Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
07A1677
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: RIBEIRO DE ALMEIDA
Descritores: SUPRIMENTO JUDICIAL
CONSENTIMENTO CONJUGAL
ACÇÃO DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA
Nº do Documento: SJ200706260016776
Data do Acordão: 06/26/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário :
I - O tribunal competente para a acção também o é para o conhecimento dos incidentes;
II - Face ao disposto no artigo 28 do Código de Processo Civil, o suprimento do consentimento objecto do pedido, é pressuposto da propusitura da acção e por isso não pode ser tratado como incidente;
III - Não configura, por isso, incidente da acção;
Sumário elaborado pelo Relator
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

No Tribunal Judicial da Comarca da Lousã, AA intentou acção declarativa de reivindicação contra BB e mulher lida CC.
Ao abrigo do disposto no Artigo 28-A n.º 2 por força do Artigo 96, ambos do Código Processo Civil, conjugados com o Artigo 1648 do Código Civil, veio requerer o incidente de suprimento conjugal contra:
DD, casada, comerciante, com estes fundamentos:

Requerente e Requerida contraíram casamento em 16/9/1984, sem convenção antenupcial, sendo, por conseguinte, casados no regime de comunhão de adquiridos.
Os pais da Requerida, BB e lida da CC, antes do predito casamento, por contrato verbal, doaram exclusivamente ao Requerente o prédio que se discrimina:
“Uma casa de habitação de rés-do-chão e 1° andar, sendo composto o rés-do-chão por 1 hall de entrada, 1 quarto, 1 loja, 1 cozinha, 1 vão de escadas, 1tanque fixo, 1 pátio e 1 corredor e o 1° andar por 1 quarto, 1 sala, 1 hall de entrada, 1 WC, 1 mini cozinha, sita no lugar das Levegadas, freguesia de Serpins, do Município da Lousa, com uma área coberta com cerca de 55 m e pátio com cerca de 25 m, que confronta a Norte com EE; a Sul com BB; do Nascente com estrada pública (rua) e Poente com FF.»

No dia 20/10/2004, intentou uma acção declarativa de constituição do direito de propriedade e reivindicação contra os progenitores do seu ainda cônjuge, que corre seus termos na Secção Única do Tribunal Judicial da Lousa, sob o n.° 812/04.6 TBLSA.
O Requerente intentou a referida acção desacompanhado de sua mulher, visto que, já antes da propositura de tal acção, os cônjuges se encontravam incompatibilizados.
Na referida acção principal que corre seus termos pelo Tribunal da Lousa, o Mmo. Juiz, por despacho datado de 18/05/2005, decidiu, além do mais, que:

“Nesta medida, julgo o Requerente parte ilegítima para, desacompanhado do cônjuge ou sem o seu consentimento, efectivo ou suprido, prosseguir os termos da presente cama, convidando o Requerente a providenciar pelo seu suprimento, se necessário. Para o efeito, suspendo apresente instância pelo período de 30 dias, nos termos do art. 25°, nº l do Código Processo Civil ex vi art. 28°do mesmo”.
Decisão transitou.

O requerente, ora recorrente, na acção proposta intentou incidente para obter o consentimento de sua mulher.
Os Réus vieram deduzir oposição, ao abrigo do disposto no Artigo 303 n.º 2 do Código Processo Civil, argumentando:
De acordo com o artigo 1425º e seguintes do C. P. Civil, o Suprimento Judicial do Consentimento Conjugal, bem como todos os outros processos de suprimento aqui previstos é um processo especial de jurisdição voluntária autónomo, que não pode ser requerido a título incidental, em acção comum, como o fez o Autor.
Podendo apenas ser requerido o suprimento judicial do consentimento de DD na respectiva acção especial autónoma, fora do processo em que o seu consentimento é exigido.
Estamos assim perante um erro na forma de processo, o que constitui nulidade do processado, nos termos do art. 199º, nº 1, do CPC.
Da Excepção de Incompetência Absoluta:
Cabe aos Tribunais de Família julgar os processos de jurisdição voluntária relativos a cônjuges.
Sendo o processo de suprimento judicial do consentimento conjugal um processo de jurisdição voluntária, então este Tribunal é incompetente em razão da matéria para apreciar tal incidente.
De acordo com o art. 101º do CPC, a infracção das regras de competência em razão da matéria, determina a incompetência absoluta do tribunal, pelo que, conjugado com os arts. 493º, nº 2, 494º, al. a) e 288º, nº 1, al. a), todos do CPC,
devem os RR ser absolvidos da instância.
Da Excepção de Incompetência Relativa:
Não havendo norma especial para a determinação do tribunal territorialmente competente para o processo especial de Suprimento Judicial do Consentimento Conjugal, aplica-se a regra geral do art. 85º, nº 1, do CPC, que determina que é competente o Tribunal do domicílio do Réu.
Assim, no processo em apreço, não sendo o domicílio dos RR sito na Lousã, foram violadas as regras atinentes à competência territorial do tribunal, o que consubstancia, nos termos do art. 108º CPC, incompetência relativa deste Tribunal, havendo lugar à remessa para o tribunal competente, nos termos dos arts. 493º, nº 2 e 494º, al. a) e 288º, nº 1, al. a), “a contrario”, todos do CPC.
Da Excepção de Ilegitimidade Passiva:
Os RR são parte ilegítima no incidente intentado pelo A., porquanto não têm interesse directo em contradizer, nos termos do art. 26º, nº 2, do CPC.
Nos termos dos arts. 493º, nº 2, 494º, al. e) e 288º, al. d), todos do CPC, devem os RR ser absolvidos da instância.
Por impugnação:
O A. não está a prosseguir o interesse da família, visto que brevemente será decretado o divórcio entre ele e DD.
O A. encontra-se a viver com outra pessoa, em condições análogas às dos cônjuges e com os filhos da sua companheira, o que revela a construção e a integração numa nova família, cujos interesses o A. quer agora defender.
E concluíram que deviam o vício da nulidade, as excepções dilatórias e a impugnação ser consideradas procedentes, por provadas, e, em consequência:
a) Declarar-se o Tribunal incompetente para a apreciação do incidente intentado pelo A.;
b) Serem os Réus e DD absolvidos do incidente intentado pelo A.;
c) Ser a referida DD dispensada do pagamento de custas relativas a este incidente e à recusa;
d) Ser o A. condenado a pagar todas as custas deste incidente;
e) serem os Réus e DD absolvidos do pedido.

