Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
22/18.5PFALM.L1.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: HELENA MONIZ
Descritores: RECURSO DE ACÓRDÃO DA RELAÇÃO
PENA PARCELAR
DUPLA CONFORME
REJEIÇÃO DE RECURSO
HOMICÍDIO QUALIFICADO
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
NULIDADE DE ACÓRDÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
AUDIÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO
CONFERÊNCIA
COMPOSIÇÃO DO TRIBUNAL
INVALIDADE
Data do Acordão: 05/20/2021
Votação: UNANIMIDADE COM * DEC VOT
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: JULGAMENTO ANULADO.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I - Sabendo que o Tribunal da Relação de Lisboa negou provimento a todos os recursos então apresentados, tendo mantido sem qualquer alteração a matéria de facto constante do acórdão de 1.ª instância, e tendo mantido inalterada a qualificação jurídica e as penas aplicadas a cada arguido, chegamos à conclusão, por força do disposto no art. 432.º, n.º n.º 1, al. b) e 400.º, n.º 1, al. f), ambos do CPP, que só é admitido o recurso quanto ao crime de homicídio qualificado em que os arguidos recorrentes foram condenados numa pena de prisão de 13 anos e 3 meses , 14 anos e 13 anos e quanto às penas únicas aplicadas de 13 anos de prisão, 16 anos de prisão e 14 anos de prisão.
II - Todas as questões relativas aos crimes singulares e eventuais nulidades do acórdão recorrido exclusivamente conexionadas com os crimes pelos quais os arguidos foram condenados em pena de prisão inferiores a 8 anos (com exceção do crime de homicídio) não poderão ser apreciadas; as nulidades deveriam ter sido invocadas perante Tribunal da Relação de Lisboa, nos termos do art. 615.º, n.º 4, do CPC, ex vi art. 4.º, do CPP, e no prazo estabelecido no art. 105.º, n.º 1, do CPP.
III - Ainda que o recurso interposto para este STJ (nos termos do art. 410.º, n.º 1, do CPP) possa “ter por fundamento quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida”, certo é que a apreciação das imputações genéricas ou conclusivas apenas podem ser conhecidas por este STJ quando serviram de fundamento para uma nova decisão, nomeadamente uma nova qualificação jurídica dos factos, distinta da anteriormente prolatada em 1.ª instância; não havendo qualquer alteração nem da matéria de facto nem da qualificação jurídica dos factos, tudo o relativo à matéria de facto provada ficou sedimentado com a prolação do acórdão do Tribunal da Relação.
IV - A alegação da existência de factos conclusivos no âmbito da matéria de facto é distinta da alegação de nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia quanto à matéria de facto impugnada, nomeadamente, quando esta foi impugnada por ser integrada, segundo o recorrente, por factos conclusivos.
V - Não tendo sido apreciados os recursos apresentados quanto às alegações relativas à matéria de facto o acórdão recorrido é nulo por omissão de pronúncia, nos termos do art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPP.
VI - Tendo sido requerida a audiência em recurso interposto para o Tribunal da Relação não só o recorrente não tem que pedir necessariamente a renovação da prova para que se possa considerar que deva ser realizada a audiência, uma vez que a audiência pode apenas ser requerida para debater certos pontos da motivação de recurso; sendo requerida a audiência, o direito a um processo equitativo determina a necessidade da sua realização para apreciação das questões de facto e de direito alegadas pelos recorrentese a total falta de justificação para a sua não realização constituiu uma violação do art. 6.º, da CEDH.
VII - Nos termos do art. 419.º, n.º 3, al. c), do CPP, o recurso apenas pode ser julgado em conferência quando não tenha sido requerida a realização da audiência e não seja necessário proceder à renovação de prova nos termos do art. 430.º, do CPP; ou seja, apenas pode ser decidido em conferência se cumulativamente não tiver sido requerida a realização da audiência e se não for necessário proceder a renovação de prova.
VIII - Não tendo sido rejeitado o recurso nos termos do art. 420.º, do CPP, os autos deviam ter sido conclusos ao presidente da seção para marcação da audiência (art. 421.º, n.º 1, do CPP), devendo ser convocado, entre outros, o defensor (art. 421.º, n.º 2, do CPP); seguir-se-ia a audiência nos termos do art. 423.º, do CPP (com a composição do tribunal em audiência nos termos do art. 430.º, do CPP), e a deliberação nos termos do art. 424.º, do CPP, e 365.º, e ss, do CPP ex vi art. 424.º, n.º 2, do CPP.
IX - Se por um lado o tribunal não pode negar a pretensão do recorrente quanto ao pedido de realização de audiência e se, por outro lado, requerida a audiência a composição do tribunal deve ser a referida, a não realização daquela audiência não só constitui uma negação de um pedido do recorrente, como a deliberação de um recurso sem que tivesse sido cumprida a composição do tribunal que deveria ter ocorrido e sem que tivesse sido convocado o defensor.
X - Tendo sido requerida a realização de audiência, e sem que a lei preveja qualquer hipótese ou possibilidade de não admissibilidade desta quando requerida nos termos do art. 411.º, n.º 5, 2.ª parte, do CPP, então necessariamente a composição do Tribunal a decidir deverá ser a imposta pelo disposto no art 429.º, n.º 1, do CPP; acresce que se tivesse sido convocada a audiência teria havido intervenção do defensor que assim não ocorreu.
Decisão Texto Integral:



Processo n.º 22/18.5PFALM.L1. S1

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça:

I

Relatório

1.Em primeira instância, os arguidos AA, BB e CC, entre outros, foram julgados em processo comum coletivo, no Tribunal Judicial da Comarca …. (Juízo Central Criminal de ….., Juiz …..), e condenados nos seguintes termos:

 «1. Absolver o arguido BB da prática, em co-autoria, de:

• um crime de roubo agravado, p. e p. pelo art. 210.º, n.ºs 1 e 2 al. b), por referência ao art. 204.º, n.º 1 al. a) do Código Penal (por referência ao apenso 380/18….);

• seis crimes de roubo agravado, p. e p. pelo art. 210.º, n.ºs 1 e 2 al. b), por referência ao art. 204.º, n.º 2 al. f) do Código Penal (por referência ao apenso 345/18….., 407/18…., 371/18….., 706/18….., 519/18….. e 409/18…..);

• um crime de roubo na forma tentada, p. e p. pelos art.ºs 22.º, 23.º, 73.º e 210.º, n.ºs 1 e 2 al. b), por referência ao art. 204.º, n.º 2 al. f) do Código Penal (por referência ao apenso 401/18…..);

• um crime de furto, p. e p. pelo art. 203.º, n.º 1 do Código Penal (por referência ao apenso 818/18……);

• um crime de dano, p. e p. pelo art. 212.º, n.º 1 do Código Penal (por referência ao apenso 327/18……);

• seis crimes de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 3.º, n.º 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro (por referência aos apensos 345/18…., 407/18…., 371/18….., 401/18….., 706/18…., 519/18….);

2. Absolver o arguido CC da prática, em co-autoria, de:

• um crime de roubo agravado, p. e p. pelo art. 210.º, n.ºs 1 e 2 al. b), por referência ao art. 204.º, n.º 1 al. a) do Código Penal (por referência ao apenso 380/18…..);

• quatro crimes de roubo agravado, p. e p. pelo art. 210.º, n.ºs 1 e 2 al. b), por referência ao art. 204.º, n.º 2 al. f) do Código Penal (por referência ao apenso 345/18…., 407/18….., 371/18…. e 519/18…..);

• um crime de furto, p. e p. pelo art. 203.º, n.º 1 do Código Penal (por referência ao apenso 818/18…..);

• um crime de dano, p. e p. pelo art. 212.º, n.º 1 do Código Penal (por referência ao apenso 327/18……); (...)

4. Absolver o arguido AA da prática, em co-autoria, de um crime de:

• um crime de roubo agravado, p. e p. pelo art. 210.º, n.ºs 1 e 2 al. b), por referência ao art. 204.º, n.º 1 al. a) do Código Penal (por referência ao apenso 380/18…..);

• um crime de roubo agravado, p. e p. pelo art. 210.º, n.ºs 1 e 2 al. b), por referência ao art. 204.º, n.º 2 al. f) do Código Penal (por referência ao apenso 371/18….); (...)

7. Condenar o arguido BB, pela prática, em autoria material, e concurso efectivo, de:

• um crime de roubo agravado, p. e p. pelo art. 210.º, n.ºs 1 e 2 al. b), por referência ao art. 204.º, n.º 2 al. f) do Código Penal (autos principais), na pena de 4 (quatro) anos de prisão;

• um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos art.ºs 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2 al. g) do Código Penal (autos principais), na pena de 13 (treze) anos de prisão;

• um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 3.º, n.º 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro (autos principais), na pena de 4 (quatro) meses de prisão;

Em cúmulo jurídico das penas parcelares acima referidas, condenar o arguido BB na pena única de 14 (catorze) anos de prisão.

8. Condenar o arguido CC, pela prática, em autoria material, e concurso efectivo, de:

• um crime de roubo agravado, p. e p. pelo art. 210.º, n.ºs 1 e 2 al. b), por referência ao art. 204.º, n.º 2 al. f) do Código Penal (apenso 257/18…..), na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão;

• um crime de roubo na forma tentada, p. e p. pelos art.ºs 22.º, n.º 1 e 2 al. c), 23.º, 73.º, 210.º, n.os 1 e 2 al. b), por referência ao art. 204.º, n.º 2 al. f) do Código Penal (apenso 401/18…..), na pena de 1 (um) ano de prisão;

• um crime de roubo agravado, p. e p. pelo art. 210.º, n.ºs 1 e 2 al. b), por referência ao art. 204.º, n.º 2 al. f) do Código Penal (apenso 706/18…..), na pena de 3 (três) anos e 8 (oito) meses de prisão;

• um crime de roubo agravado, p. e p. pelo art. 210.º, n.ºs 1 e 2 al. b), por referência ao art. 204.º, n.º 2 al. f) do Código Penal (autos principais), na pena de 4 (quatro) anos de prisão;

• um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos art.ºs 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2 al. g) do Código Penal (autos principais), na pena de 14 (catorze) anos de prisão;

Em cúmulo jurídico das penas parcelares acima referidas, condenar o arguido CC na pena única de 16 (dezasseis) anos de prisão. (...)

10. Condenar o arguido AA, pela prática, em autoria material, e concurso efectivo, de:

• um crime de roubo agravado, p. e p. pelo art. 210.º, n.ºs 1 e 2 al. b), por referência ao art. 204.º, n.º 2 al. f) do Código Penal (apenso 407/18……), na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão;

• um crime de roubo na forma tentada, p. e p. pelos art.ºs 22.º, n.º 1 e 2 al. c), 23.º, 73.º, 210.º, n.os 1 e 2 al. b), por referência ao art. 204.º, n.º 2 al. f) do Código Penal (apenso 401/18…..), na pena de 8 (oito) meses de prisão;

• um crime de roubo agravado, p. e p. pelo art. 210.º, n.ºs 1 e 2 al. b), por referência ao art. 204.º, n.º 2 al. f) do Código Penal (apenso 706/18…..), na pena de 3 (três) anos e 8 (oito) meses de prisão;

• um crime de roubo agravado, p. e p. pelo art. 210.º, n.ºs 1 e 2 al. b), por referência ao art. 204.º, n.º 2 al. f) do Código Penal (autos principais), na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão;

• um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos art.ºs 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2 al. g) do Código Penal (autos principais), na pena de 12 (doze) anos e 3 (três) meses de prisão;

Em cúmulo jurídico das penas parcelares acima referidas, condenar o arguido AA na pena única de 13 (treze) anos de prisão

Foi ainda decidido:

«11. Absolver os arguidos BB, CC, (...) dos pedidos de indemnização civil contra si deduzidos pelas demandantes DD e GESTPOST – GESTÃO E ADMINISTRAÇÃO DE POSTOS DE ABASTECIMENTO, UNIPESSOAL;

12. Condenar os arguidos BB, CC, (...) e AA, a pagar às demandantes EE e FF a quantia de € 40.000,00 (a título de indemnização pela perda do direito à vida por GG), acrescida da quantia de € 30.000,00 (sendo € 15.000,00 a cada uma das demandantes, a titulo de danos não patrimoniais próprios), e da quantia de € 120,00 (a título de danos patrimoniais), no montante global de € 70.120,00 (setenta mil, cento e vinte euros;

13. Ao abrigo do disposto nos art.ºs 16.º n.º 2 do Estatuto da Vítima e art. 82.º-A n.º 1 do Código de Processo Penal, condenar:

• os arguidos CC e (...) a pagar a cada uma das ofendidas HH e II, a quantia de € 1.000,00 (mil euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora vencidos desde a presente data e vincendos até integral pagamento;

• o arguido AA a pagar à ofendida JJ, a quantia de € 1.200,00 (mil e duzentos euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora vencidos desde a presente data e vincendos até integral pagamento;

• os arguidos CC e AA a pagar ao ofendido LL a quantia de € 400 (quatrocentos euros), e a cada uma das ofendidas MM e NN, a quantia de € 1.000,00 (mil euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora vencidos desde a presente data e vincendos até integral pagamento.»

2. Inconformados com a decisão, os arguidos agora recorrentes, entre outros, interpuseram recurso para o Tribunal da Relação …. que, por acórdão de 26.11.2020, decidiu negar provimento aos recursos “mantendo integralmente o acórdão recorrido”.

3. Ainda inconformados, os arguidos AA, BB e CC interpuseram recursos para o Supremo Tribunal de Justiça, concluindo-os nos seguintes termos:

3.1. - o arguido AA

«A) DA NULIDADE DA DECISÃO RECORRIDA

1ª– O acórdão da relação ao manter os factos provados da 1ªinstância que não constavam da acusação, estribando‐se no nº 1 do art.º 358º do CPP, incorreu em nulidade.

2ª‐ Na verdade os argumentos aduzidos na decisão recorrida, para justificar a opção da 1ª instância não colhem, pois embora se não tenha verificado uma alteração da qualificação jurídica, o certo é que a relação reconhece expressamente que “se acrescentaram factos que enformam com mais pormenor a actuação dos arguidos, o cenário dos crimes e a dinâmica destes”.

3ª‐ Além de que, em nosso entender a adição factual ao contrário do que consta na decisão recorrida “não se conteve, nos limites temáticos objectivos delimitados pela acusação “e de resto a decisão recorrida reconhece que “pela adição factual, logrou‐se a concretização da assinalada factualidade, a qual, mantendo o enquadramento histórico-temporal aduzido na acusação, esmiúça o mesmo, com evidentes reflexos fáctico- normativo”.

4ª – De todo o supra exposto resulta, em nosso modesto entender á saciedade que, as alterações efectuadas       e mantidas na decisão recorrida consistiram em completar e acrescentar factos que não constavam da acusação.

5ª‐ Não se tratando como refere a decisão recorrida, de mera concretização da factualidade, ou seja, alterações de pormenor, mas sim, de acrescentar factos essenciais, mormente para estribar a condenação do recorrente pelo crime mais grave (homicídio).

6ª – Ora a actividade do julgador está vinculada ao texto da acusação, ou da pronúncia, logo, não cabe ao Juiz do Julgamento, andar a esmiuçar os factos para completar/salvar uma acusação insuficientemente produzida.

7ª Acresce que não há, em processo penal, factos inócuos para o arguido, que possam ser esmiuçados sem que tal actividade acusatória (levada acabo pelo Juiz do Julgamento), se reflicta posteriormente, em sede de enquadramento jurídico dos mesmos factos e em sede de determinação da medida concreta da pena.

8ª‐ O entendimento do disposto nos artigos 358º e 359º do CPP no sentido de se não entender como alteração dos factos ‐ substancial ou não substancial ‐ a consideração no acórdão, de factos atinentes ao modo de execução do crime, que não constavam da acusação e o procedimento que consiste em esmiuçar os factos para completar/salvar uma acusação insuficientemente é materialmente inconstitucional por violação das garantias de defesa do arguido e dos princípios do acusatório e do contraditório, previstos no artigo 32º, nºs 1 e 5, da Constituição da República.

9ª‐ Motivos pelos quais deverá ser dada razão ao recorrente e decretada a nulidade da decisão por violação do disposto nos artºs 358° e359° do Código do Processo Penal, a qual deverá ser substituída por outra que se atenha, tão só aos factos constantes da acusação.

***

Sem prescindir:

B) DOS VICIOS DA DECISÃO RECORRIDA

10ª‐ Consta da decisão recorrida, quanto ao proc. 706/18…. que:

a) O recorrente tanto no 1º interrogatório como em julgamento, negou ter praticado os factos aqui em causa;

b) Nenhuma das testemunhas o reconheceu;

c) Inexiste qualquer reconhecimento;

d) Inexiste qualquer prova pericial;

e) Localização celular;

11ª – A fundamentação aduzida na decisão recorrida viola as regras da experiência comum, e do in dubio pro reo e presunção de inocência.

12ª – Aliás o recorrente, só foi condenado, no caso deste crime, porque confessou a prática da tentativa de roubo ocorrida na papelaria “T….....”, no mesmo dia, com um intervalo de pouco menos de 15 minutos.

13ª‐ E, dizemos nós o facto de o arguido confessado tais factos, apenas nos permite concluir que não os praticou, efectivamente resulta das regras da experiência comum que, tendo o mesmo assumido a postura que assumiu, foi porque na realidade não foi o autor dos factos.

14ª‐ Por último, quanto ao argumento mantido na decisão recorrida, da análise comparativa frame a frame, entre os fotogramas de fls. 16 e 17 do apenso 401/18….. e fls. 37 e 42 do apenso 706/18……;

Diremos que:

a) As imagens em qualquer dos casos não são nítidas;

b) Ao passar frame a frame, ainda perdem mais, a já de si pouca nitidez;

c) A indumentária dos indivíduos, não difere muito, sendo certo que, todos eles estão encapuzados;

d) Concluir que foi o recorrente pela forma de usar as calças (deixando visível o tornozelo), e bem assim que é o terceiro individuo que está ocultado nos fotogramas, mas ainda assim sai visíveis as ditas calças pretas que deixam visível o tornozelo, é além do mais, temerário!…

15ª‐ Efectivamente Colendos, ninguém pode, pelo menos no nosso país, ser condenado, com base numas calças nas quais é visível o tornozelo.

16ª‐ A condenação do recorrente baseou‐se, exclusivamente, na convicção dos julgadores e não em factos concretos e objectivos.

17ª‐ Aliás a fundamentação da decisão recorrida, patenteia uma clara violação de dois princípios basilares do nosso ordenamento processual penal: o já mencionado princípio do in dubio pro reo e o da presunção de inocência.

18ª‐ A não aplicação destes princípios consubstancia um vício de erro notório na apreciação da prova, previsto no art.º 410º, nº 2, al. c), do CPP.

19ª – Por último têm aqui aplicação os mesmos argumentos que conduziram à absolvição dos restantes arguidos, acusados dos mesmos factos.

***

20ª‐ Quanto ao Proc. 22/18…. a questão que se coloca consiste em saber se em face dos factos provados é possível assacar a todos os indivíduos a prática do crime de homicídio ou apenas a quem efectuou o disparo.

21ª – O recorrente não detinha o domínio positivo do facto “típico” ou seja o domínio da sua função, do seu contributo, na realização do tipo (crime de homicídio);

22ª‐ Facto esse que não havia sido planeado pois tal conduta é exclusivamente imputável a quem disparou a arma, pois tratou‐se de um acto unilateral de tal pessoa, que só á mesma poderá ser imputado;

23ª‐ Encontramos perante uma situação, que vai além do plano delineado, ou dito de outro modo mais correcto, que ocorre após a consumação do plano delineado que era, entrar, roubar e sair;

24ª‐ O recorrente AA executou o plano delineado anteriormente referido, e o individuo que disparou adoptou uma conduta que vai além do plano, pelo que seria temerário imputar tal conduta unilateral deste aos restantes.

25ª‐ Não é possível, portanto, em nosso entender imputar a prática de homicídio qualificado consumado ao recorrente, ainda que a título de dolo eventual e portanto, o mesmo deve ser absolvido quanto á prática de tal crime.

26ª– A respectiva condenação por este crime viola o in dúbio pro reo, além de, reiteramos, não se verificarem os elementos da co‐autoria, decisão essa que se deverá repercutir num abaixamento substancial, da pena única em que foi condenado (13 anos).

***

Cumulativamente,

C) DA APLICAÇÃO DO REGIME ESPECIAL PREVISTO NO ART.º 4.º DO DECRETO‐LEI N.º 401/82, DE 23 DE SETEMBRO.

26ª– O recorrente entende que deveria ter beneficiado do regime especial para jovens adultos, previsto no art.º 4.º do Decreto‐Lei n.º 401/82, de 23 de Setembro.

27ª – O Tribunal a quo entendeu que não, estando a defesa em completo desacordo com a argumentação aduzida

28ª Na verdade consta expressamente da fundamentação mantida na decisão recorrida que este “admitiu a prática da grande maioria dos factos, prestando declarações que, em alguns casos, contribuíram decisivamente para a descoberta da verdade” diremos mais, as declarações do arguido, logo em sede de 1º interrogatório foram absolutamente relevantes, e foi graças a elas, na esmagadora maioria das situações, que se veio a apurar‐se quem cometeu os crimes, sendo certo que actuação era de cara tapada e com capuz;

29ª‐ Mais a dinâmica dos factos, descrita na acusação e depois vertida nos factos provados, resultou, quase em exclusivo, da versão dada pelo arguido, plasmada nas declarações prestadas em 1º interrogatório;

30ª‐Factos houve, em que, não fora as declarações confessórias do arguido, e nenhuma prova contra si existiria, ou seja, por tais factos viria a ser absolvido!...

31ª‐ Quanto argumento segundo o qual o arguido não possui “qualquer projecto estruturante de vida, nem um suporte axiológico que lhes permita absorver de outro modo o quadro criminoso em que se envolveram.”

32ª‐ Importa referir que tal não obstaculiza á aplicação deste regime, conforme entendimento da jurisprudência.

33ª– Acresce que a atenuação especial regulada no art.º 72º do CP funda‐ se, num pressuposto material: a diminuição da culpa (na qual se reflecte também a da ilicitude) ou das exigências da prevenção.

