Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3401/17.1T8FAR.E1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: ROSA RIBEIRO COELHO
Descritores: TRANSACÇÃO
TRANSAÇÃO
NULIDADE DO CONTRATO
ESCRITURA PÚBLICA
LICENÇA DE UTILIZAÇÃO
INTERPRETAÇÃO DA LEI
NORMA IMPERATIVA
AUTONOMIA DA VONTADE
BEM IMÓVEL
FRACÇÃO AUTÓNOMA
FRAÇÃO AUTÓNOMA
TRANSMISSÃO DE PROPRIEDADE
Data do Acordão: 11/07/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGOCIO JURÍDICO / NULIDADE E ANULABILIDADE DO NEGOCIO JURÍDICO / NEGÓCIOS CELEBRADOS CONTRA A LEI.
Doutrina:
- Fernando Neto Ferreirinha, Manual de Direito Notarial, 2ª edição, p. 408-409;
- Joaquim de Seabra Lopes, Direito dos Registos e do Notariado, 10ª edição, p. 443-446 e 610-612.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 294.º.
DL N.º 281/99 DE 26 DE JULHO: - ARTIGOS 1.º E 2.º, N.º 4.
Sumário :
I – É proibida pelo art. 1º do DL nº 281/99 a realização de escritura pública cujo objeto seja a transmissão da propriedade de prédio urbano, ou de frações autónomas, sem que se prove a existência da respetiva licença de utilização.

II – As exceções a este regime previstas no nº 4 do art. 2º do mesmo diploma não se aplicam à transmissão de frações autónomas nem de moradias unifamiliares.

III – Estamos perante normas imperativas, não podendo a exigência legal ser dispensada pela vontade expressa pelas partes em transação no sentido de que um dado prédio sem licença de utilização seria transmitido no estado em que se encontrava e nas condições que aí ficaram definidas.

Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

2ª SECÇÃO CÍVEL




 I - Grupo AA, Ldª., intentou contra BB a presente ação declarativa, pedindo que seja declarada nula a transação que ambas outorgaram em 28.11.2016 num processo que correu termos na mesma comarca com o nº 887/16.5T… e em que as partes tinham posição idêntica à que nestes autos assumem.

Alegou, em síntese nossa, que nessa transação a aí ré se obrigou a entregar à aí autora uma casa, obrigação essa condicionada a que em seu favor fosse transmitido, no estado em que se encontrava, um prédio urbano sito em …; porém, este prédio urbano não tem a sua construção concluída e não tem licença de utilização, o que impede a sua transmissão, por força do disposto no nº 1 do art. 1º do DL nº 281/99, de 26.7, na redação dada pelo DL nº 116/2008, de 4.7; assim, há impossibilidade legal de cumprimento da transação que, por isso e nos termos dos arts. 280º, nº 1 e 294º do CC, é nula.


    Houve contestação da ré e, realizado o julgamento, foi proferida sentença que julgou a ação improcedente, absolvendo a ré do pedido.


     Apelou a autora, com sucesso, pois a Relação de Évora revogou a sentença e declarou nula aquela transação.


Agora inconformada, a ré interpôs recurso de revista, tendo apresentado alegações onde, pedindo a repristinação da sentença, formula as seguintes conclusões:

1. Recorrente e recorrida celebraram uma transação, acordando, para além do mais, no seguinte:

“2 - A obrigação assumida pela Ré fica condicionada à transmissão a seu favor do prédio urbano sito na …, na Rua …, freguesia de …, concelho de …, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 32…0;

3 - O prédio aludido em 2), será entregue à Ré no estado em que se encontra na presente data e que decorre da execução de um projeto aprovado pela Câmara Municipal de … (processo nº 1…1/2005), faltando apenas acabamentos interiores, nomeadamente pintura, equipamentos de cozinha, casas de banho e de instalação elétrica (tomadas e interruptores);”.

