Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
05B840
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: OLIVEIRA BARROS
Descritores: NULIDADE DA DECISÃO
FUNDAMENTAÇÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
OMISSÃO DE FORMALIDADES
ACÇÕES
VALOR
PROCEDIMENTOS CAUTELARES
PREJUÍZO SÉRIO
CAUÇÃO
Nº do Documento: SJ200505120008407
Data do Acordão: 05/12/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 6179/03
Data: 01/27/2004
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Sumário : I - A al.b) do nº1º do art.668º CPC só se reporta à falta absoluta da fundamentação de direito, e não também à sua eventual sumariedade ou erro.

II - Não deve também confundir-se a omissão do conhecimento das questões propostas por quem recorre prevenida na al.d) do nº1º do art.668º CPC com o não conhecimento de alguns dos argumentos utilizados pelas partes para defender as respectivas teses ou pontos de vista.

III - Quando em causa participações sociais em sociedades de capitais, ou seja, em estruturas em que prevalece o interesse económico, é de rejeitar a proposição de que " os direitos sociais inerentes a uma participação societária consubstanciam direitos ao desenvolvimento da personalidade ", pois não mais consubstanciam, nesse caso, que a detenção de um valor patrimonial, não envolvendo efectivamente a titularidade de acções valores humanos atendíveis.

IV - No valor patrimonial das acções inclui-se o de todos os direitos que lhes são inerentes, tanto dos direitos patrimoniais, como dos direitos sociais ou administrativos, por igual reduzíveis a dinheiro. Daí que o valor do dano resultante da privação de acções seja, na realidade, correspondentes ao valor das mesmas.

V - As providências cautelares tendentes a evitar um prejuízo de natureza patrimonial podem sempre ser substituídas por caução
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


Desencadeada pela "A", Sociedade Gestora de Participações Sociais, S.A., operação tendente à aquisição, ao abrigo do art.490º, nº1º, CSC, do domínio total da B - Sociedade Gestora de Participações Sociais, S.A., houve oposição de pequenos accionistas, que vem dando lugar a vários processos. No que ora interessa :

Dois desses accionistas requereram e obtiveram providência cautelar não especificada, decretada em 17/11/97, que ordenou àquela SGPS ( e a outros - BFE ( ora BPI ) Dealer, BPSM, e Inter-bolsa ) que se abstivessem de subtrair ( sic ) das contas dos então requerentes as acções da B de que eram titulares e de praticar qualquer acto que impedisse ou dificultasse o exercício dos direitos sociais inerentes a essas acções.

Mantida essa providência cautelar em 10/9/98, esta decisão foi confirmada por acórdão deste Tribunal de 1/4/2001.

Em 19/4/99, a A, Sociedade Gestora de Participações Sociais, S.A., apresentou, ao abrigo do art. 387º, nº3º, CPC, requerimento de substituição da predita providência cautelar por caução.

A acção ordinária de que esse procedimento cautelar e estes autos de prestação espontânea de caução constituem apensos foi julgada por sentença de 22/2/2000, que declarou nula a escritura pública de aquisição das acções efectuada pela requerente da caução, lavrada em 16/10/95.

Essa sentença foi objecto de recurso de apelação, com efeito suspensivo.

Em 13/11/2001, o requerimento de admissão da prestação de caução apresentado pela predita SGPS foi, na 5ª Vara Cível (1ª Secção ) da comarca de Lisboa, indeferido.

Por acórdão de 8/4/2003, o Tribunal da Relação de Lisboa julgou procedente o recurso de agravo que a requerente da caução interpôs dessa decisão. Discorreu para tanto assim:

Na esteira de parecer do Prof. Raúl Ventura a fls.50 e 51 dos autos, distinguiu, nos direitos inerentes às participações sociais, os direitos patrimoniais, que habilitam os sócios a exigir uma prestação em dinheiro ou outros valores, como é o caso do direito aos dividendos e ao saldo de liquidação, e o de preferência na aquisição de acções ou de obrigações convertíveis em acções, e os direitos administrativos ou de soberania, que habilitam os sócios a intervir na vida social, como é o caso do direito de voto, do direito à informação, do direito de ser eleito para um órgão social, e do direito de impugnação de deliberações sociais. Citando-o, adiantou que a acção é um bem patrimonial que agrega e consubstancia todos esses direitos, que representa. Dela não separáveis, os preditos direitos administrativos são já tomados em conta no valor da acção.

Pacífico este outro ponto, quando destinadas a evitar prejuízos de natureza patrimonial, as providências cautelares podem ser sempre substituídas por caução.

Daí a solução então alcançada, o sobredito acórdão revogou a decisão recorrida e ordenou a sua substituição por outra que admita a caução requerida.

É contra tal que os requerentes da providência aludida, C e D, reagem com este recurso.

