Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
03A323
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: BARROS CALDEIRA
Descritores: SOCIEDADE COMERCIAL
EXCLUSÃO DE SÓCIO
GERENTE
DESTITUIÇÃO
PRAZO
PRESCRIÇÃO
Nº do Documento: SJ200310070003231
Data do Acordão: 10/07/2003
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 5499/02
Data: 10/10/2002
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Sumário :
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

"Óptica A, Lda.", com sede na Rua ..., Freamunde, Paços de Ferreira, veio intentar acção judicial de exclusão de sócio contra:
B, casada, comerciante, com domicílio profissional na Rua ..., Lojas ..., Rio Maior, pedindo a final que a acção seja julgada provada e procedente, ordenando-se a exclusão da sócia-ré da sociedade autora, nos termos do artº. 242º do C. S. Comerciais.
Citada para contestar a ré fê-lo por excepção arguindo:
a) A falta de indicação, na deliberação, de factos concretos relativos a comportamentos da ré insuficiência de causa de pedir;
b) A prescrição;
c) o erro na forma de processo;
Por último impugnou os factos peticionados.
A autora, em réplica, veio responder às excepções arguidas pela ré.
A ré, em tréplica, veio responder aos factos novos alegados pela autora no artº. 17º da réplica.
Foi, de seguida, lavrado despacho saneador, no qual o Sr. Juiz "a quo" julgou improcedentes as excepções dilatórias de ineptidão da petição inicial e de erro na forma do processo, mas julgou procedente por provada a excepção de prescrição, e, em consequência, absolveu a ré do pedido.
Inconformada a autora veio apelar do saneador-sentença.
Por sua vez, a ré B veio interpor recurso subordinado da sentença, na parte em que na mesma se decidiu julgar improcedentes as excepções de ineptidão da petição inicial/ausência de causa de pedir e erro na forma de processo.
O recurso de apelação da autora foi recebido como tal.
O recurso subordinado da ré foi recebido como sendo de agravo.
Produzidas as alegações pelas partes e sustentado o recurso de agravo pelo Sr. Juiz "a quo", foi proferido acórdão, no qual se julgou improcedente o agravo e se concedeu procedência à apelação, revogando-se a sentença recorrida na parte, em que considerou prescrito o direito accionado, devendo os autos prosseguir com a condensação factual necessárias a apreciação do mérito da causa.
Inconformada a ré veio interpor recurso do referenciado acórdão em toda a sua extensão.
O recurso foi recebido como sendo de revista.

A recorrente ré veio apresentar as suas alegações, nas quais formula as seguintes conclusões:
1ª) O direito de exclusão judicial de sócio por comportamento desleal (artº. 242º do C.S. Comerciais) está sujeito a um prazo de prescrição de 90 dias, a contar do conhecimento pelos sócios dos factos que servem de fundamento a essa exclusão.
2ª) Este prazo deve ser fixado, por analogia, com os artºs. 186º, 234º ou 254º do C.S.C., em obediência, aos comandos dos artºs. 2º e 3º do Código Comercial.
3ª) O direito invocado pela recorrida prescreveu.
4ª) O douto acórdão recorrido contraria jurisprudência anteriormente firmada, relativamente à mesma legislação e questão fundamental de direito por acórdão deste Supremo Tribunal de 11-11-97, pelo que, caso se verifique possibilidade de vencimento da solução jurídica defendida no primeiro aresto, se requer expressamente o julgamento ampliado da revista.
5ª) Os factos que servem de fundamento à pretensão da recorrida (comportamentos imputados à recorrente alegados nos artºs. 5º a 40º da p.i.) não foram apreciados e especificados pelos sócios e pela sociedade na deliberação da propositura da acção (apenas foram referidos pela sócia C, na sua versão e sem que houvesse qualquer tomada de posição dos restantes ou da sociedade).
6ª) Na deliberação da exclusão judicial da sociedade ora em causa, a sociedade recorrida e os seus sócios não analisam, nem especificam, assim, que factos é que foram praticados pela recorrente e em que medida poderiam integrar o conceito de "comportamento desleal e gravemente perturbador de funcionamento da sociedade", para os efeitos do artº. 242º do C. S. C.;
7ª) Face às comissões mencionadas nas duas conclusões anteriores, não pode ser admitida como causa de pedir a matéria descriminada nos artºs. 5º a 40º da petição inicial;
8ª) A acção carece, por isso, de causa de pedir;
9ª) O douto acórdão recorrido violou e interpretou erradamente, na parte recorrida, os artºs. 2º, 63º, 186º, 234º, 242º e 254º do C.S.C.; 3º do Código Comercial; e 193º e 460º nº. 2 do C.P. Civil;
10º) Deveria ter aplicado e interpretado estes artigos retirando deles em consequências explanadas nas anteriores conclusões 1ª a 9ª;
11º) Deve, assim, ser revogado e substituído por outro que declara as invocadas prescrição e ausência de causa de pedir.
De seguida, a recorrida apresentou as suas alegações, onde pugna pela manutência do acórdão recorrido.
Foram colhidos os vistos legais.
Cabe decidir.

