Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
65/12.2TBTCS.C1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: TÁVORA VICTOR
Descritores: DIREITO DE PROPRIEDADE
USUCAPIÃO
ACESSÃO INDUSTRIAL
CONTRATO DE SOCIEDADE
PRESSUPOSTOS
AQUISIÇÃO ORIGINÁRIA
POSSE
CORPUS
ANIMUS POSSIDENDI
FACTO CONSTITUTIVO
SOCIEDADE COMERCIAL
LUCROS
Data do Acordão: 09/29/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADO PROVIMENTO À REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS EM ESPECIAL / SOCIEDADE – DIREITO DAS COISAS / POSSE / USUCAPIÃO.
Doutrina:
- Albino Matos, Constituição de Sociedades, 4.ª Edição revista e actualizada, Almedina, Coimbra, 1998, p. 11 e ss.;
- Luís Carvalho Fernandes, Lições de Direitos Reais, Quid Iuris, Lisboa 1996, p. 203;
- Manuel Rodrigues, A Posse, Almedina Coimbra 1980, p. 284;
- Oliveira Ascensão, Direito Civil, Reais, 5.ª Edição, Coimbra Editora.
- Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado III, Coimbra Editora 2. Edição, p. 64 e ss.; Código Civil, Anotado, II, 1997, 4.ª Edição, p. 287;
- Raúl Ventura , Apontamentos sobre as Sociedades Civis, Almedina, Coimbra 2006, p. 49 e ss.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 980.º E 1287.º.
Sumário :
I - Usucapião é um instituto para aquisição originária entre outros de um direito de propriedade, cujas traves mestras são enumeradas no art. 1287.º do CC.

II - Assenta basilarmente em dois pressupostos: a manutenção da coisa objecto de aquisição na esfera jurídica do usucapiente; e a convicção e actuação da parte deste último de forma coincidente com o direito que alega pertencer-lhe, aqui a propriedade.

III - Sendo factos constitutivos do direito da ré que se pretende fazer valer através de reconvenção, primordial se tornaria que aquela provasse os elementos constitutivos do instituto a começar na posse do prédio.

IV - Tal requisito seria de verificação necessária na acessão industrial imobiliária, sendo igualmente indispensável que a ré provasse ter ela construído o prédio com meios próprios.

V - São elementos constitutivos da sociedade comercial a que alude o art. 980.º do CC: a) a contribuição dos sócios; b) o exercício em comum de certa actvidade económica que não seja de mera fruição; e c) a repartição dos lucros. O normativo supra referido patenteia desde logo o aspecto organizativo e o aspecto negocial da sociedade.

VI - Para além da fruição terá in contractu societatis que haver um fim produtivo ou lucrativo, sendo certo que o lucro é algo mais do que o simples correspectivo ou contraprestação da actividade despendida pelos sócios visto que ele visa não só remunerar a organização da sociedade, como compensar os riscos de perda que os sócios correm através da sociedade.

Decisão Texto Integral:     
Acordam na 7ª secção cível do Supremo Tribunal de Justiça.



     AA, BB e mulher, CC, DD e marido, EE, intentaram no Tribunal Judicial de T…, em 14/02/2012, contra FF e mulher, GG, HH e marido, II, e JJ, pedindo que seja a presente acção “julgada provada e procedente e, em consequência:

  a) Devem os RR. ser condenados a reconhecer que a herança ilíquida e indivisa aberta por óbito do referido KK é a proprietária plena, exclusiva e na totalidade dos imóveis descritos no art.º 1º da presente petição.

   b) Deve mandar alterar-se a relação de bens constante do inventário Proc. 147/07.2TBTCS, pendente neste tribunal, por forma que os bens imóveis descritos nas verbas nº 25, 26 e 27 a fls. 218 do referido processo de inventário, sejam descritos como pertencentes em exclusivo e na totalidade à herança a partilhar e não apenas metade, como consta da respectiva descrição.

  c) Deve o 1º Réu FF ser condenado por sonegação de bens na perda em benefício dos restantes co-herdeiros no referido inventário, do direito que tenha à sua parte nos bens sonegados, ou seja, à sua parte na metade dos bens descritos no art.º 1º desta petição.

  d) Devem ainda os RR. ser condenados nas custas do processo.».

    

    A Ré JJ veio deduzir contestação-reconvenção, suscitando:

   - A excepção de caso julgado, por referência à decisão proferida no processo de inventário;

   - A excepção de ilegitimidade activa;

   - A excepção de ilegitimidade passiva, já que só ela, Ré JJ, e não os restantes Réus, é identificada como proprietária dos imóveis em discussão nos autos, sendo que, em todo o caso, os cônjuges são partes ilegítimas.

     Alegou, em síntese, que:

   - Os prédios em causa, adquiridos numa fase em que ela e KK viviam juntos, maritalmente, pertencem, metade à herança deste último e a outra metade a ela, JJ, pois que, tais imóveis foram pagos por ambos na proporção de metade cada um, conforme descreve pelo relato económico da vida dos dois. As construções aí realizadas foram também pagas, nestes termos, em partes iguais;

   - No prédio correspondente ao lote H59 construíram a habitação de ambos, onde viveram, em comum, desde 1986, à vista de toda a gente e sem qualquer oposição, convencidos de que exerciam direito próprio, pelo que tal imóvel mostra-se adquirido por usucapião, na proporção de metade para cada um.

