Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
03B1837
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: FERREIRA GIRÃO
Descritores: PODERES DA RELAÇÃO
PRESUNÇÕES JUDICIAIS
ACIDENTE DE VIAÇÃO
CULPA
ULTRAPASSAGEM
Nº do Documento: SJ200310020018372
Data do Acordão: 10/02/2003
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL GUIMARÃES
Processo no Tribunal Recurso: 1194/02
Data: 12/08/2002
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Sumário : I - A Relação pode com base nos factos apurados - e sem os alterar - lançar mão de presunções judiciais para completar e reforçar a fundamentação da decisão da 1ª instância;
II - Desencadeia o processo sinistral o condutor do veículo automóvel segurado na ré que inicia uma ultrapassagem a um tractor agrícola e logo regressa à sua mão de trânsito por, em sentido contrário e a cerca de dez metros, circular um outro veículo, que, por isso, teve de parar, fazendo com que o motociclo tripulado pelo autor e circulando com excesso de velocidade, lhe fosse embater na traseira;
III - Face ao descrito em II mostra-se correcta a fixação, feita pelas instâncias, de concorrência de culpas entre o condutor do automóvel segurado e o autor, condutor do motociclo, na proporção de 60% para o primeiro e de 40% para o segundo.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

"A" pede a condenação solidária das rés "Companhia de Seguros B, S.A." e "Companhia de Seguros C, S.A." a pagarem-lhe a indemnização de 3.636.240$00, com juros legais desde a citação, pelos danos que sofreu em consequência do embate ocorrido, no dia 24 de Outubro de 1997, pelas 14,30 horas, na EN 205-4, ao Km 14,2, Parada de Tibães, Braga, e em que foram intervenientes o motociclo HJ, pertencente ao autor e por este conduzido, o veículo de matrícula CM, seguro na "Companhia de Seguros B, S.A.", pertença de D e conduzido, sob as suas ordens e interesse, por E, e o veículo de matrícula XQ, seguro na "Companhia de Seguros C, S.A.", conduzido por e pertencente a F.
Alega ainda que:
- o XQ seguia no sentido Real - Tibães e o HJ no mesmo sentido, imediatamente atrás do automóvel;
- o CM circulava no sentido Tibães - Real e, quando o XQ lhe era visível, começou a ultrapassar um tractor que seguia à sua frente;
- devido a esta ultrapassagem, o condutor do XQ travou bruscamente, surpreendendo o autor, dando-se o embate entre a frente do seu motociclo (HJ) e a traseira do XQ.
Imputa, assim, a culpa pela eclosão do acidente aos condutores dos dois veículos automóveis.
Ambas as rés contestaram:
- a "Companhia de Seguros C, S.A.", alegando que o embate se deveu ao próprio autor, por circular com excesso de velocidade, e à ultrapassagem efectuada pelo CM;
- a "Companhia de Seguros B, S.A.", defendendo que o embate se deveu apenas ao autor, já que o seu segurado desistiu da ultrapassagem que iniciara.
Na resposta, o autor reiterou o petitório inicial.
Realizado o julgamento, foi proferida sentença que absolveu do pedido a ré "Companhia de Seguros C, S.A." e condenou a ré "Companhia de Seguros B, S.A." a pagar ao autor a quantia global de 10.202,41 euros (2.045.400$00), acrescida de juros de mora, à taxa de 10%, a contar da citação até integral pagamento.
Apelou desta sentença a ré "Companhia de Seguros B, S.A." para a Relação de Guimarães, que, em parcial provimento do recurso, alterou-a apenas quanto aos juros, fixando a taxa em 7%/ano, a partir da citação.

Insiste a mesma ré com o presente recurso, pedindo revista do acórdão da Relação, com as seguintes conclusões:
1. Nenhum dos factos provados permite atribuir qualquer grau de culpa ao condutor do veículo CM na ocorrência do embate entre os veículos HJ e XQ.
2. Com efeito, o XQ estava parado no momento do embate.
3. O condutor do XQ parou este veículo ao ver o CM a ocupar a sua mão de trânsito.
4. Simultaneamente, este veículo CM retomou a sua mão de trânsito, colocando-se novamente à retaguarda do tractor agrícola, quando viu à sua frente aquele XQ.