Há que proceder inicialmente aos necessários expurgos e esclarecimentos, para posteriormente se entrar na apreciação e decisão de objecto de recurso.
Por considerar que o acórdão recorrido contraria jurisprudência anteriormente fixada relativamente à mesma legislação e questão fundamental de direito por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11-11-97, a recorrente veio requerer expressamente o julgamento ampliado de revista.
Com fundamento nos pareceres do Magistrado do Ministério Público e do relator, o Exmo. Presidente do Supremo Tribunal de Justiça decidiu que o julgamento não se fará com a reunião, em plenário, das secções cíveis.
Assim sendo, o julgamento não se fará no sentido proposto pela recorrente, pelo que improcede a conclusão 4ª das alegações recursórias.
Feito este expurgo interessa apreciar a decisão proferida no acórdão recorrido no referente à espécie de recurso para este Tribunal.
No acórdão recorrido foi negado provimento ao agravo, julgada procedente a apelação, e em consequência, revogada a sentença recorrida, na parte em que considerou prescrito o direito accionado, ordenando-se o prosseguimento dos autos com a condensação factual necessária à apreciação de mérito da causa.
É evidente que no acórdão recorrido não se conheceu do mérito da causa.
Considerando-se que o direito accionado não prescreveu, foi ordenado o prosseguimento da tramitação da acção.
Assim sendo, o recurso interposto pela ré será de agravo, em 2ª instância, nos termos dos artºs. 754º nº. 1, alínea b), ambos do Código Civil, e não de revista, como foi recebido.
Deste modo, o julgamento de recurso será processado como de agravo.

Passemos agora, ultrapassadas estas questões prévias, ao conhecimento do objecto do recurso.
Para tanto, no acórdão recorrido foram dados como provados os seguintes factos:
1º) A autora alega na petição inicial que a ré é sócia fundadora da sociedade "Óptica A, Lda.", ora autora, e que foi deliberado, na Assembleia Geral, de 26-4-01, propor a acção de exclusão judicial de sócio, em virtude de ter aquela ré, durante o período de um ano, tomado atitudes e comportamentos desleais e prejudiciais ao funcionamento da sociedade;
2º) Tais comportamentos poderão sintetizar-se da seguinte forma:
A) a ré, enquanto gerente da loja entre 3-3-99 e 30-6-00, com o seu marido e empregado da mesma, desviou material encomendado e facturado à Autora para outra loja que aqueles abriram em Rio Maior ("Óptica D, Lda.");
B) a Ré cobrava à autora importância alegadamente devidas por serviços prestados pela "Óptica D, Lda.", forjando documentos;
C) Após assalto à loja da autora, a companhia de seguros atribuiu a indemnização de 26.000$00, recebida pela ré, sendo que tal importância não chegou a entrar na contabilidade da autora;
D) A ré e o seu marido assinaram abusivamente em nome da A., um cheque que havia sido cancelado por dois gerentes da Autora, logrando levantar o dinheiro titulado por aquele cheque;
E) À revelia da autora, a ré e o seu marido, que se fazia passar por gerente daquela, celebraram contratos de prestação de serviço com outras entidades;
F) A ré, aproveitando o facto de existirem cheques em branco assinados pelos gerentes da Autoras preencheu-as à ordem da "Óptica D, Lda.", sem qualquer suporte contabilístico;
G) A ré não efectuava pagamentos a fornecedores da Autora;
3º) Os factos acima referidos tornaram-se conhecidos dos sócios da autora, com exclusão da ré, em Julho de 2000;
4º) A autora deliberou propor a presente acção em 26-4-01 e o seu efectivo ajuizamento ocorreu em 12-7-01.
Estes os factos a enquadrar normativamente.

Por uma questão de método comecemos por apreciar a excepção dilatória de ineptidão da petição inicial, consubstanciada na ausência da causa de pedir, arguida pela recorrente.
Quanto a esta questão pouco ou nada há a dizer para além de que foi expresso no acórdão recorrido.
Na acta nº. 4, de fls. 19 a 24 dos autos, referente à Assembleia Geral, de 26-4-01, da sociedade recorrida, a sócia C avançou com os comportamentos, devidamente factualizados, pretensamente cometidos pela ora ré, da qualidade de sócia.
É evidente, que a deliberação em causa, constante daquela acta, teve por fundamento a aceitação pelos sócios presentes dos factos apontados pela sócia C.
Assim, os factos passaram a pertencer a todos os votantes e, consequentemente à sociedade.
A factualidade que fundamentou a deliberação referida foi vertida nos artºs. 5º a 40º da petição inicial.
São tais factos que consubstanciam a causa de pedir desta acção.
Por esse motivo, a petição não é inepta, como pretende a ré.
Não se mostra violado o disposto no artº. 193º do C. P. Civil.
Improcedem nesta parte as conclusões recursórias.