   - Tais pressupostos da usucapião também se verificam, nesses termos, quanto aos imóveis correspondentes aos artigos matriciais 1723º e 1724º;

   - Se assim não se considerar e ainda que os lotes (de forma abusiva) estejam em nome de KK, porque ela, contestante, de boa-fé, pagou metade dos mesmos, bem como metade das despesas com plantas, licenças, materiais e mão-de-obra, sendo que os prédios têm um valor superior a cada um dos lotes, deve entender-se que adquiriu tais imóveis por acessão industrial imobiliária;

   - Para o caso de assim não se entender, deve considerar-se que o falecido e ela, JJ, acordaram entre si três contratos de sociedade para a construção de cada um dos imóveis objecto da acção - artigos 1723º, 1724º e 1361º da freguesia de S. P… - e por via disso é ela dona e legítima proprietária de ½ de cada um dos imóveis, objecto desta acção.

     Terminou defendendo que fossem julgadas procedentes as excepções invocadas e, tal não se entendendo, improcedente a acção.

     Em reconvenção, peticionou que fosse declarado:

   a) Ser ela, JJ, dona e proprietária na proporção de metade dos prédios urbanos inscritos na matriz da freguesia de S. P… e inscritos sob os artigos 1723, 1724 e 1363 (aquisição por usucapião ou através da acessão industrial imobiliária);

     Ou, se assim não se entendesse, que:

  a) Se declarasse que o falecido KK e ela, JJ, acordaram entre si três contratos de sociedade para a construção de cada um dos imóveis objecto da presente acção e, por via disso, que ela, Ré, é dona e proprietária de metade de cada um dos imóveis em causa;

 b) - Se ordenasse o cancelamento do registo feito, em relação a tais prédios, a favor de KK ou de outrem.

    

   Os restantes Réus também apresentaram contestação, defendendo a existência das aludidas excepções do caso julgado e da ilegitimidade activa e passiva.

    Sustentando a improcedência da acção, peticionaram que se ordenasse o cancelamento dos registos dos imóveis que se encontram efectuados a favor de KK.


   Respondendo, os Autores defenderam a improcedência das excepções e dos pedidos deduzidos em reconvenção. Subsidiariamente, para o caso de ser decidido que os imóveis descritos na petição, no seu art. 1º, pertencem, metade à herança indivisa da herança de KK e metade a JJ, ou que entre estes foi constituído um contrato de sociedade para a construção dos imóveis, ampliam o pedido no sentido de ser decidido que os prédios urbanos, que descrevem - artigos matriciais 582 e 1358 -, pertencem também metade à herança deixada por óbito de KK e a outra metade a JJ, comprometendo-se a pagar metade do valor do terreno (antes da construção) onde foi construída a casa desse prédio (artigo matricial 582).

    

   A Ré JJ, na tréplica, no essencial, manteve a sua posição quanto às questões que suscitou na contestação, pugnou pela não-admissão da ampliação do pedido, sustentando, entre o mais, que os prédios foram construídos com dinheiros dela e dos seus filhos, pelo que tal pedido deveria improceder.


    Os restantes Réus, na tréplica, sustentaram a improcedência da acção.


    No saneador (de 26/05/2013) admitiu-se a ampliação do pedido e da causa de pedir, admitiu-se a reconvenção e fixou-se o valor da causa em € 603.901,41. Decidiu-se, ainda:

    - Julgar os Autores CC e EE partes ilegítimas e improcedente a mesma excepção quanto aos restantes autores;

    - Julgar os Réus GG, HH e II partes ilegítimas e improcedente tal excepção quanto aos restantes réus; e

   - Julgar improcedente a excepção dilatória de caso julgado.


    Fixou-se a matéria de facto que se considerava já assente e elaborou-se a base instrutória.


    Realizada que foi a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença (em 30/05/2014), onde se decidiu:

 - Julgar a presente acção declarativa, que segue a forma de processo comum, parcialmente procedente e, consequentemente:

     a) Condenar os Réus a reconhecer que a herança aberta por óbito de KK é a proprietária plena, exclusiva e na sua totalidade:

     i) Do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana da freguesia de S. P…, concelho de Trancoso, sob o artigo matricial 17…, que teve origem no prédio com o artigo matricial urbano 13…, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Trancoso sob o n.º 11…/20…; e

     ii) Do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana da freguesia de S. P…, concelho de Trancoso, sob o artigo matricial 17…, que teve origem no prédio com o artigo matricial urbano 13…, descrito na Conservatória do Registo Predial de Trancoso sob o n.º 11…; e

   b) Absolver os Réus dos demais peticionado

- Julgar a reconvenção parcialmente procedente e, consequentemente:

    a) Declarar que o prédio urbano, sito na Rua …, n.º …, lugar de São P…, concelho de Trancoso, inscritos na matriz da freguesia de S. P… sob o artigo 13… e descrito na Conservatória do Registo Predial de Trancoso, sob o n.º 81…, pertence, em comum, à herança aberta por óbito de KK e à ré JJ;

   b) Ordenar o cancelamento do registo da inscrição a favor de KK, enquanto proprietário único desse imóvel; e

  c) Absolver os Autores do demais peticionado.

