Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
155/05.8TTMTS.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: MÁRIO PEREIRA
Descritores: NULIDADE
SENTENÇA
PRINCÍPIO DA PLENITUDE DA ASSISTÊNCIA DOS JUÍZES
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 06/23/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário : I - As nulidades da sentença, taxativamente previstas no art. 668.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, traduzem-se em vícios intrínsecos ou internos da sentença e não em vícios ou irregularidades a ela exteriores.
II - Invocando o recorrente a legitimidade ou a competência da Mm.ª Juiz da 1.ª instância para a prolação da sentença – por não ter sido quem presidiu à instrução e discussão da causa, bem como à prolação da decisão da matéria de facto – torna-se evidente que o mesmo não questiona os termos ou o conteúdo dessa sentença, donde a insusceptibilidade de integração do vício que lhe aponta nas nulidades da sentença.

III - O princípio da plenitude da assistência dos juízes, estabelecido no art. 654.º, do Código de Processo Civil, sendo um dos corolários dos princípios da oralidade e da livre apreciação da prova, só tem aplicabilidade para a decisão sobre a matéria de facto.

IV - Daí que não integre qualquer vício processual o facto de a sentença ser proferida por um juiz diverso do que julgou a matéria de facto.

Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

I. O autor AA intentou, em 2 de Fevereiro de 2005, no Tribunal do Trabalho de Matosinhos, a presente acção declarativa de condenação contra a ré BB, Produtos Farmacêuticos, SA, pedindo que seja reconhecido que o A., em termos substanciais, foi ilicitamente despedido e que a R. seja condenada a pagar-lhe € 60.000,00, a título de indemnização por danos morais, e € 16.690,19, a título de remuneração por trabalho extra, acrescidos de juros de mora vencidos e vincendos.
Para tanto alegou, em síntese, que:
- Outorgou com a R. um acordo de revogação do contrato de trabalho, que foi induzido pela R. a aceitar, por esta se propor extinguir o seu posto de trabalho, o que afinal não correspondia à verdade, nem se veio a verificar, pelo que o que, na verdade, aconteceu foi um verdadeiro despedimento ilícito, por inexistência de adequada motivação;
- Da produção de efeitos daquele acordo advieram para o A. graves danos morais, cuja reparação exige da R;
- Apesar de ter ficado estipulado o pagamento de uma compensação pecuniária de natureza global pela cessação do contrato, a R. não lhe pagou todos os créditos que sobre ela detinha, nomeadamente os emergentes do trabalho suplementar, que não foram incluídos naquela compensação, relativamente aos quais não pode ser considerada válida a quitação dada no acordo de revogação, uma vez que tendo o mesmo sido celebrado ainda na pendência do contrato de trabalho, o A. se encontrava ainda numa situação de clara dependência da R. e que a declaração foi emitida num clima de manifesta intimidação.

A R. contestou.
Impugnou o alegado pelo A. quanto à motivação subjacente à revogação do contrato por mútuo acordo e à existência do trabalho suplementar invocado pelo A. e alegou que a compensação global estipulada no acordo de revogação incluía todos os valores devidos ao A..

No início da audiência de julgamento, foi proferido despacho a convidar o A. a corrigir o pedido formulado por se ter entendido que, previamente ao pedido de reconhecimento da ilicitude do despedimento, deveria pedir que se declarasse a nulidade ou anulabilidade do acordo de rescisão do contrato.

A R. agravou desse despacho, recurso que foi admitido com subida diferida e onde concluiu, em suma, que o poder de convidar as partes a aperfeiçoar os articulados só pode ser activado até à audiência de julgamento, conforme art.º 27º do CPT, e não durante a audiência de julgamento, tendo sido ilegal o convite ao aperfeiçoamento.