Passemos à análise da questão ligada à prescrição do direito da A..
Decorre do nº. 2 do artº. 242º da C.S. Comerciais que:
"A proposição da acção de exclusão deve ser deliberada pelos sócios; que poderão nomear representantes legais para o efeito."
Tendo em conta este preceito legal e o disposto no artº. 246º, nº. 1, alínea g), do mesmo diploma legal, é nítido que a acção em questão tem de ser proposta pela sociedade contra o sócio a excluir, e só por ela, após deliberação tomada pelos sócios, em assembleia geral, como escreve Raul Ventura, Sociedade por Quotas, vol. II, 61.
Só a sociedade, após deliberação dos sócios, em Assembleia Geral, tem o direito de, por ser judicial, propor a exclusão de um sócio.
Por esse motivo, o conhecimento anterior pelos sócios ou sócio de factos, que consubstanciem comportamento desleal ou gravemente perturbador do funcionamento da sociedade praticados por um outro sócio, não lhes dá legitimidade para isolada ou conjuntamente intentarem a referida acção.
O direito à exclusão de um sócio pertence, pois, à sociedade e não aos sócios.
O mesmo não se diga no caso da destituição do gerente, com justa causa, uma vez que, neste contexto, qualquer sócio a pode requerer intentando acção contra a sociedade, nos termos conjugados dos artºs. 254º, nºs. 1 e 5 e 257º, nº. 1, do C.S. Comerciais.
É nesta perspectiva que se tem de entender o disposto no nº. 6 do artº. 254º deste Código, que diz:
"Os direitos da sociedade mencionados no número anterior prescrevem no prazo de 90 dias a contar do momento em que todos os sócios tenham conhecimento da actividade exercida pelo gerente, ou em qualquer caso, no prazo de cinco anos contados no início dessa actividade."
Efectivamente, podendo o sócio ou sócios, por si intentarem acção de distribuição de gerente sempre se teria de encontrar um prazo de tempo razoável para o exercício do direito respectivo, a fim de tornar clara, transparente e eficaz a gerência da sociedade.
Será que este prazo de 90 dias fixado no nº. 6 do artº. 254º da C. S. Comerciais, para o exercício do direito da destituição do gerente, pode ser aplicado para o exercício do direito de exclusão de sócio?
É nosso entendimento que não.
Desde logo, porque os sócios, isolada ou conjuntamente, não têm legitimidade para a propositura desta acção, embora possam ter conhecimento de factos que possibilitassem tal propositura antes da deliberação social.
O direito de exclusão judicial do sócio pertence à sociedade e não aos sócios.
Depois, porque o sócio, sobre o qual pende uma deliberação de exclusão da sociedade por via judicial, pode exonerar-se da mesma, nos termos do disposto na alínea b), nº. 1, artº. 240º do C. S. Comerciais, ou seja, quando a sociedade não promover a sua exclusão judicial .
Quer isto dizer, que a sociedade não está obrigada a obedecer a qualquer prazo especial para o exercício do seu direito de exclusão de sócio.
Terá de ter em conta tão só o prazo ordinário de prescrição de 20 anos, previsto no artº. 309º do C. Civil, como bem se decidiu no acórdão recorrido.
Daí não resulta, porém, qualquer prejuízo para o sócio, que se encontre na referida situação, pois o mesmo pode pedir, como se disse, a sua exoneração, com amortização quase imediata da sua quota, nos termos do nº. 3 do artº. 240º do C. S. Comerciais ou esperar pelo exercício do direito de exclusão pela sociedade, no decurso do prazo ordinário de prescrição, para se defender dos factos, que determinaram a deliberação de exclusão.
Se assim é, não é de aplicar, por analogia, um prazo especial instituído para outra situação jurídica, como seja, o prazo para o exercício do direito de destituição de gerente.
Mas ainda que o prazo de 90 dias, fixado o nº. 6 do artº. 254º do C. S. Comerciais, fosse de aplicar, constata-se que o direito da sociedade recorrida foi exercido atempadamente.
A acção podia ser legitimamente proposta pela sociedade A. após a data da deliberação tomada pelos sócios reunidos em Assembleia Geral.
Assim, o início do prazo para o exercício do direito de exclusão de sócio deve contar-se a partir da data da deliberação social.
Como a deliberação foi tomada em 26-4-01 e a acção em apreço deu entrada em juízo em 12-7-01, é claro que não prescreveu o direito da autora.
Improcedem, pois, inteiramente, a este respeito as conclusões recursórias.

Os factos peticionados, que integram a causa de pedir da acção, foram impugnados pela ré.
Assim, o processo deve prosseguir com a organização dos factos assentes e da base instrutória, como bem se decidiu no acórdão recorrido.
Nada há, pois, a censurar neste aresto.

Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso e, em consequência, confirma-se o acórdão recorrido.
Custas pela recorrente.

Lisboa, 7 de Outubro de 2003
Barros Caldeira
Faria Antunes
Moreira Alves