   Mais decidiu condenar os Autores e Réus nas custas da acção e da reconvenção, que fixamos globalmente na proporção de 50 % para cada uma das partes.».


    Tendo os Autores interposto recurso desta decisão - recurso esse que foi recebido (já pela Instância Central - Secção Cível e Criminal - J1, da Comarca da Guarda) como apelação, com efeito meramente devolutivo -, também a Ré JJ veio interpor recurso subordinado, que foi admitido.

    Por sua vez a 2ª instância decidiu:

    “Acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar o recurso subordinado improcedente e a Apelação dos Autores procedente e, consequentemente, confirmando-a no restante, revogar a sentença recorrida no que concerne ao constante da parte 3.1, b) e da parte 3.2 do respectivo dispositivo, decidem:

   - Absolver os AA. do pedido reconvencional relativo ao prédio urbano, sito na Rua …, n.º …, lugar de São P…, concelho de Trancoso, descrito na Conservatória do Registo Predial de Trancoso, sob o n.º 81…, improcedendo, assim, in toto, a reconvenção;

   - Julgar a acção também procedente no que concerne ao pedido formulado pelos Autores quanto ao referido prédio urbano, sito na Rua …, n.º …, lugar de São P…, concelho de Trancoso, inscrito na matriz da freguesia de S. P… sob o artigo 13… e descrito na Conservatória do Registo Predial de Trancoso, sob o n.º 81…, e, consequentemente, condenar os réus a reconhecer que a herança aberta por óbito de KK é a proprietária plena e exclusiva da totalidade desse mesmo prédio.


    Daí o recurso de revista interposto pela Autora a qual no termo do alegado apresentou as seguintes,


     Conclusões.


    l) O Acórdão agora recorrido violou os artigos 1287º, 1288º, 1289º e 1296º do Código Civil;

    2) O Acórdão agora recorrido violou o artigo 1340º do Código Civil.

    3) O Acórdão agora recorrido violou os artigos 980º, 981º, 983º, 992º do Código Civil.

    4) O Acórdão Recorrido deve ser substituído por outro que declare a Ré JJ, comproprietária do prédio urbano sito na Rua … n.º …, e inscrito na matriz da freguesia de S. P… sob o artigo 13….


    Contra-alegaram os AA. pugnando pela improcedência das razões da Ré.

     Corridos os vistos legais, cumpre decidir.


*


     2. FUNDAMENTOS.


    Com interesse para a decisão da causa, deu a Relação como provados os seguintes,


     2.1. Factos.


   2.1.1. Na matriz predial urbana da freguesia de S. P…, concelho de Trancoso, encontram-se inscritos:

   a) Sob o artigo matricial 1723º, o prédio destinado à habitação sito na Rua Dr. ..., Bairro …, freguesia de S. P…, concelho de Trancoso a confrontar do Norte com LL, Sul com proprietário, Nascente com Rua Professor … e Poente com MM, com o valor patrimonial de € 171.027,50.

    b) Sob o artigo matricial 1724º, o prédio destinado a habitação sito na Rua Dr. …, no Bairro ..., freguesia de S. P…, concelho de Trancoso, a confrontar de Norte com proprietário, Sul com Rua …, Nascente com Rua Professor … e Poente com NN, com o valor patrimonial de € 170.733,15.

     2.1.2. O prédio referido em 1.-a) teve origem no prédio com o artigo matricial urbano 1365, da freguesia de S. P…, concelho de Trancoso, descrito como “Terreno para Construção”, “Lote de terreno para construção designado pelo n.º G-18”, cujo titular inscrito é KK - Cabeça de Casal da Herança de, e cujo valor patrimonial, determinado em 2006, ascendia a € 8.720,59.

    2.1.3. O prédio com o artigo matricial urbano 1.365º, da freguesia de S. P…, concelho de Trancoso, encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Trancoso sob o n.º 11…/20…, cuja aquisição, por compra, se encontra aí inscrita pela Ap. 6 de 2002/08/02 a favor de KK, viúvo.

    2.1.4. O terreno para construção a que corresponde o lote número G-18, actualmente inscrito na matriz sob o artigo 17…, foi adjudicado em hasta pública, realizada em 13 de Agosto de 1982, na Câmara Municipal de Trancoso, a KK, pelo preço de duzentos e sete mil trezentos e sessenta escudos.

    2.1.5. O prédio referido em 1-b) teve origem no prédio com o artigo matricial urbano 1364, da freguesia de S. P…, concelho de Trancoso, descrito como “Terreno para Construção”, “Lote de terreno para construção urbana, designado pelo n° G-17”, cujo titular inscrito é KK - Cabeça de Casal da Herança de, e cujo valor patrimonial, determinado em 2006, ascendia a € 8.531,01.

    2.1.6. O prédio urbano, com o artigo matricial urbano 1364, da freguesia de S. P…, concelho de Trancoso, encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Trancoso sob o n.° 11…/20…, cuja aquisição, por compra, se encontra aí inscrita pela Ap. 7 de 2002/08/02 a favor de KK, viúvo.