O A. veio a corresponder ao convite, tendo apresentado nova petição em que manteve o pedido inicialmente formulado e deduziu pedido subsidiário pretendendo que, constatando-se a ocorrência de postura dolosa da ré, se anule o acordo de rescisão.
A R. respondeu, tendo reiterado toda a contestação já anteriormente apresentada e pugnando pela improcedência do pedido subsidiário.

Procedeu-se a julgamento, após o que foi proferida sentença que julgou a acção totalmente improcedente e, em consequência, absolveu a R. de todos os pedidos contra ela formulados.

Inconformado, o A. recorreu dessa decisão, arguindo a nulidade da sentença por ter sido proferida por juiz diverso do que presidiu ao julgamento e proferiu a decisão da matéria de facto, pedindo a reapreciação/alteração da matéria de facto fixada pela 1ª instância e defendendo a alteração da decisão sobre matéria de direito.

Foi proferida decisão sumária no Tribunal da Relação do Porto que julgou improcedente a apelação do A., tendo confirmado a sentença (julgou inverificada a arguida nulidade da sentença e rejeitou o recurso no que concerne à matéria de facto e de direito) e não conheceu do agravo da R./recorrida, nos termos do art.º 710º do CPC.

O A. reclamou para a Conferência, tendo, por acórdão da Relação, sido desatendida a reclamação e confirmada a referida decisão sumária.

II. Novamente inconformado, o A. interpôs recurso de revista, que fez pelo requerimento de fls. 1467, apresentando alegações a fls. 1474-1542.

A R. contra-alegou, a fls. 1552 a 1564, tendo, em síntese, defendido que o recurso próprio era o agravo e não a revista, invocado que o A. não apresentou conclusões no recurso e que este deve improceder.