5. A manobra de ultrapassagem iniciada pelo CM - mas não continuada, nem concluída - não teve qualquer nexo causal com o embate do motociclo HJ no veículo XQ, já que não só não se sabe a que distância estava o HJ, quando tal aconteceu, como não se sabe sequer se o autor viu aquele veículo CM.
6. A única causa do embate foi a velocidade a que circulava aquele motociclo, entre os 60 e 70 Km/hora, em local em que não podia exceder os 40 Km/hora. Ou, então, além de tal facto, o de circular também à retaguarda do XQ sem observar a distância de segurança a que alude o artigo 18º, nº. 1 do C. da Estrada.
7. Circulasse o autor a 40 km/hora e teria evitado embater no XQ, que lhe era visível, já parado.
8. O douto acórdão recorrido decidiu com base em factos não provados.
9. Cometeu o lapso, nulidade, rectificável, de não inserir na fundamentação de facto a matéria factual constante da resposta ao quesito 12º dada pela Primeira Instância - artigos 667º, 716º e 721º do C.P.Civil.
10. E violou lei substantiva, no caso o disposto nos artigos 18º, 24º e 27º do Cód. da Estrada e 483º e 505º do C. Civil e ainda o acórdão uniformizador de jurisprudência (DR, de 27/6/02).

Contra-alegou o recorrido, defendendo a confirmação do julgado.
Corridos os vistos, cumpre decidir.

Os factos provados que relevam para a solução do recurso são os seguintes:
1º- Pelas 14,30 horas do dia 24/10/1997 ocorreu um acidente de viação na E.N. 205-4, ao Km 14,2, sito em Parada de Tibães - Braga, em que intervieram os veículos HJ, motociclo, conduzido pelo demandante, seu proprietário, CM, ligeiro de mercadorias, propriedade de D e conduzido por E e XQ, ligeiro de passageiros, conduzido pelo respectivo proprietário, F;
2º- O motociclo HJ circulava pela EN 205-4 no sentido Real - Tibães; o veículo ligeiro de passageiros XQ circulava pela EN 205-4 no sentido Real - Tibães, à frente do motociclo HJ; o veículo ligeiro de mercadorias CM pela mesma EN 205-4 no sentido Tibães - Real;
3º- Também no sentido Tibães - Real circulava um tractor agrícola;
4º- A demandada Companhia de Seguros "Companhia de Seguros B, S.A.", através do contrato de seguro, titulado pela apólice nº. 50.5492249, assumiu a responsabilidade civil emergente da circulação do veículo ligeiro de mercadorias CM, propriedade de D;
5º- O veículo ligeiro de mercadorias CM meteu-se a ultrapassar o tractor agrícola, praticamente no fim da recta, ocupando parte da metade esquerda da faixa de rodagem, atento o seu sentido de marcha;
6º- Nesse local, a estrada tem 6,30 metros de largura;
7º- Quando iniciou a ultrapassagem, ao condutor do CM já lhe era possível avistar o veículo XQ a circular em sentido contrário;
8º- Em face dessa manobra do ligeiro de mercadorias CM, o condutor do veículo ligeiro de passageiros XQ travou e parou;
9º- O demandante, condutor do motociclo HJ, circulava atrás do veículo ligeiro de passageiros XQ, pela metade direita da faixa de rodagem, atento o sentido Real - Tibães;
10º- Após o veículo XQ ter travado o autor também travou, indo embater com a parte da frente do motociclo na parte de trás do veículo ligeiro de passageiros XQ;
11º- O XQ circulava pela sua metade direita da faixa de rodagem a uma velocidade de cerca de 60 a 70Km/hora;
12º- O XQ encontrava-se a cerca de 10 metros de distância do CM, quando este iniciou a ultrapassagem do tractor;
13º- Ao avistar o CM a ocupar a metade direita da faixa de rodagem por onde circulava, a cerca de 10 metros de distância, o condutor do XQ foi obrigado a reduzir a velocidade e a parar para evitar a colisão frontal com o CM;
14º- Quando estava já parado, o XQ foi embatido pela frente do HJ, que circulava a uma velocidade de 60 a 70 Km/hora;
15º- A EN 205-4, o troço compreendido entre as freguesias de Real e Padim da Graça, e concretamente o local do acidente, atravessa localidades sinalizadas verticalmente e tem a bordejá-la, de ambos os lados, edifícios com habitações e estabelecimentos comerciais;
16º- No local do acidente, existia um sinal vertical proibitivo de se conduzir a mais de 40Km/hora;
17º- A estrada, no local do acidente, tem uma linha branca descontínua a dividi-la a meio, assinalada longitudinalmente no seu pavimento asfaltado;
18º- Antes de iniciar a ultrapassagem ao tractor, o CM circulava na metade direita, atento o sentido Tibães-Real, a uma velocidade inferior a 50 Km/hora;
19º- Ao deparar com o XQ em sentido oposto, a distância de cerca de 10 metros, o CM retomou a hemi-faixa direita, atento o seu sentido, colocando-se novamente atrás do tractor.