34ª‐ Já, porém, no caso dos jovens delinquentes, os requisitos de aplicabilidade são diferentes: desde logo, a idade (entre 16 e 21 anos), que funciona como pressuposto formal, e é condição necessária, mas não suficiente; depois, um requisito de ordem material: haver “razões sérias” para o tribunal acreditar que a atenuação especial favorecerá a “reinserção social” do condenado.

35ª‐ Não se exige, portanto, nem diminuição da culpa/ilicitude, nem da necessidade da pena, o que demonstra a autonomia deste tipo de atenuação especial, a sua especificidade, relativamente à idêntica figura regulada no CP.

36ª‐ O que se compreende, porque a idade do agente torna, em princípio, a sua personalidade, ainda em formação, mais receptiva aos estímulos/ensinamentos que a condenação envolve, mais aberta e disponível para ser reencaminhada no sentido da ressocialização.

37ª‐ É o que o legislador deixou explícito no preâmbulo do DL nº 401/82, ao falar da necessidade de um “tratamento penal especializado” para os jovens imputáveis, atendendo a que a capacidade de ressocialização destes é mais intensa, por se encontrarem ainda no limiar da maturidade, sendo em princípio a sua personalidade mais aberta e receptiva aos estímulos de uma pedagogia da reinserção social.

38ª‐ Em face de todo o supra exposto o Tribunal, no caso concreto do recorrente dispunha de … “sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado”.

39ª – Devendo as penas aplicadas ao arguido ser especialmente atenuadas, em função da aplicação do instituto supra, pois, além de todo o exposto, foi de entre todos eles o único que admitiu a maioria dos factos, demonstrou arrependimento sincero, ressarciu os ofendidos e contribuiu com a sua colaboração para a condenação dos co-arguidos.

D) DO QUANTUM DAS PENAS

40ª‐ As atenuantes que militam a favor do arguido, já anteriormente referidas, conjugadas com a atenuação especial da pena aplicável aos jovens delinquentes deverá conduzir á aplicação de penas substancialmente inferiores ás aplicadas, tanto quanto ao crime de homicídio, como ao cumulo jurídico das penas parcelares.

41ª‐ Impõe‐se harmonizar a reacção penal contra a conduta do recorrente, ao nível da pena única resultante do cúmulo jurídico das penas parcelares, de modo que este espelhe a postura deste completamente diferente dos restantes.

42ª‐ A manter‐se a pena actual, estaríamos ante manifesta injustiça, em que a diferença de pena entre o arguido a quem foi aplicada a pena mais grave, e o recorrente é de apenas 3 (três!) anos, quando este confessou a maioria dos factos, ressarciu os ofendidos, demonstrou arrependimento, pelo que, sob pena gravíssima injustiça relativa urge corrigir a decisão.

43ª‐ A pena concreta a aplicar ao recorrente, deverá quedar‐se, a manter‐ se a condenação pena prática do crime de homicídio, no máximo em 8 anos de prisão e sendo absolvido, como pugnamos, quanto a este, em 4 anos de prisão.

44ª – A decisão recorrida, violou o disposto nos artigos, 70º e 71º, todos do Código Penal e ainda artº 4º do DL. 401/82 de 23/9.

TERMOS EM QUE, CONTANDO O INDISPENSÁVEL SUPRIMENTO DE VªS EXAS. DEVE SER DADO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, FAZENDO‐SE DESTARTE A MAIS RECTA E SÃ JUSTIÇA!»

3.2. - o arguido BB

«1. Da nulidade do acórdão recorrido

a. O recorrente requereu a realização de audiência nos termos do n.º 5 dos artigos 411.º e 423º do Código de Processo Penal, com o objetivo de discutir alguns dos pontos da sua motivação de recurso.

 i. Não tendo esta audiência sido realizada, incorreu em nulidade nos termos dos artigos 122.º, n.º 1, 120.º, n.º 1, 379.º, n.º 2 e 425.º, n.º 4, todos do Código de Processo Penal.

         ii. Nessa sequência, o acórdão deverá ser considerado nulo, devendo os autos serem devolvidos ao Tribunal da Relação para que ordene a realização da audiência requerida pelo arguido.

b. O recorrente entende que foi cometida a nulidade prevista no artigo 379º 1º al. c), aplicável aos acórdãos proferidos em recurso - 425º nº 4) – e artigo 428º, todos do C.P.P., porque o douto acórdão agora em crise deixou de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar;

        i. Não houve resposta às questões concretas levantadas pelo recorrente;

       ii. todos os argumentos e questões colocadas pelo recorrente foram pura e simplesmente ignoradas ou decididas em grupo.

      iii. O recorrente entende que foi cometida a nulidade prevista no artigo 379º 1º al. c), aplicável aos acórdãos proferidos em recurso – 425º nº 4 – e artigo 428º, todos do CPP, porque o douto acórdão agora em crise deixou de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar.

2. O acórdão recorrido não conheceu das questões apresentadas pelo recorrente à Relação …. e não se pronunciou sobre os seus argumentos.

3. Os factos provados nos pontos 66 a 76 não permitem concluir pelos factos provados em 78, 79 e 82

a. Isto é, o arguido não agiu em coautoria no crime de homicídio;

b. Ao contrário dos outros, o recorrente apenas teve intervenção nestes factos e como condutor;

c. não esteve dentro do estabelecimento e regressou ao carro quando os outros entraram

d. não se provou que tivesse visto a arma, visto ou ouvido o 1º e/ou 2º disparo ou ainda que tivesse acordado inicialmente pelo seu uso e para tirar a vida de alguém.

e. O provado nos pontos 78, 79 e 82 excede os factos provados anteriormente, pois são conclusões não autorizadas pelos factos provados;

4. Acresce que resulta claro da factualidade provada que o CC agiu em total excesso, mesmo que o uso da arma como meio de intimidação tivesse sido previsto por todos.

a. recorde-se que o uso da arma é uma circunstância qualificativa do crime de roubo, pois é um meio adequado e normal para intimidar alguém e desse modo facilitar o roubo.

5. O crime de homicídio surge aqui com autonomia em relação ao cometimento do crime de roubo.

a. o homicídio não surgia como necessário ao roubo, mas antes como, no caso concreto, inesperado e desnecessário ao roubo.

b. Não se revelava, o homicídio, notoriamente previsível na execução do roubo.

6. A pena pelo crime de homicídio qualificado, revela-se, caso se mantenha esta condenação, manifestamente elevada.

a. Tendo em conta idade do arguido que era ainda muito jovem – menor de 21 anos;

b. A sua intervenção nos factos ocorridos dentro do snack bar e que foi nenhuma;

c. era o condutor do carro e nunca esteve dentro do café onde ocorreram os factos;

d. Agiu com dolo eventual;

Normas Jurídicas violadas:

• Artigos 26º, 40º, 70º, 71º, 131º e 132º do Código Penal;

• Artigos 379º, 411º, 423º e 425º do CPP.

Nestes termos e demais de direito, deverá o presente recurso obter provimento:

- Anulando-se o acórdão recorrido, ou

- Absolvendo-se o recorrente do crime de homicídio, e/ou

- Reduzindo-se sempre as penas.»

3.3. - o arguido CC

«1 – O acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação é nulo por omissão de pronúncia nos termos do disposto no artigo 379.º n.º 1 al. c) do CPP.

2 – O presente acórdão circunscreve-se a responder de facto e de direito ao recurso interposto pelo arguido AA, olvidando as motivações e conclusões de recurso apresentadas pelos demais arguidos, nomeadamente as apresentadas pelo ora recorrente.

3 – É certo que quando o Tribunal da Relação analisa a matéria das questões prévias suscitadas pelo ora recorrente, mormente a nulidade por ter sido no seu entender efectuada uma alteração substancial dos factos ilegal e inconstitucional, e a nulidade decorrente de não ter sido aplicada ao ora recorrente o regime dos jovens delinquentes alarga a sua decisão referindo-se a “todos os arguidos”, no entanto salvo melhor e Douta opinião um jovem de 16 anos de idade, condenado a 16 anos de prisão merece, por parte do sistema judicial, que se aprecie a sua situação de um modo individual.

4 – Mais grave ainda é o facto de, em toda a análise efectuada pelo Venerando Tribunal da Relação de que ora se recorre, constante especificamente de fls 158 a 177 do acórdão ora proferido, não terem sido analisadas as questões suscitadas pelo recorrente em sede de recurso, mormente a impugnação da matéria de facto que efectuou no recurso por si apresentado e da medida da pena aplicada.

5 – Assim, face ao exposto e tendo em atenção que decorre do artigo 32.º da CRP que o arguido tem direito ao recurso, não tendo o seu recurso sido devidamente apreciado, o Acórdão do Tribunal da Relação padece do vicio de omissão de pronuncia, nos termos do disposto no artigo 379.º n.º 1 al. c) do CPP, devendo o processo ser reenviado para o Venerando Tribunal da Relação para que este se pronuncie sobre o recurso interposto pelo arguido, como é de Justiça.»

4. Ao recurso interposto respondeu a Senhora Procuradora-Geral Adjunta no Tribunal da Relação …, tendo concluído nos seguintes termos:

«1 – O presente recurso vem interposto pelos Arguidos AA, BB e CC, do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação …. em 26 de Novembro de 2020, que confirmou nos seus precisos termos o acórdão proferido em 26 de Março de 2020 pelo Tribunal Judicial da comarca de …., ….., JC Criminal, Juiz …., depositado em 27 de Março de 2020, que condenou os Arguidos OO, AA, BB e CC.

2 - Os Arguidos ora Recorrentes, AA, BB e CC, foram condenados nos seguintes termos:

O Arguido AA, foi condenado pela prática, em autoria material, e concurso efectivo, de:

• um crime de roubo agravado, p. e p. pelo art. 210.º, n.ºs 1 e 2 al. b), por referência ao art. 204.º, n.º 2 al. f) do Código Penal (apenso 407/18….), na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão;

• um crime de roubo na forma tentada, p. e p. pelos art.ºs 22.º, n.º 1 e 2 al. c), 23.º, 73.º, 210.º, n.os 1 e 2 al. b), por referência ao art. 204.º, n.º 2 al. f) do Código Penal (apenso 401/18……), na pena de 8 (oito) meses de prisão;

• um crime de roubo agravado, p. e p. pelo art. 210.º, n.ºs 1 e 2 al. b), por referência ao art. 204.º, n.º 2 al. f) do Código Penal (apenso 706/18…..), na pena de 3 (três) anos e 8 (oito) meses de prisão;

• um crime de roubo agravado, p. e p. pelo art. 210.º, n.ºs 1 e 2 al. b), por referência ao art. 204.º, n.º 2 al. f) do Código Penal (autos principais), na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão;

• um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos art.ºs 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2 al. g) do Código Penal (autos principais), na pena de 12 (doze) anos e 3 (três) meses de prisão;

Em cúmulo jurídico das penas parcelares acima referidas, o Arguido AA foi condenado na pena única de 13 (treze) anos de prisão.

O Arguido BB, foi condenado pela prática, em autoria material, e concurso efectivo, de:

• um crime de roubo agravado, p. e p. pelo art. 210.º, n.ºs 1 e 2 al. b), por referência ao art. 204.º, n.º 2 al. f) do Código Penal (autos principais), na pena de 4 (quatro) anos de prisão;

• um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos art.ºs 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2 al. g) do Código Penal (autos principais), na pena de 13 (treze) anos de prisão;

• um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 3.º, n.º 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro (autos principais), na pena de 4 (quatro) meses de prisão;

Em cúmulo jurídico das penas parcelares acima referidas, o Arguido BB foi condenado na pena única de 14 (catorze) anos de prisão.

O Arguido CC foi condenado pela prática, em autoria material, e concurso efectivo, de:

• um crime de roubo agravado, p. e p. pelo art. 210.º, n.ºs 1 e 2 al. b), por referência ao art. 204.º, n.º 2 al. f) do Código Penal (apenso 257/18….), na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão;

• um crime de roubo na forma tentada, p. e p. pelos art.ºs 22.º, n.º 1 e 2 al. c), 23.º, 73.º, 210.º, n.ºs 1 e 2 al. b), por referência ao art. 204.º, n.º 2 al. f) do Código Penal (apenso 401/18…..), na pena de 1 (um) ano de prisão;

• um crime de roubo agravado, p. e p. pelo art. 210.º, n.ºs 1 e 2 al. b), por referência ao art. 204.º, n.º 2 al. f) do Código Penal (apenso 706/18……), na pena de 3 (três) anos e 8 (oito) meses de prisão;

• um crime de roubo agravado, p. e p. pelo art. 210.º, n.ºs 1 e 2 al. b), por referência ao art. 204.º, n.º 2 al. f) do Código Penal (autos principais), na pena de 4 (quatro) anos de prisão;

• um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos art.ºs 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2 al. g) do Código Penal (autos principais), na pena de 14 (catorze) anos de prisão;

Em cúmulo jurídico das penas parcelares acima referidas, o Arguido CC foi condenado na pena única de 16 (dezasseis) anos de prisão.

3 - Das conclusões da motivação de cada um dos recursos em apreço, que como é consabido delimitam o respectivo âmbito, sem prejuízo dos poderes de conhecimento oficioso do Tribunal quanto a vícios da decisão recorrida e a nulidades (art. 410º n.ºs 2 e 3 do CPP e Ac. do STJ n.º 7/95, publicado no DR, I Série, de 28/12/1995), extrai-se, em suma, que:

o Recorrente AA pretende:

- invocar a nulidade do acórdão proferido pelo TR… por manter os factos provados da 1ª Instância que segundo o Recorrente não constavam da acusação, por violação do disposto nos arts. 358º e 359º do C. de Processo Penal;

- impugnar a matéria de facto provada, invocando que a fundamentação aduzida na decisão recorrida viola as regras da experiência comum e do princípio in dubio pro reo e presunção de inocência, e considerando que a não aplicação destes princípios consubstancia um vício de erro notório na apreciação da prova, previsto no art. 410º n.º 2 al. c), do C. de Processo Penal;

- invocar a violação do princípio in dubio pro reo com a condenação do Arguido pela prática do crime de homicídio qualificado consumado, por entender que se não verificam os elementos da co-autoria (crime preterintencional);

- invocar violação do art. 4º do DL n.º 401/82, de 23/09, pelo acórdão recorrido, ao manter na íntegra o acórdão da 1ª Instância, afastando a aplicação deste regime especial ao caso do Arguido; e

- excesso de pena (violação do disposto nos arts. 70º e 71º do C. Penal);

O Recorrente BB pretende:

- invocar a nulidade do acórdão do TR…., nos termos dos arts. 122º n.º 1, 120º n.º 1, 379º n.º 2 e 425º n.º 4, do CPP, por não ter procedido à realização de Audiência, requerida ao abrigo do art. 411º n.º 5 do CPP;

- invocar a nulidade do acórdão do TR…, nos termos do art. 379º n.º 1 al. c), do CPP, invocando que o mesmo, ao não individualizar a resposta ao recurso deste recorrente, não decidiu expressamente da impugnação da matéria de facto que o mesmo apresentou, deixando de se pronunciar sobre questões que devia apreciar;

- repristina perante o STJ o recurso que apresentou ao TR…., voltando a impugnar a decisão sobre a matéria de facto, a condenação pela autoria do crime de homicídio e invoca ainda o excesso das penas;

O Recorrente CC pretende:

- invocar a nulidade do acórdão do TR….., nos termos do art. 379º n.º 1 al. c), do CPP, por omissão de pronúncia, dado em seu entender se ter apenas debruçado sobre o recurso do arguido AA, não obstante se tenha pronunciado sobre a arguição de nulidade do Recorrente CC acerca da invocada alteração substancial dos factos e da arguição de nulidade do Recorrente CC decorrente de não lhe ter sido aplicada a atenuação prevista no DL n.º 401/82, de 23/09, por ter alargado a sua apreciação referindo-se a rodos os arguidos, não ter apreciado concretamente a impugnação da matéria de facto apresentada pelo Recorrente CC e não ter apreciado concretamente a arguição do Recorrente CC quanto às penas parcelares e pena única em que foi condenado;

- pretende, pois, que seja declarada a omissão de pronúncia e que o processo seja reenviado ao TR…. para que se pronuncie sobre o recurso interposto.

4 - As questões suscitadas pelos Recorrentes, reconduzem-se, pois, em nosso entender, às seguintes:

- invocação de nulidade do acórdão do TR…., por não ter procedido à realização de Audiência, requerida ao abrigo do art. 411º n.º 5 do CPP;

- invocação de nulidade do acórdão do TR….. por confirmar o acórdão proferido pela 1ª Instância, mantendo os factos provados da 1ª Instância que alegadamente não constavam da acusação - invocando que este é nulo por violação do disposto nos arts. 358º e 359º do C. de Processo Penal por alegadamente se tratar de alteração não substancial a comunicação pelo Tribunal de 1ª Instância de aditamentos e modificações à redacção dos factos 41 (extraído dos pontos 58 e 60 da acusação) e 70, 74, 79 e 80 (extraídos dos pontos 108, 112 a 114 e 119 da acusação);

- invocação de violação do art. 4º do DL n.º 401/82, de 23/09, pelo acórdão recorrido, ao manter na íntegra o acórdão da 1ª Instância, afastando a aplicação deste regime especial ao caso dos Arguidos que poderiam, em razão da idade, beneficiar da atenuação especial prevista nesse diploma; 

- impugnação da matéria de facto provada, invocando que a fundamentação aduzida na decisão recorrida viola as regras da experiência comum e do princípio in dubio pro reo e presunção de inocência, e que a não aplicação destes princípios consubstancia um vício de erro notório na apreciação da prova, previsto no art. 410º n.º 2 al. c), do C. de Processo Penal;

- invocação de violação do princípio in dubio pro reo com a condenação pela prática do crime de homicídio qualificado consumado, alegando que se não verificam os elementos da co-autoria (crime preterintencional);

- invocação da nulidade do acórdão do TR…., nos termos do art. 379º n.º 1 al. c), do CPP, alegando que o mesmo na apreciação das questões não individualizou que recurso/Recorrente concretamente estava a apreciar, não decidiu expressamente da impugnação da matéria de facto, das questões da autoria e da medida da pena, suscitadas por cada recorrente, deixando assim de se pronunciar sobre questões que devia apreciar;

- invocação de excesso da penas aplicadas.

5 - A nosso ver, não assiste razão a nenhum dos Recorrentes, pois consideramos que o douto acórdão proferido pelo TR…. não merece qualquer censura, devendo ser confirmado na íntegra, devendo os recursos improceder na totalidade.

6 – Em nosso entender, a não realização de audiência não constitui nulidade, e muito menos nulidade insanável, por não estar consagrada no elenco dos arts. 119º e 120º do CPP, apenas podendo eventualmente constituir mera irregularidade – cfr. o art. 118º n.º 2 do CPP -, que não foi arguida nos termos do art. 123º do CPP e como tal, a existir, ficou sanada, e precludida a possibilidade de a vir arguir agora em sede de recurso para o STJ.

Ademais, a indicação efectuada pelo Recorrente BB dos pontos que pretendia submeter à realização de audiência foi excessivamente ampla, não concretizada, abrangendo toda a matéria do recurso à excepção do “quantum” da pena aplicada, não respeitando assim a especificação concreta exigida pelo art. 411º n.º 5 do CPP, inviabilizando a realização da audiência, que como é sabido, não constitui a repetição do julgamento, e bem assim não requereu a renovação da prova, nos termos do art. 430º do CPP, o que seria necessário, nos termos do art. 419º n.º 3 al. c), do CPP.

Por outro lado, verifica-se que o TR…. apreciou o objecto do recurso, pelo que a falta de realização de audiência não gera qualquer invalidade do acórdão recorrido nem violou a garantia constitucional do direito ao recurso.

Deve, pois, improceder a invocada nulidade.

7 – Os aditamentos efectuados aos pontos 58, 60, 108, 112 a 114 e 119 da acusação pelo Tribunal de 1ª Instância em comunicação ao abrigo do art. 358º do CPP na audiência de 20/2/2020, como aliás bem salientou o Exm.º Magistrado do Ministério Público junto da 1ª Instância na resposta aos recursos, não constituíram mais do que a concretização dos factos já emergentes da acusação, meras especificações de pormenor, pontuais, processualmente irrelevantes, uma depuração da redacção da acusação, com manutenção da identidade do objecto, do que não resultou qualquer repercussão agravativa para os arguidos, nem foram afectadas as suas garantias. 

Não ocorreu qualquer alteração da qualificação jurídica por via dessa pormenorização, o Colectivo não excedeu os seus poderes de cognição, não houve qualquer desrespeito pelo princípio da vinculação temática, não houve qualquer ampliação não consentida do objecto do processo, não houve qualquer descaracterização do quadro fáctico da acusação, nomeadamente não foi modificado o seu enquadramento jurídico-penal nem ampliada a sanção correspondente, nem introduzido qualquer elemento subjectivo que fosse omisso.

O Tribunal de 1ª Instância procedeu assim a alteração não substancial dos factos, cingindo-se ao disposto no art. 358º do CPP, não incorrendo em qualquer nulidade.

Como se vê do douto acórdão recorrido, o TR…. não deixou de se pronunciar sobre esta questão, apreciando-a com todo o cuidado e rigor, considerando “(…) , embora se tenham acrescentado factos que enformam com mais pormenor a actuação dos arguidos, o cenário dos crimes e a dinâmica destes, o certo é que a adição factual se conteve, quanto a nós, nos limites temáticos objectivos delimitados pela acusação, não agravando nem sequer alterando a responsabilidade jurídico-penal dos arguidos e mantendo a identidade do processo em termos de objecto.

Decorrentemente, pela adição factual, logrou-se a concretização da assinalada factualidade, a qual, mantendo o enquadramento histórico-temporal aduzido na acusação, esmiúça o mesmo, com evidentes reflexos fáctico-normativos, sem contudo alterar a qualificação jurídica dos crimes, o agravamento dos limites máximos das sanções aplicáveis ou imputação de crime diverso.

Assim sendo, resulta do exposto, que a alteração factual supra mencionada constituíu alteração não substancial dos factos, nos termos do art. 358º, C. P. Pen., sendo certo ter sido concedido prazo à defesa para enfrentar as modificações, conhecendo-as, sopesando-as e rebatendo-as, em nada se mostrando beliscados os direitos de defesa constitucionalmente consagrados no art. 32º, 1 e 5 da CRP, inexistindo, por maioria de razão, qualquer nulidade.(…)”

Temos, pois, que o Tribunal de 1ª Instância procedeu a alteração não substancial dos factos, cingindo-se ao disposto no art. 358º do CPP, não incorrendo em qualquer nulidade, e que o TR….. apreciou criteriosamente a arguição de nulidade suscitada a este respeito, fundamentando-se de forma muito clara e consistente, confirmando a decisão da 1ª Instância e não incorrendo em qualquer nulidade, designadamente não tendo ocorrido omissão de pronúncia.