    2.1.7. O terreno para construção a que corresponde o lote número G-17, actualmente inscrito na matriz sob o artigo 1724, foi adjudicado em hasta pública, realizada em dia 13 de Agosto de 1982, na Câmara Municipal de Trancoso, a KK, pelo preço de cento e oitenta e nove mil setecentos e quarenta escudos.

     2.1.8. KK requereu na Câmara Municipal de Trancoso licenças para obras de construção de habitações geminadas nos Lotes G-17 e G-18 no Bairro do … na freguesia de S. P…, Trancoso, em 1989, licenças que lhe foram concedidas respectivamente com os n° 488 e 487 com inicio em 23.10.1989.

    2.1.9. KK requereu na Câmara Municipal de Trancoso, no ano de 1991, licença para obras de alteração em casa de habitação nos referidos lotes G-17 e G-18, no Bairro …, freguesia de S. P…, Trancoso, licença que lhe foi concedida com o n° 96, com inicio em 25.02.1991.

    2.1.10. Os prédios inscritos sob os artigos 17… e 172… encontram-se em tosco, com as paredes em tijolo à vista.

    2.1.11. Desde que iniciou as obras nos prédios referidos em l.-a) e 1-b) e enquanto foi vivo, KK, todos os anos, limpava as ervas dos quintais destes prédios.

    2.1.12. Na Conservatória do Registo Predial encontra-se inscrita, pela Ap. 2 de 1996/09/06, a aquisição, por arrematação em hasta pública, a favor de KK, do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Trancoso, sob o n.º 81…/19… e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 1361, destinado a habitação, sito na Rua …, n.º …, lugar de São P…, concelho de Trancoso, a confrontar de Norte com Rua …, Nascente com Avenida Dr. …, Sul com OO e Poente com PP, com o valor patrimonial de € 207.240,63.

    2.1.13. Em 13 de Agosto de 1982, foram adjudicados em hasta pública realizada na Câmara Municipal de Trancoso, a KK, quinhentos metros quadrados de terreno sito no Bairro … a que corresponde o lote n.º H-59 da freguesia de S. P…, concelho de Trancoso, inscrito na matriz sob o artigo 13…, pelo preço de trezentos e oitenta mil escudos.

   2.1.14. KK e a Ré JJ viveram maritalmente, em comunhão de mesa e cama, desde 1978 até à morte de KK.

   2.1.15. KK faleceu em 21 de Novembro de 2006.

   2.1.16. KK e a Ré JJ nos períodos que estavam em Portugal e desde a conclusão da sua construção no ano de 1986 começaram a habitar o prédio referido em 12 nele (desde então) dormindo, confeccionando e tomando as refeições, passando as horas de lazer, recebendo os amigos e a sua correspondência.

    2.1.17. O que ambos fizeram até à morte do KK.

    2.1.18. Praticaram tais actos, em comum, à vista de toda a gente, sem oposição de quem quer que seja, sem interrupção, convencidos que não lesavam direitos de outrem fazendo-o o KK por estar convencido de que tal prédio lhe pertencia e a Ré JJ por viver maritalmente com este desde 1978.

    2.1.19. Para partilha dos bens de KK, BB e mulher CC, instauraram, em 25 de Maio de 2007, o processo de inventário n.º 147/07.2TBTCS, que corre termos pelo Tribunal Judicial da Comarca de Trancoso.

    2.1.20. No processo referido, o cargo de cabeça-de-casal é exercido pelo réu FF.

     2.1.21. O réu FF é casado com GG.

     2.1.22. GG é filha da Ré JJ.

    2.1.23. Nesse processo foram apresentadas as declarações de cabeça-de-casal, das quais consta: “Que o inventariado se chamava, como dos autos consta KK, o qual faleceu no estado de viúvo, no dia no 21/11/2006, nesta cidade de Trancoso, onde teve a última residência.

     Que foi casado em primeiras e reciprocas núpcias de ambos e, sob o regime da comunhão geral de bens com QQ, por óbito da qual não se procedeu a inventário dado não existirem bens a partilhar.

     Que o inventariado não deixou testamento, doação ou qualquer outra disposição de sua última e livre vontade, deixando a suceder-lhe os seguintes:

     FILHOS:

     PRIMEIRO

     FF, o cabeça de casal, casado com GG, sob o regime da comunhão de adquiridos,

     SEGUNDO

     AA, solteiro, maior (…).

     TERCEIRO

     BB, casado com CC, sob o regime da comunhão de adquiridos, (…).

     QUARTO

     HH, casada com II, sob o regime da comunhão de adquiridos, (…).

     QUINTO

     DD, casada com EE, sob o regime da comunhão de adquiridos,

     Que além destes não há outros herdeiros (…) ”.

    2.1.24. No referido processo, o aí cabeça-de-casal FF, apresentou a relação de bens, na qual relacionou metade da propriedade dos prédios referidos em 1.-a), 1.-b) e 12.

    2.1.25. No processo de inventário (referido em 19.), foi solicitado ao Réu FF que apresentasse as certidões do Registo Predial dos prédios referidos em 1.-a), 1.-b) e 12., o que este não fez.