Deduzem, a final da alegação respectiva, as conclusões que seguem, sendo do CPC todas as disposições citadas ao diante sem outra indicação :

1ª - Em violação do art. 660º, nº2º, o acórdão impugnado é nulo por omissão de pronúncia sobre todas as questões propostas na alegação dos agravados, sintetizadas nas conclusões respectivas.

2ª - E também por falta absoluta de fundamentação de direito, em violação do art. 158º, nº1º, interpretado em conformidade com o art. 205º, nº1º, da Constituição.

3ª - O acórdão impugnado viola a norma do art. 990º, uma vez que a causa em que se pretende a prestação de caução já não está pendente, encontrando-se definitivamente julgada, pelo que a directiva dada ao tribunal de 1ª instância é inexequível.

4ª - A norma extraída do art. 387º, nº3º, é inconstitucional, por violação das normas dos arts. 18º, nºs 1º e 2º, 26º, nº1º, 46º, nº1º, 61º, nº1º, 201º, nºs 1º e 2º, e 282º, nº3º, da Constituição, esta última interpretada em conjugação com a do (predito) art. 990º.

5ª - A norma do segundo segmento do art. 156º, nº1º, é inconstitucional quando extensiva a decisões em que tenha sido feita aplicação de norma inconstitucional.

6ª - O acórdão impugnado violou a norma do art. 312º e fez aplicação errada do art. 305º, nº1º.

Houve contra-alegação da SGPS recorrida, e, corridos os vistos legais, cumpre decidir.

A matéria de facto a ter agora em conta é a já enunciada na parte deste acórdão que precede a transcrição das conclusões da alegação dos recorrentes. Lembrado o princípio de utilidade subjacente ao art. 137º, resulta desnecessário repeti-la.

Como decorre dos arts. 684º, nºs 2º a 4º, e 690º, nºs 1º e 3º, o âmbito ou objecto deste recurso encontra-se circunscrito às questões propostas nas conclusões da alegação de quem recorre.

As questões a resolver são, por isso, como referido na contra-alegação da recorrida, estas :

1ª - nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia e falta de fundamentação de direito ;

2ª - violação do art. 990º, por já não estar pendente a causa em que se pretende prestar caução ;

3ª - aplicação de normas inconstitucionais ;

4ª - violação do art. 312º e errada aplicação do art. 305º.

Reportado aos arts. 660º, nº2º, e 668º, nº1º, al.d), o início da alegação dos ora recorrentes abstrai de que, como já referido e os nossos tribunais superiores vão quotidianamente fazendo notar, o âmbito ou objecto dos recursos, é, em princípio, delimitado ou definido pelas conclusões da alegação de quem recorre. Isso mesmo se apura, como dito, do disposto nos arts. 684º, nºs 2º a 4º, e 690º, nºs 1º e 3º.

Com ressalva apenas do que for de conhecimento oficioso, assim necessariamente circunscrito o âmbito ou objecto do recurso da então agravante, ora agravada, de que se conheceu no acórdão impugnado, pelas conclusões da alegação respectiva, só nos termos do art. 684º-A, podia ter sido - mas não foi - ampliado.

Como assim, e em resposta à retórica interrogação dos agravantes sobre se no entender do tribunal são parte, basta responder singelamente que sim, mas, mais, também, que, a exemplo de toda e qualquer parte em todo e qualquer processo, se encontram sujeitos aos preceitos da lei adjectiva acima mencionados. Por outro lado :

Despropositada a invocação, também no texto da alegação dos recorrentes, do art.4º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, é, isso sim, cogente, quanto à natureza e efeito do recurso, o disposto no nº3º do art. 700º.

Mais relevando o disposto no art. 708º, é, em todo o caso, de recordar ainda que o art. 691º se refere à sentença final.

Não pode, de todo o modo, transformar-se em omissão de pronúncia eventual erro relativo à natureza e efeito do recurso interposto pela antes agravante.

Inexiste, enfim, a reclamada nulidade prevenida na al.d) do nº1º do art. 668º.

Trata-se, aliás, de vício não propriamente relativo à não apreciação dos documentos (meios de prova) com que as partes instruem o processo, mas sim à omissão do conhecimento das questões propostas por quem recorre. E são os próprios recorrentes que reconhecem (1) ter-se emitido, no acórdão impugnado, julgamento sobre a suficiência da caução oferecida para reparar integralmente a lesão que as providências decretadas visavam prevenir.

Com apoio na doutrina de Alberto dos Reis, " Anotado ", V, 54, e de Rodrigues Bastos," Notas ao CPC ", III, 3ª ed. ( 2001 ), 195-5., a jurisprudência tem esclarecido repetidamente não deverem confundir-se as questões a resolver - e é sobre tal que o tribunal deve pronunciar-se - com os argumentos utilizados pelas partes para defender as respectivas teses ou pontos de vista, como é designadamente o caso dos sucessivamente apoiados na natureza escritural, regime jurídico e bloqueio das acções em referência.