Deve, pois, improceder a invocada nulidade.

8 - Verifica-se pela fundamentação do acórdão proferido pela 1ª Instância, que foram criteriosamente apreciados e sopesados em relação aos Arguidos quer o pressuposto objectivo – a idade entre 16 e 20 anos à data da prática dos factos – quer o pressuposto subjectivo – a existência de sérias razões para crer que da atenuação especial resultam vantagens para a reinserção social dos jovens condenados – previstos pelo DL 401/82, de 23/09.

O juízo de prognose foi claro e fundadamente negativo quanto aos Arguidos que poderiam beneficiar deste regime – os ora Recorrentes AA, BB e CC -, por não se verificar concretamente que a atenuação especial pudesse favorecer positivamente a reinserção social dos Arguidos.

Na verdade, nenhum deles apresentou um projecto de vida minimamente sério, personalidade estruturada de acordo com o Direito, nem consciencialização efectiva do desvalor das acções, pelo que não existia fundamento legal para a pretendida atenuação especial em razão da idade.

Bem decidiu, pois, a 1ª Instância, ao afastar a aplicação aos Arguidos do regime especial para jovens adultos previsto no DL n.º 401/82, de 23/09.

O douto acórdão recorrido, proferido pelo TR…., absorveu os fundamentos do acórdão da 1ª Instância, que confirmou na íntegra.

Concordando com as razões ali expostas que justificam a não aplicação da atenuação especial prevista no regime especial para jovens adultos, reafirmou o afastamento da aplicação aos Arguidos da atenuação especial em causa, fundamentado-se de forma bem explícita e consistente:

“(…) Também a aplicação do regime especial para jovens se mostra aqui desadequado, não só para o CC e o AA, mas também para os outros recorrentes, pelos motivos já plenamente vertidos no acórdão recorrido, mas também que acima se deixou expresso. Efectivamente, a atenuação especial aqui em causa não iria contribuir de modo nenhum para a reinserção social dos recorrentes, ante a ausência por estes de uma inexistência de arrependimento e, mais abrangentemente, de efectiva apreensão do elevado desvalor objectivo e subjectivo dos factos, para além de que não possuem qualquer projecto estruturante de vida, nem um suporte axiológico que lhes permita absorver de outro modo o quadro criminoso em que se envolveram.

Assim sendo, impõe-se a exacta manutenção das penas parcelares e únicas pelas quais os arguidos vêm condenados. (…)”

O douto acórdão proferido pelo TR… apreciou cuidadosamente esta questão e fez correcta e bem fundamentada interpretação e aplicação do direito.

Deve, pois, improceder a invocada violação do disposto no art. 4º do DL n.º 401/82, de 23/09.

9 - O acórdão recorrido debruçou-se com cuidado e rigor sobre todas as questões colocadas pelos Recorrentes e julgou-as improcedentes, não manifestando qualquer dúvida e expressando o seu raciocínio de forma clara e congruente, individualizando suficientemente a situação de cada Arguido, apreciando com rigor a prova dos autos, aplicando as regras da experiência comum e fazendo-o de molde que qualquer cidadão médio pudesse compreender as razões pelas quais assim decidiu.

Também quanto às questões da autoria e da medida da pena, o TR… demonstrou cuidado e rigor na apreciação, reproduzindo os fundamentos do acórdão proferido pela 1ª Instância, sustentando-se em abundante prova e explicitando com clareza as razões pelas quais mantinha a condenação de cada um dos arguidos pelos factos pelos quais foram condenados, pela autoria, bem como quanto às penas aplicadas, parcelares e em cúmulo jurídico, que adequadamente individualizou de forma suficiente e clara. 

Com efeito, o douto acórdão proferido pelo TR…. confirmou o acórdão proferido pela 1ª Instância, que transcreveu, mas aditou-lhe as razões da sua concordância, apreciou de forma criteriosa a matéria de facto apurada, a prova produzida, os fundamentos da decisão sobre a matéria de facto e os fundamentos da decisão de direito, e apreciou o fundamento e a justeza das penas parcelares e das penas únicas aplicadas, bem como pronunciou-se sobre todas as questões suscitadas pelos Recorrentes.

Inexistem as invocadas nulidades por falta ou insuficiência de fundamentação e por omissão de pronúncia. Inexistem os invocados erros na apreciação da matéria de facto, bem como vícios de insuficiência da matéria de facto provada para a decisão ou erro notório.

Pelo que os recursos devem improceder, também quanto a estas arguições.

10 - A nosso ver, todas as nulidades arguidas pelos Recorrentes revelam apenas que os mesmos não concordam com a apreciação e decisão do Tribunal, pretendendo sobrepor-lhe a sua opinião, e para o efeito pretendem a reapreciação da matéria de facto pelo Supremo Tribunal de Justiça.

Cumpre salientar que, conforme dispõe o art. 434º do C. de Processo Penal, o Supremo Tribunal de Justiça conhece apenas matéria de direito, sendo as questões de facto decididas definitivamente pelo Tribunal da Relação.

É à matéria de direito que se circunscreve o objecto do recurso de revista, sem prejuízo da apreciação oficiosa dos vícios do art. 410º do C. de Processo Penal.

Porém, precisamente por tal apreciação ser oficiosa, o Supremo Tribunal de Justiça não conhece dos referidos vícios mediante arguição, mas apenas de motu próprio, quando considere que há motivos para conhecer dos mesmos.

Assim, a invocação dos vícios do art. 410º n.º 2 do C. de Processo Penal – que aliás não se verificam - não pode constituir fundamento de recurso.

Devem, por isso, e contrariamente ao defendido pelos Arguidos/Recorrentes, os recursos ser rejeitados na parte em que invocam vícios, nos termos do art. 414º n.º 2, primeira parte, e 420º n.º 1 al. b), do CPP e improceder quanto às nulidades invocadas.

11 – Também quanto ao invocado excesso das penas, os Recorrentes não têm razão.

A necessidade das penas aplicadas afigura-se-nos bem fundada e evidente, face às fortes exigências de protecção dos bens jurídicos em causa e ao grau da sua violação no caso concreto, a reclamarem punição adequada a satisfazer as exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico.

Assim, não se alcança qualquer desproporcionalidade, desadequação ou excesso no tocante às penas parcelares nem às penas únicas, aplicadas.

Não se mostra violada qualquer norma jurídica atinente à determinação da medida das penas, nem qualquer princípio jurídico aplicável.

Sopesando todos os elementos objectivos e subjectivos considerados, sem perder de vista os bens jurídicos ofendidos nos crimes da natureza dos autos, consideramos que as penas parcelares e a pena única encontradas para punir as condutas dos Arguidos se mostram adequadamente individualizadas e equilibradas, justas, proporcionais e razoáveis e não deixam ficar comprometida a crença da comunidade na validade das normas incriminadoras violadas. 

Não consideramos ter existido qualquer excesso nas penas aplicadas, pois a nosso ver quer as penas parcelares quer as penas únicas são justas e adequadas à prossecução dos fins punitivos, face à culpa dos recorrentes e à gravidade dos crimes.

12 - Pelo exposto, o douto acórdão recorrido, não nos merecendo qualquer censura, deve ser integralmente mantido, improcedendo na totalidade os recursos dos Arguidos.»

5.Aos recursos interpostos respondeu a assistente EE tendo concluído nos seguintes termos:

«Do que antecede e pelo que doutamente por Vossas Excelências será doutamente suprido, formulam-se as seguintes conclusões:

i) Pugnamos, em primeira linha, no sentido de que os recursos devem ser rejeitados em virtude de os recorrentes se limitaram à reedição dos argumentos já aduzidos em recurso do acórdão de 1ª instância.

ii) Não assiste qualquer razão ao arguido AA no que concerne à alegada violação dos Artigos 358ª/359ª do CPP, quanto à Alteração não Substancial de factos considerados pelo Tribunal a quo, na justa medida em que tal alteração não violou ou prejudicou aos Arguidos a sua defesa ou contraditório.

iii) No que tange à alegada violação do artigo 379.º n.º 1 al. c) do CPP, não assiste qualquer razão aos arguidos, na justa medida em que não houve qualquer vício da sentença.

iv) Também cumpre mencionar que a confirmação da determinação da medida concreta das penas (parcelares e única) aplicadas aos recorrentes também não nos merece qualquer reparo.

ix) [[1]] Atendendo às orientações legais prescritas nos arts. 40º e 71º do C.Penal e ao quadro fáctico apurado nos presentes autos , consideramos acertada a confirmação, pelo Tribunal da Relação …, da decisão do Tribunal de 1ª instância, no que concerne à aplicação, a todos os arguidos condenados, de penas privativas da liberdade, assim como a medida concreta destas encontrada.

x) Cumpre referir, por último, que nenhuma censura nos merece igualmente a confirmação da não aplicação do Regime Especial para Jovens (Lei nº 401/82, de 23 de Setembro) aos três Arguidos, à data dos factos, com menos de 20 anos.»

6. Subidos os autos ao Supremo Tribunal de Justiça, a Senhora Procuradora-Geral Adjunta apresentou o seguinte Parecer:

«(...)3. A Magistrada do MºPº junto do TR… respondeu aos recursos em causa em peça única, equacionando cada uma das questões suscitadas e rebatendo as mesmas com assinalável rigor e amplitude, pugnando pela improcedência de cada um dos recursos.

Em igual sentido se pronunciou a assistente EE, na resposta apresentada.

4. Nada obstando ao conhecimento dos recursos, e não tendo sido requerida a realização de audiência nos termos do nº 5 do art. 411º do CPP, deverão os mesmos ser apreciados em sede de conferência.

5. Em face do rigor e amplitude da fundamentação aduzida na citada resposta da Magistrada do MºPº junto do TR…, acompanhando-se os fundamentos nela aduzidos, sem necessidade de quaisquer considerações adicionais, por tautológicas, pronunciamo-nos igualmente pela improcedência de cada um dos recursos em causa.»

7. Notificados os recorrentes nos termos do art. 417.º, n.º 2, do CPP, responderam os arguidos

- AA alegando que o «parecer emitido pelo Exmo. Sr. Procurador-geral, em nada altera o constante da motivação do recurso interposto, para a qual remetemos, a fim de evitar repetições inúteis.»

e

- BB reafirmando a nulidade do acórdão recorrido por ter sido prolatado sem que tivesse sido realizada a audiência requerida, por omissão de pronúncia quanto às alegações apresentadas pelo arguido, nomeadamente quanto à impugnação da matéria de facto, reafirmando que não pode ser dada como provada a matéria de facto constante dos pontos 78, 79 e 82 e dos pontos 66 a 76, e consequentemente não poderia o arguido ter sido considerado coautor devendo ter sido absolvido do crime de homicídio; e concluindo que o arguido deveria ser punido pelo mínimo legal, sem antes deixar de referir que a apreciação da pena a aplicar foi realizada em conjunto para todos os arguidos, não se tendo procedido a uma análise individualizada.

8. Colhidos os vistos em simultâneo, o processo foi presente à conferência para decisão.

II

Fundamentação

A. Matéria de facto

1. Na decisão recorrida, são dados como provados os seguintes factos[2]:

«Apenso n.° 257/18……

1. No dia 4 de Abril de 2018, pelas 20h25m, os arguidos CC, e OO, dirigiram-se ao posto de abastecimento de combustível da GALP, situado na Avenida …., na …., tendo aguardado no exterior da loja de conveniência que os clientes que aí se encontravam abandonassem o local.

2. Pelas 20h28m, quando a loja se encontrava vazia, entraram no seu interior, seguindo o arguido CC à frente e o arguido OO imediatamente atrás de si, ambos com o capuz dos respectivos casacos/camisolas colocados na cabeça e uma peça de tecido a ocultar o rosto.

3. Os arguidos, seguindo por aquela ordem, passaram pelo interior da loja e dirigiram-se ao gabinete da gerência, onde se encontrava HH, gerente do estabelecimento, sentada à sua secretária a contar dinheiro recebido na loja durante o dia.

4. Aí chegados, o arguido CC apontou a arma de fogo que trazia consigo, tipo revólver, de cor …, à cabeça daquela, agarrou-a pelo braço esquerdo e deu-lhe ordem para se deslocar para o WC que se encontrava num espaço contíguo àquele, o que aquela fez, tendo o arguido permanecido junto da entrada a apontar a arma na sua direcção para que não saísse desse espaço nem reagisse de qualquer modo.

5. Por sua vez, o arguido OO dirigiu-se à secretária, pegou na quantia monetária que se encontrava sobre a mesma e guardou-a num dos bolsos do casaco que vestia.

6. De seguida, o arguido OO voltou à loja, onde já se encontrava a empregada II, aproximou-se dela, agarrou-a pelo braço e conduziu-a até à caixa, onde lhe ordenou que abrisse a gaveta da mesma, tendo retirado do seu interior a quantia monetária em notas e moedas do BCE que aí se encontrava, que guardou num dos bolsos do casaco que usava.

7. Na posse de tais quantias monetárias, no valor total de € 436,97, os arguidos saíram daquele estabelecimento comercial.

8. Ao actuarem como descrito, os arguidos agiram de forma livre, voluntária e consciente, em execução de plano previamente delineado e em comunhão de esforços e de intentos, colocando HH na impossibilidade de reagir mediante a exibição de uma arma de fogo, e constrangendo II através da utilização da força física, com o propósito de se apoderarem daquela quantia monetária, sabendo que não lhes pertencia e que actuavam contra a vontade do seu legítimo proprietário, causando-lhe, assim, um prejuízo patrimonial, resultado que representaram e que concretizaram.

Apenso n.° 380/18….

9. No dia 19 de Abril de 2019, pelas 02h00m, três indivíduos de identidade não apurada aproximaram-se do veículo de marca …., matrícula …-EJ-…, com o valor comercial não inferior a € 5.100,00, de propriedade de PP, quando se encontrava a ser estacionado por QQ, na Rua …., em …..

10. Quando QQ já se encontrava no exterior do veículo, foi abordada por um desses indivíduos, com um tom de voz intimidatório, ordenou-lhe que lhes entregasse a chave do veículo, o que aquela fez, receosa pelo que lhe pudesse suceder.

11. Entretanto os outros dois indivíduos introduziram-se na parte de trás do veículo, e o primeiro, arrancando as chaves da mão da ofendida, ocupou o lugar do condutor, após o que saíram daquele local no veículo automóvel.

Apenso n.º 345/18……

12. No dia 19 de Abril de 2018, pelas 18h20m, cinco indivíduos de identidades não apuradas, deslocaram-se ao posto de abastecimento de combustível da REPSOL, sita na Avenida …., em …., no veículo de marca …, matrícula …-EJ-….

13. Aí chegados, o condutor parou o veículo junto da porta da entrada da loja de conveniência, tendo os demais saído do veículo, deixando as portas abertas, e se dirigido ao interior da loja.

14. Todos os indivíduos usavam camisolas/casacos com capuz que tinham colocado na cabeça, ocultavam o rosto com uma peça de tecido, e usavam luvas, sendo que o primeiro a entrar empunhava uma arma fogo, tipo revólver e o terceiro transportava uma arma de fogo, tipo shotgun.

15. Um quarto indivíduo, permaneceu à porta de entrada da loja, para impedir que a mesma se fechasse e avisar os demais arguidos se fosse necessário encetarem uma fuga do local.

16. Assim que entrou na loja, o indivíduo que empunhava a arma tipo shotgun, apontando-a aos presentes disse: “Isto é um assalto, todos para o chão”.

17. Em acto contínuo, aproximou-se das empregadas da loja, RR e SS, que se encontravam ao balcão, e ao mesmo tempo que apontou a arma na direcção delas, ordenou-lhes que abrissem as caixas e saíssem daquele local, o que fizeram com receio pelas suas vidas.

18. Nesse momento, os outros dois indivíduos deslocaram-se às duas caixas aí existentes, e retiraram do interior das mesmas a quantia total de € 230,00.

19. Após retirar o dinheiro que se encontrava na caixa registadora, um dos indivíduos pegou na mala que se encontrava colocada sobre o balcão, pertencente a DD, que aí se encontrava como cliente, contendo no seu interior uma carteira com os seus documentos de identificação e cartões bancários, as chaves da sua residência e local de trabalho, um par de óculos de sol, e um telemóvel de marca ….., com o valor de € 140,00.

20. Antes de abandonarem a loja, os indivíduos ainda retiraram dos expositores uma garrafa de Licor …., no valor de € 16,25, e uma garrafa de …. Gin, no valor de € 29,99.

21. Após o que, dirigiram-se para o veículo automóvel e saíram daquele local.

Apenso n.° 407/18…..

22. No dia 22 de Abril de 2018, pelas 20h20m, o arguido AA, acompanhado de três outros indivíduos de identidades não apuradas, deslocaram-se ao posto de abastecimento de combustível da GALP sito na Estrada …, na ….., no veículo de marca …, matrícula …-EJ-…, seguindo o arguido AA no banco traseiro do lado direito.

23. Aí chegados, o condutor parou o veículo automóvel em frente à porta da entrada da loja de conveniência aí existente.

24. A empregada da loja, JJ, apercebendo-se da chegada de tal veículo e de que no seu interior seguiam quatro indivíduos encapuzados, de rosto tapado e fazendo uso de luvas, accionou o sistema de fecho das portas, com vista a impedir que se introduzissem no interior da loja.

25. Assim que o condutor parou o veículo, os demais arguidos saíram do seu interior e dirigiram-se à loja, onde entraram antes que o sistema de fecho das portas tivesse ficado activo.

26. Um dos indivíduos empunhava uma arma de fogo, enquanto o arguido AA e outro indivíduo, que o seguiam, dirigiram-se até à parte de trás do balcão, onde se encontrava JJ.

27. Ao chegar junto de JJ, o primeiro indivíduo apontou-lhe a arma de fogo, enquanto o segundo puxou a gaveta da máquina registadora que continha no seu interior a quantia monetária de € 296,88, em numerário, e o arguido AA retirou dois maços de tabaco de uma das prateleiras existentes nesse local.

28. De seguida, o arguido AA e os demais indivíduos deslocaram-se para a porta de saída, encontrando-a trancada, momento em que o primeiro efectuou um disparo em direcção à porta, tendo JJ accionado o botão para a sua abertura.

29. Assim que a porta abriu, saíram do interior da loja, entraram apressadamente no veículo onde o quarto indivíduo os aguardava, e encetaram fuga daquele local em direcção ao …...

30. Aí chegados, o condutor estacionou aquele veículo na Rua …, no …, onde foi encontrado pela GNR cerca das 20h50m.

31. Após estacionarem o veículo, o arguido AA e demais indivíduos dividiram entre si a quantia monetária subtraída, e atiraram a gaveta da caixa registadora para a via pública, onde veio a ser encontrada por populares.

32. Ao actuar como descrito, o arguido AA agiu de forma livre, voluntária e consciente, em execução de um plano previamente delineado e em comunhão de esforços e de intentos com os demais indivíduos, colocando JJ na impossibilidade de resistir, mediante a exibição de arma de fogo, com o propósito de se apoderarem daqueles bens e quantia monetária, sabendo que não lhe pertenciam e que actuava contra a vontade do legítimo proprietário, causando-lhe, assim, um prejuízo patrimonial, resultado que representou e que concretizou.

Apenso n.° 371/18…..

33. No dia 27 de Abril de 2018, pelas 20h00m, diversos indivíduos de identidade não apurada, deslocaram-se ao estabelecimento comercial Snack Bar L....., sito na Rua …., no …, …, todos encapuzados, de rosto tapado com uma peça de tecido e com óculos de sol.

34. Entraram no interior do estabelecimento, tendo um deles, que empunhava uma arma de fogo, se dirigido ao balcão, enquanto os demais ficaram de vigia.

35. Quando se encontrava em frente ao balcão, o primeiro apontou a arma de fogo que trazia consigo na direcção de TT e UU, proprietários do estabelecimento, que se encontravam junto da caixa registadora e da caixa dos Jogos da Santa Casa, exigindo dinheiro.

36. Receoso por aquilo que pudessem fazer, UU retirou da gaveta da caixa registadora a quantia monetária não inferior a € 700,00, em numerário, que lhe entregou.

37. Após receber tal quantia, e enquanto continuava a apontar a arma de fogo na direcção daqueles, um dos indivíduos continuou a exigir mais dinheiro.

38. Perante tal insistência, receoso daquilo que lhes pudesse suceder, UU entregou-lhes ainda quantia monetária de valor não apurado que tinha no bolso.

39. Na posse de tais quantias, os indivíduos saíram apressadamente daquele local.

Apenso n.° 401/18……

40. No dia 8 de Maio de 2018, pelas 17h56m, os arguidos CC e AA, acompanhados de pelo menos mais um indivíduo, deslocaram-se ao estabelecimento comercial papelaria T......, sito na Rua …, no ….. num veículo de características não apuradas.

41. O arguido CC, o outro indivíduo e o arguido AA entraram naquele estabelecimento comercial com os capuzes dos casacos que vestiam colocados na cabeça e com o rosto tapado com um pedaço de tecido, mas perante a reacção do proprietário do estabelecimento LL, que começou a gritar, e por se aperceberem da presença de três outros indivíduos do sexo masculino no local, e ainda que o arguido CC levasse consigo uma arma de fogo, retiraram-se de imediato, sem que se apropriassem de qualquer quantia, e abandonaram o local no mesmo veículo em que tinham vindo.

42. Os arguidos CC e AA, bem como o outro indivíduo agiram como vindo de descrever, de forma livre, voluntária e consciente, em execução de plano previamente delineado entre si e com o outro indivíduo e em comunhão de esforços e de intentos, trazendo com eles uma arma de fogo, com o propósito, não concretizado, de se apoderarem de quantias monetárias e outros bens que aí encontrassem, sabendo que não lhes pertenciam e que actuavam contra a vontade dos seus legítimos proprietários, causando-lhe, assim, um prejuízo patrimonial, resultado que representaram, e apenas não concretizaram por receio, em face das condições que encontraram no local.