As duas questões que temos para resolver, consubstanciadas pelas conclusões do recorrente (artigos 684º, nº. 3 e 690º, nº. 1 do Código de Processo Civil), são:
1ª- OS FACTOS E A CULPA DOS CONDUTORES DO CM (SEGURADO NA RECORRENTE) E DO HJ (MOTOCICLO CONDUZIDO PELO AUTOR);
2ª- CONTAGEM DOS JUROS MORATÓRIOS FACE AO ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE 9/5/2002.
1ª QUESTÃO
A primeira instância decidiu ter havido concorrência de culpas pelo acidente dos autos entre o autor, condutor do motociclo HJ, e o condutor do ligeiro de mercadorias CM, segurado na seguradora "Companhia de Seguros B, S.A.", ora recorrente, na proporção de 40% para o primeiro e de 60% para o segundo, porquanto:
- o CM, infringindo ostensivamente a norma do nº. 1 artigo 35º do Código da Estrada, iniciou uma ultrapassagem de um tractor agrícola, invadindo a faixa esquerda da via quando, por esta em sentido contrário e a cerca de 10 metros, circulava um terceiro veículo (XQ), que, por isso, teve de travar e parar, tendo sido embatido na respectiva traseira pela frente do HJ, o qual seguia atrás do XQ;
- o HJ circulava a uma velocidade de 60-70 Km/hora, em manifesta infracção ao disposto no artigo 27 do Código da Estrada, o que o impediu de parar no espaço livre e visível à sua frente.
A atribuição da maior percentagem de culpa ao condutor do CM é justificada pelo julgador da 1ª instância pelo facto de ter sido ele quem desencadeou o acidente ao iniciar uma ultrapassagem, ocupando a faixa de rodagem contrária, quando por esta, a cerca de 10 metros, circulava o XQ, sendo indiferente que, ao ver este veículo, o condutor do CM tenha retomado a sua hemi-faixa.
«Ao invadir a hemi faixa esquerda naquelas circunstâncias, havia já desencadeado todo o processo causal conducente ao embate.» - conclui a sentença.
A Relação de Guimarães, através do acórdão sob recurso, homologou a repartição de culpas estabelecida pela 1ª instância e enfatizou a maior responsabilidade do condutor do CM, depois de tecer algumas considerações sobre os cuidados a ter na condução automóvel em geral e na execução da ultrapassagem em especial, e de explanar pormenorizadamente a ultrapassagem efectivada pelo CM, lançando mão, para tanto, de presunções judiciais e de ensinamentos de manuais técnicos para acrescentar novos factos aos apurados pela 1ª instância.

Concretamente, argumenta o acórdão a fls. 260:
«Antes de iniciar a ultrapassagem ao tractor, o CM circulava na metade direita, atento o sentido Tibães - Real, a uma velocidade não superior a 50 Km/hora; precisando de animar a sua viatura de maior velocidade para a consumação da manobra, o seu condutor - que conhecendo o local, até por força da proximidade à sua residência, sabia da aproximação de uma curva para a direita - terá necessariamente passado a circular a maior velocidade, cerca de 60 Km/hora.
A estas velocidades instantâneas relativas, o CM precisava de dispor de 216m e 13 segundos para conseguir a sua execução, regressando à faixa direita da via (cfr. Maurice Barisien, citado por Serra do Amaral, in Código da Estrada); mas já não tinha tempo nem espaço para a acabar em segurança, como se deu conta: é que entretanto, a cerca de 10 m aproximava-se, em sentido contrário, pela mesma faixa da estrada, o ligeiro XQ, logo seguido pelo motociclo HJ. E, perante a inevitabilidade do embate frontal, manobrando em emergência e com assinalável sucesso, o condutor do CM conseguiu travar e regressar à sua direita, limitando as consequências negativas da impensada e frustrada ultrapassagem; mas já não logrou evitar a determinante consequência do facto de, impensadamente, haver circulado pela sua faixa esquerda, pondo em escusado perigo a vida, integridade física e bens alheios; é que, mesmo tendo travado bruscamente, o HJ foi abalroar, na sua parte traseira, o XQ que também se imobilizara a evitar o embate certo naquele CM, assim sofrendo as sequelas acima descritas.