2. Discutida a causa resultou assente:

(…)

“7º - Para a realização de obras no prédio indicado na cláusula 2ª da transação referida no facto provado nº 5, pela Câmara Municipal de … foi emitido o alvará de obras de construção nº 6…/2011, com início em 8/11/2011 e termo em 11/11/2013, não tendo sido requerida a respetiva licença de utilização, tudo ainda conforme o documento de fls. 39 que aqui se dá por reproduzido.

(…)

9º - O direito de propriedade sobre o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o número 4.563 da freguesia de …, encontra-se aí inscrito a favor de CC, conforme documento de fls. 21, que aqui se dá por reproduzido.

(…)

11º - O acima referido CC, na data da transação era sócio e único gerente da Autora e tinha conhecimento do descrito no facto provado 7º.”

3. Ao contrário do decidido pelo tribunal “a quo” a transação em apreço não padece de qualquer vício porquanto, cumpridas as obrigações que impendem sobre a A., nada impede a sua concretização.

4. A escritura pública destinada a concretizar a aludida transação pode ser outorgada, nela se identificando o prédio onde se encontra feita a obra licenciada pela Câmara Municipal de …, fazendo-se menção no aludido título às benfeitorias realizadas no prédio e descrevendo-as pormenorizadamente.

5. Inexiste qualquer obstáculo legal para o efeito, sendo inaplicáveis no caso vertente os dispositivos legais invocados pelo tribunal recorrido para sustentar a sua decisão.

6. Não é necessário, ao contrário do que aí se diz, para a formalização notarial da transação em causa, exibir no ato notarial qualquer licença de utilização, porquanto resulta do acordo em apreço, e tal foi a vontade expressa das partes, que o prédio em apreço seria transmitido no estado em que se encontrava e nas condições que sumariamente aí se deixaram expressas.

7. Acresce que, tal como se deixou dito na sentença do tribunal da 1ª instância, sempre se poderá celebrar o negócio servindo-se da licença de construção caducada, nos termos previstos no art.º 2º do Decreto-Lei n.º 281/99, de 26/7, com a redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 116/2008, de 4/7, e tendo em conta que se tratará de obra inacabada (no art.º 88º do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, define-se como obra inacabada aquelas em que tenha sido atingido um estado avançado de execução mas a licença ou comunicação prévia haja caducado).


Nas contra-alegações apresentadas, a autora sustenta a improcedência do recurso.


Colhidos os vistos, cumpre decidir sendo questão sujeita à nossa apreciação a de saber se a transação discutida é um negócio jurídico nulo.


  II – Vêm descritos como provados os seguintes factos:

1°- Correu termos Instância Central de … - … Secção Cível – J…, o processo n.º 887/16.5T…, em que era Autora a aqui também Autora e Ré a aqui também Ré.

2°- No processo acima referido, em audiência de julgamento realizada no dia 28 de Novembro de 2016, Autora e Ré celebraram uma transação, que foi homologada por sentença, conforme documento de fls. 15 a 18, que aqui se dá por reproduzido.

3°- No mesmo processo, a Ré veio ainda requerer a retificação da transação, o que foi deferido por despacho proferido em 16/01/2017, tudo conforme documentos de fls. 20 a 28, que aqui se dão por reproduzidos.

4°- A sentença homologatória da transação e o despacho de retificação da mesma transitaram em julgado, conforme documento de fls. 29 e seguintes, que aqui se dá por reproduzido.

5°- A transação acima referida, considerando a retificação subsequente ficou a constar com o seguinte texto:

  «1 - As Partes acordam em revogar o contrato de comodato celebrado no dia 19/07/2013, com efeitos a partir do próximo dia 16/01/2017, data em que a Ré se compromete a entregar a casa que constitui o objeto desse mesmo contrato;

    2 - A obrigação assumida pela Ré fica condicionada à transmissão a seu favor do prédio urbano sito na …, Rua …, freguesia de …, concelho de …, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n° 45…3/20…6 e inscrito na matriz predial com o n.° 3220;

