos juros em cada mês vencidos e pagáveis com as mesmas amortizações, de acordo com a opção expressa pelos mutuários e conforme o disposto no artigo décimo primeiro do Regulamento, serão deduzidos mensalmente no vencimento do empregado ou debitados em conta de depósitos à ordem que, para o efeito, se comprometem a ter devidamente provisionada.

33. Quando o Autor marido subscreveu e entregou ao Banco Réu a proposta que deu origem à contratação e que se deixou junta como doc. 1, autorizou este a por débito da minha (nossa) conta de depósitos à ordem com o número 39140735941 queiram proceder ao pagamento das quantias relativas a despesas, comissões, prestações ou outros custos relacionados com o financiamento solicitado.

34. Esta conta da titularidade do Autor fora aberta aos balcões do então Banco Expresso Atlântico, SA. no dia 19 de Novembro de 1998, mediante o preenchimento e subscrição do documento denominado condições particulares que ao diante se junta como doc. 6 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

35. Por via da subscrição, por assinatura, de tal documento o Autor aderiu às condições gerais de depósito ao tempo vigentes e que ficaram anexas ao documento que, naqueles termos, corporizou as condições particulares da contratação e que ao diante se juntam como doc. 7 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

36. O teor dessas condições gerais foi ao tempo comunicado ao Autor, que delas ficou ciente e aceitou, sendo certo que o Autor, na qualidade que ao tempo tinha de funcionário do Banco Réu, conhecia bem essas condições, por a abertura de clientes estar contida nas suas funções.

37. Entre essas condições gerais e no que para o caso releva, figura a seguinte: 14. Alterações de taxas de juro e comissões: O Banco reserva-se o direito de modificar as taxas de juros e as comissões, nomeadamente se as directrizes das autoridades monetárias ou alteração das condições dos mercados monetários e financeiros o impuserem.

38. Enquanto o Autor foi funcionário do Banco Réu essa conta que ficou associada, por aquela via, ao crédito à habitação concedido, esteve isenta de comissões em virtude de o Autor nela ter domiciliado o pagamento do seu vencimento.

39. No dia 10 de Dezembro de 2012 o Autor veio a acordar com o Banco Réu na revogação do contrato de trabalho que havia ajustado com o Banco Expresso Atlântico, SA. em 1998, tudo nos termos do acordo que ao diante se junta como doc. 8 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

40. A partir de então o Autor deixou de ser funcionário do Banco Réu e deixou por isso de receber vencimento, passando todavia a receber subsídio de desemprego, cujo pagamento manteve domiciliado naquela conta, o que motivou que continuasse ela isenta de comissões, pela razão acima apontada.

41. Aquando da negociação do acordo de revogação de contrato de trabalho vindo de referir o Autor propôs ao Banco Réu que o benefício que colhera no crédito a habitação em virtude do vínculo laboral se mantivesse para além deste.

42. O que o Banco Réu aceitou, constando por isso do acordo celebrado a seguinte estipulação: Cláusula Quarta: (Crédito à Habitação e Fins Sociais) No âmbito do presente acordo, a Primeira Contraente assegura ao Segundo Contraente a manutenção das condições contratualmente em vigor no que respeita aos créditos habitação e/ou para fins sociais contraídos ao abrigo do Acordo Colectivo de Trabalho aplicável e/ou Política Social do Banco, até ao final dos respectivos contratos e com as bonificações constantes de documentação anexa, em caso de liquidação/amortização antecipada do contrato

43. O Banco Réu entendeu neste caso em particular que a domiciliação do subsídio de desemprego (isto é, o seu pagamento a crédito da conta em causa), ainda que não se trate tecnicamente de um vencimento, conduziu também a que a conta tivesse ficado isenta de comissão de manutenção.

44. O que determinou que esta isenção se tenha mantido para lá da revogação do vínculo laboral e até Setembro de 2014, só a partir de então passando a ser devida em virtude de nenhum pagamento com cadência mensal ter sido domiciliado pelo Autor na conta em causa e por não beneficiar o Autor de qualquer isenção.

45. Até 2015 o Autor pagou de comissões de manutenção da conta associada ao crédito à habitação o montante global de € 21.00 e, as mesmas, importam até ao fim do contrato a manter-se a comissão média anual exigidas pela ré de manutenção de conta bancária de 63 euros no total de 945 euros.

46. Desde o início de 2013 o Banco Réu fez publicar pelos meios legalmente impostos, isto é, por afixação em todas as sucursais e locais de atendimento, no site da internet e no site do Banco de Portugal os precários que ao diante se juntam agrupadamente como doc. 9 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, nos quais fez incluir o montante a que ascendia em cada momento a comissão de manutenção de contas bancárias - tudo em cumprimento do disposto no Aviso 8/2009 do Banco de Portugal e na demais legislação aplicável e como de resto sempre fez, centrando-se a alegação naquele período por nenhum passado interessar à causa de pedir.

47. A par com as publicações legalmente impostas, o Banco Réu sempre cuidou também de comunicar aos seus clientes as alterações de preçário através dos extractos enviados, tendo comunicado ao Autor as alterações ocorridas desde a cessão do vínculo laboral nos extractos que mês apôs mês lhe enviou - cfr. extractos (…)

48. As comissões que, por opção do Banco Réu, só começaram a ser cobradas a partir de Setembro de 2014 foram-no pelos preçários juntos pela Ré.