Apenso n.° 706/18……

43. No mesmo dia, 8 de Maio de 2018, pelas 18h08m, os arguidos CC e AA, acompanhados de pelo menos um outro indivíduo de identidade não apurada, deslocaram-se ao estabelecimento comercial papelaria O......., sito na Rua …..., em …., fazendo-se transportar num veículo de marca e modelo não apurados.

44. Aí chegados, entraram no referido estabelecimento com o capuz dos casacos/camisolas na cabeça, os rostos tapados com peças de tecido, e luvas nas mãos, com excepção do arguido CC que só levava uma luva na mão esquerda.

45. O arguido CC, que entrou à frente, dirigiu-se ao balcão e após retirar a arma de fogo, tipo revólver, da bolsa que trazia consigo, apontou-a à funcionária MM e mandou-a abrir as gavetas da caixa registadora e da caixa dos Jogos da Santa Casa e baixar-se no chão.

46. Ao verem isto, os clientes que aí se encontravam, de imediato abandonaram aquele estabelecimento comercial.

47. Entretanto o arguido AA e o outro indivíduo entraram para a parte de dentro do balcão, onde mandaram a funcionária NN baixar-se no chão, e retiraram do interior daquelas caixas as quantias monetárias que aí se encontravam, em numerário, de valor total não inferior a € 2.000,00.

48. Retiraram ainda alguns maços de tabaco que aí se encontravam expostos para venda, de valor total não apurado.

49. Na posse de tal quantia monetária e de tais bens, os arguidos saíram apressadamente daquele estabelecimento comercial e dirigiram-se para o veículo em que tinham vindo, tendo saído de imediato daquele local.

50. Ao agirem como descrito, os arguidos CC e AA agiram de forma livre, voluntária e consciente, em execução de um plano previamente delineado e em comunhão de esforços e de intentos, colocando as empregadas do estabelecimento comercial O..... na impossibilidade de resistirem, mediante a exibição de uma arma de fogo, com o propósito de se apoderarem daquela quantia monetária e daqueles bens, que sabiam não lhes pertencerem e que actuavam contra a vontade do legítimo proprietário, causando-lhe, assim, um prejuízo patrimonial, resultado que representaram e que concretizaram.

Apenso n.° 818/18…..

51. No dia 25 de Maio de 2018, entre as 15h40m e as 18h30m, indivíduos de identidade não apurada, dirigiram-se à Rua ….., em ….., e de modo não apurado acederam ao interior do veículo de marca …., de matrícula NQ-…-…, com valor comercial não superior a € 450,00, de propriedade de VV, que aí se encontrava estacionado.

52. Após acederem ao seu interior, colocaram o motor em funcionamento e saíram daquele local, passando a circular no mesmo a partir dessa ocasião.

Apenso n.° 519/18…..

53. Nesse mesmo dia, 25 de Maio de 2018, pelas 18h46m, quatro indivíduos de identidade não apurada dirigiram-se ao estabelecimento comercial papelaria M....., sito no Centro Comercial …, na Avenida …., Loja ….., na …., utilizando o veículo automóvel de marca …, de matrícula NQ-…-….

54. O condutor parou em local próximo do estabelecimento comercial, após o que os outros três saíram do interior do veículo e, já com os capuzes dos casacos que vestiam na cabeça, com os rostos tapados com peças de tecido e com luvas calçadas, com excepção de um deles que só usava luvas numa das mãos, dirigiram-se àquele estabelecimento comercial.

55. O proprietário do estabelecimento, XX, apercebendo-se da aproximação dos indivíduos, dirigiu-se à porta de entrada para fechar a mesma, mas foi impedido por um desses indivíduos, que desferiu um pontapé na porta, logrando assim abri-la.

56. Em acto contínuo, entrou no estabelecimento, empunhando uma arma de fogo, tipo revólver, que apontou ao proprietário do estabelecimento e aos clientes que aí se encontravam para que não oferecessem resistência.

57. Após, ordenou a XX que abrisse as gavetas da caixa registadora e da caixa dos Jogos da Santa Casa, ao que aquele acedeu com receio de sofrer algum acto contra a sua vida.

58. Enquanto o primeiro permanecia em local próximo da entrada do estabelecimento a apontar a arma de fogo àqueles que aí se encontravam, os outros deslocaram-se para trás do balcão, para junto daquelas caixas, de onde retiraram a gaveta da caixa dos Jogos da Santa Casa, com toda a quantia monetária que continha no seu interior, que levaram consigo.

59. Por sua vez, perante a impossibilidade de retirar a gaveta da máquina registadora da marca …, pegaram na máquina, com a quantia monetária que continha no seu interior, e levaram-na consigo.

60. Na posse de tais bens e da quantia monetária no valor total aproximado de € 1000,00, os indivíduos saíram daquele estabelecimento comercial, dirigiram-se para o veículo onde o quarto indivíduo os esperava, tendo abandonado aquele local.

Apenso n.° 327/18…..

61. No dia 30 de Maio de 2018, cerca das 19h50m, indivíduos de identidade não apurada, deslocaram-se no veículo de marca ….., matrícula NQ-…-…, até à Rua …. - Quinta …., no …., e aí atearam fogo ao veículo, causando a sua destruição.

Apenso n.° 409/18……

62. No dia 6 de Junho de 2018, cerca da 01h30m, quatro indivíduos de identidade não apurada, circulavam num veículo de marca …, e de matrícula não apurada, quando se aperceberam de que ZZ estacionava o seu veículo automóvel, de marca …, no entroncamento entre a Rua … e a Rua …, em ….

63. Pararam o veículo em que seguiam em local próximo daquele, tendo saído do interior do mesmo três indivíduos, que aguardaram que ZZ terminasse tal manobra, enquanto o condutor ficou a aguardar no interior do veículo em que seguiam.

64. Quando ZZ saiu do interior do veículo foi abordada por um daqueles indivíduos, que usava um casaco com capuz colocado na cabeça, o qual lhe encostou uma arma de fogo à cabeça, ao mesmo tempo que lhe ordenou que lhe entregasse as chaves do veículo.

65. Como se recusou a entregar a chave do veículo, foi empurrada contra os carros até cair ao solo e quando aí se encontrava, um dos indivíduos desferiu-lhe pontapés até conseguirem tirar a mochila que ZZ tinha consigo, contendo no seu interior o seu cartão de cidadão, dois cartões bancários do BES por si titulados, um cartão matriz do BES, um cartão do banco BPI titulado por AAA, um cartão …Mais, um cartão Visa Business Electron da Euroticket, um telemóvel da marca …., com o IMEI …, de valor superior a € 102,00, um telemóvel de marca …, com o IMEI …, de valor superior a € 102,00, e a quantia monetária de € 15,00, e dirigiram-se para o veículo automóvel, onde eram aguardados pelo condutor e fugiram daquele local.

22/18..….. (PROCESSO PRINCIPAL)

66. No dia 8 de Junho de 2018, cerca das 18h45m, os arguidos BB, CC, OO e AA deslocaram-se no veículo de marca …, matrícula …-UJ-…, conduzido pelo primeiro arguido, para as proximidades do estabelecimento comercial Snack Bar A..., explorado por FF, EE e GG, sito na Rua …., na …., em ….

67. Aí chegados, o arguido BB estacionou o veículo na Praceta …, e saíram todos do veículo, deslocando-se apeados na direcção da Avenida …., que percorreram até entrarem na Rua …., onde se situam as traseiras daquele estabelecimento comercial.

68. Ao chegarem junto da parte traseira do Snack Bar A..., o arguido BB espreitou pelos vidros da porta para o seu interior, após o que, fez sinal com a mão aos demais arguidos dando-lhes a indicação de que poderiam avançar, e ficou a aguardar pelos mesmos no exterior.

69. Os arguidos CC, OO e AA taparam o rosto com uma das peças de vestuário que traziam vestidas ou com lenços e, usando luvas, entraram no estabelecimento comercial, empunhando o arguido CC uma arma de fogo, revólver de calibre …..

70. Assim que se introduziu no estabelecimento, o arguido CC apontou a arma de fogo na direcção dos proprietários e dos clientes que se encontravam no estabelecimento e, efectuando um primeiro disparo em direcção à parede, anunciou que se tratava de um assalto e ordenou que permanecessem quietos.

71. O arguido AA dirigiu-se para o balcão ao estabelecimento, próximo do qual se encontrava FF que ia entregar uma raspadinha a uma cliente, raspadinha que aquele agarrou, dela se apoderando, após o que se deslocou para a caixa registadora, situada na parte de trás do balcão, de onde retirou a quantia monetária de € 120,00.

72. O arguido OO, por sua vez, dirigiu-se para a caixa dos Jogos da Santa Casa, que se encontrava num balcão pequeno situado em local próximo da entrada principal do estabelecimento, junto da qual se encontrava EE e, agarrando-a pelo braço, afastou-a da máquina.

73. Como não conseguiu aceder ao seu interior, o arguido OO segurou na máquina e atirou-a ao chão para que a gaveta se abrisse, o que apenas não sucedeu porque a gaveta com o dinheiro se encontrava colocada numa prateleira do balcão.

74. Ao ouvir o estrondo da máquina a cair ao chão, GG, que se encontrava sentado numa mesa junto à porta por onde os arguidos haviam entrado, apercebendo-se da presença dos mesmos, levantou-se, perguntou o que estavam ali a fazer, e agarrou o braço do arguido CC que se encontrava mais próximo de si, altura em que este efectuou um disparo, atingindo-o na zona abdominal, e provocando a sua queda de imediato ao chão.

75. De seguida os arguidos OO, AA e CC saíram do estabelecimento e dirigiram-se a correr para o veículo automóvel, onde já se encontrava o arguido BB que entretanto havia regressado à viatura para se posicionar de forma a facilitar a fuga.

76. Os arguidos entraram no veículo e dirigiram-se para o …., tendo estacionado o veículo na Calçada …, onde veio a ser localizado por agentes da PSP pelas 19h15m, ainda com o motor quente.

77. Como consequência necessária da conduta do arguido CC, GG sofreu lesões traumáticas abdominais (ferida transfixiva da parede abdominal; laceração do mesentério e grande infiltração hemorrágica do mesmo; laceração da veia cava inferior, infiltração hemorrágica do hilo do rim direito, infiltração hemorrágica do cego, volumoso hematoma retroperitonial direito e esquerdo, fractura em túnel do osso ilíaco direito com grande infiltração hemorrágica - onde se encontrava o projéctil deformado - infiltração hemorrágica do músculo psoas e infiltração hemorrágica dos órgãos da bacia), que lhe causaram a morte.

78. Os arguidos agiram nas circunstâncias vindas de descrever de forma livre, voluntária e consciente, em execução de plano previamente delineado entre todos e em comunhão de esforços e de intentos, colocando os ofendidos na impossibilidade de resistir e constrangendo-os mediante a exibição de uma arma de fogo, com o propósito de se apoderarem de quantias monetárias que sabiam não lhes pertencerem e que actuavam contra a vontade dos seus legítimos proprietários, causando-lhes, assim, um prejuízo patrimonial, resultado que representaram e que concretizaram.

79. Os arguidos BB, OO e AA agiram de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a utilização pelo arguido CC da arma de fogo, que se encontrava devidamente municiada, para constrangerem os ofendidos e, caso fosse necessário, para obstar a que oferecessem resistência e para encetarem a fuga do local, poderia causar a morte de qualquer uma das pessoas na direcção da qual fosse efectuado um disparo, resultado que representaram e com o qual se conformaram, e que se concretizou.

80. O arguido CC agiu de forma livre, voluntária e consciente, sabendo que, ao disparar a arma nas circunstâncias referidas, de acordo com o mencionado plano, causaria a morte da vítima, o que quis e concretizou;

81. Nas circunstâncias vindas de descrever, o arguido BB agiu ainda de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que não podia conduzir o veículo mencionado na via pública sem que para tal estivesse legalmente habilitado, mas ainda assim conduziu-o.

82. Os arguidos BB, CC, OO, AA sabiam que todas as condutas descritas de 1. a 81., praticadas por cada um deles como autores ou co-autores, eram proibidas e punidas pela lei penal.

Provou-se ainda que:

83. EE e FF são, respectivamente, cônjuge sobrevivo e filha da vítima GG.

84. GG tinha, à data dos factos, 70 anos de idade, era uma pessoa saudável, activa, comunicativa e alegre.

85. Ocupava os seus dias entre o trabalho no estabelecimento comercial snack-bar A... que continuava a explorar, e o convívio com a família.

86. Era um marido, pai e avô presente, convivendo regularmente com os netos. Formava, com a esposa, filhos e netos, uma família unida e sólida

87. As demandantes EE e FF presenciaram o sucedido, e entre o momento dos factos e a notícia do óbito já no hospital, viveram momentos de grande angústia, aflição e agonia.

88. Antes da morte de GG, as demandantes eram pessoas alegres que partilhavam a rotina diária de trabalho com o aquele. Passava o Natal, Páscoa e fim de ano com os seus familiares;

89. Com a morte de GG, as demandantes sofreram profundo desgosto, perdendo a vontade de trabalhar no estabelecimento onde estavam diariamente com a vítima e onde passaram a reviver constantemente o sucedido. Tornaram-se pessoas tristes, desamparadas e sem ânimo, sentindo o vazio deixado pela morte da vítima. Os dias festivos têm sido passados com grande dor e sofrimento. Continuam a recordar a vítima com saudade e choram quando falam nele.

90. A demandante DD é funcionária no posto de abastecimento de combustível da Repsol, sito na Avenida …., em …..

91. No dia 19/04/2018, apesar de não estar ao serviço, a demandante encontrava-se naquele posto de abastecimento aquando dos factos descritos em 14. a 25.

92. A demandante temeu pela sua vida e passou a ter medo de que os factos se repetissem.

93. O posto de abastecimento de combustível da Repsol, sito na Avenida …, em … é gerido pela demandante Gestpost - Gestão e Administração de Postos de Abastecimento, Unipessoal, Lda.

94. Para substituição da fechadura da porta da loja de conveniência, a demandante despendeu € 417,19.

95. As vítimas HH e II (por referência aos factos descritos em 1. a 8.), ficaram sobressaltadas com a presença no estabelecimento dos arguidos CC e OO, ambos encapuzados e, vendo-os na posse de arma de fogo, que a primeira teve apontada à cabeça, temeram pela sua integridade física e pela vida.

96. A vítima JJ (por referência aos factos descritos em 22. a 32.), ficou sobressaltada com a entrada no estabelecimento do arguido AA e dos demais indivíduos que o acompanhavam, todos encapuzados e, vendo-os na posse de arma de fogo que apontaram na sua direcção e que depois viriam a disparar em direcção à porta, temeu pela sua integridade física e pela vida.

97. A vítima LL (por referência aos factos descritos em 40. a 42.), ficou sobressaltada com a entrada no seu estabelecimento dos arguidos CC e AA e do outro indivíduo que os acompanhava, todos encapuzados, temendo momentaneamente pela integridade física.

98. As vítimas NN e MM (por referência aos factos descritos em 43. a 50.), ficaram sobressaltadas com a entrada no estabelecimento dos arguidos CC e AA e do outro indivíduo que os acompanhava, todos encapuzados e, vendo-os na posse de arma de fogo que apontaram na sua direcção, temeram pela sua integridade física e pela vida.

Mais se provou que:

99. O arguido BB regista as seguintes condenações:

• nos autos com o n.°711/15….. do Juízo Local Criminal de … - Juiz …., por sentença de 05/09/2016 transitada em julgado em 10/10/2016, pela prática em 19/11/2015 do crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 3.° do Decreto-Lei n.°2/98, de 3 de Janeiro, na pena de 60 dias de multa à razão diária de € 5,00, num total de € 300,00;

100. BB é o mais velho de dois irmãos. O seu processo de desenvolvimento decorreu no seio de uma família estruturada que tentou transmitir-lhe valores e regras socialmente ajustados, embora os progenitores aparentem uma postura educativa permissiva e desculpabilizante. O pai trabalhou maioritariamente como … da construção civil e a mãe na indústria …, dispondo a família de uma situação económica equilibrada. O arguido concluiu o primeiro ciclo do ensino básico sem retenções, mas a partir do início do 2° ciclo passou a apresentar dificuldades de adaptação, falta de motivação e absentismo, tendo apenas concluído o 5° ano de escolaridade. Embora tenha integrado turma de PIEF (Programa Integrado de Educação e Formação) e tenha sido integrado em curso de … com o objectivo de concluir o 9° ano de escolaridade, continuou a apresentar elevado absentismo, não o tendo concluído. Abandonou a escola cerca dos 18 anos de idade. A nível profissional, o arguido esteve integrado, durante a frequência do PIEF, numa oficina de …, trabalhou durante um curto período de tempo no café que a avó materna explora no … e, posteriormente, efectuou alguns trabalhos na …, na … (na parte interior para posterior renovação) e como ajudante de ….. BB iniciou o consumo de haxixe e bebidas alcoólicas no contexto do grupo de pares, embora afirme que apenas consumia essas substâncias de forma esporádica, não tendo desenvolvido dependência. O arguido não mantinha ocupação estruturada dos tempos livres. Convivia com grupo de jovens do bairro com comportamentos considerados socialmente desajustados a cuja influência mostrava permeabilidade.

101. Anteriormente à prisão, o arguido integrava o agregado familiar constituído pelos progenitores e o irmão germano. O casal progenitor mantinha-se a viver na mesma casa, embora mantendo quotidianos separados. Ambos mantinham relacionamentos fora do casamento, tendo, pouco depois da prisão do arguido, optado por se separarem e assumirem esses relacionamentos, separação que tanto o arguido como o seu irmão tiveram dificuldade em aceitar. O irmão do arguido permaneceu na casa de morada de família com o pai. Na altura, o progenitor do arguido trabalhava como vigilante em horário nocturno, por conta da Santa Casa da Misericórdia e, simultaneamente trabalhava, à tarefa, como … da construção civil; a mãe de BB trabalhava como gerente de uma …., sendo a situação económica descrita como equilibrada, o que permitia assegurar as necessidades básicas de família. O arguido tinha iniciado recentemente o seu percurso laboral, trabalhando, à tarefa e de forma esporádica, para uma empresa de …, na área de …. Mantinha há pouco mais de um ano, uma relação de namoro com BBB, de 25 anos de idade, em casa de quem por vezes pernoitava. BB não integrava actividades estruturadas de tempos livres, mantendo convívio com grupo de pares, alguns dos quais conotados com a prática de comportamentos desajustados. Mantinha consumos de haxixe e de bebidas alcoólicas, sobretudo em contextos de lazer, considerando não ter desenvolvido dependência a estas substâncias. O arguido é descrito como imaturo, permeável à influência de terceiros e com deficits ao nível do pensamento consequencial, com um funcionamento orientado para a satisfação das suas necessidades. Quando for restituído à liberdade, BB pretende integrar o agregado familiar do progenitor, actualmente composto pelo pai, pela sua actual companheira, de 25 anos, o irmão germano CCC de 14 anos de idade e o irmão consanguíneo DDD, de cerca de três meses de idade. O pai do arguido foi vítima de um acidente de viação, do qual resultou uma fractura num dos membros superiores, encontrando-se actualmente de baixa médica. BB está preso preventivamente à ordem do presente processo desde 28/11/2018 e encontra-se no Estabelecimento Prisional de …. - Jovens desde 02/01/2019. Apresenta registo de uma infracção disciplinar datada de 12/08/2019, ainda em fase de averiguações. Ainda não participa em actividades estruturadas, estando inscrito para a frequência de uma formação profissional modular. Tem recebido visitas regulares dos progenitores, irmãos e namorada que manifestam disponibilidade para o apoiarem, quer durante a reclusão, quer quando for restituído à liberdade.

102. Decorre do relatório social que: “BB aparenta apreensão com o desfecho do presente processo, e em termos abstractos, revela capacidade de entendimento e juízo crítico sobre factos de natureza idêntica aos que lhe deram origem, reconhecendo a sua ilicitude e gravidade. (...) O processo de desenvolvimento de BB decorreu no seio de uma família afectivamente apoiante, mas que durante o seu processo educativo apresentou uma atitude permissiva e desculpabilizante o que não contribuiu para a interiorização, por parte do arguido, de regras e valores pró-sociais. Do seu percurso de vida destacamos um percurso escolar pouco investido, ausência de formação profissional, vinculação a pares conotados com comportamentos desadequados e orientação para a satisfação das suas necessidades, aspetos que podem constituir-se como vulnerabilidades no seu percurso de vida. Como fator de proteção dispõe do apoio familiar por parte dos pais e elementos da família alargada, incluindo a namorada, embora estes, no passado, não se tenham conseguido constituir como contentores do seu comportamento desajustado”.

103. Do certificado do registo criminal do arguido CC nada consta;

104. CC é o mais novo de uma fratria de quatro irmãos, tendo o seu processo de socialização decorrido sempre junto do agregado de origem. Durante cerca de quatro anos residiu em … juntamente com os pais e irmãos, que na altura procuravam melhores condições de vida. Em 2006 regressaram a Portugal e fixaram-se na actual zona de residência, onde já residiam os avós. Posteriormente o seu desenvolvimento foi caracterizado por algumas lacunas no plano normativo devido à deficiente supervisão parental, o que se reflectiu no percurso escolar e na rede de sociabilidades do jovem. O percurso escolar de CC foi marcado por quatro retenções, duas no 1° ciclo devido a um acidente e as outras no 5° e 6° ano de escolaridade. No 1° ciclo o jovem esteve impedido de frequentar a escola durante um ano lectivo devido a um acidente em que sofreu queimaduras de 2° e 3° grau nos membros inferiores, tendo sido sujeito a diversas intervenções cirúrgicas. Desde 2014 que foi acompanhado pelo Comissão de Proteção de Crianças e Jovens de … devido ao absentismo escolar, mau comportamento e uma denúncia de roubo em que o mesmo terá participado, a qual resultou na aplicação de medida tutelar educativa com imposição de obrigações, pelo período de um ano (Processo n° 143/15….), nomeadamente obrigação de frequência de estabelecimento de ensino com controlo de assiduidade, pontualidade, aproveitamento e comportamento; frequência de curso/sessões de treino de competências sociais e proibição de acompanhar indivíduos conotados com a prática de ilícitos. A execução da medida decorreu de forma pouco regular, não tendo sido integralmente cumprida devido ao absentismo escolar. Iniciou consumos de álcool e haxixe com 15/16 anos de idade, consumos que mantinha com regularidade antes de ser preso. O irmão mais velho faleceu em Agosto de 2018 devido a doença oncológica, sendo que o jovem mantinha uma relação de proximidade, afecto e compreensão com este irmão, por quem vivenciou sentimentos de revolta e de perda.