    3 - O prédio aludido em 2), será entregue à Ré no estado em que se encontra na presente data e que decorre da execução de um projeto aprovado pela Câmara Municipal de … (processo n° 1…1/2008), faltando apenas acabamentos interiores, nomeadamente pintura, equipamentos de cozinha, casas de banho e de instalação elétrica (tomadas e interruptores);

    4 - Na mesma data (16/01/2017) a Ré compromete-se ainda a efetuar o pagamento da quantia de € 39.600,00 (trinta e nove mil e seiscentos euros) através de mensalidades de valor de € 330,00 (trezentos e trinta euros), pelo período de 10 anos, sendo as subsequentes com vencimento no dia 16 de cada mês, através de transferência bancária para a conta com o IBAN PT….65 do Banco DD, importando o não pagamento atempado de uma prestação, o vencimento imediato de todas as restantes, sem necessidade de interpelação;

   5 - Na mesma data, a Ré compromete-se ainda a transmitir e entregar ao Sr. CC a sua quota parte no prédio urbano sito na …, Estrada Nacional …, n ° 58, da freguesia da …, inscrito na matriz com o n° 14…5 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n° 1850;

   6 - O pagamento, a transmissão e entregas a que a Ré se obriga, ficam condicionadas à verificação da transmissão referida em 2), razão pela qual os títulos de transmissão e entrega das chaves anteriormente previstos serão realizadas no mesmo local e data.

   7 - As partes intervenientes nesta transação renunciam à interposição de quaisquer outras ações para fazer valer quaisquer direitos, nomeadamente os relativos à herança dos pais de ambos, os alimentos devidos à progenitora de ambos, indemnização por prejuízos causados à sociedade/autora ou impugnação de quaisquer negócios ou deliberação social em que tenha sido interveniente.

   8 - Neste período, até ao próximo dia 16/01/2017, a Ré compromete-se a facultar o acesso à casa que constitui o objeto dos autos, a qualquer interessado ou agente imobiliário, mediante comunicação prévia efetuada pelo Ilustre Mandatário da Autora ao Ilustre Mandatário da Ré, com 48 horas de antecedência;

    9 - Neste período, até ao próximo dia 16/01/2017, a Autora compromete-se a facultar à Ré o acesso à casa sita na …, mediante comunicação prévia efetuada pelo Ilustre Mandatário da Ré ao Ilustre Mandatário da Autora, com 48 horas de antecedência;

    10 - As Partes acordam ainda em fixar o valor diário de € 50,00 (cinquenta euros) por cada dia de atraso no cumprimento de qualquer uma das obrigações estabelecidas, a título de sanção pecuniária compulsória, com exceção da obrigação do pagamento aludido em 4);

    11 - As custas ainda em divida a juízo, serão suportadas por Autora e Ré em partes iguais, dando-se por compensadas as custas de parte»

6°- Em 31/1/2017 compareceram no Cartório Notarial de …, CC e BB, para a realização de uma escritura de permuta, tendo por objeto o prédio urbano sito em …, da freguesia de … descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o número 4.563, bem como o prédio urbano sito em …, da freguesia da União das freguesias de … e …, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o número 1.850, escritura que não se realizou em virtude da falta de licença de utilização para o imóvel sito em …, tal como foi informado por ambas as partes, sob pena de nulidade da referida escritura.

7°- Para a realização de obras no prédio indicado na cláusula 2ª da transação referida no facto provado 5°, pela Câmara Municipal de … foi emitido o alvará de obras de construção n.º 6…/2011, com inicio em 8/11/2011 e termo em 11/11/2013, não tendo sido requerida a respetiva licença de utilização, tudo ainda conforme o documento de fls. 39 que aqui se dá por reproduzido.

8°- Em resposta a solicitação de CC, a Câmara Municipal de … informou que para a emissão da licença de utilização relativa ao prédio acima referido, a obra deverá estar concluída de acordo com os projetos aprovados e que não se encontrando os trabalhos de construção concluídos, poderá o requerente solicitar uma licença especial nos termos do artigo 88° do D.L. n.º 555/99 de 16/12, tudo conforme documento de fls. 40, que aqui se dá por reproduzido.