49. Excepcionam-se as comissões cobradas no ano de 2013 – no montante global de € 12,00 – que foram estornadas em virtude de o Banco Réu, por decisão comercial que entendeu por bem tomar, ter entendido que a domiciliação do subsidio de desemprego produzia o efeito da domiciliação do vencimento para efeito de a conta ficar isenta de comissão de manutenção ­­– estorno que resulta dos extractos que se protestaram juntar.

50.      Verifica-se assim que até ao momento e desde que foi concedido o mútuo (sic) –  vd. Extractos que se protestaram juntar.

51. Os Autores são titulares de três contas bancárias no universo do Banco Réu: duas directamente no Banco Réu e uma no Banco Activobank, S.A., cujo capital é maioritariamente detido pelo Banco Réu.

52. Os Autores servem-se destas contas de que são titulares para movimentos vários, incluindo para compra e venda de instrumentos financeiros.

53. E servem-se da conta objecto destes autos não só para a compra e venda de instrumentos financeiros, como também para pagamentos vários de serviços que adquirem na sua vida corrente e ainda de serviços como água, luz, entre outros.

54. Por se tratar de um banco cujos serviços são prestados essencialmente via internet, o Banco Activobank, S.A. não cobra comissão de manutenção nas contas abertas aos seus balcões - cfr. preçário que ao diante se junta como doc. 10 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

55. Quando reclamou da obrigatoriedade de manter aberta a conta associada desde início ao crédito à habitação a partir do momento em que esta passou a estar sujeita a comissão de manutenção, o Banco Réu mostrou-se disponível para analisar a substituição da conta associada ao crédito à habitação por outra e nomeadamente por outra que estivesse isenta de comissão de manutenção – cfr. mensagem enviada ao Autor e por este recebida (…) junta como doc. 11.

56. O Banco Comercial Português tem pendentes, desde a data da instauração da acção, 39.115,00 empréstimos à habitação, conforme documento de fls. 1630 cujo restante teor se dá por reproduzido.

57. Todos estes empréstimos estão associados a contas de depósito à ordem abertas nos Balcões do Banco, sendo que os pagamentos das respectivas prestações são efectuados, com a concordância dos mutuários, por débito em conta.

58. Não existe qualquer conta DO com crédito à habitação cujo único movimento seja o débito da prestação do crédito.

59. Em 1251 dessas contas foram debitadas seis comissões mensais de manutenção nos últimos 12 meses.

60. Todas estas, além de servirem para o débito das prestações dos empréstimos, são utilizadas pelos seus titulares para muitos outros e variados fins.

61. Actualmente a ré disponibiliza aos seus clientes várias modalidades de pagamento de comissões, nas quais se encontra incluído o valor de manutenção da conta, custo de cartões, seguros, e transferências conforme doc de fls. 1634 a 1635, cujo restante teor se dá por reproduzido.


3.2. Factos não provados, todos os restantes nomeadamente:

1. Que a celebração do Contrato DO e a consequente abertura da Conta DO deu-se por imposição da R. para que o 1. A. pudesse passar a receber o ordenado pelo trabalho prestado à R

2. Que o 1.º A. apenas tivesse interesse na dita Conta DO enquanto mantivesse o vínculo de trabalho com a R, pois só por essa via podia receber o seu “justo” ordenado pelo trabalho realizado.

3. Que seria de esperar que, terminado tal vínculo contratual de trabalho, optasse (ou pudesse optar) o 1.º A pelo encerramento da Conta DO

4. Que os AA., em especial o 1.º A. nunca foi informado que a Conta DO passaria a estar sujeita, sabe-se porquê, a uma comissão de manutenção, pelo que foi com surpresa que verificou o débito de tal comissão na sua conta, que praticamente passou a utilizar apenas para pagar a dita prestação mensal para pagamento do Contrato CH.

5. Que a R. está a obter um ganho ilegítimo, à custo da cobrança de comissões que a própria impõe a seu bel-prazer a toda uma comunidade de consumidores, detentores de uma conta de depósitos à ordem que serve, em alguns casos, apenas para proceder ao débito da prestação para pagamento de contratos de crédito celebrados com a R.


5. Estão em causa neste recurso as seguintes questões (n.º 4 do artigo 635.º do Código de Processo Civil):

– Admissibilidade da via processual utilizada pelos autores (acção popular);

– Requerimento de reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia;

– Saber se, num contrato de crédito para a aquisição de imóvel para habitação, o Banco mutuante pode exigir aos mutuários que o pagamento das prestações correspondentes se faça necessariamente através de uma conta de depósitos à ordem aberta ou mantida no próprio Banco;

– Saber se o Banco mutuante pode cobrar comissões de manutenção por essa conta, em montantes não comunicados aos mutuários quando os contratos de mútuo são celebrados e unilateralmente impostos e alterados, e se foi infringido o dever de informação correspondente;

– Violação do 102.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, abuso de direito e práticas comerciais abusivas por parte do Banco réu;

– Saber se procedem os demais pedidos, subsidiários ou não, formulados na acção;

– Correcção da condenação em custas.


Importa no entanto deixar claro, desde já, que não está em causa a possibilidade de os mutuários  anteciparem o reembolso do crédito contraído junto do Banco réu e transferirem o crédito para outro Banco, ou as condições dessa mobilidade; mas sim a possibilidade de, mantendo o mútuo celebrado com o Banco réu, quebrarem a associação dos respectivos pagamentos a uma conta de depósitos à ordem aberta ou mantida junto do Banco, em conformidade com o que consta do contrato de mútuo (cfr. pontos 32, 33 e 57 dos factos provados).