105. O jovem na altura dos factos que deram origem ao presente processo, tinha 16 anos de idade e encontrava-se inserido numa turma de PIEF - Programa Integrado de Educação e Formação, na Escola Secundaria do …. com vista à certificação do 3° ciclo. Actualmente a família reside numa casa de habitação social, inserida numa zona onde se identificam acentuados constrangimentos ao nível da marginalidade e exclusão social. Pagam uma renda de 17€, valor acrescido das despesas domésticas (agua, luz etc) que em média ronda os 100€/mês. O agregado constituído pelos pais e um irmão de 25 anos de idade. A subsistência familiar é garantida pelo Rendimento Social de Inserção no valor aproximado de € 400, por trabalhos em regime de biscates realizados pelo pai na área de … do qual obtém o valor médio mensal de 750€. O irmão trabalha também em regime de biscate, como … e aufere 50€/dia pelo trabalho realizado. A dinâmica familiar aparenta vinculação afetiva, sendo que o jovem recebe visitas semanais (por vezes bissemanais) no E.P. da mãe, irmãos e alguns amigos. Desde a sua reclusão que a mãe faz transferências semanais de montantes médios de 40€. Beneficia de acompanhamento psicológico por parte dos serviços clínicos do EP. CC em meio prisional apresenta um comportamento adequado às regras e normas prisionais, aparentando uma atitude manipulativa para com os outros reclusos. Em meio prisional assume já ter consumido haxixe, por uma vez.

106. Decorre do relatório social que: “A atual situação jurídico-penal é vivida pelo arguido com alguma ansiedade, nervosismo e medo pelo desfecho que poderá ter o presente processo. CC revela pouca capacidade crítica relativamente à gravidade do ilícito, ao valor do bem jurídico e ao dano associado, demonstrando imaturidade e irresponsabilidade. Assume uma atitude de desculpabilização e atribuição externa de responsabilidade a comportamentos da sua vida e a comportamentos por si assumidos, procurando projetar a imagem social que lhe é mais favorável e aquela que no seu entender, resultaria em aceitação social. CC possui apoio familiar. No entanto, o percurso do arguido é marcado pelas dificuldades de supervisão parental, o que levou a que se integrasse num grupo de pares com comportamentos desviantes. Tende a estabelecer relações interpessoais caracterizadas por aparente amabilidade e pela dificuldade de tomar iniciativas ou assumir papel de maior liderança, demonstrando permeabilidade aos pares.”

(...)

113. Do certificado do registo criminal do arguido AA nada consta;

114. AA é o segundo dos três irmãos. Os pais do arguido, ……., vivem em casas separadas, permanecendo cada um com a respetiva progenitora. Assim, o processo de socialização do arguido e dos irmãos decorreu entre o agregado paterno e o agregado materno. Embora o pai refira ter mantido uma monitorização próxima do quotidiano do arguido, apresenta simultaneamente uma postura permissiva e desculpabilizante e pouca valorização do sistema de aprendizagem e da necessidade de aquisição de competências escolares e formativas por parte do arguido. A nível económico, a família dependia do Rendimento Social de Inserção, dado que os rendimentos obtidos pelo progenitor na actividade ……. não permitiam assegurar as necessidades básicas do agregado. AA apresenta um percurso escolar irregular, tendo iniciado a frequência do ensino cerca de dois anos mais tarde do que a idade normativa. Regista uma retenção no 4° ano de escolaridade, por motivo de doença. Concluiu o segundo ciclo do ensino básico (6° ano de escolaridade), tendo posteriormente passado a apresentar falta de motivação e elevado absentismo, não conseguindo concluir qualquer outro grau de ensino. AA iniciou o consumo de haxixe no final da adolescência, no contexto da escola. Mantinha convivência com grupo de jovens do bairro com comportamentos considerados socialmente desajustados, a cuja influência mostrava permeabilidade.

115. Anteriormente à prisão, a residência do arguido oscilava entre o agregado familiar do pai e avó paterna e o agregado familiar da mãe e avó materna, ambos residentes em bairros sociais associados a problemáticas de pobreza, marginalidade e delinquência. Nos últimos meses anteriores à prisão, o arguido permaneceu em casa de uns tios, na …. Na altura, o arguido estava matriculado no ensino, num Curso de Educação e Formação na área ……, que lhe conferiria o 9° ano de escolaridade, embora apresentasse elevado absentismo e reduzido aproveitamento. A família, nomeadamente o pai, apresentava uma atitude de tolerância face a esta situação. O arguido não desenvolvia actividades estruturadas de ocupação dos tempos livres e ainda não teve qualquer experiência profissional. Quer o agregado familiar do pai, quer o agregado da mãe, subsiste de apoios sociais, nomeadamente de Rendimento Social de Inserção. AA encontra-se no Estabelecimento Prisional  …… - Jovens à ordem do presente processo. Apresenta registo de vários procedimentos disciplinares: em 21/03/2019 foi-lhe apreendida uma pequena quantidade de estupefaciente (0,14g de cannabis), pelo que foi punido com 20 (vinte) dias de permanência obrigatória no alojamento; em 07/06/2019 desobedeceu, de forma pública e notória a ordens dos funcionários do Estabelecimento Prisional, pelo que foi punido com 15 (quinze) dias de permanência obrigatória no alojamento. Frequentou o programa de treino de competências “Grupo de Entrados”, com vista à estabilização comportamental e concluiu um curso de formação profissional modular (340 horas) de “…...”. Actualmente está prevista a sua integração num curso profissional modular ……..

116. Decorre do relatório social que: “AA apresenta traços de imaturidade, permeabilidade à influência dos pares e dificuldades no controlo dos impulsos. O arguido tem recebido visitas assíduas dos elementos do seu agregado familiar, em especial do progenitor que manifesta total disponibilidade para apoiar o filho, quer na presente situação, quer no regresso ao meio livre. Quando regressar ao meio livre, o arguido pretende integrar o agregado familiar do pai, composto por este e pela avó paterna. De referir que o arguido pretende continuar a manter convivência próxima com o agregado materno, composto pela mãe, pela avó materna e pelos irmãos do arguido que residem numa habitação próxima (distam uma da outra cerca de cinco quilómetros). AA manifesta apreensão com o desfecho do presente processo, e em termos abstratos, revela capacidade de entendimento e juízo crítico sobre factos de natureza idêntica aos que lhe deram origem, reconhecendo a sua ilicitude e gravidade. A atual situação jurídico-penal não teve impacto negativo na situação familiar do arguido que continua a beneficiar do apoio incondicional dos pais e elementos dos respetivos agregados familiares.

117. O processo de desenvolvimento de AA decorreu no seio de uma família afectivamente apoiante, mas cuja atitude permissiva e desculpabilizante não contribuiu para a interiorização, por parte do arguido, de regras e valores pró-sociais. Do seu percurso de vida destacamos um percurso escolar pouco investido, ausência de formação profissional, vinculação a pares conotados com comportamentos desadequados e orientação para a satisfação das suas necessidades e a problemática aditiva, aspetos que podem constituir-se como vulnerabilidades no seu percurso de vida. Iniciou precocemente os contactos com o sistema de justiça juvenil. Destaca-se ainda o apoio familiar por parte dos progenitores, embora estes tenham uma situação socioeconómica frágil”.

118. No decurso do julgamento, o arguido AA depositou à ordem destes autos as quantias de € 76,47 e € 30,00, por referência ao proporcional que lhe caberia nos valores globais apropriados no apenso 407/18…. e nos autos principais (22/18…..).»

2. E são dados como não provados os seguintes factos:

«a) Que os factos dados como provados em 9. a 11. (apenso 380/18….) tivessem sido praticados pelos arguidos BB, CC e AA.

b) Que nas circunstâncias descritas em 9. a 11., os arguidos agiram de forma livre, voluntária e consciente, em execução de um plano previamente delineado e em comunhão de esforços e de intentos, constrangendo QQ, mediante a utilização da força física e por meio de ameaça, com o propósito de se apoderarem daquele veículo automóvel, que sabiam não lhes pertencer e que actuavam contra a vontade do seu legítimo proprietário, causando-lhe, assim, um prejuízo patrimonial, resultado que representaram e que concretizaram.

c) Que os factos dados como provados em 12. a 21. (apenso 345/18….) tivessem sido praticados pelos arguidos BB, CC, OO e EEE.

d) Que ao actuarem como descrito em 12. a 21., os arguidos agiram de forma livre, voluntária e consciente, em execução de um plano previamente delineado e em comunhão de esforços e de intentos, constrangendo RR, SS e DD e colocando-as na impossibilidade de resistirem, mediante a exibição de armas de fogo, com o propósito de se apoderarem daqueles bens e quantias monetárias, sabendo que não lhes pertenciam e que actuavam contra a vontade dos legítimos proprietário, causando-lhes, assim, um prejuízo patrimonial, resultado que representaram e que concretizaram.

e) Que nas circunstâncias referidas em 12. a 21., o arguido BB tivesse agido ainda de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que não podia conduzir o veículo mencionado na via pública sem que para tal estivesse legalmente habilitado, mas ainda assim conduziu-o.

f) Que os factos dados como provados em 22. a 32. (apenso 407/18….) tenham sido praticados conjuntamente com os arguidos BB, CC e OO.

g) Que ao actuarem como descrito em 22. a 32., os arguidos BB, CC e OO agiram de forma livre, voluntária e consciente, em execução de um plano previamente delineado e em comunhão de esforços e de intentos, colocando JJ na impossibilidade de resistir, mediante a exibição daquela arma de fogo, com o propósito de se apoderarem daqueles bens e quantia monetária, sabendo que não lhes pertenciam e que actuavam contra a vontade do legítimo proprietário, causando-lhe, assim, um prejuízo patrimonial, resultado que representaram e que concretizaram.

h) Que nas circunstâncias descritas em 22. a 32. o arguido BB agiu ainda de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que não podia conduzir o veículo mencionado na via pública sem que para tal estivesse legalmente habilitado, mas ainda assim conduziu-o.

i) Que os factos dados como provados em 33. a 39. (apenso 371/18….) hajam sido praticados pelos arguidos BB, OO, CC e AA;

j) Que os autores dos factos descritos em 33. a 39. se tenham deslocado para o local em veículo automóvel, que pararam a uns metros do estabelecimento, e no interior do qual permaneceu um dos indivíduos enquanto os demais actuavam nos termos descritos;

k) Que ao actuarem como descrito em 33. a 39., os arguidos BB, OO, CC e AA agiram de forma livre, voluntária e consciente, em execução de um plano previamente delineado e em comunhão de esforços e de intentos, constrangendo UU e TT, mediante a exibição de uma arma de fogo, e entregar aquelas quantias, com o propósito de se apoderarem das mesmas, sabendo que não lhes pertenciam e que actuavam contra a vontade do legítimo proprietário, causando-lhe, assim, um prejuízo patrimonial, resultado que representaram e que concretizaram.

l) Que nas circunstâncias referidas em 33. a 39., o arguido BB agiu ainda de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que não podia conduzir o veículo mencionado na via pública sem que para tal estivesse legalmente habilitado, mas ainda assim conduziu-o.

m) Que os factos dados como provados em 40. a 42. (apenso 401/18….) tenham sido praticados também por BB e OO.

n) Que o veículo em que os autores dos factos se deslocaram fosse de marca …, matrícula …-UJ-…, propriedade de BBB, namorada do arguido BB, veículo conduzido por este, e no interior do qual o mesmo aguardou que os demais actuassem nos termos descritos.

o) Que os arguidos BB e OO, na situação descrita em 40. a 42., tenham agido de forma livre, voluntária e consciente, em execução de plano previamente delineado entre si e com o outro indivíduo e em comunhão de esforços e de intentos, trazendo com eles uma arma de fogo, com o propósito, não concretizado, de se apoderarem de quantias monetárias e outros bens que aí encontrassem, sabendo que não lhes pertenciam e que actuavam contra a vontade dos seus legítimos proprietários, causando-lhe, assim, um prejuízo patrimonial, resultado que representaram.

p) Que nas circunstâncias descritas em 40. a 42., o arguido BB agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que não podia conduzir o veículo mencionado na via pública sem que para tal estivesse legalmente habilitado, mas ainda assim conduziu-o.

q) Que os factos dados como provados em 43. a 50. (apenso 706/18……) tivessem sido praticados também pelos arguidos BB e OO.

r) Que o veículo em que os autores dos factos se deslocaram fosse de marca …, matrícula …-UJ-…, conduzido pelo arguido BB o qual permaneceu no interior do veículo enquanto dos demais actuavam nos termos descritos.

s) Que na situação descrita em 43. a 50., os arguidos BB e OO agiram de forma livre, voluntária e consciente, em execução de um plano previamente delineado e em comunhão de esforços e de intentos, colocando as empregadas do estabelecimento comercial O..... na impossibilidade de resistirem, mediante a exibição de uma arma de fogo, com o propósito de se apoderarem daquela quantia monetária e daqueles bens, que sabiam não lhes pertencerem e que actuavam contra a vontade do legítimo proprietário, causando-lhe, assim, um prejuízo patrimonial, resultado que representaram e que concretizaram.

t) Que nas circunstâncias descritas em 43. a 50., o arguido BB agiu ainda de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que não podia conduzir o veículo mencionado na via pública sem que para tal estivesse legalmente habilitado, mas ainda assim conduziu-o;

u) Que os factos dados como provados em 51. e 52. (apenso 818/18….) tivessem sido praticados pelos arguidos BB, CC, OO e FFF.

v) Que ao agirem como descrito em 51. e 52., os arguidos agiram voluntária, livre e conscientemente, de acordo com aquilo que haviam previamente acordado e em conjugação de esforços e de intentos, com o propósito concretizado de se apropriarem desse veículo automóvel, bem sabendo que o mesmo não lhes pertencia e que desse modo causavam um prejuízo patrimonial à sua legítima proprietária, resultado que representaram.

w) Que os factos descritos em 53. a 60. (apenso 519/18….) tenham sido praticados pelos arguidos BB, CC, OO e FFF, seguindo o primeiro no lugar do condutor;

x) Que ao actuarem como descrito em 53. a 60., os arguidos agiram de forma livre, voluntária e consciente, em execução de um plano previamente delineado e em comunhão de esforços e de intentos, constrangendo e colocando XX na impossibilidade de resistir, mediante a exibição de uma arma de fogo, com o propósito de se apoderarem daquelas quantias monetárias, sabendo que não lhes pertenciam e que actuavam contra a vontade do seu legítimo proprietário, causando-lhe, assim, um prejuízo patrimonial, resultado que representaram e que concretizaram.

y) Que nas circunstâncias descritas em 53. a 60., o arguido BB agiu ainda de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que não podia conduzir o veículo mencionado na via pública sem que para tal estivesse legalmente habilitado, mas ainda assim conduziu-o.

z) Que os factos dados como provados em 61. (apenso 327/18…..), tivessem sido praticados pelos arguidos BB, CC, OO e FFF;

aa) Que ao actuarem do modo descrito em 61., os arguidos agiram de forma livre, voluntária e consciente, de acordo com aquilo que haviam acordado previamente e em conjugação de esforços e de intentos, com o propósito concretizado de causar estragos naquele veículo, sabendo que o mesmo não lhes pertencia e que estavam a agir contra a vontade da sua legítima proprietária.

bb) Que os factos dados como provados em 62. a 65. (apenso 409/18….) tenham sido praticados pelos arguidos BB e OO.

cc) Que ao actuarem como descrito em 62. a 65., os arguidos agiram de forma livre, voluntária e consciente, em execução de um plano previamente delineado e em comunhão de esforços e de intentos com os outros dois indivíduos não identificados, utilizando de violência e ameaça, mediante a exibição de uma arma de fogo, com o propósito de se apoderarem daqueles bens, sabendo que não lhes pertenciam e que actuavam contra a vontade da sua legítima proprietária, causando-lhe, assim, um prejuízo patrimonial, resultado que representaram e que concretizaram.

dd) Que a demandante DD, para substituir os bens que lhe foram subtraídos, gastou: €30,00 para substituir a mala de mão; € 55,00 para substituir a carteira/porta-moedas; € 150,00 para substituir o telemóvel; € 20,00 para substituir os óculos de sol; € 50,00 para substituir artigos de maquilhagem; € 80,00 para obter novos cartões multibanco; € 20,00 para substituir o cartão de cidadão; e € 100,00 para substituir a fechadura da porta cujas chaves foram subtraídas»

B. Matéria de Direito

1.1. Tendo em conta os recursos apresentados, são as seguintes as questões a conhecer:

a) recorrente AA

i) nulidade do acórdão recorrido do Tribunal da Relação …. por violação do disposto no art. 358.º, n.º 1, do CPP, quando se decidiu pela manutenção dos factos dados como provados em 1.ª instância, com as alterações, introduzidas pelo Tribunal Judicial da Comarca …, que não constavam da acusação;

ii) erro notório na apreciação da prova [art. 410.º, n.º 2, al. c), do CPP] e violação do princípio do in dubio pro reo e da presunção de inocência, por ter considerado provada a participação do arguido nos factos elencados no âmbito do apenso n.º 706/18…, e impugnando estes factos provados com base na alegação de que nenhuma das testemunhas o reconheceu, não existe prova pericial nem localização celular que o coloque no local;

            iii)  alega que não pode ser considerado coautor no crime de homicídio, porque este facto não teria sido abrangido pelo acordo prévio (apesar de expressamente referir “todos admitiram como possível que no decurso do roubo a arma pudesse vir a ser utilizada. Admitimos que sim” — motivação, p. 11 — entende que “Tal não significa que o homicídio lhe possa ser assacado a todos porque o recorrente e os restantes 2 indivíduos consumaram o roubo e ausentaram-se do local” — idem), e ocorreu somente após a prática do crime de roubo, quando já não se encontrava no local;

iv)  entende que, por ter 17 anos de idade à data da prática dos factos, devia ter sido aplicado o regime especial para jovens delinquentes, e devia ter sido dado relevo às circunstâncias de ter admitido grande parte dos factos, de as suas declarações terem sido relevantes, de ter confessado, de se mostrar arrependido, e de ser delinquente primário;

v) entende que as penas devem ser reduzidas: caso se mantenha a condenação pelo crime de homicídio, deverá a pena ser de 8 anos de prisão, mas caso seja absolvido do homicídio, a pena não deverá ser superior a 4 anos.

b) recorrente CC

i) alega nulidade do acórdão recorrido nos termos do art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPP, por o Tribunal da Relação não se ter pronunciado sobre o seu recurso: se, por um lado, quanto à alegação de nulidade do acórdão de 1.ª instância (por alteração substancial dos factos) e quanto à não aplicação do regime dos jovens adultos, o acórdão analisou globalmente as questões alegadas pelos diversos recorrentes, por outro lado, entende o recorrente que, atento o facto de ser um delinquente com 16 anos de idade, condenado numa pena de prisão de 16 anos, deveriam as suas alegações ter tido uma apreciação autónoma; alega ainda que há omissão de pronúncia porque o Tribunal não se pronunciou sobre a impugnação da matéria de facto e sobre a medida da pena tal como tinha sido alegado em sede de recurso interposto para o Tribunal da Relação;

c) recorrente BB

i) nulidade do acórdão recorrido por não ter sido realizada a audiência, tal como pedido no recurso para o Tribunal da Relação ….;

ii) nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia (nos termos do art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPP) quanto à impugnação da matéria de facto que apresentou aquando do recurso para o Tribunal da Relação;

iii) entende que o Tribunal concluiu pela sua participação no crime de homicídio (subsequente ao crime de roubo) a partir de factos conclusivos — os factos provados 78, 79 e 82;

iv) alega que não pode ser considerado coautor no crime de homicídio porque o acordo prévio não abrangeu a prática deste crime e não só não sabia que o co-arguido levava uma arma consigo (não terá sequer havido concordância quanto à sua utilização aquando do roubo), como também o arguido não estava no interior do estabelecimento quando ocorreram os factos, tendo concluído que houve um excesso do coautor, pelo qual não deve ser responsabilizado;

v) alega que devia ser punido com uma pena perto do limite legal: porque era menor de 21 anos, porque apenas tem um antecedente criminal quanto a um crime de condução sem habilitação legal (facto provado 99), porque tem hábitos de trabalho (facto provado 101), porque tem uma relação afetiva (facto provado 101), tem apoio familiar, e tem consciência da ilicitude e gravidade dos factos (facto provado 102);

1.2. Comecemos por analisar a recorribilidade do acórdão do Tribunal da Relação …. considerando as penas aplicadas a cada um dos crimes e a autonomização clara, em sede de matéria de facto provada, de cada circunstancialismo factual atinente a cada um dos crimes por que cada arguido foi condenado.

Compulsadas todas as condenações dos aqui recorrentes, e sabendo que o Tribunal da Relação …. negou provimento a todos os recursos então apresentados, tendo mantido sem qualquer alteração a matéria de facto constante do acórdão de 1.ª instância, e tendo mantido inalterada a qualificação jurídica e as penas aplicadas a cada arguido, chegamos à conclusão, por força do disposto no art. 432.º, n.º n.º 1, al. b) e 400.º, n.º 1, al. f), ambos do CPP, que só é admitido o recurso quanto ao crime de homicídio qualificado em que os arguidos recorrentes foram condenados numa pena de prisão de 13 anos e 3 meses (AA), 14 anos (CC) e 13 anos (BB) e quanto às penas únicas aplicadas de 13 anos  de prisão (AA), 16 anos de prisão (CC) e 14 anos de prisão (BB). Todas as questões relativas aos crimes singulares e eventuais nulidades do acórdão recorrido exclusivamente conexionadas com os crimes pelos quais os arguidos foram condenados em pena de prisão inferiores a 8 anos (com exceção do crime de homicídio) não poderão ser apreciadas. As nulidades deveriam ter sido invocadas perante Tribunal da Relação …., nos termos do art. 615.º, n.º 4, do CPC, ex vi art. 4.º, do CPP, e no prazo estabelecido no art. 105.º, n.º 1, do CPP.