    2.1.26. Em 8 de Janeiro de 2007, o réu FF, na qualidade de cabeça-de-casal da herança de KK, apresentou no Serviço de Finanças de Trancoso a Declaração para Inscrição ou Actualização de Prédios Urbanos na Matriz (modelo 1) referente ao prédio com o artigo urbano 13… da freguesia de S. P…, concelho de Trancoso, na qual declarou o prédio como afecto à habitação, ocupado em 21/11/2006 e pertencente metade indivisa a JJ e metade indivisa à herança de KK, ao qual foi dado o artigo matricial provisório 1724.

    2.1.27. Em 8 de Janeiro de 2007, o Réu FF, na qualidade de cabeça-de-casal da herança de KK, apresentou no Serviço de Finanças de Trancoso a Declaração para Inscrição ou Actualização de Prédios Urbanos na Matriz (modelo 1) referente ao prédio com o artigo urbano 13… da freguesia de S. P…, concelho de Trancoso, na qual declarou o prédio como afecto à habitação, ocupado em 21/11/2006 e pertencente metade indivisa a JJ e metade indivisa à herança de KK, ao qual foi dado o artigo matricial provisório 1723.

    2.1.28. Em 8 de Janeiro de 2007, o Réu FF, na qualidade de cabeça-de-casal da herança de KK, apresentou no Serviço de Finanças de Trancoso a Declaração para Inscrição ou Actualização de Prédios Urbanos na Matriz (modelo 1) referente ao prédio com o artigo urbano 13… da freguesia de S. P…, concelho de Trancoso, na qual declarou que a propriedade do prédio pertence metade indivisa a JJ e metade indivisa à herança de KK.

   2.1.29. A partir da apresentação de tais declarações, os artigos matriciais urbanos 17…3, 17…4 e 13… ficaram inscritos nas finanças metade em nome de JJ e metade em nome de KK - cabeça de casal da herança.

    2.1.30. Em 1980, a Ré JJ demoliu a casa pequena, antiga, com as paredes construídas em pedra miúda, e quintal, que tinha na Rua …, na localidade de V… N…, freguesia de …, concelho de Trancoso.

    2.1.31. Nesse local foi construído o prédio composto por casa de habitação, tendo no rés-do-chão uma garagem, no primeiro andar 3 assoalhadas, cozinha, casa de banho e vestíbulo e no sótão 4 assoalhadas, casa de banho e vestíbulo, inscrito na matriz predial sob o artigo 58…, a favor de JJ, com o valor patrimonial de € 16.786,54.

    2.1.32. Mostra-se inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 1358, da freguesia de S. P…, concelho de Trancoso, a favor de JJ, com o valor patrimonial de € 33.987,56, o prédio urbano composto por duas moradias, tendo no r/c direito 2 garagens, no 1.° direito 4 assoalhadas, cozinha, 2 casas de banho, vestíbulo e despensa, no 1.° esq. 4 assoalhadas, cozinha, 2 casas de banho e despensa, no 2.° direito 4 assoalhadas, cozinha, 2 casas de banho e despensa, no 2.° esq. 4 assoalhadas, cozinha, 2 casas de banho e despensa, sito no Bairro … na freguesia de Trancoso (S. P…).

     2.1.33. Este prédio foi construído no período referido em 14.


+


     2.2. Foram julgados não provados os seguintes


     Factos:

  a. Foi só KK que pagou os tijolos, cimento, ferro, areias, telhas, alumínios, madeiras e móveis da casa de banho utilizados na construção dos prédios referidos em 1.-a), 1.-b) e 12.

    b. Foi só KK que dirigiu as construções e pagou aos homens que trabalharam na construção dos prédios referidos.

    c. KK utilizou o prédio referido em 12. unicamente como seu.

    d. Enquanto foi vivo, foi só KK, e com dinheiro só seu, que pagou os impostos referentes aos prédios referidos em 1.-a), 1.-b) e 12.

     e. O prédio referido em 31. foi construído por KK e pela Ré JJ, com dinheiro de ambos.

     f O prédio referido em 32. foi construído por KK e pela Ré JJ, com dinheiro de ambos.

    g. Os prédios referidos em 31. e 32. foram construídos com os rendimentos auferidos por KK no seu trabalho de abertura de furos para exploração de água subterrânea e na exploração de um café e com a reforma auferida pela ré JJ.

    h. Foi só KK que dirigiu as construções e pagou, com dinheiro seu, aos homens que trabalharam na construção dos prédios referidos.

    i. Foi KK que sozinho pagou os tijolos, telhas, cimento, areia, madeira e janelas em alumínio utilizados na construção dos prédios referidos em 31. e 32.

     j. A ré JJ autorizou KK a construir este prédio referido em 31.

     k. Os lotes referidos em 4., 5. e 13. foram adquiridos por KK e pela ré JJ e pagos com dinheiro de cada um deles, na proporção de metade.

    l. KK e a ré JJ mandaram elaborar a planta para o lote referido em 13. e nele iniciaram a construção da habitação referida em 12., tendo pago os materiais e a mão-de-obra em partes iguais, com dinheiro de cada um deles.

     m. Os impostos do prédio referido eram pagos pela Ré JJ e por KK, na proporção de metade para cada um, e, depois da morte deste, são pagos pela ré JJ e por FF, este na qualidade de cabeça-de-casal de KK.