9°- O direito de propriedade sobre o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o número 4.563 da freguesia de …, encontra-se ai inscrito a favor de CC, conforme documento de fls. 21, que aqui se dá por reproduzido.

10°- Na transação referida no facto provado 5° a Autora foi representada por CC, conforme documento de fls. 15 e seguintes, que aqui se dá por reproduzido.

11°- O acima referido CC, na data da transação era sócio e único gerente da Autora e tinha conhecimento do descrito no facto provado 7°.

        

A estes factos deve ainda acrescentar-se um outro, extraído pelo Tribunal da Relação dos documentos de fls. 21 e 62-68 e que a recorrente não põe em causa:

O prédio referido no ponto 2 da transação anulanda – prédio urbano com dois pisos (rés do chão e primeiro andar com logradouro) – é uma moradia unifamiliar.



   III – O pedido deduzido pela autora na petição inicial é por ela fundado na nulidade, por impossibilidade legal - ou por contrariedade à lei -, da transação mencionada no facto nº 5, pois a transmissão prevista no seu ponto 2, reportando-se a um prédio urbano sem licença de utilização e de construção ainda incompleta, e a transmitir, segundo o convencionado, no estado em que se encontrava, era e é impedida pelo disposto no nº 1 do art. 1º do DL nº 281/99, de 26.7, alterado pelo DL nº 116/2008, de 4.7.


    É entendimento que a sentença não acolheu, tendo julgado a ação improcedente com base em argumentação e raciocínio que podem ser resumidos do seguinte modo:

- o prédio em causa não tem licença de utilização;

- estando caducada a licença de obras, estas podem concluídas mediante a obtenção de uma licença especial para conclusão de obras, após o que poderá ser emitida a licença de utilização;

- mesmo que a autora não queira realizar as obras, o negócio pode ser celebrado ao abrigo da licença caducada, visto tratar-se de obra inacabada – cfr. art. 2º do DL nº 281/99, de 26.7, com a redação dada pelo DL nº 116/2008, de 4.7;

- por isso o negócio não é impossível.


    Outra foi, todavia, a orientação seguida pelo Tribunal da Relação de Évora que, invertendo o sentido da decisão, julgou a ação procedente com base em argumentação cujas linhas mestras foram as seguintes:

- de acordo com o teor da transação, as partes acordaram na transmissão de um prédio inacabado;

- nos termos conjugados dos nºs 4 e 5 do art. 2º do DL nº 281/99, a possibilidade legal de transmissão de prédio não concluído ou inacabado, mediante exibição de alvará de licença de construção, não se aplica a moradias unifamiliares;

- a estas aplica-se o art. 1º do mesmo diploma, norma imperativa que exige que se faça prova da autorização de utilização;

- não sendo, assim, possível esta transmissão, e condicionando ela o cumprimento das obrigações assumidas pela ré na transação, há impossibilidade legal de cumprimento desta.


     A discordância da recorrente em relação a esta orientação assenta, por seu turno, nas seguintes ideias:

- a escritura pública destinada a concretizar a aludida transação pode ser outorgada, identificando-se o prédio onde se encontra feita a obra licenciada pela Câmara Municipal de … e mencionando-se as benfeitorias realizadas no prédio, com pormenorizada descrição das mesmas, como é prática comum – conclusões 4ª e 5ª;

- a vontade expressa das partes foi no sentido de que o prédio em apreço seria transmitido no estado em que se encontrava e nas condições que ficaram definidas na transação – conclusão 6ª;

- sempre se poderá celebrar o negócio com uso da licença de construção caducada, nos termos previstos no art.º 2º do Decreto-Lei n.º 281/99, de 26/7, com a redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 116/2008, de 4/7, e tendo em conta que se tratará de obra inacabada – conclusão 7ª.