Assim, e tendo em conta o agora exposto, considerando as questões colocadas pelos recorrentes, não poderão ser conhecidas por este Supremo Tribunal as seguintes questões:

- a relativa [apresentada pelo recorrente AA – cf. supra a) i)] à nulidade do acórdão de 1.ª instância (por força do disposto no art. 358.º, n.º 1, do CPP) por ter dado como provada factos com alteração (segundo os recorrentes) substancial relativamente aos factos constantes da acusação quanto ao apenso n.º 706/18... (caso em que o arguido foi condenado numa pena de prisão de 3 anos e 8 meses);

- a relativa à nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia quanto à impugnação da matéria de facto [apresentada pelo recorrente CC – cf. supra b) i)] quando esta impugnação se refere a todos os factos relativos a todos os crimes, com exceção da referente ao crime de homicídio qualificado integrado no processo n.º 22/18...

- a relativa à nulidade por omissão de pronúncia [apresentada pelo recorrente CC – cf. supra b) i)] por o Tribunal recorrido não ter analisado individualmente a questão concernente à alteração substancial dos factos e a questão referente à aplicação do regime especial de atenuação da pena para jovens delinquentes na parte em que se refere a crimes outros que não o crime de homicídio qualificado;

- a relativa à nulidade por omissão de pronúncia [apresentada pelo recorrente CC – cf. supra b) i)] quanto à determinação de todas as penas concretas que não a aplicada ao crime de homicídio qualificado ou a pena única; e

- a referente à alegação de erro notório na apreciação da prova, de violação dos princípios do in dubio pro reo e da presunção da inocência [apresentada pelo recorrente AA – cf. supra a)ii)] quando relativa aos factos provados referentes ao apenso n.º 706/18...., caso em que o arguido foi condenado numa pena de prisão de 3 anos e 8 meses (confirmada pelo Tribunal da Relação);

- a referente à questão da aplicação do regime especial de atenuação da pena para jovens delinquentes relativamente a todos os crimes que não o crime de homicídio qualificado [apresentada pelos recorrentes AA – cf. supra a) iv) —, BB – cf. supra c) v) — e CC – cf. supra b) i)].

E também uma outra questão já não pode ser agora analisada em sede deste recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.

O recorrente BB alega que, na base da condenação pelo crime de homicídio, estão factos provados que entende como sendo conclusivos — os factos 78, 79 e 82:

 “3. Os factos provados nos pontos 66 a 76 não permitem concluir pelos factos provados em 78, 79 e 82

a. Isto é, o arguido não agiu em coautoria no crime de homicídio;

b. Ao contrário dos outros, o recorrente apenas teve intervenção nestes factos e como condutor;

c. não esteve dentro do estabelecimento e regressou ao carro quando os outros entraram

d. não se provou que tivesse visto a arma, visto ou ouvido o 1º e/ou 2º disparo ou ainda que tivesse acordado inicialmente pelo seu uso e para tirar a vida de alguém.

e. O provado nos pontos 78, 79 e 82 excede os factos provados anteriormente, pois são conclusões não autorizadas pelos factos provados” (conclusão 3).

Ainda que estejamos no âmbito do crime de homicídio qualificado, a verdade é que, tal como este Supremo Tribunal de Justiça já assinalou em anterior acórdão[3], ainda que o recurso interposto para este Supremo Tribunal (nos termos do art. 410.º, n.º 1, do CPP) possa “ter por fundamento quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida”, certo é que a apreciação das imputações genéricas ou conclusivas apenas podem ser conhecidas quando serviram de fundamento para uma nova decisão, nomeadamente uma nova qualificação jurídica dos factos, distinta da anteriormente prolatada em 1.ª instância. O que de todo não sucedeu no presente caso. Não houve qualquer alteração nem da matéria de facto nem da qualificação jurídica dos factos, pelo que tudo o relativo à matéria de facto provada ficou sedimentado com a prolação do acórdão do Tribunal da Relação e a sua irrecorribilidade para o Supremo tribunal de Justiça, por este não poder conhecer de matéria de facto.

Pelo que esta questão não será igualmente analisada por inadmissibilidade do recurso.

Todavia, importa distinguir a impossibilidade de análise por este Supremo Tribunal de Justiça da alegação de factos conclusivos no âmbito da matéria de facto, da alegação de nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia quanto à matéria de facto impugnada, nomeadamente, quanto à impugnação expressa de BB aquando do recurso interposto para o Tribunal da Relação …., onde expressamente referiu: “Desde logo, os factos provados nos pontos 66 a 76 não permitem as conclusões retiradas nos pontos 78, 79 e 82.” (conclusão 3, cf. ac. recorrido, p. 14) — quanto a isto veja-se infra ponto 1.3. iii).

1.3. Assim sendo, serão as seguintes as questões a apreciar:

i) nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia relativamente à impugnação da matéria de facto (quanto ao crime de homicídio) apresentada pelos arguidos CC e BB [cf. supra b) i) e c) ii), respetivamente];

ii) nulidade do acórdão recorrido (na parte respeitante ao crime de homicídio do proc n.º 22/118...), por violação do disposto no art. 358.º, n.º 1, n.º do CPP, na parte em que alterou a matéria de facto provada que constitui (segundo os recorrentes) uma alteração substancial dos factos elencados na acusação [cf. recurso de AA, supra a) i)] — ou seja, as alterações introduzidas nos factos provados 70, 74e 80,  tendo em conta a limitação do recurso a analisar a parte da decisão recorrida; e nulidade do acórdão recorrido, por omissão de pronúncia, quando não procedeu a uma análise individualizada da alegação da existência de nulidade do acórdão de 1.ª instância por alteração substancial dos factos (relativos ao crime de homicídio [cf. recurso de CC, suprab) i)];

iii) nulidade do acórdão recorrido por não realização da audiência requerida, aquando da interposição do recurso para o Tribunal da Relação, pelo arguido BB [cf. supra c) i)];

iv) nulidade por omissão de pronúncia quanto à aplicação do regime especial de atenuação da pena para jovens adultos e quanto à impugnação da medida da pena apresentada no recurso interposto para o Tribunal da Relação [cf. recurso de CC, supra b) i)];

v) o problema da imputação do crime de homicídio em coautoria e o excesso do coautor por aquele ato não estar abrangido, segundo os recorrentes AA [cf. supra a) iii)] e BB [cf. supra c) iv)], no acordo prévio;

vi) a determinação das penas concretas relativas ao crime de homicídio e a aplicação do regime especial de atenuação especial para jovens adultos quanto aos arguidos AA [cf. supra a) iv)] e BB [cf. supra c) v)];

vii) a determinação da pena única aplicada aos arguidos AA [cf. supra a) v)] e BB [cf. supra c) v)].

Analisemos.

2.1. Os recorrentes CC e BB [cf. supra b) i) e c) ii), respetivamente] alegam a nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia relativamente à impugnação da matéria de facto (quanto ao crime de homicídio) apresentada no recurso para o Tribunal da Relação …..

Compulsados os recursos interpostos, verifica-se que

a) no caso do arguido CC

- o arguido começou por interpor o recurso considerando que versa sobre matéria de facto e requerendo “nos termos do disposto no art.º 411.º n.º 5 que se realize Audiência, devendo na mesma ser debatidos, os pontos constantes das motivações e das conclusões”, e

- começando por suscitar questões prévias (na designação do recorrente) quanto à aplicabilidade do regime de atenuação especial da pena para jovens  delinquentes (pontos 2 e ss da motivação)  e quanto à alteração não substancial dos factos ocorrida em 1.ª instância (pontos 14 e ss da motivação), seguem as alegações quanto à qualificação dos factos por entender que os arguidos deveriam ser condenados por um crime de roubo agravado pelo resultado de morte (pontos 19 e ss); e concluindo que houve uma interpretação inconstitucional do art. 210.º, n.º 3, do CP (cf. ponto 21 da motivação); seguiu-se a impugnação da matéria de facto (ponto 24 e ss) nos termos do art. 412.º, do CPP (ponto 26 da motivação); porém, esta impugnação inicia-se com a alegação da insuficiência da matéria de facto para a decisão e erro na apreciação da prova  nos termos do art 410.º, n.º 1, als. a) e c), do CPP (pontos 29 a  43 da motivação) e impugnando expressamente a prova da identificação do arguido (a partir do ponto 44 da motivação) com a identificação da parte do depoimento testemunhal que entende como relevante,  e terminando considerando que não houve um reconhecimento do arguido; neste último ponto transcrevem-se as alegações (repetidas nas conclusões transcritas no acórdão recorrido) para melhor esclarecimento:

«44- Que o Tribunal não teve duvidas que foi o arguido CC quem praticou os factos é notório, pois a convicção do mesmo levou a uma condenação do arguido numa pena de 16 anos de prisão, no entanto é óbvio e notório que inexistem provas ou sequer indícios que tenha sido o arguido a praticar os factos pelos quais foi condenado, impondo-se por conseguinte, a alteração da matéria de facto provada, e onde consta o nome do CC, passar a constar sujeito não determinado, e o arguido ser absolvido como é de justiça, pois existem elementos suficientes nos autos que impõem tal conclusão.

45–Todos os reconhecimentos efectuados ao arguido, em sede de inquérito, foram negativos, nem outra conclusão se esperaria, uma vez que o mesmo não praticou os factos pelos quais veio a ser condenado.

46 – Cumpre também fazer referência de modo a cumprir o estatuído no artigo 412.º do CPP, que a testemunha GGG, a qual prestou depoimento em sede de audiência de Julgamento, acta do dia 06.11.2019 minutos 12:29:26 a 13:05:24, durante 35 minutos e cinquenta e sete segundos a testemunha afirmou:

Quando questionada que conhece apenas 1 dos arguidos, que não conhece pessoalmente, mas reconhece a cara do condutor, não conhecendo ou reconhecendo o arguido ora recorrente, o qual se encontrava na audiência de julgamento (minutos 00:00 a 00:55).

Após ter sido questionada pelo MP nesse sentido a testemunha confirmou que se sentiria mais à vontade em prestar o seu depoimento sem a presença dos arguidos, pelo que os mesmos foram removidos da sala de audiências, nos termos do disposto no artigo 352.º do CPP.

A partir do minuto 02:52 a testemunha começa a descrever os factos que presenciou, esclarecendo que foi ela quem filmou.

A testemunha esclarece que após ouvir o disparo agarrou o telemóvel e tentou tirar informação que sabia que poderia ser útil, tendo filmado os sujeitos a correr e a entrar no carro, além do condutor eram mais 4 pessoas, sendo 5 pessoas ao todo, com capuchos na cabeça, 1 com um casaco de ganga, 1 com 1 casaco preto, o 3.º de casaco preto, mas que não era de tecido, não viu o 4.º passar, o rapaz ao lado do condutor tinha cara de muito miúdo, o que achou estranho por estar num carro topo de gama, questionada se reconhece o rapaz que estava ao lado do condutor, se consegue lembrar-se de algum pormenor, ou de descrever o rosto, refere que o que estav ao lado do condutor, o pendura, não se lembra da cara muito, muito bem, mas que tinha uma coisa, ou tinha o cabelo loiro ou tinha o cabelo pintado oxigenado, que esse rapaz foi uma das pessoas que filmou na fuga, que era o rapaz que ia a correr no segundo lugar com o casaco preto. Que não viu arma, mas quando falou com a polícia ficou com a impressão que o rapaz do pendura ou tinha dinheiro, ou tinha arma porque o rapaz estava a correr e nunca tirou a mão do bolso, (minutos 06:27 a 12:15).

Após ter sido confrontada com as fls. 48 e ss dos autos, diz que o mais parecido com o rapaz que filmou é o CC. (minutos 16:07)

Reconhecendo naquela data que o indivíduo que se encontrava sentado em 2.º lugar na sala de audiência (CC) é aquele que diz ter visto ao lado do pendura com um rosto de menino (minutos 20:30 a 22:37)

Ou seja que o mais parecido com a fotografia que foi confrontada em sede de audiência de julgamento era (do universo dos arguidos que ali se encontravam na sala), o que estava sentado em segundo lugar na sala de audiência, lugar ocupado pelo arguido CC, ora recorrente (minutos 30:10 a 31:10).

47 – Ora este depoimento não consubstancia, ao contrário do que afirma o acórdão de que ora se recorre qualquer reconhecimento por parte da testemunha do arguido ora recorrente, alegadamente efectuada em sede de audiência.»

E esta impugnação da matéria de facto é igualmente clara nas conclusões 46 e 47:

«46 – Cumpre também fazer referência de modo a cumprir o estatuído no artigo 412.º do CPP, que a testemunha GGG, a qual prestou depoimento em sede de audiência de Julgamento, acta do dia 06.11.2019 minutos 12:29:26 a 13:05:24, durante 35 minutos e cinquenta e sete segundos a testemunha afirmou:

Quando questionada que conhece apenas 1 dos arguidos, que não conhece pessoalmente, mas reconhece a cara do condutor, não conhecendo ou reconhecendo o arguido ora recorrente, o qual se encontrava na audiência de julgamento (minutos 00:00 a 00:55).

Após ter sido questionada pelo MP nesse sentido a testemunha confirmou que se sentiria mais à vontade em prestar o seu depoimento sem a presença dos arguidos, pelo que os mesmos foram removidos da sala de audiências, nos termos do disposto no artigo 352.º do CPP.

A partir do minuto 02:52 a testemunha começa a descrever os factos que presenciou, esclarecendo que foi ela quem filmou.

A testemunha esclarece que após ouvir o disparo agarrou o telemóvel e tentou tirar informação que sabia que poderia ser útil, tendo filmado os sujeitos a correr e a entrar no carro, além do condutor eram mais 4 pessoas, sendo 5 pessoas ao todo, com capuchos na cabeça, 1 com um casaco de ganga, 1 com 1 casaco preto, o 3.º de casaco preto, mas que não era de tecido, não viu o 4.º passar, o rapaz ao lado do condutor tinha cara de muito miúdo, o que achou estranho por estar num carro topo de gama, questionada se reconhece o rapaz que estava ao lado do condutor, se consegue lembrar-se de algum pormenor, ou de descrever o rosto, refere que o que estava ao lado do condutor, o pendura, não se lembra da cara muito, muito bem, mas que tinha uma coisa, ou tinha o cabelo loiro ou tinha o cabelo pintado oxigenado, que esse rapaz foi uma das pessoas que filmou na fuga, que era o rapaz que ia a correr no segundo lugar com o casaco preto. Que não viu arma, mas quando falou com a polícia ficou com a impressão que o rapaz do pendura ou tinha dinheiro, ou tinha arma porque o rapaz estava a correr e nunca tirou a mão do bolso, (minutos 06:27 a 12:15).

Após ter sido confrontada com as fls. 48 e ss dos autos, diz que o mais parecido com o rapaz que filmou é o CC. (minutos 16:07)

Reconhecendo naquela data que o individuo que se encontrava sentado em 2.º lugar na sala de audiência (CC) é aquele que diz ter visto ao lado do pendura com um rosto de menino (minutos 20:30 a 22:37)

Ou seja que o mais parecido com a fotografia que foi confrontada em sede de audiência de julgamento era (do universo dos arguidos que ali se encontravam na sala), o que estava sentado em segundo lugar na sala de audiência, lugar ocupado pelo arguido CC, ora recorrente (minutos 30:10 a 31:10).

47 – Ora este depoimento não consubstancia, ao contrário do que afirma o acórdão de que ora se recorre qualquer reconhecimento por parte da testemunha do arguido ora recorrente, alegadamente efectuada em sede de audiência.»

b e no caso do arguido BB, este impugnou a matéria de facto quanto aos factos provados 78, 79 e 82 por os considerar conclusivos, nos seguintes termos:

«a) Dos factos conclusivos provados nos pontos 78, 79 e 82

Para esta discussão é necessário assentar as seguintes condutas dos arguidos, incluindo o do aqui recorrente:

• O recorrente BB apenas esteve envolvido neste conjunto de factos, pois foi absolvido de todos os outros crimes de roubo;

• Todos os arguidos - BB, CC, OO e AA - dirigiram-se ao snack bar A...;

• O recorrente BB foi o condutor do veículo;

• Que o arguido BB aproximou-se dos vidros da porta e fez sinal aos outros para entrarem;

• Regressou ao seu carro e ficou à espera dos outros;

• Dentro do snack bar, o CC fez um primeiro disparo na parede e disse que era um assalto;

• Na parte final da execução do assalto, o GG, perguntou o que estavam ali a fazer e agarrou o braço do CC quando este dispara e atinge aquela no abdómem;

• Fogem os três em direção ao carro onde estava o ora recorrente BB;

• O GG veio a falecer na sequência e por causa do disparo efetuado pelo CC.

Estes factos provados, só por si, impedem as conclusões formuladas nos pontos 78, 79. e 82.

É que de nenhuma foram é possível dar como provado, com base nos factos provados, que este arguido, o recorrente BB, previu sequer a hipótese de a arma que estava na mãe do CC poder ser utilizada no sentido de atingir alguém e poder causar a morte.

Não se deu como provada absolutamente nada sobre o que foi ou não combinado pelos arguidos antes do assalto.

Nada se disse sobre o facto, mesmo assim, o recorrente BB ter ou não conhecimento de que o CC levava uma arma na mão.

Na verdade, não se deu como provado que o recorrente BB sabia, antes daquele momento, que o CC tinha um revolver.

Aliás, dos factos provados em 69., não resulta que o CC tenha saído do carro já com a arma empunhada ou que o recorrente BB tivesse visto essa arma antes de entrar no snack bar.

Muito menos se provou, como se disse, que o recorrente BB soubesse que os outros já tinham usado uma arma nos roubos anteriores.

Acresce ainda que não se provou sequer que o recorrente BB tivesse tido conhecimento de que ocorreu um disparo contra uma pessoa e muito mesmo que tivesse sido atingido alguém.

Por fim, não se provou também que o recorrente BB sabia que os outros tinham feito assaltos anteriormente.

Isto para dizer, que existem demasiadas perguntas sem resposta ou de indeterminadas para se poder concluir, como o faz o acórdão recorrido nos pontos 79 e 82, de que o recorrente BB sabia e aceitou que arma pudesse ser usada para matar alguém.

É que, ainda para mais, neste caso, a atitude do falecido GG foi totalmente inesperada e originou também uma reação a quente e inesperada do arguido CC.

É que mesmo a atuação do CC, neste caso concreto, foi inesperada e irrefletida.

Aliás, não deu como provado que o recorrente BB tivesse assistido ao 1º disparo provado em 70, como se alcança do provado nos pontos 68 e 75.

Aliás, as asserções do acórdão recorrido na fundamentação de facto a propósito desta factualidade não encontram respaldo na matéria de facto provada, nomeadamente quando o acórdão recorrido afirma que o arguido BB só se dirigiu ao veículo depois do 1º disparo.

Isso não se provou, antes que, algures entre a chamada para os outros avançarem e o seu regresso ao carro, o arguido BB foi para o lugar do condutor no dito carro.

Não poderia, mesmo que aceitasse, que não aceitou o uso da arma, ter previsto aquilo tudo.

Assim, se não se provou:

• Qual a combinação dos arguidos no tocante à arma, se é que houve com o BB;

• que este arguido fizesse algo mais do que conduzir o carro;

• que tivesse visto a arma;

• que tivesse visto o 1º disparo;

• que soubesse que alguém foi atingido;

• Que o recorrente tivesse intervindo em qualquer outros factos com os seus coarguidos;

• Que o recorrente BB soubesse que o CC iria transportar uma arma para aquele roubo;

• Enfim, que o recorrente pudesse ter previsto a possibilidade de que o CC fosse reagir a quente e de modo totalmente irrefletido à atitude do falecido.

Por outro lado, ainda que seguindo o raciocínio do acórdão recorrido, o disparo na parede pelo arguido CC revela precisamente que apenas se pensou em assustar as pessoas.

Foi por isso, admite o acórdão recorrido, que o o CC disparou de imediato contra a parede.

Não estava no plano, o excesso do acordado – tiro para a parede para assustar as pessoas – na reação inesperada do falecido e na ainda maior reação a quente e irrefletida do arguido CC.

Entende-se assim, não poder persistir o provado nos pontos 78, 79 e 82, o que implica a absolvição do crime de homicídio.»

Tendo em conta as alegações apresentadas, é clara a impugnação de parte da matéria de facto pelo arguido CC (com pedido de realização de audiência) e com cumprimento do ónus de impugnação. Quanto ao recurso quanto à matéria de facto apresentado por BB, trata-se de uma simples alegação de que certos factos provados são meramente conclusivos.

Compulsado o acórdão recorrido, verifica-se que se procedeu a uma análise da problemática relativa à verificação (ou não) de alteração substancial dos factos em 1.ª instância (p. 159-162 do ac. recorrido), procedeu-se em seguida a uma análise dos erro-vícios previstos no art. 410.º, n.º 2, do CPP (p. 162) seguindo-se uma referência (sem ligação concreta a nenhum dos recursos) à necessidade de cumprimento do ónus de impugnação aquando de um recurso que verse matéria de facto (p. 162-165). Começou depois a ser analisada a impugnação da matéria de facto do recurso interposto pelo arguido AA, referindo-se exclusivamente ao proc. n.º 706/18... (cf. p. 165-166 do ac. recorrido) não relacionado com o crime de homicídio qualificado que se integra no âmbito da matéria de facto subjacente ao proc. n.º 22/18.... Seguiu‑se uma análise da participação deste arguido como coautor (p.166-170). E continuando ainda a referir-se apenas ao arguido AA, analisou a alegada existência de insuficiência da matéria de facto para a decisão (p. 170-171).

Para melhor esclarecimento transcrevemos o texto do acórdão que vimos sumariando:

«A primeira questão que se nos apresenta envolve a apreciação da existência ou não de alteração substancial dos factos a que o tribunal procedeu durante a audiência.

Nos termos do art. 1º, 1, f), C. P. Pen., haverá alteração substancial dos factos sempre que aquela tiver por efeito a imputação aos arguidos de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis. Ora, consabidamente, o crime integra o facto típico, ilícito e culposo, assim como as condições objectivas de punibilidade e as causas que possa excluir a aplicação da pena.

No caso em preço, excluída que está a agravação do limite máximo da pena aplicável, importando tão só aquilatar se a alteração de factos a que se procedeu configura ou não um crime diverso daquele que constava da acusação ou são suficientes para sustentar uma condenação.