     n. As plantas, as licenças e os materiais de construção dos prédios referidos em 1.-a) e 1.-b) foram pagos, na proporção de metade para cada um, pela Ré JJ e por KK, os quais os utilizam, desde 1986, à vista de toda a gente de Trancoso, com conhecimento de todos, sem oposição de ninguém, continuadamente, convencidos de que o podiam fazer por os mesmos lhes pertencerem e convencidos de que não prejudicavam ninguém.

    o. A Ré JJ pagou metade dos gastos referidos de k. a n., com conhecimento e autorização de KK.

     p. Os prédios referidos em 1-a), 1.-b) e 12. têm, respectivamente, os valores de € 50.000,00, € 49.600,00 e € 196.000,00.

    q. KK e a Ré JJ acordaram entre si a construção dos prédios referidos em 1.-a), 1.-b), 12., 31. e 32. recorrendo a dinheiro de cada um deles, em partes iguais.

     r. Os Autores têm conhecimento dos factos referidos de k. a q.

    s. O KK requereu ainda licença para obras de construção de uma habitação no Lote 59, na freguesia de Trancoso - S. P….

     t. O réu FF sabia que os prédios pertenciam, em exclusivo, a KK e, em concreto, o referido em a. a g.

    u. Ao actuar do modo descrito em 24., 26., 27. e 28., o Réu FF pretendeu esconder que os prédios referidos em 1.- a), 1.-b) e 12. pertenciam por inteiro à herança deixada por KK para beneficiar a Ré JJ, GG e ele próprio.

    v. As máquinas de fazer furos foram compradas por KK e Maria do Carmo, com dinheiro de ambos e com igual montante.».


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     2.3. O Direito.


     Nos termos do preceituado nos arts.º 608.º nº 2, 635.º nº 3 e 690.º nº 1 do Código de Processo Civil, e sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal. Nesta conformidade e considerando também a natureza jurídica da matéria versada, cumpre focar os seguintes pontos:

- A tese da Ré à luz dos institutos da usucapião, acessão industrial imobiliária e sociedade. Os poderes do Supremo Tribunal de Justiça face à forma como a Ré configura a sua alegação de revista.


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     2.3.1. A tese da Ré à luz dos institutos da usucapião, acessão industrial imobiliária e sociedade. Os poderes do Supremo Tribunal de Justiça face à forma como a Ré configura a sua alegação de revista.


     Antes de entrar propriamente na análise das questões suscitadas pela Ré JJ, entendemos conveniente referir o seguinte acerca da metodologia que irá ser seguida no julgamento, atenta a configuração dos contornos do articulado de revista.

     Diremos assim que estamos perante um recurso regulado nos artigos 671º ss do Código de Processo Civil, sendo certo que nos interessa aqui vincar o disposto no artigo 682º relativo aos termos em que julga o tribunal de revista. “1 – Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o Supremo Tribunal de Justiça aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado.

     2 – A decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excepcional previsto no nº 3 do artigo 674º.

     3 – (…)”.


     As considerações que se vão seguir terão como linha de orientação os factos provados, excluindo-se de toda e qualquer controvérsia as considerações que em matéria factual que a Ré JJ expende nas suas alegações de recurso.

     O nosso labor jurídico-interpretativo centrar-se-á no campo jurídico, considerando a prova já assente.


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     2.3.1.1. O merecimento da tese da usucapião do prédio pela Ré à luz das normas desse instituto.


     A Autora arroga-se à propriedade do prédio em causa, sendo certo que, em primeira linha, invoca factos que segundo a mesma são verídicos e susceptíveis de conduzir à aquisição por usucapião.

     Estatui a este propósito o artigo 1287º do Código Civil que “A posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, mantida por certo lapso de tempo, faculta ao possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua actuação: é o que se chama usucapião”. Trata-se de uma forma de aquisição originária da propriedade que assenta basicamente em dois pressupostos: a manutenção da coisa objecto de aquisição na esfera jurídica do usucapiente; e a convicção e actuação da parte deste último de forma coincidente com o direito que alega pertencer-lhe, aqui a propriedade.

    Na linha deste entendimento caberia à Autora provar os factos constitutivos do seu direito, a começar pela existência na sua esfera jurídica do objecto a cuja propriedade se arroga.

    Para além do domínio sobre a coisa e que constitui o corpus do instituto possessório, o possuidor para que possa ser juridicamente considerado como tal, terá que agir convicto de que é titular do direito que pretende fazer valer, - tantum praescriptum quantum possessum - ou seja terá que actuar com animus que será de proprietário na hipótese de ser de propriedade o direito a que se arroga – o animus rem sibi habendi.

     A usucapião opera pois para o beneficiário que a invoca com êxito, a transformação de um estado de facto em situação jurídica consolidada.

    Para além dos aludidos corpus e animus essenciais à posse, esta, para que seja susceptível de conduzir à usucapião deve necessariamente ser pública e pacífica, influindo os demais caracteres da posse – a boa-fé, o título e o registo – apenas no maior ou menor prazo exigível para que a usucapião opere.

    Revertendo ao caso concreto sabemos, já que decorre dos factos provados, que o prédio se encontra descrito na Conservatória de Registo Predial sob o n.º 81…/19… e inscrito a favor do falecido KK, na matriz predial urbana sob o artigo 13…, destinado a habitação, sito na Rua …, n.º …, lugar de São P…, concelho de Trancoso, a confrontar de Norte com Rua …, Nascente com Avenida Dr. …, Sul com OO e Poente com PP, com o valor patrimonial de € 207.240,63.