Na sequência de despacho do Relator, o A. apresentou as conclusões de fls. 1586-1591, com o seguinte teor:
A) Está em causa uma situação de nulidade acontecida no desenrolar do iter processual em Primeira Instância, mas que esta mesma Primeira Instância não acolheu, quando suscitada, tal como, aliás, aconteceu no Venerando Tribunal da Relação do Porto.
B) Na verdade, a questão em apreço foi logo suscitada perante a Primeira Instância e por esta ter competência funcional para a apreciar, o que, aliás fez, mas entendendo não ter tido lugar a mesma nulidade, entendimento que, como dito, foi também cooptado pelo referido Venerando Tribunal da Relação do Porto.
C) Estamos em sede de processo laboral, o qual segue a tramitação referida nos arts. 54° e seguintes do CPT, devendo recorrer-se ao CPC quando for o caso de haverem de regular-se situações de omissão normativa.
D) Ora, assim sendo, de acordo com o que este último diploma estabelece, é ponto assente que, nas acções ordinárias, terminada que seja a produção de prova, podem os advogados das partes alegar de facto, estado consignada a possibilidade de uma alegação de direito depois exactamente de assente e determinada a matéria de facto.
E) É direito das partes, se o entenderem, prescindir de uma tal alegação escrita e de direito, mas isso é algo que cabe por inteiro na sua disponibilidade.
F) De tal modo isto é assim que a sequência processual é a seguinte: produção de prova, alegações sobre a matéria de facto, prolação de despacho de fixação da matéria de facto, naturalmente também potenciada pelas alegações de facto, alegações escritas sobre a controvérsia de direito e prolação de decisão final, esta naturalmente também potenciada por estas últimas alegações.
G) As partes podem não alegar, prescindindo do exercício de tal seu direito; mas se não prescindirem, o acto que se pratique de seguida ao momento processual em que tal direito fosse, em termos de normatividade, possível ser exercido, mas sem que tenha havido garantia de tal exercício, fica irremediavelmente inquinado.
H) Isto é evidente: porque o processo é uma sequência de actos em termos tais que se um acto qualquer padecer de um vício, é impossível passar validamente para o patamar subsequente.
I) Estamos, aqui, na esfera das possibilidades de actuação processual das partes, que têm, por assim ser, de ver serem-lhe garantidas todas as possibilidades de actuação: em conformidade com o que estiver legiferado – ou mesmo de não actuação.
J) A enunciada realidade é aferível também na medida em que não pode sequer entender-se uma decisão judicial que não seja a decorrência – no sentido da concordância, ou não, tanto vale – do estádio imediatamente anterior, o qual será naturalmente integrado pelas alegações das partes - em termos de cooptação do seu sentido, sendo a inversa também verdadeira.
K) No âmbito do processo laboral, neste específico domínio, que é o analisando, há que ter em conta a circunstância específica de as alegações das partes, depois da produção de prova, serem obrigatoriamente orais e deverem versar, na medida em que as partes o queiram, a perspectiva de facto e a perspectiva de direito: em concomitância, por conseguinte.
L) Daqui decorre que, assegurado que seja o probatório, asseguradas também que sejam as alegações – de facto e de direito – fica então, mas só então, o Juiz da causa completamente esclarecido – sobre tais duas perspectivas – em termos de ser-lhe então, mas só então, possível decidir:
1. No sentido preconizado por uma parte;
2. No sentido preconizado pela outra parte;
3. Quiçá mesmo num terceiro sentido: que até não seja o de nenhuma das partes.
M) Isto é assim: independentemente de as partes usarem, ou não, da faculdade – que é exclusivamente sua – de alegarem ou não, sendo certo que, acaso a sua opção seja no sentido da não alegação, isso é problema que lhes concerne e respeita, tendo de dar-se por assente que, em emergência desta falada atitude omissiva das partes, não tenha que dar-se por assente não estar o Juiz da causa completamente apetrechado para decidir: porque então está completamente apetrechado para decidir.
N) O que se passou, todavia, ultrapassa claramente todo o enunciado de princípios que vem de assegurar-se, isto é: houve a produção de prova, as partes alegaram de facto e de direito, o Juiz da causa, que ouviu essas alegações, decidiu de facto – completamente apetrechado para o fazer uma vez que ouviu o probatório e o entendimento das partes a esse propósito –; e podia também decidir de direito por, ainda agora, ter ouvido tais alegações nas suas dúplices perspectivas, mas não o fez: de tal forma que veio a ser outro Magistrado a decidir de direito, aplicando o direito aos factos, mas sem ter ouvido as posições das partes a este propósito, do direito!
O) A dar-se guarida a um entendimento que repute correcto que assim possa ser, isto é, que possa o Juiz prescindir do conhecimento das perspectivas das partes, oralizadas, então isso quer dizer que à partida se tem por definitivo e assente e irreversível que são de todo irrelevantes, em sede de princípio, as alegações que as partes possam produzir sobre o feito submetido a julgamento!
P) Isto é: a lei normativizará então uma verdadeira inutilidade – adendando-se a esta conclusão a ideia de que, as mais das vezes, em termos objectivos, até será isso que acontece e quiçá aceitando-se até seria legítimo dar-se por assente que, in casu, isso terá sido assim: no que porém apenas concerne, evidentemente, à intervenção do signatário, que não, naturalmente, no que concerne à intervenção do Ilustre Mandatário da parte contrária!
Q) Mas quem poderia dizer que foi assim era apenas o Ilustre Magistrado que fez o Julgamento e não, como se verificou, a Ilustre Magistrada que decidiu de direito: esta não conheceu de todo a posição das partes no âmbito da perspectiva da aplicação do direito aos factos!
R) Com frontalidade: até terá ficado a ganhar – ainda agora: no que exclusivamente concerne à intervenção do signatário – mas esta é uma mera possibilidade de todo não escrutinável, o que potencia e determina que até poderia não ser assim ou, ao menos, em tese, isso tem de entender-se!
S) Está pois integrada a nulidade estabelecida no art°. 668°, n°. 1, d) do CPC, uma vez que a Sentença em que se contém a solução do pleito significa que a Ilustre Magistrada que a elaborou fê-lo sem o poder fazer: exactamente por não dispor de todos os elementos que lhe eram necessários para o poder fazer.
T) E deveria, por assim ser, o Venerando Tribunal da Relação ter tomado conhecimento da questão no sentido propugnado, revogando tal Sentença e, consequentemente, mandando que se repetisse o Julgamento: em termos de aquela Ilustre Magistrada ficar por completo apetrechada para decidir.
Face a quanto exactamente antecede, mas sempre, como tem e deve de ser, com o mui douto e rogado e esperado suprimento, constatando-se claramente verificada a enunciada nulidade de que padece, afectando-a, a douta Sentença do Tribunal de Trabalho de Matosinhos, confirmada que foi pelo Acórdão do Venerando Tribunal da Relação do Porto, substituir-se-á o que foi decidido pelas Instâncias por douto Acórdão que conheça da aludida nulidade com todas as legais consequências.