“O processo de estrutura acusatória exige uma necessária correlação entre a acusação e a decisão. A definição do Thema Decidendum na acusação é uma consequência da estrutura acusatória do processo” – G. Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 1994, pg. 265 -. Isto, sem embargo de, como vimos, o tribunal poder considerar factos novos que não bulam com a essência da acusação, sob pena de violação das garantias de defesa do arguido, mesmo com eventual prejuízo de uma pretensa justiça material ou da celeridade processual que, na nossa perspectiva constitucional, por mais importante que seja o relevo que tais princípios devam assumir, se encontram necessariamente secundarizados ante aquele primeiro, que contende directamente com a dignidade humana, valor primacial numa sociedade profundamente humanista como a nossa se orgulha de ser.

Assim, a alteração não substancial dos factos terá de respeitar apenas a circunstâncias acidentais ou modificativas atenuantes (ob. cit., pg. 275).

Como refere Frederico Isasca, Alteração Substancial dos Factos e Sua Relevância no Processo Penal Português, 1995, pg. 98, “nem todas as modificações ou alterações de factos atingem o objecto do processo pois este mantêm-se idêntico se a modificação se traduzir numa alteração de factos não substancial. Na sua dimensão objectiva, o facto processual que consubstancia o objecto do processo não é absolutamente rígido, mas antes dotado de uma certa elasticidade, cuja máxima extensão é exactamente a qualificação da alteração doa factos como substancial” a qual pode consistir no acrescentamento, substituição ou exclusão de alguns dos factos, sem embargo do princípio da vinculação temática.

O problema da diversidade ou não do crime, reduz-se, no fundo, à questão da identidade do facto processual. E aqui está já implícita a conclusão de que aquele conceito não pode nem deve ser apurado com base em critérios puramente normativos. O conceito de crime diverso não fica exclusivamente dependente de um quadro de referências jurídico-penais, mas também e independentemente dele, dos próprios elementos que formam o pedaço de vida jurídico-penalmente qualificável como crime, pelo que a diversidade deste não poderá ser aferida com o exclusivo recurso a uma das vertentes do conceito de facto processual (Frederico Isasca, ob. cit., pgs. 117-118).

O que vem de ser referido servir-nos-á de orientação hermenêutica das expressões normativas constantes do C. P. Pen., nomeadamente, dos seus arts. 1º, al., f), 358º e 359º, entre outros, e na sua adequação ao caso concreto.

Sucede que no decurso da audiência, mediante a produção probatória realizada, o tribunal a quo, sem alterar a qualificação jurídica, entendeu que era passível de virem a ser provados factos não constantes da acusação.

Assim sendo, embora se tenham acrescentado factos que enformam com mais pormenor a actuação dos arguidos, o cenário dos crimes e a dinâmica destes, o certo é que a adição factual se conteve, quanto a nós, nos limites temáticos objectivos delimitados pela acusação, não agravando nem sequer alterando a responsabilidade jurídico-penal dos arguidos e mantendo a identidade do processo em termos de objecto.

Decorrentemente, pela adição factual, logrou-se a concretização da assinalada factualidade, a qual, mantendo o enquadramento histórico-temporal aduzido na acusação, esmiuça o mesmo, com evidentes reflexos fáctico-normativos, sem contudo alterar a qualificação jurídica dos crimes, o agravamento dos limites máximos das sanções aplicáveis ou a imputação de crime diverso.

Assim sendo, resulta do exposto, que a alteração factual supra mencionada constitui alteração não substancial dos factos, nos termos do art. 358º, C. P. Pen., sendo certo ter sido concedido prazo à defesa para enfrentar as modificações, conhecendo-as, sopesando-as e rebatendo-as, em nada se mostrando beliscados os direitos de defesa constitucionalmente consagrados no art. 32º, 1 e 5 da CRP, inexistindo, por maioria de razão, qualquer nulidade.

É sabido que a matéria de facto pode ser sindicada por duas vias: no âmbito, mais restrito, dos vícios previstos no artigo 410.º, n.º 2, do C.P.P., no que se convencionou chamar de “revista alargada”; ou através da impugnação ampla da matéria de facto, a que se refere o artigo 412.º, n.º 3, 4 e 6, do mesmo diploma.

No primeiro caso, estamos perante a arguição dos vícios decisórios previstos nas diversas alíneas do n.º 2 do referido artigo 410.º, cuja indagação, como resulta do preceito, tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos.

No segundo caso, a apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos n.º 3 e 4 do art. 412.º do C.P. Penal.

Nos casos de impugnação ampla, o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, agora com base na audição de gravações, antes constituindo um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorrecções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, na perspectiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente. O recurso que impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não pressupõe, por conseguinte, a reapreciação total do acervo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas antes uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do tribunal a quo quanto aos «concretos pontos de facto» que o recorrente especifique como incorrectamente julgados. Para esse efeito, deve o tribunal de recurso verificar se os pontos de facto questionados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova indicados nessa decisão e os meios de prova indicados pelo recorrente e que este considera imporem decisão diversa (v. Acs. do S.T.J., de 14 de Março de 2007, Processo 07P21, de 23 de Maio de 2007, Processo 07P1498, de 3 de Julho de 2008, Processo 08P1312, em www. dgsi.pt).

Precisamente porque o recurso em que se impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não constitui um novo julgamento do objecto do processo, mas antes um remédio jurídico que se destina a despistar e corrigir, cirurgicamente, erros in judicando ou in procedendo, que o recorrente deverá expressamente indicar, impõe-se a este o ónus de proceder à uma tríplice especificação, estabelecida no artigo 412.º, n.º 3, do C.P. Penal:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;

b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;

c) As provas que devem ser renovadas.»

Relativamente às duas últimas especificações recai ainda sobre o recorrente uma outra exigência: havendo gravação das provas, essas especificações devem ser feitas com referência ao consignado na acta, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens (das gravações) em que se funda a impugnação, pois são essas que devem ser ouvidas ou visualizadas pelo tribunal, sem prejuízo de outras relevantes (n.º 4 e 6 do artigo 412.º do C.P.P.)” - Ac. RL, Proc. nº 1111/09.2PFSXL.L1, de 25-1-11 (Des. Jorge Gonçalves).

Como realçou o S.T.J., em acórdão de 12-6-2008 (Proc. nº 07P4375, em www.dgsi.pt), “a sindicância da matéria de facto, na impugnação ampla, ainda que debruçando-se sobre a prova produzida em audiência de julgamento, sofre quatro tipos de limitações:

- a que decorre da necessidade de observância pelo recorrente do mencionado ónus de especificação, pelo que a reapreciação é restrita aos concretos pontos de facto que o recorrente entende incorrectamente julgados e às concretas razões de discordância, sendo necessário que se especifiquem as provas que imponham decisão diversa da recorrida e não apenas a permitam;

- a que decorre da natural falta de oralidade e de imediação com as provas produzidas em audiência, circunscrevendo-se o “contacto” com as provas ao que consta das gravações;

- a que resulta da circunstância de a reponderação de facto pela Relação não constituir um segundo/novo julgamento, cingindo-se a uma intervenção cirúrgica, no sentido de restrita à indagação, ponto por ponto, da existência ou não dos concretos erros de julgamento de facto apontados pelo recorrente, procedendo à sua correcção se for caso disso;

- a que tem a ver com o facto de ao tribunal de 2.ª instância, no recurso da matéria de facto, só ser possível alterar o decidido pela 1.ª instância se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida (al. b) do n.º 3 do citado artigo 412.º)” – também neste sentido o Ac. RL, de 10.10.2007, proc. nº 8428/2007-3, em www.dgsi.pt”.

Impugna o arguido AA os pontos 43 a 50 e 75 a 79 dos factos dados como provados, ou seja, rejeita a sua participação na factualidade atinente ao Proc. 706/18….. e aos autos principais. Vejamos:

Relativamente aos factos ocorridos na papelaria “O….”, dúvidas não sobram sobre a sua participação neles do recorrente AA, como doutamente se motivou no acórdão recorrido. Efectivamente, para além das testemunhas NN e MM, que descreveram o tipo fisionómico dos assaltantes e a actividade decorrente, há que considerar que o AA admitiu a sua participação em factos ocorridos cerca de 12 minutos antes na papelaria T…...., onde exibia as mesmas vestes e calçado que usava na papelaria O…. e a forma de os usar, o que se extrai dos fotogramas retirados das imagens de videovigilância do local. As declarações do arguido AA não são, neste particular, credíveis, pelo bem andou o tribunal recorrido em não as acolher pois a deslocação naquele período de tempo é incompatível com uma ida de permeio ao …...

Quanto aos factos a que se reportam os autos principais, é o próprio recorrente AA que admite a sua participação neles, a que acresce a recolha de vestígios hemáticos seus na porta traseira esquerda do … que os arguidos se fizeram transportar para as imediações do local, onde a testemunha GGG os surpreendeu, reconheceu parcialmente e filmou, bem como relevam os depoimentos da assistente e da filha, que se encontravam no interior do estabelecimento. Assim, mostra-se correcta a decisão do tribunal a quo relativamente à matéria de facto em causa, deixando-se contudo, para momento posterior a análise da factualidade atinente à co-autoria.

Na co-autoria, o domínio funcional dos factos é conjunto relativamente aos crimes cometidos em simultâneo pelos arguidos. 

A esse respeito Johannes WESSELS sobre a participação em co-autoria escreve “Co-autoria é o cometimento comunitário de um facto punível através de uma actuação conjunta consciente e querida. (…) A co-autoria se baseia no princípio do actuar em divisão de trabalho e na distribuição funcional dos papéis. Todo o colaborador é aqui, como parceiro dos mesmos direitos, co-titular da resolução comum para o facto e da realização comunitária do tipo, de forma que as contribuições individuais completam-se em um todo unitário e o resultado total deve ser imputado a todos os participantes”. (in “Direito Penal Parte Geral”, trad. brasileira, p.121, Porto Alegre, 1976).           

Diz-se no acórdão recorrido que: Invocou a Defesa do arguido AA, em audiência de julgamento, que não pode o crime de homicídio ser-lhe imputado a título de co-autoria, na medida em que, estando já no exterior do estabelecimento comercial quando ocorreu o disparo, não tinha o domínio funcional do facto.

Conforme vem sumariado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15/04/2009 (Proc 09P0583; Rel. Fernando Fróis), com particular relevância para este caso pela similitude das situações: “I - A doutrina e a jurisprudência consideram como elementos da comparticipação criminosa sob a forma de co-autoria os seguintes:

- a intervenção directa na fase de execução do crime (execução conjunta do facto);

- o acordo para a realização conjunta do facto, acordo que não pressupõe a participação de todos na elaboração do plano comum de execução do facto, que não tem de ser expresso, podendo manifestar-se através de qualquer comportamento concludente, e que não tem de ser prévio ao início da prestação do contributo do respectivo co-autor;

- o domínio funcional do facto, no sentido de “deter e exercer o domínio positivo do facto típico”, ou seja, o domínio da sua função, do seu contributo, na realização do tipo, de tal forma que, numa perspectiva ex ante, a omissão do seu contributo impediria a realização do facto típico na forma planeada.

II - «A co-autoria baseia-se no princípio do actuar em divisão de trabalho e na distribuição funcional dos papéis. Todo o colaborador é aqui, como parceiro dos mesmos direitos, co-titular da resolução comum para o facto e da realização comunitária do tipo, de forma que as contribuições individuais completam-se em um todo unitário e o resultado total deve ser imputado a todos os participantes» - cf Johannes Wessels, Direito Penal, Parte Geral (Aspectos Fundamentais), Porto Alegre, 1976, págs. 121 e 129.

 (...)

VI - Tendo em consideração que:

- existiu uma resolução comum com um plano previamente traçado de forma pormenorizada (de início com a intervenção dos arguidos A e SV e um terceiro, um tal MM, e depois com a adesão da arguida C) com vista à apropriação, através de violência sobre o proprietário, de bens valiosos;

- foi também entre todos acordado que o produto do assalto seria dividido de forma equitativa;

- estabeleceram uma “divisão de tarefas” a realizar por cada um deles (arguidos), todas elas com manifesta relevância para o alcance da finalidade pretendida - o arguido A como executor material do roubo, acompanhado da arguida C, cuja presença serviria para não chamar as atenções, ambos aparentando ser um casal normal; o arguido/recorrente SV transportou aqueles arguidos A e C ao local do crime, e a sua participação foi imprescindível não só para a execução do plano traçado, uma vez que conhecia bem o local (ao contrário dos outros arguidos, sendo que anteriormente fizera o reconhecimento do mesmo), mas também para a fuga do local após os factos;

- quanto ao crime de homicídio, todos - incluindo o recorrente - previram que pudessem surgir dificuldades na execução (do roubo na ourivesaria) e que, para remover as mesmas, fosse tirada a vida a qualquer pessoa, designadamente utilizando as armas, tendo-se conformado com tal eventualidade;

não há dúvidas de que o arguido/recorrente praticou os crimes de homicídio qualificado (com dolo eventual) e de roubo (com dolo directo, na forma tentada), em co-autoria”.

No caso dos autos, resultou provado que todos os arguidos se dirigiram ao snack-bar A... na execução de plano previamente delineado entre todos, para se apoderarem dos bens ou quantias que ali existissem, todos sabendo que o arguido CC estava na posse de arma que seria exibida para constranger as vítimas e que poderia ser usada em caso de ser oposta resistência, uso do qual poderia resultar a morte das pessoas que viesse a atingir, resultado com que se conformaram.

E é na execução deste plano que o arguido BB conduz a viatura, faz sinal aos demais arguidos para entrarem e regressa ao veículo para o posicionar de forma a facilitar a fuga, recolhendo os demais arguidos; os arguidos AA e OO, aproveitando a inércia das vítimas perante ameaça da arma apontada pelo arguido, se apoderam das quantias existentes; e o arguido CC empunha e exibe a arma aos presentes procurando anular qualquer oposição da parte destes. Papéis que continuam a ser assumidos por cada um dos arguidos mesmo após o disparo inicial de aviso por parte do arguido CC e que prosseguem, (mesmo depois de ocorrer a resistência da vítima e o disparo do arguido CC sobre esta, que se configurava como cenário possível e assumido por todos) até se introduzirem todos na viatura de fuga e abandonarem o local.

Resulta, pois, que todos os arguidos participaram activamente na execução de um plano comum, executando cada qual as tarefas que lhes competiam para o sucesso da actuação e nenhum lhe manifestando oposição, mas antes a ela aderindo integralmente.

Daqui se retira inelutavelmente que todos os arguidos, no âmbito de um plano previamente deliberado, com divisão de tarefas e proventos e organização (transporte automóvel, estacionamento resguardado, avanço primeiro do arguido BB para inspeccionar o local e chamar os restantes arguidos, caras tapadas, utilização de arma de fogo pelo CC com conhecimento prévio de todos, continuação do plano traçado após um primeiro disparo quando todos estavam no interior do estabelecimento, sendo aqui irrelevante que aquando do seguindo disparo os co-arguidos já se encontrassem no exterior daquele, pois a concordância daqueles para a utilização da arma fora dada previamente, em moldes que serviam não apenas a intimidação mas igualmente a agressão física ou à vida de terceiros que se lhes opusessem como, de resto, resulta das regras da experiência comum, mormente em face de uma arma de fogo transportada naquelas circunstâncias, municiada e pronta a disparar (caso contrário, não deveria estar carregada e pronta a disparar).

É assim de manter incólumes os arts. 75º a 79º, por todos impugnados, assim como o 78º e 82º, impugnados pelo arguido CC, o que implica que todos os arguidos tinham o domínio dos factos e, como tal, sejam co-autores do crime de homicídio qualificado pelo qual vêm condenados.

Invoca ainda o arguido AA a insuficiência da matéria de facto para a decisão – art. 410º, 2, b), C. P. Pen. -.

Os vícios do art. 410º, 2, C. P. Pen., têm de resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugados com as regras da experiência comum. Assim:

Como resulta do art. 410º, 2, C. P. Pen., qualquer dos vícios aí previstos terá de resultar do texto da decisão, por si só ou conjugada com as regras da experiência: o vício há-de ser, assim, evidenciado pela conjugação desses dois elementos, sem possibilidade ou sem que se torne necessário atender a outros, designadamente, ao conteúdo e sentido da prova produzida em julgamento. E, tanto pode incidir sobre a relação entre a prova efectivamente produzida e o que se considerou provado – al. c) do nº 2 do art. 410º – como sobre a relação entre o que se considerou provado e o que se decidiu – als. a) e b) do nº 2 do art. 410º - (cfr. Acs. STJ, de 29-10-08, Proc. nº 07P1016; de 8-10-08, Proc. nº 08P3068; e de 12-6-08, Proc. nº 07P4375, in www.dgsi.pt.).

“O vício da insuficiência da matéria de facto tem de aquilatar-se em função do objecto do processo traçado pela acusação e defesa, de modo a que se possa constatar que tal objecto ficou esgotado, nomeadamente, na vertente do thema probandum, isto é, que o tribunal indagou todos os factos pertinentes à causa e legitimados pelos limites do libelo e correspondente defesa; não ficando esgotado tal objecto processual, sempre existirá insuficiência da matéria de facto, quer para suportar uma decisão condenatória, quer para fundar a decisão absolutória” – cfr. Ac. STJ, de 26-10-06, Proc. nº 06P3119, in www.dgsi.pt -. Assim, o vício da insuficiência da matéria de facto para a decisão exige que deixe de ser apurada matéria factual relevante, não se mostrando elencado o imprescindível núcleo de factos que o concreto objecto do processo reclama face à equação jurídica a resolver no caso – Acs. STJ, de 23-3-06, Proc. nº 06P959; e de 1-6-06, Proc. nº 06P1614, in www. dgsi.pt -.

Ora, em face do que vem de ser exposto, dúvidas não restam de que o acórdão recorrido contem toda a factualidade típica e circunstancial, objectiva e subjectiva necessárias à decisão, qualquer que seja a perspectiva pela qual se abordem as questões, pelo que inexiste o invocado vício do art. 410º, 2, b), C. P. Pen..» (ac. recorrido, p. 159-171).

Após esta análise do recurso interposto pelo arguido AA, seguiu-se a apreciação das penas aplicadas aos diversos arguidos com ponderação da possibilidade (ou não) de aplicação do regime de atenuação especial da pena para jovens delinquentes e da alegada violação do princípio do in dubio pro reo (p. 171-176):

«As finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela dos bens jurídicos e, na medida do possível, na reinserção do agente na comunidade e que, neste quadro conceptual, o processo de determinação da pena concreta seguirá a seguinte metodologia: a partir da moldura penal abstracta procurar-se-á encontrar uma sub-moldura para o caso concreto, que terá como limite superior a medida óptima de tutela de bens jurídicos e das expectativas comunitárias e, como limite inferior, o quantum abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar. Dentro dessa moldura de prevenção actuarão, de seguida, as considerações extraídas das exigências de prevenção especial de socialização. Quanto à culpa, compete-lhe estabelecer o limite inultrapassável da medida da pena a estabelecer (cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As consequências jurídicas do crime, Parte Geral, II, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, pp. 227 e segs.). Destarte, a medida da pena há-de ser dada primordialmente pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto. É, assim, a prevenção geral positiva e não a culpa que fornece um «espaço de liberdade ou de indeterminação», uma «moldura de prevenção» (ponto óptimo e o ponto ainda comunitariamente suportável de medida de tutela dos bens jurídicos). A culpa, além de constituir o referido limite máximo de medida da pena, teria como função a proibição de excesso: constituiria um limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações preventivas. Dentro dos limites referidos e permitidos pela prevenção geral positiva, actuam os pontos de vista de prevenção especial de socialização que vão determinar, em último termo, a medida da pena, devendo esta, evitar a quebra da inserção social do agente e servir a sua reintegração (Figueiredo Dias, ob. e loc. cit., pgs. 221-225).

A medida da pena a determinar no âmbito da moldura de prevenção - onde actuam as mencionadas considerações de socialização -, tem, assim, como limite máximo a culpa do agente e, como limite mínimo, a pena que, perante as circunstâncias concretas do caso relevantes, se mostra ainda comunitariamente suportável à luz da necessidade de tutela dos bens jurídicos e da estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada ou reafirmação contra-fáctica da norma (prevenção geral de integração).

Temos, assim, que a medida da pena se determina em função da necessidade de protecção dos bens jurídicos (prevenção geral) e de reintegração do agente na sociedade (prevenção especial), tendo por limite a medida da culpa expressa – arts. 40º, 1 e 2 e 71º, C. Pen..

Efectivamente, dispõe expressamente aquele art. 71.º, n.º 1, que a determinação da medida da pena é feita «em função da culpa do agente e das exigências de prevenção», devendo-se atender, nos termos do n.º 2 do cit. art. a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele, nomeadamente, as elencadas nas suas diversas alíneas.

O art. 70º, 1, C. Penal., manda dar prevalência à pena não privativa da liberdade, quando esta for aplicável em alternativa, se destarte se realizarem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

No caso presente, todos os arguidos se insurgem contra a as medidas das penas, apodando-as de exageradas.

Ora, sendo certo que estamos ante crimes muito graves, o modo de execução dos factos, com utilização de elevada violência e intimidação, com consequências patrimoniais e pessoais deveras gravosas e avultadas, também a culpa dos arguidos expressa nos factos se antolha muito elevada, considerando a quase gratuitidade com que um deles empunhava uma arma de fogo e a disparava, com a conivência e adesão dos restantes, a par da facilidade e intensidade da intimidação das vítimas, actuando com dolo directo e aceitação da morte de terceiros em consequência da utilização da arma de fogo.

No que refere às condições pessoais e económicas dos arguidos, embora haja que atender à juventude de todos e à sua inserção familiar, há que contrapor o passado criminal dos arguidos BB e OO, assim como, em reverso, a ausência de antecedentes criminais dos arguidos AA e CC, e a confissão parcial dos factos por aquele, levando-se também em conta a desinserção social e profissional dos recorrentes e a ausência de projectos de vida consistentes virados para a observância do direito.

Neste particular há que atender a que as penas não podem ser aplicadas por comparação entre os co-autores, dado que a intensidade criminosa em termos de desvalor ético-subjectivo não é idêntica, relevando aqui os papéis atribuídos a cada um (vg. Efectuar vigilância não é o mesmo que transportar um revólver a apontá-lo à vítimas), para além de que as condições pessoais são diversas e individualizadas, acrescendo que só o AA admitiu parcialmente a prática de factos, não assumindo, porém, nenhum deles, o arrependimento ou o desvalor resultante da sua prática.