Lamentavelmente, foi a desatenção do condutor do CM que, iniciando a ultrapassagem e ocupando a parte esquerda da via, já quando o XQ se aproximava a pequeníssima distância (cfr. artº. 38º, nºs. 1 e 2-a) CE) - na iminência do embate frontal - logo seguido do HJ, que deu maior causa (60%) à sensata e eficaz travagem de ambos, embora com os inevitáveis danos corporais e materiais do A..
A ambos estes condutores, que seguiriam, mais ou menos, à velocidade do CM durante o período da tentativa de ultrapassagem do tractor agrícola - e, pois, a velocidade do HJ foi tida, parcialmente, em 40%, por causal do acidente - não era exigível que previssem ou adivinhassem a errada manobra do CM, sendo que seguiam atentos e só por isso reduziram o espectro das prováveis sequelas.
Com todo este circunstancialismo, bem se decidiu no sentido da maior concorrência de culpa do CM.».

O recorrente insurge-se contra estas considerações factuais, considerando que elas exorbitam da matéria fáctica dada como provada e que, por isso, o acórdão recorrido decidiu com base em factos não provados.
Mas não tem razão na sua crítica.
As presunções judiciais são, como se sabe, um meio legal de prova - artigos 349º e 351º do Código Civil.
A Relação, como instância final da fixação da matéria de facto, pode, com base nos factos provados - e desde que não os altere - lançar mão dos juízos de experiência, ou das considerações de probabilidade/razoabilidade para dar como provados outros factos, assim como tem toda a liberdade de emitir juízos de valor sobre a matéria de facto, alterando ou reforçando os que foram emitidos pela 1ª instância - cfr. Prof. Antunes Varela, RLJ, 122º-223.
Na lição deste Mestre, loc. cit., pag. 224, «... a Relação pode extrair ilações da matéria de facto dada como provada na 1ª instância, não para alterar as respostas do colectivo, mas para completar o julgamento da matéria de facto contido na decisão impugnada e até para corrigir ou rectificar a resposta que, com base nos factos apurados ..., tenha sido dada a qualquer questão de direito.».
Ora, foi exactamente isto que fez o acórdão sob crítica.
Sem modificar os factos apurados pela 1ª instância - o que só poderia fazer, como se sabe, nos casos excepcionais do nº. 1 do artigo 712º do Código de Processo Civil - os Exmos. Desembargadores que subscreveram o aresto, partiram desses factos para, com base nos juízos da experiência, em certos dados técnicos e nas regras de probabilidade e de razoabilidade, dar como provados outros (o CM teve que imprimir mais velocidade, cerca de 60 Km/hora para iniciar a ultrapassagem; o CM precisava de 216 minutos e 13 segundos para ultimar a manobra; o HJ travou bruscamente; os condutores do HJ e do XQ seguiriam, mais ou menos, à velocidade do CM durante o período da tentativa de ultrapassagem ao tractor agrícola e seguiam atentos).
E valoraram toda essa factualidade no sentido de reforçarem a fundamentação da decisão da 1ª instância no sentido de que a maior percentagem de culpa, pela eclosão do acidente, cabe ao condutor do CM.
Decisão esta que não nos merece qualquer censura.
Efectivamente, parafraseando a sentença da 1ª instância foi o condutor do veículo CM, segurado na ré, quem desencadeou todo o processo sinistral, por ter iniciado uma ultrapassagem a cerca de 10 metros de um veículo (o XQ) que circulava em sentido contrário.
É certo que logo arrepiou caminho, abortando a manobra e - apesar da curtíssima distância que o separava do XQ - conseguindo regressar à sua mão de trânsito.
Mas, ao contrário do que continua a defender a recorrente, este feliz regresso à sua mão de trânsito não exime o condutor do CM de ter sido o principal culpado, pois foi o seu inopinado e temerário aparecimento na faixa de rodagem por onde circulavam o XQ e logo atrás o HJ que determinou as travagens destes veículos e o embate deste na traseira daquele, embora tivesse ainda concorrido para este embate o excesso de velocidade com que circulava o HJ, tripulado pelo autor, ora recorrido.