A R. respondeu, conforme fls. 1603-1605, mantendo o teor das contra-alegações já apresentadas nos autos.

O recurso do A. veio a ser admitido como revista, neste Supremo, por despacho do Relator.

No seu douto parecer, não objecto de resposta das partes, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta neste Tribunal, pronunciou-se no sentido de ser negada a revista.

III. Colhidos os vistos, cumpre decidir.
As instâncias deram como provados os seguintes factos:
1. O Autor foi admitido ao trabalho da sociedade Ré em 16 de Fevereiro de 1981, tendo terminado a sua prestação em 29 de Fevereiro de 2004.
2. A actividade desenvolvida pelo Autor ao serviço da Ré aconteceu sempre no Departamento Comercial desta, tendo-lhe sido atribuída a categoria profissional de "Vendedor Especializado", actuando como "Gestor de Clientes", isto é, como "Delegado de Informação Veterinária".
3. Apesar de o seu posto de trabalho se situar no endereço da Delegação da Ré, sita na Rua ..., …, … Leça do Balio, ao longo do tempo de duração do falado contrato de trabalho, sempre no essencial o Autor desenvolveu a sua actividade através de constantes deslocações aos clientes daquela, percorrendo, para tanto, as Regiões Norte e Centro do País e bem assim as Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira.
4. Essas deslocações eram essenciais, com vista exactamente ao conseguimento de encomendas dos produtos da Ré e à apresentação destes aos potenciais interessados.
5. Para isso, usufruía de viatura de serviço distribuída pela Ré, que utilizava nas deslocações profissionais, mas também a título pessoal, sendo que as despesas feitas em deslocações ao serviço da Ré eram por ela liquidadas.
6. O ordenado base que o Autor tinha atribuído importava, aquando do momento da cessação do contrato de trabalho, em € 1.934,00/mês.
7. Em Dezembro de 2003, a Ré decidiu efectuar uma auditoria às despesas efectuadas pelo A. nesse mesmo ano de 2003.
8. O que foi comunicado pela R. ao A. por carta datada de 17 de Dezembro de 2003.
9. No mês de Janeiro de 2004, e com a auditoria acima mencionada em curso, o A. pediu para falar com o Dr. CC, à data o responsável pelo Departamento de Recursos Humanos da R.
10. Dando seguimento à solicitação do A. foi agendada uma reunião que teve lugar no Hotel ... em Coimbra no dia 29 de Janeiro de 2004.
11. Nessa reunião, instado pelo A. sobre o decurso da auditoria à sua actividade, o responsável pelos recursos humanos da R. informou-o de que naquele preciso momento não era portador de dados disponíveis para uma discussão, mas que sabia que havia irregularidades e a possibilidade de instauração de um processo disciplinar.
12. Em 04.02.04 teve lugar nova reunião entre o Dr. CC, o Director de Marketing e Vendas, DD, e o A..
13. Nessa reunião, os responsáveis da R. disseram-lhe que tinham sido detectadas várias irregularidades na sua actuação, pelo que apresentaram-lhe duas alternativas possíveis; ou a instauração de um processo disciplinar, ou a rescisão por mútuo acordo mediante o pagamento de uma indemnização no valor de € 75.000,00.
14. Foi ainda referido ao A. que deveria ir consultar um advogado que o aconselhasse sobre a melhor maneira de resolver a situação e aquilatasse da razoabilidade da proposta.
15. E foi assim que, acertados que foram os detalhes da rescisão, nomeadamente os valores definitivos a pagar, em 06 de Fevereiro de 2004, no Porto e na presença do Dr. CC, foi assinado o documento junto pelo A. a fls. 65 e 66, mediante o qual A. e Ré acordaram "pôr termo ao contrato de trabalho em 29 de Fevereiro de 2004, acordando no entanto na sua suspensão imediata de funções, sem que haja prejuízo da remuneração ".