Relativamente às necessidades de prevenção geral, dúvidas não restam de que são elevadíssimas, gerando, os actos como os destes autos, praticados com elevada violência e com vítima mortal, em estabelecimentos abertos ao público, grande temor e apreensão sociais, havendo que repor o direito de forma a afastar tais sentimentos da comunidade.

Também as necessidades de prevenção especial são muito elevadas dado que os arguidos não adquiriram atempadamente os valores ético-jurídicos necessários ao enfrentamento de uma vida social normal e de acordo com aqueles, quer porque abandonaram precocemente a escolaridade, quer porque tiveram ausências parentais importantes ou, se presentes, foram demasiado permissivas, e ainda porque precocemente enveredaram por um modo de vida em que perpassa a ociosidade e o consumo de álcool e drogas, com ausência de perspectivas de vida e ocupação profissional consistente.

Também a aplicação do regime penal especial para jovens se mostra aqui desadequado, não só para o CC e o AA, mas também para os outros recorrentes, pelos motivos já plenamente vertidos no acórdão recorrido, mas também que acima se deixou expresso. Efectivamente, a atenuação especial aqui em causa não iria contribuir de modo nenhum para a reinserção social dos recorrentes, ante a ausência por estes de uma inexistência de arrependimento e, mais abrangentemente, de efectiva apreensão do elevado desvalor objectivo e subjectivo dos factos, para além de que não possuem qualquer projecto estruturante de vida, nem um suporte axiológico que lhes permita absorver de outro modo o quadro criminoso em que se envolveram.

Assim sendo, impõem-se a exacta manutenção das penas parcelares e únicas pelas quais os arguidos vêm condenados.

Consequentemente, excedendo a pena única do arguido AA os 5 anos de prisão não há lugar à verificação da possibilidade da suspensão da sua execução.

No que se refere a uma pretensa violação do princípio in dúbio pró reo, impõem-se referir que para que o tribunal lance mão do princípio in dubio pro reo, ou seja, faça prevalecer, nesta vertente, o princípio da inocência do arguido – art. 32º, 2, C. R. Port. -, torna-se necessário que o julgador se encontre em face de dúvidas irremovíveis, razoáveis e razoáveis, na apreciação e valoração das provas e na determinação dos factos provados, favorecendo o arguido, no sentido de não ter como provados os factos que lhe são imputados na acusação e que, a provarem-se, seriam fundamento para a aplicação de uma pena – cfr. Acs. RL, de 3-5-05, Proc. nº 6600/2004-5; de 15-2-09, Proc. nº 2777/2008-9; de 25-11-08, Proc. nº 8904/2008-5; e do STJ, de 25-3-09, Proc. nº 09P0486; de 30-4-08, Proc. nº 07P3331; e de 17-4-08, Proc. nº 08P823, in www.dgsi.pt.

Destarte, ante as dúvidas manifestadas e não resolvidas, impõe-se decidir favoravelmente ao arguido. Sucede que no caso dos autos, o tribunal a quo não denotou qualquer dúvida em face da matéria de facto que analisou, demonstrando sempre assertividade em face da factualidade que constituía o objecto do processo ante as provas que perante ele foram produzidas e, como se disse, devidamente valoradas obedecendo aos explicitados critérios e requisitos legais.»

Ora, do exposto é evidente a omissão de pronúncia sobre qualquer uma das questões referidas supra e alegadas nos recursos interpostos por CC e BB.

Não cabe a este Tribunal conhecer da impugnação da matéria de facto, uma vez que não se integra nos seus poderes de cognição. Cabe apenas ao Supremo Tribunal de Justiça verificar se, perante o recurso interposto para o Tribunal da Relação …, este se pronunciou sobre o que devia pronunciar-se, no caso, sobre a matéria de facto impugnada. Esta impugnação, no que diz respeito ao recorrente CC, cumpriu o ónus imposto pelo art. 412.º, do CPP. Não só invocou expressamente o concreto ponto de facto que pretende ver discutido — o problema da identificação do arguido nos factos julgados no âmbito do proc. n.º 22/18... —, como apresentou a prova testemunhal que considerou relevante para fundamentar a sua alegação indicando, expressa e claramente, a parte do depoimento que entendeu como pertinente para o alegado. Tendo sido cumprido o ónus que se impunha, caberia a Tribunal da Relação pronunciar‑se, não sem antes realizar a audiência requerida, (também) pelo arguido CC, nos termos do art. 411.º, do CPP.

Acresce o recurso relativo à alegação de factos conclusivos que não mereceu qualquer apreciação por parte do Tribunal, havendo também aqui omissão de pronúncia.

Assim sendo, na parte em que (não) são apreciados os recursos de ambos os arguidos CC e BB o acórdão recorrido é nulo por omissão de pronúncia, nos termos do art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPP.

2.2.O recorrente AA [cf. supra a) i)]alega a nulidade do acórdão recorrido (na parte respeitante ao crime de homicídio do proc n.º 22/118...), por violação do disposto no art. 358.º, n.º 1, n.º do CPP, na parte em que não alterou a matéria de facto provada que constitui (segundo os recorrentes) uma alteração substancial dos factos elencados na acusação — ou seja, as alterações introduzidas nos factos provados 70, 74 e 80. E o recorrente CC [cf. suprab) i)] alega a nulidade do acórdão recorrido, por omissão de pronúncia, quando não procedeu a uma análise individualizada da alegação da existência de nulidade do acórdão de 1.ª instância por alteração substancial dos factos.

Sabendo que ambos os arguidos se referiam à circunstância de a alteração dos factos ocorrida em primeira instância dever ser considerada uma alteração substancial dos factos e considerando, por isso, ter havido violação do disposto no art. 358.º, n.º 1, do CPP, não é pelo facto de a questão jurídica ter sido analisada em conjunto que daqui possa decorrer um entendimento de estarmos perante um caso de omissão de pronúncia. Embora não tenha sido o que aconteceu no presente caso (como se pode verificar pelo que foi transcrito supra do acórdão recorrido). Na verdade, o Tribunal a quo analisou a problemática apenas se referindo ao recurso interposto pelo arguido AA, todavia analisando a questão sobre a qual se tinha que pronunciar, pelo que não podemos concluir tratar-se aqui de uma situação de nulidade nos termos do art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPP.

Porém, vejamos o que estava em causa e como foi analisada a questão (sendo certo que dada a inadmissibilidade de recurso para este Supremo Tribunal de Justiça de parte da decisão recorrida, como referimos supra, apenas nos ateremos à parte em que houve alteração dos factos no que se refere ao crime de homicídio qualificado).

No que diz respeito ao processo principal n.º 22/18...., onde se integra o crime referido, foram os arguidos acusados por estes factos (apenas se transcrevem aqueles onde se verificou depois uma alteração aquando da decisão de 1.ª instância):

- «108. Assim que se introduziu no estabelecimento, o arguido CC apontou a arma de fogo na direcção dos proprietários e dos clientes que se encontravam no estabelecimento, e ordenou que entregassem o dinheiro, ao que GG, que se encontrava sentado numa mesa junto dessa entrada, exclamou: “Não matem ninguém!”.» (este facto deve ser confrontado com o facto provado 70 — «Assim que se introduziu no estabelecimento, o arguido CC apontou a arma de fogo na direcção dos proprietários e dos clientes que se encontravam no estabelecimento e, efectuando um primeiro disparo em direcção à parede, anunciou que se tratava de um assalto e ordenou que permanecessem quietos.»);

- «112. Quando os arguidos CC e AA se dirigiam para a saída, pela mesma porta por onde haviam entrado, GG colocou-se à frente do arguido CC.

113. Perante tal comportamento, o arguido gritou: “Sai da frente! Sai da frente!”, ao mesmo tempo que efectuou um disparo na direcção da parede.

114. Em acto contínuo, e como aquele não se afastou, o arguido CC, que se encontrava a menos de um metro de distância de GG, apontou a arma e disparou na sua direcção, atingindo-o na zona abdominal, e provocando a sua queda de imediato ao chão.» (estes factos devem sem confrontados com o facto provado 74 — «Ao ouvir o estrondo da máquina a cair ao chão, GG, que se encontrava sentado numa mesa junto à porta por onde os arguidos haviam entrado, apercebendo-se da presença dos mesmos, levantou-se, perguntou o que estavam ali a fazer, e agarrou o braço do arguido CC que se encontrava mais próximo de si, altura em que este efectuou um disparo, atingindo- o na zona abdominal, e provocando a sua queda de imediato ao chão.»);

- «119. Os arguidos agiram ainda de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a utilização pelo arguido CC, de acordo com o que haviam delineado, daquela arma de fogo, que se encontrava municiada, para constrangerem os ofendidos e, caso tal fosse necessário, para obstar a que oferecessem resistência e para encetarem a fuga do local, teria como consequência necessária a morte de qualquer uma das pessoas na direcção da qual fosse efectuado um disparo, resultado que representaram e que se concretizou.» (este facto deve ser confrontado com o facto provado 79 — «Os arguidos BB, OO e AA agiram de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a utilização pelo arguido CC da arma de fogo, que se encontrava devidamente municiada, para constrangerem os ofendidos e, caso fosse necessário, para obstar a que oferecessem resistência e para encetarem a fuga do local, poderia causar a morte de qualquer uma das pessoas na direcção da qual fosse efectuado um disparo, resultado que representaram e com o qual se conformaram, e que se concretizou.» ).

Acresce referir que o facto provado 80 — «O arguido CC agiu de forma livre, voluntária e consciente, sabendo que, ao disparar a arma nas circunstâncias referidas, de acordo com o mencionado plano, causaria a morte da vítima, o que quis e concretizou» — não constava da acusação.

E quanto a esta problemática, o Tribunal da Relação …, após considerações teóricas sobre a “existência ou não de alteração substancial dos factos” (p. 159-161), concretamente decide nos seguintes termos:

«Sucede que no decurso da audiência, mediante a produção probatória realizada, o tribunal a quo, sem alterar a qualificação jurídica, entendeu que era passível de virem a ser provados factos não constantes da acusação.

Assim sendo, embora se tenham acrescentado factos que enformam com mais pormenor a actuação dos arguidos, o cenário dos crimes e a dinâmica destes, o certo é que a adição factual se conteve, quanto a nós, nos limites temáticos objectivos delimitados pela acusação, não agravando nem sequer alterando a responsabilidade jurídico-penal dos arguidos e mantendo a identidade do processo em termos de objecto.

Decorrentemente, pela adição factual, logrou-se a concretização da assinalada factualidade, a qual, mantendo o enquadramento histórico-temporal aduzido na acusação, esmiuça o mesmo, com evidentes reflexos fáctico-normativos, sem contudo alterar a qualificação jurídica dos crimes, o agravamento dos limites máximos das sanções aplicáveis ou a imputação de crime diverso.

Assim sendo, resulta do exposto, que a alteração factual supra mencionada constitui alteração não substancial dos factos, nos termos do art. 358º, C. P. Pen., sendo certo ter sido concedido prazo à defesa para enfrentar as modificações, conhecendo-as, sopesando-as e rebatendo-as, em nada se mostrando beliscados os direitos de defesa constitucionalmente consagrados no art. 32º, 1 e 5 da CRP, inexistindo, por maioria de razão, qualquer nulidade.» (p. 161-162).

O Tribunal foi parco nas palavras utilizadas atendendo à dimensão da problemática, todavia percebe-se que chegou à conclusão que a alteração não tinha sido uma alteração substancial dos factos porque não houve alteração do cenário do crime, nem alteração da sua dinâmica de desenvolvimento, considerando que a adição factual se enquadra no âmbito dos limites temáticos fixados pela acusação, e sem que tivesse havido alteração da qualificação jurídica dos factos ou agravamento dos limites máximos das sanções a aplicar. Concorde-se ou não com os argumentos, há de forma clara uma demonstração do raciocínio utilizado pelo Tribunal para chegar à conclusão a que chegou, não se podendo concluir pela existência de uma omissão de pronúncia quanto a esta alegação.

Cumpre ainda referir que dada a conclusão anterior quanto à nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia no que se refere à impugnação da matéria de facto de dois dos recorrentes, fica prejudicado o conhecimento (restrito aos factos provados 70, 74 e 80, dado apenas ser recorrível para este Supremo Tribunal de Justiça a parte da decisão relativa ao homicídio qualificado) da verificação (ou não) de alteração substancial dos factos provados alegado pelo arguido AA.

Todavia, havia uma outra alegação — o arguido BB, logo na 1.ª conclusão do recurso,alegou, expressamente, quanto ao crime de homicídio qualificado, o entendimento de que os factos provados 78, 79 e 82 eram factos conclusivos. Ora, também o facto provado 82 (“Os arguidos BB, CC, OO, AA sabiam que todas as condutas descritas de 1. a 81., praticadas por cada um deles como autores ou co-autores, eram proibidas e punidas pela lei penal.”) não constava da acusação. E sobre esta alegação, sobre saber se se trata (ou não) de factos conclusivos, não há qualquer reflexão por parte do Tribunal a quo. Assim sendo, também aqui estamos perante uma omissão de pronúncia (de conhecimento oficioso), a determinar a nulidade do acórdão, nos termos do art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPP.

E verifica-se também que, apesar de dois dos recorrentes terem requerido a audiência, esta não ocorreu, como se constata pela ata da sessão em conferência de 26.11.2020 no Tribunal da Relação …. (cf. ref. ……).

O pedido de audiência em fase de julgamento revela que esta constitui, perante o Código de Processo Penal atual, uma exceção, exigindo que o interessado manifeste expressamente a sua vontade. E “pode fazê-lo em dois casos: quando, no requerimento de interposição do recurso, pede que a audiência se realize, indicando os pontos da motivação do recurso que pretende ver debatidos (artigo 411.º, n.º 5), ou quando, na motivação de recurso, pede a renovação da prova (artigo 412.º, n.º 3, al. c). Aquele é um direito discricionário do recorrente: nem o recorrido se pode opor ao pedido, nem o tribunal de recurso pode negar a pretensão do recorrente”[4]. O que significa que, não só o recorrente não tem que pedir necessariamente a renovação da prova para que se possa considerar que deva ser realizada a audiência, uma vez que a audiência pode apenas ser requerida para debater certos pontos da motivação de recurso (que podem até ser exclusivamente referentes a matéria de direito), como também o Tribunal, seja qual for a razão subjacente ao pedido de realização de audiência, não pode negar esta pretensão do recorrente. E, sendo requerida a audiência, o direito a um processo equitativo determina a necessidade da sua realização para apreciação das questões de facto e de direito alegadas pelos recorrentes[5] e a total falta de justificação para a sua não realização constituiu uma violação do art. 6.º, da CEDH[6]. Para além disto, sendo requerida a audiência, a composição do tribunal deverá integrar o presidente da secção, o relator e o juiz-adjunto, nos termos do art. 429.º, n.º 1, do CPP (cuja epígrafe é “composição do tribunal em audiência” integrando-se no Capítulo III — do recurso perante as relações — do título I — dos recursos ordinários — do livro ix, do CPP). Temos aqui uma regra clara de composição do Tribunal.

Além disto, nos termos do art. 419.º, n.º 3, al. c), do CPP, o recurso apenas pode ser julgado em conferência quando não tenha sido requerida a realização da audiência e não seja necessário proceder à renovação de prova nos termos do art. 430.º, do CPP. Ou seja, apenas pode ser decidido em conferência se cumulativamente não tiver sido requerida a realização da audiência e se não for necessário proceder a renovação de prova. Ora, sabendo da existência de um pedido para realização de audiência, o Tribunal ter-se-ia que pronunciar (o que não ocorreu aquando da prolação do despacho preliminar — cf. despacho de 01.09.2020. fls. 2853) sobre a admissibilidade ou não daquela, nomeadamente, por considerar que não estavam preenchidos os necessários requisitos como, por exemplo, as concretas provas que o recorrente pretendia ver renovadas, ou os concretos pontos que pretendia ver debatidos (sabendo, no entanto, que os recorrentes indicaram os pontos a debater). De outro modo, e não tendo sido rejeitado o recurso nos termos do art. 420.º, do CPP, os autos deviam ter sido conclusos ao presidente da seção para marcação da audiência (art. 421.º, n.º 1, do CPP), devendo ser convocado, entre outros, o defensor (art. 421.º, n.º 2, do CPP); seguir-se-ia a audiência nos termos do art. 423.º, do CPP (com a composição do tribunal em audiência nos termos do art. 430.º, do CPP),  e a deliberação nos termos do art. 424.º, do CPP, e 365.º, e ss, do CPP ex vi art. 424.º,  n.º 2, do CPP.

Ora, se por um lado o tribunal não pode negar a pretensão do recorrente quanto ao pedido de realização de audiência e se, por outro lado, requerida a audiência a composição do tribunal deve ser a referida, a não realização daquela audiência não só constitui uma negação de um pedido do recorrente, como a deliberação de um recurso sem que tivesse sido cumprida a composição do tribunal que deveria ter ocorrido e sem que tivesse sido convocado o defensor[7]. Tal como quando é requerido o Tribunal de júri necessariamente o tribunal que julgará a causa deverá ser um tribunal de júri[8] e não somente um tribunal coletivo (composto por 3 juízes togados), também neste caso, tendo sido requerida a realização de audiência, e sem que a lei preveja qualquer hipótese ou possibilidade de não admissibilidade desta quando requerida nos termos do art. 411.º, n.º 5, 2.ª parte, do CPP, então necessariamente a composição do Tribunal a decidir deverá ser a imposta pelo disposto no art 429.º, n.º 1, do CPP. Acresce que se tivesse sido convocada a audiência teria havido intervenção do defensor que assim não ocorreu. Todavia, as invalidades que ocorreram terão agora oportunidade de serem sanadas.

E, dado que os restantes pontos que se pretendiam ver discutidos se referem ao homicídio qualificado, fica prejudicado o conhecimento de todas as questões relativas à imputação em coautoria do crime de homicídio qualificado, das questões relativas à determinação das penas, aos diferentes arguidos, quanto ao crime de homicídio qualificado e das relativas à determinação das penas únicas.

E volta a acentuar-se que sendo apenas recorrível, para este Supremo Tribunal, a parte da decisão relativa ao crime de homicídio qualificado, isto é, o referente à matéria subjacente ao proc. n.º 22/18... (estes autos) e relativa à determinação das penas únicas, toda a restante decisão (com exceção da relativa ao proc. n.º 22/18...)  transitou em julgado – e com isso apenas as condenações dos arguidos pelos outros diversos crimes (dos apensos) que não a matéria concernente com o crime de homicídio qualificado (estes autos).

Conclui-se, pois, que o acórdão recorrido é nulo:

a) por omissão de pronúncia, nos termos do art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPP, na parte em que (não) são apreciados os recursos de ambos os arguidos CC e BB;

b) por omissão de pronúncia (de conhecimento oficioso), na parte em que não analisou se se trata (ou não) de factos conclusivos os factos 78, 79 e 82, a determinar a nulidade do acórdão, nos termos do art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPP;

c) isto sem prejuízo da existência (ou não) das outras nulidades alegadas (pelos três recorrentes quanto ao acórdão na parte relativa ao proc. n.º 22/18...) cujo conhecimento ficou prejudicado pelo exposto.

III

Conclusão

Termos em que acordam, em conferência, as Juízas Conselheiras na secção criminal do Supremo Tribunal de Justiça em julgar o acórdão recorrido nulo, na parte referente ao proc. n.º 22/18….., devendo ser substituído por outro que supra as nulidades referidas.

Sem custas.

Supremo Tribunal de Justiça, 20 de maio de 2021

As Juízas Conselheiras,

Helena Moniz (Relator)

Margarida Blasco com a seguinte declaração de voto:

A não pronúncia, no exame preliminar - cf. despacho de 01.09.2020 a fls. 2853 - sobre o requerimento formulado pelo arguido para a realização de audiência na Relação, não está a definir a composição do tribunal (designadamente pela excussão do reforço de colegialidade decorrente da intervenção do presidente da secção), mas tão só, a omitir pronúncia sobre um requerimento, omissão essa que constitui apenas uma irregularidade, à luz do disposto no artigo 118.º, n.ºs 1 e 2, do CPP, a qual, por não ter sido arguida no prazo de 3 dias a contar da notificação do acórdão, se sanou.

_______________________________________________________


[1] Também assim no original (cf. ref. …., de 23.02.2021).
[2] Apenas se transcrevem os relevantes para os agora recorrentes.
[3] Acórdão de 11.07.2019, proc. n.º 22/13.1PFVIS.C1.S1, in  www.dgsi.pt
[4] Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, 4.ª ed., Lisboa: UCP; 2011, art. 411.º, nm. 22, p. 1141.
[5] Sobre a jurisprudência do TEDH quanto a esta matéria cf. Sandra Oliveira e Silva As alterações em matéria de recursos, em especial a restrição de acesso à jurisdição do Supremo Tribunal de Justiça — garantias de defesa em perigo?, As alterações de 2013 aos Códigos Penal e de Processo Penal: uma reforma «cirúrgica»?, Org.: André Lamas Leite, Coimbra: Coimbra Editora, 2014, p. 257 e ss e da mesma Autora, Direito a um duplo grau de jurisdição em matéria penal, Comentário da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e dos Protocolos Adicionais, Org.: Paulo Pinto de Albuquerque, vol. III, Lisboa: UCP, 2020, p. 2372 e ss.
[6] Cf. CASE OF EKBATANI v. SWEDEN, (Application no. 10563/83), de 26.05.1988, em particular, n. º 33,  in http://hudoc.echr.coe.int/eng?i=001-57477e AFFAIRE DONDARINI c. SAINT-MARIN, (Requête no 50545/99), de 06.07.2044, em particular n.ºs 22 e ss, inhttp://hudoc.echr.coe.int/eng?i=001-66424
[7] Cf. quanto a isto o art. 119.º, n.º 1, al.c), do CPP.
[8] “[C]omo decorre do artigo 119.º, alínea a) do CPP, constitui nulidade insanável, que deve ser oficiosamente declarada em qualquer fase do procedimento, a falta do número de juízes ou de jurados que devam constituir o tribunal, ou a violação das regras legais relativas ao modo de determinar a respetiva composição” — Marcos Gonçalves, O tribunal do júri: seleção e procedimento, Julgar, n.º 30 (2016), p. 178.