        

Vejamos, em face da legislação aplicável, de que lado está a razão.

   O art. 1º do DL nº 281/99, de 26.7, alterado pelo DL nº 116/2008, de 4.7, tem o seguinte teor:

“Não podem ser realizados actos que envolvam a transmissão da propriedade de prédios urbanos ou de suas fracções autónomas sem que se faça prova da existência da correspondente autorização de utilização, perante a entidade que celebrar a escritura ou autenticar o documento particular.”[1]

    Proíbe, pois, este preceito a realização de escritura pública cujo objeto seja a transmissão da propriedade de prédio urbano, ou de frações autónomas, sem que se prove a existência da respetiva licença de utilização, à qual se refere o art. 8º do Regulamento Geral das Edificações Urbanas, aprovado pelo DL nº 38.382, de 7.8.1951.

    É regime não isento de exceções, já que o art. 2º do mesmo DL nº 281/99 prevê casos em que essa licença pode ser substituída pela licença de construção.

    Desde logo, segundo o seu nº 1, a exibição do alvará desta é suficiente quando:

“a) O transmitente faça prova de que está requerida a licença de utilização;

b) O transmitente declare que a construção se encontra concluída, que não está embargada, que não foi notificado de apreensão do alvará de licença de construção, que o pedido de licença de utilização não foi indeferido, que decorreram mais de 50 dias sobre a data do seu requerimento e que não foi notificado para o pagamento das taxas devidas.”

    Este dispositivo legal não é, manifestamente, aplicável ao caso dos autos, como decorre do confronto do seu teor com os factos provados.

    Também o nº 4 do mesmo art. 2º prevê dois casos em que é suficiente a exibição do alvará de licença de construção, nos seguintes casos:

- ou quando se transmite um prédio urbano e o alienante o declare como não concluído, com licença de construção em vigor;

- ou na situação dos edifícios inacabados prevista no artigo 73.º-A do Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 250/94, de 15 de Outubro, para cuja alienação é suficiente a exibição do alvará de licença de construção, independentemente do seu prazo de validade.

    Todavia, o nº 5 do mesmo art. 2º prescreve a inaplicabilidade deste nº 4 à transmissão de frações autónomas de prédios urbanos e de moradias unifamiliares, pelo que, perante o julgado como provado pela Relação, ao afirmar que o prédio mencionado no ponto 2 da transação é uma moradia unifamiliar, também aqui não é dispensável a licença de utilização.

     E não tem fundamento legal – nem a recorrente o menciona – a prática, aludida nas conclusões 4ª e 5ª, de dispensa da licença de utilização quando se mencionem as benfeitorias realizadas no prédio, com pormenorizada descrição das mesmas.

     Por último, é manifestamente improfícuo o que se defende na conclusão 6ª.

     A vontade expressa das partes, no sentido de que o prédio em apreço seria transmitido no estado em que se encontrava e nas condições que ficaram definidas na transação, não permite que se dispensem as exigências feitas em normas imperativas, como o são o art. 1º e o nº 5 do art. 2º do DL nº 281/99.

Uma transmissão feita nestas condições enfermaria de nulidade, nos termos do art. 294º do CC, que a mera vontade das partes não pode postergar.

     Daí que não mereça censura o acórdão impugnado.


 IV – Pelo exposto, julga-se a revista improcedente, confirmando-se o acórdão impugnado.

Custas a cargo da recorrente.


Lisboa, 7.11.2019


Rosa Maria M. C. Ribeiro Coelho (Relator)

Catarina Serra

Bernardo Domingos

_________

[1] Quanto à exigibilidade da licença de utilização e sua dispensa por ser bastante a licença de construção, cfr. Joaquim de Seabra Lopes, Direito dos Registos e do Notariado, 10ª edição, fls. 443-446 e 610-612; e, ainda, Fernando Neto Ferreirinha, Manual de Direito Notarial, 2ª edição, fls. 408-409.