16. Nesse documento ficou estipulado que a Ré pagaria ao autor uma compensação pecuniária de natureza global no montante de 81.000,00 €, considerando-se assim totalmente liquidados todos e quaisquer eventuais créditos emergentes da relação contratual de trabalho.
17. Para além dessa compensação, a Ré comprometeu-se ainda a pagar ao Autor, a título de bónus extraordinário, a quantia de 10.000,00 €, a ser processada aquando do final do contrato.
18. Por fim, ficou também consignado que "ambas as partes reconhecem e declaram darem-se assim por totalmente ressarcidas, nada mais tendo a haver ou a reclamar ".
19. Para os efeitos nela referidos, a Ré passou e entregou ao A. a declaração junta a fls. 67.
20. Com data de 9 de Fevereiro de 2004, a Ré remeteu a alguns dos seus clientes a seguinte comunicação: "Vimos por este meio informar que após vinte e quatro anos de serviço na BB o nosso colega AA decidiu deixar a companhia. Desejamos sorte e saúde para o futuro do nosso ex-colega. Em breve serão contactados pelo novo delegado. (...). "
21. No jornal "..." de …de … de …, Edição n° …, a Ré fez inserir um anúncio, no qual referia aceitar candidaturas para o preenchimento de um lugar de "Delegado de Informação Veterinária", que actuaria na Zona Norte, estabelecendo os seguintes requisitos:
- experiência em vendas;
- formação em Veterinária/Agronomia ou Farmácia (preferencial);
- idade até 35 anos;
- disponibilidade para viajar; conhecimentos de informática na óptica do utilizador.
22. Em 25 de Fevereiro de 2004, a Ré pagou ao A. o montante global líquido de 86.992,57 €, a título de vencimento, férias não gozadas, subsídio de férias e de Natal, gratificação extraordinária e indemnização por rescisão de contrato por mútuo acordo.
23. Os trabalhadores da Ré não picam ponto e sempre lhes foi dada total liberdade de horário, não controlando as chefias sequer se o horário de trabalho era ou não cumprido.
24. Actualmente o autor trabalha na Adega Cooperativa …, onde exerce as funções de Director Comercial, auferindo o vencimento mensal ilíquido de 750,00 €.

IV. Sabido que, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, o objecto dos recursos é delimitado pelas respectivas conclusões (art.ºs 684.º, n.º 3 e 690.º, n.º 1 do CPC, na redacção em vigor à data da propositura da acção), a única questão em apreço na revista interposta pelo A. prende-se com a invocada nulidade da sentença por ter sido proferida por juiz diverso daquele que presidiu à realização da audiência de julgamento e decidiu sobre a matéria de facto, a que o A. associa a pretensão de repetição do julgamento e consequente prolação de nova decisão final.
Vejamos:
Defende o A., à semelhança do que já fizera na apelação, que se verifica a nulidade da sentença, prevista na al. d) do n.º 1 do art. 668.º do CPC - (1) , uma vez que a Mª Juiz que a proferiu não presidiu à audiência de julgamento, não tendo tido, por isso, intervenção na produção de prova, subsequentes alegações orais sobre matéria de facto e de direito e decisão da matéria de facto, que nessa audiência tiveram lugar.
Entende, assim, que a M.ma Juiz não dispunha de todos os elementos necessários para poder proferir a sentença e que a Relação, ao desatender a arguição dessa nulidade, incorreu em erro de julgamento.