A decisão ora impugnada tem, por último, necessariamente implícito um juízo de legalidade do objectivo do processo de prestação de caução, da possibilidade, ainda, e da adequação e eficácia desta. Do mesmo modo, pois que não se lhe refere, não tendo o tribunal considerado ocorrer má fé, nem contradição alguma com decisão anterior, ou a inconstitucionalidade de norma nele aplicada.

Basta, por outro lado, a simples leitura do resumo do acórdão recorrido adiantado no relatório deste para concluir pela falta de razão da arguição da nulidade prevista na al. b) do nº1º do art. 668º, na vertente alegada, que é a falta de fundamentação de direito. E tal assim, nomeadamente, no que respeita à natureza (patrimonial) dos direitos sociais tutelados pelas providências decretadas, questão esta expressamente desenvolvida nesse acórdão. Quanto a disposições legais, o acórdão recorrido cita os arts. 305º e 387º, nº3º.

A este respeito, a doutrina ( Reis, ob. e vol. cits, 140, Rodrigues Bastos, ob., vol. e ed. cits, 193, Anselmo de Castro, " Direito Processual Civil Declaratório ", III. 141, Antunes Varela e outros, "Manual de Processo Civil", 2ª ed., 687 ) e a jurisprudência ( v., por último, Ac.STJ de 14/4/99, BMJ 486/250-10.) têm feito notar que não deve confundir-se a eventual sumariedade ou erro da fundamentação de direito com a sua falta absoluta - só a esta última se reportando a alínea referida. Ainda :

Pendente a acção principal até trânsito em julgado da decisão final respectiva, e subsistentes até essa altura as providências decretadas, está-se sempre, até esse momento, em tempo de, havendo nisso interesse, as substituir por caução. O que tudo, aliás, realmente se disse já no acórdão a fls. 248 vº ( último par. ) - 249 ( 1º par.), que transitou em julgado, como observado na contra-alegação da ora agravada ( então também agravante ).

Estando em causa participações sociais em sociedades de capitais, ou seja, em estruturas em que prevalece o interesse económico, a adequação da garantia oferecida não sofre dúvida, sendo, em relação a esse tipo ou espécie de sociedades, claramente de rejeitar a proposição de que " os direitos sociais inerentes a uma participação societária consubstanciam direitos ao desenvolvimento da personalidade (") ".

Não mais consubstanciando que a detenção de um valor patrimonial, não se vê que a titularidade de acções envolva efectivamente valores humanos atendíveis.

Como em contra-alegação se reitera ( respectiva pág.9, a fls.485 dos autos ), no valor patrimonial das acções inclui-se o de todos os direitos que lhes são inerentes. É esse o caso tanto dos direitos patrimoniais, como dos direitos sociais ou administrativos, por igual reduzíveis a dinheiro . Daí que o valor do dano resultante da privação de acções seja, na realidade, correspondente ao valor das mesmas.

Cai, deste modo, por sua insubsistente base a arguição de inconstitucionalidade deduzida pelos agravantes.

Provisória, por sua natureza, a decisão que decretou as providências aludidas, e sendo a própria lei que consente a sua substituição por caução, obviamente inexiste a violação de caso julgado arguida. Nem também se mostra transitada em julgado a sentença da acção principal.

Não aplicada nenhuma norma inconstitucional - designadamente não o sendo o art. 387º, nº3º, também não ocorre a pretensa inconstitucionalidade do art. 156º, nº1º. E nem, de facto, como em contra-alegação (respectiva pág. 15, a fls. 491 dos autos) se obtempera, o acórdão recorrido se referiu especificamente a este último preceito, ainda menos interpretando-o com o sentido que os recorrentes por si mesmos conceberam.

É, de facto, pacífico, ainda, que as providências tendentes a evitar um prejuízo de natureza patrimonial podem sempre ser substituídas por caução (v., Rodrigues Bastos, ob., vol. e ed. cits, e aí citada jurisprudência, invocados pela ora recorrida ).

Nem com tal bulindo os arts 266º, nº1º, e 266º-A, é óbvio, mais, não ser ao tribunal que cumpre requisitar certidão que a própria parte possa obter.

Por último, e como decorre do já exposto, sem cabimento o art. 312º, e menos bem cabido também o art. 305º, nº1º, deve efectivamente atender-se ao valor da causa indicado pelas partes na conformidade do art. 313º, nº3º, al.d). Depreende-se, com efeito, dessa disposição ser esse o valor do prejuízo que com as faladas providências se pretendeu evitar - com tal, portanto, devendo coincidir o valor da garantia (art. 313º, nº2º).

De harmonia com quanto se vem de dizer, alcança-se a decisão que segue :

Nega-se provimento a este recurso, com custas pelos recorrentes.

Lisboa, 12 de Maio de 2005
Oliveira Barros,
Salvador da Costa,
Ferreira de Sousa.
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(1) Em B da alegação respectiva.