    O proprietário inscrito, KK e a Ré reconvinte, JJ, começaram a habitar o prédio referido em 12 desde a conclusão da sua construção no ano de 1986, ali dormindo, confeccionado as suas refeições e passando horas de lazer.

     Coloca-se agora no tocante à Ré uma pergunta:

     A que título a JJ ocupava o prédio em análise?

     Sabemos que a Ré viveu com o de cuius, poderemos dizê-lo, como se de marido e mulher se tratassem; porém, não é possível extrair sem mais dessa situação consequências no tocante à propriedade do imóvel que habitavam, nomeadamente no que toca à Ré, e outros bens de que se serviam. Não existem no processo documentos capazes de superar esta problemática. Assim a solução do caso passa pela apreciação da prova testemunhal produzida, devidamente mediada pelo Tribunal da Relação que alterou a redacção das respostas aos quesitos 16º, 17º e 18º da Base Instrutória emitidas pela 1ª instância e que constam dos factos provados com a redacção seguinte:

    “16. KK e a Ré JJ nos períodos que estavam em Portugal e desde a conclusão da sua construção no ano de 1986 começaram a habitar o prédio referido em 12 nele (desde então) dormindo, confeccionando e tomando as refeições, passando as horas de lazer, recebendo os amigos e a sua correspondência.

    17. O que ambos fizeram até à morte do KK.

    18. Praticaram tais actos, em comum, à vista de toda a gente, sem oposição de quem quer que seja, sem interrupção, convencidos que não lesavam direitos de outrem, fazendo-o o KK por estar convencido de que tal prédio lhe pertencia e a Ré JJ por viver maritalmente com este desde 1978”.

     Na verdade chegou-se em 2ª instância à conclusão que o imóvel que ora apreciamos e que está inscrito em nome de KK, foi de facto usado por este último e pela Ré JJ e também pelos filhos de ambos, tendo sido aliás preparado para os receber. É também certo o facto de testemunhas, pessoas do seu relacionamento terem visitado a habitação e constatado que a Ré se comportava como se fosse “dona da casa”, não confere o animus relevante à posse jurídica. Trata-se, no fundo, de uma posição baseada nos hábitos sociais tradicionais com a assunção da gerência do lar por parte da mulher; mas tal não lhe confere o direito a uma quota no prédio. No caso em análise a Ré não é possuidora em nome próprio mas antes em nome alheio, aqui o companheiro falecido, uma mera detentora precária. Como bem observa o Acórdão recorrido a fls. 846 ss “se assim não fosse estava encontrado o caminho para que todos os casos de união de facto que durasse o tempo necessário ao decurso do prazo de usucapião e em que a casa pertencesse apenas a um dos elementos dos assim unidos, o outro elemento viesse, apenas por adoptar uma conduta absolutamente normal a quem vive maritalmente durante longo tempo em casa do companheiro, a adquirir a compropriedade da mesma à falsa fé, permita-se a expressão pois que esse desígnio não transpareceria de actos que o tornassem minimamente expectável para o companheiro”.

    Destas informações extrai-se sem margem para dúvidas que falta o animus possidendi à Ré JJ já que o único que naquela união de facto o tinha, era o falecido. E sendo assim a pretensão da Ré analisada por este prisma está votada ao insucesso.

    Resolvido o essencial não há assim que abordar mais o que quer que seja sob este item; para além de os RR. centrarem a sua posição quase exclusivamente na discordância na sua alegação sobre a questão do apuramento da matéria de facto a qual como vimos não é em princípio susceptível de apreciação em revista.


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     2.3.1.2. Da pretensa aquisição do prédio por acessão industrial imobiliária.

    

     A Ré invoca subsidiariamente a seu favor a aquisição por acessão industrial imobiliária referente à quota do prédio a cuja propriedade se arroga.

    

    Estatui o art.º 1340º nº 1 do Código Civil que "se alguém de boa-fé construir obra em terreno alheio ou nele fizer sementeira ou plantação e o valor que as obras sementeiras ou plantações tiverem trazido à totalidade do prédio for maior do que o valor que este tinha antes, o autor da incorporação adquire a propriedade dele pagando o valor que o prédio tinha antes das obras, sementeiras ou plantações.    4. Entende-se que houve boa-fé, se o autor da obra sementeira ou plantação desconhecia que o terreno era alheio ou se foi autorizada a incorporação pelo dono do terreno".

    São pois elementos constitutivos da acessão a que alude o citado normativo legal, a) a construção de uma obra; b) a sua implantação em terreno alheio e a formação de um todo único entre o terreno e a obra; d) o valor de um e outra; a boa-fé na conduta do autor da obra.

    É claro que a verificação dos pressupostos para que a aquisição possa ocorrer está dependente de a mesma ser constatável à luz dos factos provados.

    Por essa razão impõe-se a análise do elenco factual provado e não provado com vista a indagar esteio à pretensão dos AA..