O acórdão recorrido concluiu pela não verificação da aludida nulidade.
Fê-lo com a seguinte fundamentação:
“Sustenta o autor que a sentença é nula por ter sido proferida por juiz diverso do que presidiu ao julgamento e que proferiu a decisão da matéria de facto.
É manifesto que não assiste razão ao autor. Decorre do art. 654, que "Só podem intervir na decisão da matéria de facto os juízes que tenham assistido a todos os actos de instrução e discussão praticados na audiência final".
Consagra-se neste normativo, bem como nos números 2 e 3, que tratam, respectivamente, do falecimento ou impossibilidade do juiz durante o julgamento, ou transferência, promoção ou aposentação do juiz durante essa fase, o princípio da plenitude da assistência dos juízes, que significa, em consonância com os princípios da oralidade e livre apreciação das provas, que para a formação da convicção deve ser o mesmo juiz em todos os actos de instrução e discussão da causa que tenham lugar em audiência. Essa exigência vale para a decisão da matéria de facto, mas não já em sede de elaboração da sentença, que pode perfeitamente ser proferida por outro juiz. Indefere-se a arguida nulidade.”

Há que começar por dizer que a situação apontada não se reconduz à figura das nulidades da sentença – a apontada ou outra –, taxativamente previstas no n.º 1 do art.º 668º do CPC, já que as mesmas se traduzem em vícios intrínsecos ou “internos” da sentença, como claramente resulta do preceito, e não a vícios ou irregularidades a ela exteriores, como aconteceria no caso dos autos - (2) .
E, no caso, o recorrente não questiona os termos ou conteúdo da sentença, em si, mas, tão-só, a “legitimidade” ou “competência” da M.ma Juiz que a proferiu.
Seja como for, como passaremos a ver, não havia qualquer obstáculo legal a que a sentença tivesse sido proferida pela referida Magistrada, não se verificando, a esse respeito, irregularidade alguma, que pudesse vir a pôr em causa, ainda que por forma indirecta, a validade e eficácia da sentença.