O Tribunal da Lousã declarou-se incompetente para as causas englobadas na competência do Tribunal de Família e Menores de Coimbra.

Foi interposto recurso de agravo, tendo a Relação e Coimbra em acórdão que não merece qualquer tipo de censura confirmado a decisão recorrida, com pequenas reservas de mero pormenor.

Recorre agora para este Supremo, a alegando conclui assim:

a) 0 Autor, ora alegante, veio instaurar acção de reivindicação de propriedade alegando a prescrição aquisitiva, sem que viesse acompanhado da sua mulher

b) E tendo localizado o inicio da posse que poderá levar a usucapião ainda na situação de solteiro. não pediu o consentimento da sua mulher;
c) Até porque não deixa de ser um absurdo, pelo facto de a acção ter sido instaurada contra os pais desta BB e CC

d) Estes Réus contestaram a acção e vieram, por isso, na mesma levantar a questão da ilegitimidade activa do Autor, por litigar desacompanhado do cônjuge:

e) A ilegitimidade foi julgada procedente e, por esse facto, veio o Autor, nos termos do nº 1 do art. 96° do Código Processo Civil , por incidente na própria acção, requerer o consentimento da sua mulher DD:

f) O Mm. Juiz, ignorando as razões que se apontaram, e que aqui se dão por reproduzidas, não recebeu o incidente e o Tribunal da Relação pelo Acórdão sub judice confirmou aquela decisão.

g) Assim está certo o recorrente, pelas razões que já explanadas nos autos e nestas alegações, que se fez errada interpretação do artigo 96° do Código Processo Civil, sendo por isso, as decisões sub judice ilegais.

Houve contra alegações, em que se defende que a o agravo não merece provimento.

Recortadas nas conclusões das alegações as questões que é colocada prende-se em saber se é possível na acção de reivindicação intentar o «incidente» de suprimento do consentimento conjugal.
O Mo Juiz indeferiu liminarmente o pedido.
A Relação em acórdão devidamente fundamentado confirmou a decisão.
Entende o recorrente que face ao disposto no Artigo 96 do Código Processo Civil, o tribunal onde corre a causa é competente em relação ás questões incidentais.
O referido normativo refere que o «O tribunal competente para a acção é também o competente para o conhecimento dos incidentes que nela se levantem e das questões que o réu suscite como meio de defesa».
O acórdão recorrido doutamente após fazer a distinção entre actos incidentais e processos de jurisdição voluntária chegou á conclusão de que o suprimento do consentimento não configura um incidente, mas antes uma acção de jurisdição voluntária e, consequentemente, terá que ser intentada no tribunal competente, que no caso seria Coimbra.
O suprimento do consentimento, que foi objecto do pedido do Autor, é pressuposto da propositura da acção, conforme o disposto no Artigo 28ª do Código Processo Civil e, por isso não pode ser tratado como um incidente suscitado no desenvolvimento da acção. Não se lhe aplica o disposto no Artigo 96 do Código Processo Civil.
Face ao disposto nos artigos 81 al. a) da LOPTJ e 1425 do Código Processo Civil é o Tribunal de Família e Menores de Coimbra o competente em razão da matéria, conforme foi decidido.
O suprimento do consentimento conjugal está tipificado como acção de jurisdição voluntária e não como incidente.
Assim, não nos alongamos em mais considerações, em face da fundamentação do acórdão da Relação de Coimbra.
A fundamentação do acórdão recorrido justifica cabalmente a legalidade da solução encontrada para a questão posta no recurso, por isso de confirmar, no sentido de que o suprimento do consentimento conjugal não é um incidente da acção de reivindicação proposta, fundamentação para que se remete ao abrigo do disposto no n.º 5 do Artigo 713 do Código Processo Civil, aplicável por força do disposto nos Artigos 749 e 762 do mesmo diploma.

Termos em que se decide negar provimento ao agravo.
Custas pelo recorrente.

Lisboa, 26 de Junho de 2007

Ribeiro de Almeida (Relator)
Nuno Cameira
Sousa Leite