     No elenco dos requisitos para a acessão industrial imobiliária haverá que considerar que a Ré teria que demonstrar ter levado a cabo a construção nos pontos 12, e 13. Era à mesma que nos termos do preceituado no artigo 342º cabia o ónus da respectiva prova, já que se trata de um facto constitutivo do seu direito. E isto independentemente de não terem sido dados como provados factos que apontam para a exclusividade da construção por parte do falecido. Por outro lado é irrelevante que o prédio tivesse sido construído no período de 1978 a 21 de Outubro de 2006, em que os Autores viveram em união de facto; é que, na verdade, esta só por si não atribuía à Ré quaisquer direitos, sendo um instituto parafamiliar.

    Decidida a questão primordial deste item, perde o interesse a abordagem dos restantes requisitos da acessão industrial imobiliária a que se reporta o artigo 1340º, já que dependentes do arvoramento da construção.


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    2.3.1.3. Existiu um contrato de sociedade entre o falecido KK e a Ré JJ ? Ilações a tirar da resposta a esta questão.


    Refere por último a Ré JJ que no período em que viveu com o falecido a actuação de ambos se reconduz a um contrato de sociedade. A sua caracterização consta do artigo 980º onde pode ler-se “Contrato de sociedade é aquele em que duas ou mais pessoas se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício em comum de certa actividade económica, que não seja de mera fruição, a fim de repartirem os lucros resultantes dessa actividade”.

Os requisitos essenciais à existência de um contrato de sociedade são a) a contribuição dos sócios; b) O exercício em comum de certa actividade económica que não seja de mera fruição e c) A repartição dos lucros. O normativo supra-referido patenteia desde logo o aspecto organizativo e o aspecto negocial da sociedade. Efectivamente mau grado o “contrato de sociedade não esteja sujeito a forma especial – à excepção da que for exigida pela natureza dos bens com que os sócios entram para a sociedade – “o contrato de sociedade não está sujeito a forma especial à excepção da que for exigida pela natureza dos bens com que os sócios entram para a sociedade. Do que não há dúvida é que se exige sempre a prova de um acordo com vista a assumir o pacto societário; e o certo é que tal não consta dos factos provados; a contribuição da JJ também não aparece especificada.

    Por outro lado falha em absoluto a prova de que os elementos do casal exercessem uma actividade económica que não fosse de mera fruição, sendo certo que, por outro lado, também não consta dos factos provados que ambos os cônjuges repartissem os lucros. Isto quer dizer: para além da fruição terá que haver um fim produtivo ou lucrativo, sendo certo que “o lucro é algo mais do que o simples correspectivo ou contraprestação da actividade despendida pelos sócios visto que ele visa não só remunerar a organização da sociedade, como compensar os riscos de perda que os sócios correm através da sociedade. Não é essencial uma repartição igualitária ou proporcional dos lucros entre os sócios”[2].

     Pelo exposto a revista irá negada.

             

    

     Poderá assentar-se no seguinte à giza de sumário e conclusões:


    1) Usucapião é um instituto para aquisição originária entre outros de um direito de propriedade, cujas traves mestras são enumerados no artigo 1287º do Código Civil.

    2) Assenta basilarmente em dois pressupostos: a manutenção da coisa objecto de aquisição na esfera jurídica do usucapiente; e a convicção e actuação da parte deste último de forma coincidente com o direito que alega pertencer-lhe, aqui a propriedade.

    3) Sendo factos constitutivos do direito da Ré que se pretende fazer valer através de reconvenção, primordial se tornaria que aquela provasse os elementos constitutivos do instituto a começar na posse do prédio.

    4) Tal requisito seria de verificação necessária na acessão industrial imobiliária, sendo igualmente indispensável que a Ré provasse ter ela construído o prédio com meios próprios.

    5) São elementos constitutivos da sociedade comercial a que alude o artigo 980º do Código Civil a) A contribuição dos sócios; b) O exercício em comum de certa actividade económica que não seja de mera fruição e c) A repartição dos lucros. O normativo supra-referido patenteia desde logo o aspecto organizativo e o aspecto negocial da sociedade.

   6) Para além da fruição terá in contractu societatis que haver um fim produtivo ou lucrativo, sendo certo que “o lucro é algo mais do que o simples correspectivo ou contraprestação da actividade despendida pelos sócios visto que ele visa não só remunerar a organização da sociedade, como compensar os riscos de perda que os sócios correm através da sociedade.


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     3. DECISÃO.

    

     Pelo exposto acorda-se em negar a Revista.

     Custas pela recorrente.


Lisboa, 29 de Setembro de 2016


Távora Victor (Relator)

Silva Gonçalves

António Piçarra

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[1] Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela "Código Civil Anotado III, Coimbra Editora 2ª Edição pags. 64 ss; Manuel Rodrigues "A Posse" Almedina Coimbra 1980, pag. 284. Luís Carvalho Fernandes "Lições de Direitos Reais" Quid Iuris, Lisboa 1996, pags. 203. Oliveira Ascensão "" 5ª Edição Coimbra Editora pags.

[2] Pires de Lima e Antunes Varela “Código Civil Anotado” II 1997 4ª Edição em comentário ao artigo 980º pags. 287. Raúl Ventura “Apontamentos sobre as Sociedades Civis, Almedina, Coimbra 2006, pags. 49 ss. Albino Matos “Constituição de Sociedades, 4ª Edição revista e actualizada, Almedina, Coimbra, 1998, pags. 11 ss.