É, assim, inquestionável que o condutor do CM violou o disposto nos artigos 53º, nº. 1 e 38º, nº. 1, al. a), ambos do Código da Estrada aprovado pelo DL 114/94, de 3 de Maio, e que o condutor do motociclo HJ (o autor-recorrido) infringiu o disposto nos artigos 24º e 27º do mesmo Código, tendo ambos concorrido, nas percentagens equilibradamente fixadas pelas instâncias - 60% para o condutor do CM, 40% para o condutor do HJ - , para a eclosão do embate.
Ainda sobre esta 1ª questão invoca a recorrente que o acórdão recorrido, na discriminação da matéria de facto, por um lado não inclui a resposta ao quesito 12º - «... quando estava parado o XQ foi embatido pela frente do HJ que circulava a uma velocidade entre 60 e 70 Km/h.» - e, pelo outro, repete os factos relatados nos nºs. 7 e 14 nos nºs. 9 e 16, respectivamente.
É verdade, mas como reconhece a própria recorrente, trata-se de meros lapsos, sem qualquer influência na decisão da causa e que apenas dão direito à sua rectificação, nos termos do artigo 249º do Código Civil - rectificação esta que, agora e para todos os efeitos, se determina, ao abrigo do artigo 667º, ex vi artigos 716º e 726º, todos do Código de Processo Civil.
Improcede, assim, a 1ª questão.
2ª QUESTÃO
No que concerne a esta questão alega a recorrente que, tendo em conta que a indemnização atribuída a título de danos patrimoniais e não patrimoniais se encontra actualizada e visto o acórdão uniformizador de jurisprudência do STJ, de 9/5/2002 (DR de 27/6/2002), os juros moratórios são devidos tão só desde a data da prolação da sentença e não desde a citação.
Em bom rigor estamos perante uma questão nova.
A recorrente não a suscitou, designadamente na apelação.
Nesta e quanto a juros a questão que suscitou foi tão só a relativa à taxa legal aplicável.
Nem o facto de o acórdão uniformizador invocado pela recorrente ter sido publicado já quando decorria o prazo de alegações da apelação poderá ser considerado justificação para a recorrente não ter incluído a questão nesse recurso.
Como é óbvio, a controvérsia à volta do tema já existia; o acórdão apenas lhe pôs termo.
Apesar disso, não deixaremos a questão sem resposta.
Prolatado em 9/5/2002 e publicado no DR I-A nº. 146, de 27/6/2002 o acórdão uniformizador em causa veio por termo à questão da cumulação, ou não cumulação da actualização da expressão monetária da indemnização no período compreendido entre a citação e o encerramento da discussão, por um lado, e o pagamento de juros correspondentes ao mesmo lapso de tempo, por outro, tendo sido adoptada a seguinte fórmula interpretativa:
«Sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do nº. 2 do artigo 566º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805º, nº. 3 (interpretado restritivamente) e 806º, nº. 1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação.».
Significa isto que, sempre que, fazendo apelo ao critério actualizador prescrito no artigo 566º, nº. 2 do Código Civil, o juiz atribuir uma indemnização monetária aferida pelo valor que a moeda tem à data da decisão da 1ª instância, não pode, sem se repetir, mandar acrescer a tal montante juros moratórios desde a citação, por força do disposto na 2ª parte do nº. 3 do artigo 805º, referido ao nº. 1 do artigo 806º.
Ora, no caso em presença, nem a 1ª instância, nem a Relação procederam à actualização das indemnizações fixadas - quer por danos patrimoniais, quer por danos não patrimoniais - com referência à data do encerramento da discussão da matéria de facto em 1ª instância ou à data da decisão.
Antes o que se verificou foi a 1ª instância ter apenas procedido - como se pode ler a fls. 207-208 - «à actualização com base na inflação atendendo apenas ao período que decorreu entre a data do acidente e a citação da R.» (o sublinhado é nosso).
Improcede, portanto e também, esta 2ª e última questão.
DECISÃO
Por todo o exposto nega-se a revista, com custas pela recorrente.

Lisboa, 2 de Outubro de 2003
Ferreira Girão
Luís Fonseca
Lucas Coelho