6. Ao longo deste processo foi considerada por diversas vezes a questão de saber se a via da acção popular é ou não adequada à apreciação dos pedidos formulados pelos autores.

Em breve síntese, recorda-se que no saneador-sentença de fls. 648 se julgou a acção “manifestamente inviável”, por não se verificarem os pressupostos da acção popular: “Não sendo (…) as relações contratuais dos clientes do banco (…) idênticas, não pode a acção prosseguir como acção popular (…). Tendo sido proposta como acção popular, não pode prosseguir com outra forma de processo para apreciação da concreta, individual e específica situação dos Autores (…).”

Pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de fls. 754 foi revogada esta decisão e ordenado que a acção popular prosseguisse, por não se verificar “a ausência do ´fumus boni iuris’ subjacente ao juízo de manifesta improbabilidade do pedido referida no artigo 13º da (…) Lei 83/95 como causa de indeferimento da petição”. Esclareceu-se, com relevância decisiva para a admissibilidade da acção popular, que “tendo em conta o núcleo da matéria posta à consideração do Tribunal – repete-se, fundamentalmente relacionada com o pagamento das prestações de empréstimos para habitação – à partida e sem prejuízo da ulterior apreciação da preponderância de qualquer situação particular que torne impossível a sua abstracção para qualquer efeito, parece-nos ser evidente que é do interesse de qualquer daqueles titulares que lhe seja reconhecido ‘o direito a procederem ao pagamento das prestações (…) através de qualquer meio idóneo’, sendo certo que poderão exercer ou não e da forma que tiverem por mais conveniente, a faculdade contida nesse direito, se reconhecido”.

Este acórdão, portanto, só afastou a manifesta improcedência liminarmente decidida pela 1ª Instância, ao abrigo do disposto no artigo 13.º da Lei n.º 83/95 (regime especial de indeferimento liminar por ser “manifestamente improvável a procedência do pedido”), deixando para ulterior apreciação o juízo definitivo sobre a adequação da via da acção popular.

A sentença de fls. 1656 veio a concluir “de acordo com o Ac. do STJ não ter elementos concretos que permitam determinar grupos de interesses homogéneos susceptíveis de serem protegidos pelas providências requeridas pelo autor”. Acrescentou, todavia, “por mera cautela”, que “mesmo que assim não fosse, sempre a acção popular teria de improceder” tendo em conta o “ordenamento jurídico vigente na data da decisão”.

Os recorrentes discordam e vêm de novo sustentar a admissibilidade da acção popular, frisando que não ocorrem “quaisquer particularidades, nomeadamente as decorrentes da eventual multiplicidade dos factos que caracterizam a relação do Banco com todos e cada um dos seus mutuários, apenas está em causa se num contrato de crédito para a aquisição de imóvel para habitação aos autores e a demais titulares dos contratos deve ser reconhecido o direito de procederem ao pagamento das prestações correspondentes a esses contratos através de qualquer meio de pagamento idóneo, ou então, se devem ser reconhecidos os outros direitos invocados subsidiariamente pelos autores” (concl. 8.ª das alegações de recurso).

Na sequência do citado acórdão deste Supremo Tribunal, de fls. 754 e tendo em conta os pedidos formulados, é possível encontrar no objecto da acção, tal como foi definido pelos autores, no plano dos factos, um feixe de interesses individuais homogéneos, traduzidos, desde logo, na possibilidade “de procederem aos pagamento das prestações correspondentes [aos] contratos através de qualquer meio de pagamento idóneo” ou, subsidiariamente, “por débito em qualquer conta de depósito à ordem aberta junto de qualquer instituição bancária a operar em Portugal da qual sejam legítimos titulares e com poderes para a sua movimentação” (petição inicial), não obstante a inserção nos contratos de mútuo de uma cláusula que associe tais pagamentos a uma conta de depósito à ordem aberta ou mantida no próprio Banco réu (cfr. contrato de mútuo relativo aos autores, junto a fls. 119 e segs., e ponto 57 dos factos provados). Ou seja: se essa cláusula contratual pode ser desconsiderada.

O mesmo raciocínio se pode efectuar quanto aos demais pedidos.

Na verdade, encontra-se estabilizado o entendimento segundo o qual a acção popular tanto pode ter como objecto interesses difusos, insusceptíveis de individualização (defesa do ambiente, ou do património cultural, por exemplo), interesses colectivos (no sentido de interesses encabeçados por um grupo de pessoas determinadas ou determináveis) ou interesses individuais homogéneos, expressão individualizada de interesses difusos ou colectivos – no caso, relacionados com a defesa dos consumidores (cfr. n.º 2 do artigo 1.º da citada Lei n.º 83/95); cfr., neste sentido, a título de exemplo, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de Outubro de 2003, ECLI:PT:STJ:2003:03A1243.D8 ou de 20 de Outubro de 2005, ECLI:PT:STJ:2005:05B2578.10.

Deve todavia colocar-se a questão de saber se uma eventual diferença quanto ao regime jurídico aplicável ao contrato dos autores, por um lado – por ser o autor marido empregado do Banco réu, quando o crédito lhe foi concedido, e ser essa qualidade determinante para o regime jurídico aplicável às questões suscitadas nesta acção, sendo certo que se mantiveram as condições do crédito com o acordo celebrado quando foi revogado o contrato de trabalho, cfr. pontos 41 e 42 dos factos provados  – e, por outro, aos demais interessados que não tenham beneficiado desse regime especial, impedirá a apreciação conjunta dos pedidos formulados, como adiante se procura determinar.