Concordamos, no essencial, com o segmento do acórdão recorrido acima transcrito.
Efectivamente, como é pacífico, na doutrina e jurisprudência, o princípio da plenitude da assistência dos juízes, estabelecido no art. 654.º do CPC, só tem aplicabilidade para a decisão sobre a matéria de facto.
Este princípio impõe que a matéria de facto só possa ser apreciada e decidida pelo juiz (ou juízes, em caso de tribunal colectivo) que tenha assistido a todos os actos de instrução e discussão praticados na audiência de julgamento, o que, aliás, derivaria sempre das mais elementares regras de lógica, pois só pode apreciar a factualidade que nos autos se debateu, determinando quais os factos que ficaram provados, ou não provados, quem assistiu à produção dos elementos probatórios para a demonstração daquela mesma factualidade.
Como refere José Lebre de Freitas- (3), “O princípio da plenitude da assistência dos juízes é um corolário dos princípios da oralidade e da livre apreciação da prova: para a formação da livre convicção do julgador, este terá de ser o mesmo ao longo de todos os actos de instrução e discussão da causa realizados em audiência. Ainda que o registo da prova supra hoje, em alguma medida, a falta de presença física na acto da sua produção, a convicção judicial forma-se na dinâmica da audiência, com intervenção activa dos membros do tribunal, e é sempre defeituosa a percepção formada fora desse condicionalismo”.
Acrescentando, mais adiante, que este princípio “…circunscreve-se no âmbito dos actos da audiência final, deixando de jogar relativamente à elaboração da sentença, a qual, no caso, designadamente, de transferência do juiz que haja presidido à audiência, cabe ao juiz que o substituir. O princípio tão-pouco se aplica quando, total ou parcialmente anulado o julgamento efectuado, a audiência final tenha de ser repetida nos termos do art. 712-4”.
E esse tem sido também o entendimento constante deste Supremo Tribunal de Justiça, quer no âmbito das Secções Cíveis, quer no âmbito desta Secção Social, entendimento ..., entre outros, nos acórdãos de 9.11.2006, na Revista nº 3681/06, de 13.01.2009, no Agravo nº 3330/08, disponíveis em www.dgsi.pt, e no de 02.05.2007, já acima referido.
Como neles se defendeu, o princípio da plenitude da assistência do juiz tem o seu âmbito de aplicação restrito ao julgamento da matéria de facto, pelo que não integra qualquer vício processual o facto de a sentença ser proferida por um juiz diverso do que julgou a matéria de facto.
E isto porque após a determinação dos factos provados e aplicáveis ao caso em apreço, o trabalho do juiz, ao elaborar a sentença, prende-se com a apreciação desses mesmos factos em termos jurídicos, apreciando-os e enquadrando-os nos preceitos legais e no regime jurídico que ao caso se mostrem pertinentes. E, como é consabido, no âmbito da indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, o juiz não está sujeito às alegações das partes (art. 664.º CPC).
Esta dicotomia, entre a fase de audiência de julgamento (onde são produzidas as provas para a determinação dos factos) e a da prolação da decisão (onde é feito o enquadramento jurídico dos factos determinados ao caso e afirmada a consequente decisão), está bem patente na própria sistemática do CPC, que dispõe, expressamente, sobre o julgamento da matéria de facto – art. 653.º CPC – e a elaboração da sentença (art. 658º CPC), a qual também se verifica no âmbito do Código de Processo do Trabalho – art.º 72.º e 73.º.
Desta forma, nem nos casos em que as alegações de direito são feitas oralmente – como é, efectivamente, o caso dos autos, no quadro do CPT – se impõe que o juiz que presidiu à audiência de julgamento e decidiu sobre a matéria de facto, tenha de ser o que profere a sentença, pois o enquadramento jurídico dos factos feito pelas partes não vincula a apreciação jurídica a realizar pelo juiz. (4).
Ou seja, o facto de, no caso, a sentença ter sido proferida por juiz diferente do que presidiu ao julgamento (5) – tendo este assistido a todos os actos de instrução e discussão e proferido a decisão sobre a matéria de facto –, não “inquina” a sentença, sendo, por isso, de confirmar o acórdão recorrido.
Face ao exposto, improcede a revista do A. e não há, nos termos do n.º 1 do art.º 710º e 726º do CPC, que conhecer do agravo da R..

IV. Assim, acorda-se em negar a revista do A. e em não conhecer do agravo da R., mantendo-se o acórdão recorrido.
Custas a cargo do A./recorrente.

Lisboa, 23 de Junho de 2010

Mário Pereira (Relator)
Sousa Peixoto
Sousa Grandão
_________________
1- Dispõe-se nessa al. d) que a sentença é nula quando “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”
2- Nesse sentido, veja-se o acórdão desta Secção Social do STJ, de 2.5.2007, proferido no Recurso n.º 4610.06, disponível em www.dgsi.pt.
3- Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, 2001, vol.II, em anotação ao art.º 654º, pág. 633-634.
4- Acórdão STJ, Secção Cível, de 12.11.1996, proc. 302/96, disponível, in www.dgsi.pt.
5- - Ver fls. 575,576, 756 a 758, 833 a 837, 884 a 894 e 896 a 908.