É esta a principal questão colocada neste recurso; questão que, no plano dos factos, é do interesse dos recorrentes e poderá ser também dos interessados abrangidos pela acção, todos consumidores (cfr. ponto 6.dos factos provados) e todos mutuários de crédito à habitação, nos termos acabados de referir; utiliza-se aquele tempo verbal porque nenhum interveio na acção.

Interpreta-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de fls. 754 no sentido de que estes aspectos comuns serão suficientes para a admissibilidade da acção popular. As particularidades de facto que a prova revelou – relacionadas com a circunstância de o crédito concedido aos recorrentes ter sido um crédito concedido a empregados do Banco, em condições mais favoráveis do que as que estão disponíveis para a generalidade dos interessados, de acordo com o Acordo e com o Regulamento do Crédito à Habitação para o Sector Bancário (cfr. contrato de fls. 119) – podem determinar respostas de direito diferentes para os recorrentes e para os consumidores que não tenham beneficiado deste regime, mas não podem já ditar a inadmissibilidade da acção popular.


7. Os recorrentes pretendem que o Supremo Tribunal de Justiça coloque ao Tribunal de Justiça da União Europeia as questões que identificam nas alegações de recurso, que se encontram transcritas, através do mecanismo de reenvio prejudicial (artigo 267º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia), e que se reconduzem fundamentalmente à interpretação do artigo 12.º (maxime, do respectivo n.º 2) da Directiva n.º 2014/17/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de Fevereiro de 2014 (eventualmente conjugada com outras Directivas) – relativo às vendas associadas (ao crédito) obrigatórias e facultativas.

Como se sabe, o Supremo Tribunal de Justiça, enquanto tribunal que, na ordem interna, julga em última instância, está obrigado a proceder ao reenvio prejudicial, se a questão que estiver em causa for necessária e pertinente para a solução do litígio que lhe caiba decidir. Todavia, ainda que se trate de questão necessária e pertinente, a  obrigatoriedade de reenvio cessa nas condições definidas pela jurisprudência do Tribunal de Justiça: “quando (1) houver jurisprudência suficiente sobre a interpretação da norma do Tratado em causa, quer porque se trata de “questão materialmente idêntica a uma outra já decidida a título prejudicial num caso análogo” pelo Tribunal, quer porque “a questão de direito em causa (…) tenha sido resolvida por uma jurisprudência estável”, formada por qualquer via processual, ou quando (2) a norma a interpretar for absolutamente clara. Em tais situações, cessa a obrigação de suscitar a apreciação da questão, a título prejudicial, ao Tribunal CE; o Tribunal nacional, no entanto, pode suscitá-la, se o entender: acórdão proferido no caso SRL CILFIT, em liquidação, e outros, e Lanificio di Gavardo SPA/Ministro da Saúde da República de Itália e outros, de 6 de Outubro de 1982, proc. 283/81, (…) disponível em http://curia.europa.eu)”, como se recordou no acórdão deste Supremo Tribunal  de 10 de Julho de 2008, ECLI:PT:STJ:2008:07B2944.26.

Ora a Directiva n.º 2014/17/UE, relativa aos contratos de crédito aos consumidores para imóveis de habitação, não é aplicável, nem a “contratos de crédito em vigor antes de 21 de Março de 2016” (n.º 1 do artigo 43.º), nem “aos contratos de crédito em que o crédito seja concedido por um empregador aos seus trabalhadores, a título de atividade secundária, sem juros ou com uma TAEG inferior à praticada no mercado, e não seja disponibilizado ao público em geral” (al. b) do n.º 2 do artigo 3.º); cfr., quanto a estes, o considerando 17, no qual se esclarece que os Estados-Membros ficam autorizados a excluir tais contratos do regime da Directiva – como veio a suceder com o Decreto-Lei n.º 74-A/2017, de 23 de Junho, cujo artigo 3.º, c) também os afasta da correspondente aplicação –“O presente Decreto-Lei não é aplicável aos (…) c) Contratos de crédito em que o crédito seja concedido por um empregador aos seus trabalhadores enquanto benefício associado ao respectivo vínculo, sem juros ou com taxa anual de encargos efectiva global (TAEG) inferiores às praticadas no mercado, e que não seja proposto ao público em geral”.

A referida Directiva não se aplica, assim, nem ao contrato de mútuo celebrado pelos autores em 2000, ou por outros empregados do Banco réu que tenham beneficiando do mesmo regime, nem a contratos celebrados com outros consumidores que estivessem em vigor em 21 de Março de 2016.

No entanto, não constando do diploma de transposição – que, quanto à questão das vendas associadas ao crédito, é o Decreto-Lei n.º 74-A/2017, de 23 de Junho – um regime de aplicação no tempo semelhante ao que resulta do n.º 1 do artigo 43.º da Directiva, ou que, em geral, exclua do respectivo âmbito os mútuos anteriores à sua entrada em vigor, deve entender-se que a sua aplicação no tempo se rege pelo disposto no artigo 12.º do Código Civil, como sustenta, nomeadamente, Rui Pinto Duarte (O Novo Regime do Crédito Imobiliário a Consumidores, uma apresentação, Coimbra, 2018, pág. 8).

Assim, será à luz do disposto no Decreto-Lei n.º 74-A/2017 que se deverá encontrar a resposta para a questão de saber se o respectivo artigo 11.º, n.º 2, a), que estabelece como excepção à regra da proibição das vendas associadas obrigatórias  a possibilidade de o mutuante exigir que o mutuário abra ou mantenha uma conta de depósito à ordem, é ou não conforme com a Directiva n.º 2014/17/UE – em particular, com o n.º 2, al. a) do respectivo artigo 12.º.

Por este motivo, considerou-se relevante ter em conta a prolação do acórdão do Tribunal de Justiça proferido no processo de reenvio prejudicial, proc. C-778/18, marcada para 15 de Outubro de 2020, e proferido nessa data. Esta observação não vale para o contrato celebrado pelos recorrentes (cfr. al. c) do artigo 3.º do Decreto-Lei nº 74-A/2017), mas sim para os demais mutuários abrangidos por esta acção, que não tenham beneficiado das mesmas condições oferecidas aos empregados.

Antes de prosseguir, cumpre recordar que a Lei n.º 57/2020, de 28 de Agosto, veio alterar a al. a) do n.º 2 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 74-A/2017, que passou a ter a seguinte redacção: “2. O mutuante pode exigir ao consumidor que: a) Abra ou mantenha aberta uma conta de depósito à ordem, caso em que o mutuante deve aceitar uma conta numa instituição que não a sua”. A entrada em vigor da Lei n.º 57/2020 está prevista para 1 de Janeiro de 2021 (cfr. artigo 8.º, rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 38/2020, de 7 de Outubro). Este novo regime não será aplicável aos contratos excluídos do âmbito do Decreto-Lei n.º 74-A/2017, por não ter havido qualquer alteração nesse sentido.


8. O pedido de reenvio correspondente ao processo C-778/18, Association Française des Usagers de Banques v. Ministre de l’Économie et des Finances, foi formulado pelo Conselho de Estado francês, em formação jurisdicional, e uma das questões colocadas foi a de saber se “As disposições do artigo 12.°, n.° 2, alínea a), da Diretiva [2014/17/UE], tendo em conta nomeadamente a finalidade que conferem à conta de pagamento ou de poupança cuja abertura ou manutenção permitem, ou as disposições do [artigo 12.°, n.° 3, desta diretiva] autorizam, por um lado, o mutuante a impor ao mutuário, em contrapartida de um benefício individualizado, a domiciliação da totalidade dos seus rendimentos salariais ou equiparados numa conta de pagamento por um período fixado pelo contrato de empréstimo, independentemente do montante, dos prazos e da duração do empréstimo, e, por outro, que a duração do período assim fixada possa atingir dez anos ou, se for inferior, a duração do contrato?”.

Como é bom de ver, esta questão apresentada ao Tribunal de Justiça não coincide totalmente com as questões definidas pelos recorrentes nesta acção. No entanto, uma e outras colocam a mesma questão essencial de saber em que condições, no âmbito do crédito imobiliário concedido a consumidores, é legítimo ao mutuante exigir a abertura ou manutenção de uma conta de pagamento associada ao crédito, implicando a interpretação da al. a) do n.º 2 e do n.º 3 do artigo 12.º da Directiva, em relação com o respectivo n.º 1.

Em breve síntese, convém recordar que a Directiva n.º 2014/17/UE, cujo objectivo último foi o de garantir aos consumidores um nível de protecção elevado e equivalente nos diversos Estados-Membros, assim contribuindo para o correcto funcionamento do mercado interno, partiu da verificação, no que agora está em causa, de que se encontravam “diferenças substanciais nas legislações dos vários Estados-Membros no que diz respeito às normas de conduta na concessão de contratos de crédito para imóveis de habitação (…). Essas diferenças criam obstáculos que restringem o volume da actividade transfronteiriça, tanto do lado da oferta como da procura, reduzindo assim a concorrência e as opções de escolha disponíveis no mercado (…)” (considerando 2).

Para o efeito, a Directiva definiu regras de harmonização máxima e regras que permitiam aos Estados-Membros a introdução de “disposições mais restritivas para a protecção dos consumidores” (cfr. artigo 2.º), entre as quais se encontram as que constam do artigo 12.º, relativas às condições nas quais se deve desenrolar “a prática corrente” de “os mutuantes oferecerem aos consumidores um conjunto de produtos ou serviços que podem ser adquiridos juntamente com o contrato de crédito”, prática que pode “beneficiar os consumidores”, mas que também “poderá comprometer a mobilidade destes e a sua capacidade para fazerem escolhas informadas” (considerando 24).

No n.º 1 do artigo 12.º estabeleceu a regra de que “Os Estados-Membros autorizam as vendas associadas facultativas mas proíbem as vendas associadas obrigatórias”. Segundo as definições constantes do artigo 4.º, n.ºs 26 e 27, considera-se “«Venda acessória obrigatória», a disponibilização ou a proposta de um contrato de crédito em conjunto com outros produtos ou serviços financeiros distintos, não sendo o contrato de crédito disponibilizado ao consumidor separadamente” (n.º 26) e “Venda associada facultativa», a disponibilização ou a proposta de um contrato de crédito em conjunto com outros produtos ou serviços financeiros distintos, sendo o contrato de crédito também disponibilizado ao consumidor separadamente, mas não necessariamente nos mesmos termos e condições em que é proposto quando associado aos serviços acessórios” (n.º 27).

Como derrogação à proibição das vendas associadas obrigatórias, a al. a) do n.º 2 veio permitir que os Estados-Membros exijam que o consumidor (ou um familiar, ou “alguém que lhe seja próximo”) “abra ou mantenha uma conta de pagamento ou uma conta poupança, cuja única finalidade seja a acumulação de capital destinado a reembolsar o capital do crédito, pagar os juros do crédito, juntar recursos a fim de obter o crédito ou constituir uma garantia suplementar para o mutuante em caso de incumprimento”.

Considerando que esta alínea a) “constitui uma excepção/derrogação à regra geral prevista no artigo 12.º, n.º 1 (…), deve, por força da jurisprudência constante do Tribunal  de Justiça, ser objecto de uma interpretação estrita [v., por analogia, Acórdão de 22 de janeiro de 2020, Pensionsversicherungsanstalt (Cessação de atividade depois da idade legal de reforma), C‑32/19, EU:C:2020:25, n.° 38 e jurisprudência referida]” e que deve ser interpretada à luz dos objectivos de protecção do consumidor e, nomeadamente, da respectiva capacidade de escolha e mobilidade, o Tribunal concluiu que “a possibilidade de os Estados Membros autorizarem os mutuantes a realizar vendas associadas obrigatórias tem por único objetivo o de alcançar pelo menos um dos três objetivos enunciados no artigo 12.°, n.° 2, alínea a), da Diretiva 2014/17”. Considerou, por isso, que o regime de direito francês que estava em causa, relativo à permissão, aos mutuantes, da exigência de domiciliação da totalidade dos rendimentos do mutuário numa conta de pagamento, não era em princípio contrário aos objectivos previstos na citada al. a) do n.º 2 do artigo 12.º; mas que a desconsideração das características do empréstimo – montante, prazo, duração – o tornava desproporcionado, à luz da letra e dos objectivos prosseguidos pela Directiva e, portanto, a contrariava.

O acórdão do Tribunal  de Justiça conduz a ter que interpretar a possibilidade da exigência de abertura ou manutenção de uma conta de pagamento, constante da al. a) do n.º 2 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 74-A/2017 (“2. O mutuante pode exigir ao consumidor que a) Abra ou mantenha aberta uma conta de depósito a ordem”), no sentido de que é legítima tal exigência, desde que tenha como único objectivo o de alcançar pelo menos um dos três objetivos enunciados no artigo 12.°, n.° 2, alínea a), da Diretiva 2014/17”.

Conclui-se, assim, que, à luz do regime ainda em vigor, o Banco pode exigir a abertura ou manutenção de uma conta de depósito à ordem, como meio de acumular capital para reembolso do capital do crédito, de pagar os respectivos juros ou de constituir uma garantia suplementar em caso de incumprimento. Assim sendo, entende-se que respeita estas exigências uma cláusula contratual que obrigue o mutuário a manter a conta provisionada para o efeito de pagamento das prestações associadas ao crédito, por exemplo, pois respeita a finalidade da exigência e a regra da proporcionalidade, ao limitar ao efeito de pagamento e/ou de garantia do crédito a exigência do provisionamento e, portanto, do depósito.

Naturalmente que esta necessária interpretação não impede a utilização voluntária da mesma conta para outros fins, como vem provado que sucede (ponto 58 dos factos provados), nem o provisionamento voluntário em montantes superiores ao necessário para o efeito de pagamento ou de garantia do crédito; a exigência permitida ao mutuante é que tem como limite um dos três objectivos enunciados, todos eles relacionados com a protecção do pagamento das prestações relativas ao mútuo.

Não se procede portanto ao reenvio pretendido pelos recorrentes: quanto aos próprios, porque estão fora do âmbito da Directiva 2014/17/UE; quanto aos demais, porque o acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia de 15 de Outubro a veio interpretar num caso análogo, em termos aplicáveis ao presente.

9. Os recorrentes alegam que pretenderam encerrar a conta de depósito à ordem associada ao crédito mas que o Banco réu os impediu, não obstante terem oferecido meios idóneos de pagamento e que, no início de 2012, passou a cobrar “comissão mensal de manutenção de tal conta” (concl. 22.ª); e que os demais mutuários também não “podem ser impedidos de encerrar e colocar termo aos seus contratos D.O., desde que indiquem outra conta ou ofereçam outro meio idóneo de pagamento” (concl. 25.ª).

Alegam ainda que, ao passar a cobrar comissões de manutenção “que não existiam na altura do contrato DO, não existiam no contrato CH, de forma unilateral, sem hipótese de negociação, aumentando as mesmas discricionariamente (…)” (concl. 28.ª), em contas a que “os clientes estão amarrados” (concl. 26.ª), o Banco réu “incorre em prática comercial desleal, violadora da concorrência e em abuso de direito” (concl. 27.ª).

No que respeita à manutenção da conta de depósito à ordem a que foram associados os contratos de mútuo, o regime aplicável aos mutuários que não tenham celebrado os contratos nas condições especiais concedidos aos colaboradores já foi referido; quanto aos autores (e eventualmente outros interessados com contratos igualmente excluídos do âmbito de aplicação do Decreto-Lei n.º 74-A/2017 nos termos da al. c) do respectivo artigo 3.º), cumpre verificar que o que vem provado é que o Banco se mostrou “disponível para analisar a substituição da conta associada ao crédito à habitação por outra e nomeadamente por outra que estivesse isenta de comissão de manutenção”– cfr. ponto 55 dos factos provados, não sendo possível partir de pressupostos de facto que não ficaram demonstrados – e que consta do contrato de mútuo que o reembolso se fará por dedução no vencimento ou por débito em conta de depósitos à ordem que, para o efeito, os mutuantes “se comprometem a ter devidamente provisionada” (cláusula 5.ª, fls. 120). Não se encontra fundamento para a invalidade de tal cláusula, cuja razão de ser se encontra facilmente (protecção do crédito), sendo certo que a obrigação quantitativamente assumida pelos mutuários foi a de a ter devidamente provisionada “para o efeito”, não sendo portanto uma obrigação desproporcionada ao fim tido em vista.

Quanto à cobrança de comissão de manutenção da conta D.O., a prova não permite concluir que as referidas contas não são utilizadas pelos mutuários para outros fins, antes pelo contrário, o que impede que se considerem as comissões cobradas como encargos do crédito, ou que se saiba em que medida assim devem ser havidas – cfr. pontos 51, 52, 53 e 58 e 60 –, o que seria indispensável para apreciar os pedidos deduzidos pelos autores.

Finalmente, cumpre recordar que, como se observa na sentença recorrida, o n.º 3 do artigo 22.º da Lei das Cláusulas Contratuais Gerais, o Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, não considera nulas as cláusulas que “c) Atribuam a quem as predisponha o direito de alterar unilateralmente os termos do contrato (…)”, se relativas a “a) (…) transacções referentes a valores mobiliários ou a produtos e serviços cujo preço dependa da flutuação de taxas formadas no mercado financeiro”.

10. No que respeita aos recorrentes, o regime aplicável ao tempo da celebração do mútuo, no que toca ao meio de pagamento das respectivas prestações e juros, estava (e está) definido no Regulamento do Crédito à Habitação, para o qual remete o Acordo Colectivo de Trabalho para o Sector Bancário (fls. 151 e segs.). Como resulta da cláusula 5ª do contrato de mútuo, junto a fls. 119, como acabou de se recordar, “de acordo com a opção expressa pelos mutuários e conforme o disposto no artigo décimo primeiro do Regulamento”, os correspondentes montantes serão deduzidos mensalmente no vencimento do empregado ou debitados em sua conta de depósitos à ordem que, para o efeito, se comprometem a ter devidamente provisionada”.

No acordo relativo à revogação do contrato de trabalho (junto a fls. 303 e segs., cláusula 4.ª), o Banco assegurou “a manutenção das condições contratualmente em vigor” quanto ao crédito à habitação. Nesta manutenção inclui-se o acordo quanto às condições de pagamento, ressalvada a dedução no vencimento. Note-se que, se fosse aplicável o regime definido pelo Decreto-Lei n.º 74-A/2017, devia entender-se que o Banco poderia exigir a manutenção de uma conta de depósito à ordem com este compromisso de estar devidamente provisionada para efeitos de pagamento do mútuo, não havendo qualquer norma que, para os empregados da entidade mutuante que beneficiaram das condições privilegiadas de concessão de crédito à habitação, impeça a exigência de manter uma conta com a finalidade de proteger o pagamento do crédito. O n.º 6 do artigo 9.º da Lei de Defesa do Consumidor, a Lei n.º 24/96, de 31 de Julho, não é aplicável aos contratos de crédito imobiliário, que têm um regime especial – e dele não poderia resultar um regime mais favorável para o consumidor que é afastado desse regime especial por ser empregado do mutuante e, por esse motivo, beneficia de condições especiais no custo do crédito, por confronto com a generalidade dos mutuários.

Note-se, aliás, que, como os recorrentes voltam a lembrar nas alegações de recurso, a conta de depósitos à ordem foi aberta por contrato celebrado dois anos antes do contrato de mútuo, sendo contratos “independentes”, associados por acordo das partes.


11. Os recorrentes sustentam ainda:

   – Que o contrato de mútuo celebrado com os recorrentes“ não inclui qualquer informação pelos encargos a suportar, ainda que em data futura, com a conta DO (ponto 9 dos factos provados", sendo certo que o Decreto-Lei n.º 74-A/2017 reforçou os deveres de informação a cargo do Banco, “que não foram cumpridos quanto aos AA. e decerto quanto a muitos consumidores em iguais circunstâncias”.

   Não se questiona que, quer a Directiva 2014/17/UE, quer o Decreto-Lei n.º 74-A/2017, conferem ao dever de informação “carácter nuclear (…) na relação entre o profissional e o consumidor” (Sandra Passinhas, O Novo Regime do Crédito aos Consumidores para Imóveis de Habitação, disponível em http://www.sandrapassinhas.com/pdfs/edc14.pdf, pág 446), nomeadamente ao dever de informação prévia à conclusão do contrato; nem que a informação a prestar – que deve ser completa, verdadeira, actualizada, clara, objectiva e adequada aos conhecimentos do concreto consumidor (artigo 8.º) –, tem de fornecer os dados necessários ao cálculo da TAEG, entre os quais figuram os encargos com a abertura e manutenção de uma conta específica, se for exigida (cfr. artigo 15.º).

A TAEG corresponde ao “custo integral do crédito para o consumidor”, permitindo-lhe conhecer esse custo e compará-lo com outras ofertas (José Engrácia Antunes, Direito do Consumo, Coimbra, 2019, pág. 211).

    Sucede é que não foi feita prova de terem ou não sido cumpridos os deveres de informação relativamente aos mutuários a quem o Decreto-Lei n.º 74-A/2017, regulamentado pelo Aviso n.º 5/2017 do Banco de Portugal, for aplicável, nomeadamente quanto ao ponto agora em causa – informações a prestar previamente à celebração do contrato (artigo 15.º e segs.), quanto ao cálculo da TAEG, nela incluídos “Os custos de abertura e manutenção de uma conta específica”, como se viu.

      Quanto aos recorrentes, está provado que essa informação não consta do contrato de mútuo (ponto 9. da matéria de facto provada). Todavia, por um lado, vem provada a razão pela qual não eram devidas comissões de manutenção pela conta de depósitos à ordem, aberta dois anos antes da celebração do mútuo – por nela estar domiciliado o pagamento do seu ordenado (pontos 14 e 15); e, por outro, resulta do regime geral definido pelo citado Regulamento do Crédito à Habitação para o Sector Bancário que, em caso de revogação do contrato de trabalho, se torna exigível o reembolso imediato da dívida (artigo 19.º) – Regulamento para o qual o contrato de mútuo expressamente remeteu. Ou seja: o contrato foi celebrado num quadro de isenção de comissões de manutenção da conta de depósitos à ordem e de exigência de reembolso do empréstimo se viesse a cessar a relação de emprego com o Banco.

Note-se, ainda que, entre os factos definitivamente não provados, figura o de “que a celebração do Contrato DO e a consequente abertura de Conta DO” se tenha dado “por imposição da R para que o 1.º A. pudesse passar a receber o ordenado pelo trabalho prestado à R.”.

   Estas circunstâncias, acompanhadas da falta de prova de dados de facto que possibilitem uma diferente conclusão, excluem os fundamentos invocados pelos recorrentes para sustentarem que o Banco incorreu em prática comercial desleal, abuso de direito ou infracção das regras da concorrência.

Vem ainda provado que passaram a ser cobradas aos recorrentes comissões de manutenção da conta de depósitos à ordem (2014, ponto 44) e que, em cumprimento do Aviso n.º 8/2009 do Banco de Portugal “e demais legislação aplicável”, o Banco “fez publicar pelos meios legalmente impostos, isto é, por afixação em todas as sucursais e locais de atendimento, no site da internet e no site do Banco de Portugal os preçários” nomeadamente relativos às comissões de manutenção das contas bancárias; e que, relativamente aos recorrentes, comunicou ao autor “as alterações ocorridas desde a cessação do vínculo laboral nos extractos que mês após mês lhe enviou” (ponto 47).

O Aviso n.º 8/2009 foi aprovado com fundamento no Decreto-Lei n.º 220/94, de 23 de Agosto, diploma em vigor à data da celebração do contrato de mútuo e que ainda se mantém em vigor, e que “Estabelece o regime aplicável à informação que as instituições de crédito devem prestar aos seus clientes em matéria de taxas de juro e outros custos das operações de crédito”.

Recorde-se que o Decreto-Lei n.º 51/2007, de 7 de Março, invocado na petição inicial como fundamento do dever de informação, se encontra revogado pelo Decreto-Lei n.º 74-A/2017 e, de qualquer forma, é posterior à celebração do contrato de mútuo; e que a já referida Lei n.º 57/2020, alterando o Decreto-Lei n.º 133/2009 e o Decreto-Lei n.º 74-A/2017, vem proibir o mutuante, no âmbito de contratos de crédito contraído por consumidores, de cobrar comissões associadas ao processamento das prestações de crédito ou cobradas com o mesmo propósito, quando o processamento for realizado pela instituição de crédito credora (artigos 3.º e 5.º);

– Que “nunca teriam tomado a decisão de celebrar” o “contrato CH, pelo menos não nos moldes em que o mesmo foi estabelecido”, apesar de se tratar “de um contrato de adesão”. Invocando o disposto no artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 57/2008, de 26 de Março, afirmam poder “suscitar a invalidade da cláusula do contrato”, reduzindo-o “apenas ao seu conteúdo válido” (concl. 47.º).

Não vem provado que os recorrentes não teriam celebrado o contrato ou, pelo menos, nos termos em que o fizeram, o que impede a consideração de tal regime.

12. Os recorrentes sustentam ainda que o artigo 20.º da Lei n.º 83/95, ao abrigo do qual foi proferida a condenação em custas pela sentença recorrida, se encontra revogado pelo Regulamento das Custas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, sendo antes aplicável o disposto na al. b) do n.º 1 do respectivo artigo 4.º, conjugado com o n.º 5: a parte que exerça o seu direito de acção popular está isenta de custas, salvo se o pedido for julgado “manifestamente improcedente”, caso em que é responsável “nos termos gerais”.

    Os recorrentes têm razão, pois é este último o regime aplicável.


  13. Aqui chegados, resta concluir pela improcedência da acção popular, quer em relação aos recorrentes, quer quanto aos demais interessados, tal como vêm definidos pelos autores da acção. Improcedem os pedidos formulados a título principal ou subsidiário.


     Assim, nega-se provimento ao recurso, excepto no que toca à condenação em custas.

       Sem custas (al. b) do n.º 1 do artigo 4.º, conjugado com o n.º 5, do Regulamento das Custas Processuais).


A relatora atesta que os adjuntos, Conselheiro Olindo dos Santos Geraldes e Maria do Rosário Correia de Oliveira Morgado, votaram favoravelmente este acórdão, não o assinando porque a sessão de julgamento decorreu em videoconferência.


Lisboa, 12-11-20


Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (Relatora)