Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | LUCAS COELHO | ||
Descritores: | DEPÓSITO BANCÁRIO CONTA CONJUNTA CONTA SOLIDÁRIA ÓNUS DA PROVA PODERES DA RELAÇÃO PRESUNÇÕES JUDICIAIS | ||
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Nº do Documento: | SJ200510110014642 | ||
Data do Acordão: | 10/11/2005 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | T REL GUIMARÃES | ||
Processo no Tribunal Recurso: | 2042/03 | ||
Data: | 12/10/2003 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA. | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA. | ||
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Sumário : | I - Nas contas bancárias conjuntas, a mobilização e disponibilidade dos fundos depositados exige a simultânea intervenção da totalidade dos titulares, enquanto nas contas solidárias basta para o efeito a intervenção de qualquer dos titulares, indistinta e isoladamente, subscrevendo cheques ou acordos de pagamento, independentemente da autorização ou ratificação dos restantes; e isto, independentemente de quem seja de facto e juridicamente o proprietário desses valores», ou seja, a natureza solidária da conta releva apenas nas relações externas entre os seus titulares e o banco, quanto à legitimidade da sua movimentação a débito, e nada tem a ver com o direito de propriedade das quantias depositadas; II - Nesta vertente as contas solidárias estão sujeitas ao regime da solidariedade activa definido no artigo 512.º, n.º 1, Código Civil, cujo efeito predominante, nas chamadas relações externas», entre os credores solidários e o devedor, é o de que cada um daqueles tem o direito de exigir deste a prestação integral, sem que o devedor comum possa aduzir a excepção de que esta não lhe pertence por inteiro; III - Se, porém, o credor solidário viu o seu direito satisfeito para além do que lhe cabia na relação interna entre os concredores, terá de satisfazer aos outros a parte que lhes pertence no crédito comum, conforme explícita estatuição do artigo 533 - preceito simétrico do artigo 524 relativo ao direito de regresso na solidariedade passiva. (artigo 533); e justamente com vista à determinação da parte dos restantes credores nas relações internas se explica o artigo 516.º, e a presunção meramente iuris tantum da participação proporcional nele desenhada; IV - A presunção foi, todavia, ilidida no caso sub iudicio, uma vez ter-se provado que as contas, de que a falecida era titular à data do acidente, foram constituídas com dinheiro dela, não comungando consequentemente os parentes contitulares em qualquer quota da propriedade do dinheiro; pelo que, em tais condições, havendo estes réus não obstante procedido ao levantamento da totalidade dos depósitos ainda em vida da proprietária, devem agora restituir à sua herança indivisa a totalidade dessas importâncias, nos termos do artigo 533.º; V - Os réus recorrentes pretendem que as quantias depositadas lhes foram doadas pela autora da sucessão, mas não se provou que esta, por espírito de liberalidade, tenha disposto gratuitamente das aludidas quantias em seu benefício, elementos típicos do contrato de doação conforme o artigo 940.º do Código Civil, cuja prova incumbia aos réus como factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito de restituição (artigo 342.º, n.º 2). VI - Aliás, os factos e circunstâncias que os recorrentes referem nas conclusões da alegação constituem presunções e bases de presunções que induziriam interpretativamente os aludidos elementos integradores do tipo legal da doação. Conforme, porém, a jurisprudência constante deste Supremo Tribunal, estava vedado à Relação extrair as presunções em questão, relativamente a factos seleccionados como tema da prova, que o julgador de facto em 1.ª instância deu, todavia, como não provados. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I 1. "A" e esposa B, residentes em Lisboa, coligados com C e marido D, residentes na freguesia de Ceivães, concelho de Monção, instauraram no tribunal desta comarca, em 2 de Março de 2000, contra: 1.ª "E", viúva, residente na freguesia de Ceivães, e os filhos desta, 2.os "F" e esposa, residentes na mesma freguesia; 3.os "G" e marido, residentes em França; 4.os "H" e marido, residentes na freguesia de Barbeita, concelho de Monção; 5.os "I" e esposa, residentes nesta mesma freguesia; e 6.os "J" e esposa, residentes na freguesia de Ceivães, acção ordinária tendente a obter a restituição pelos réus à herança de K, falecida a 7 de Dezembro de 1994, em consequência de acidente de viação ocorrido a 9 de Abril do mesmo ano, dos montantes de contas bancárias identificadas nos autos das quais eram titulares a falecida e diversos dos réus, que estes levantaram em Abril de 1994 e fizeram seus apesar de as respectivas quantias, totalizando 11.139.779$00, pertencerem exclusivamente àquela. Os autores A e C, e a ré E, eram irmãos de K e herdeiros legítimos desta, uma vez que a mesma faleceu no estado de viúva, sem descendentes nem ascendentes, e sem testamento ou qualquer outra disposição de última vontade. As lesões sofridas por K no acidente de 9 de Abril de 1994 foram de tal forma graves que a mantiveram ininterruptamente internada em estabelecimentos hospitalares do Norte, num estado comatoso e de inconsciência, que a impedia de falar, ver, ouvir e movimentar-se, sendo-lhe a alimentação inclusive ministrada por meio de sonda introduzida no nariz. E nesta situação de absoluta incapacidade para reger a sua pessoa e administrar o seu património, impeditiva de qualquer contacto com familiares, amigos, ou conhecidos, e com os próprios bens, permaneceu a sinistrada sem alteração, desde a data do acidente até à sua morte em 7 de Dezembro de 1994. Pedem o reconhecimento da sua qualidade de herdeiros legítimos da falecida; de que os dinheiros dos depósitos bancários pertencem à herança desta; e a consequente condenação dos diversos réus a restituírem ao acervo hereditário, acrescidas de juros, essas quantias que respectivamente fizeram suas. 2. Os réus contestaram, alegando que o dinheiro já não pertencia a K na altura da sua morte, uma vez que o fora dividindo ao longo da vida pelos réus, através do sistema das contas conjuntas ou autorizando que procedessem ao levantamento das mesmas. Procedeu a falecida deste modo por manter uma relação mais próxima com os réus, que, de entre os familiares, sempre a ajudaram. Daí a sua vontade de lhes doar essas quantias em forma de agradecimento. Prosseguindo o processo os trâmites legais, veio a ser proferida sentença final, em 21 de Junho de 2003, que julgou procedentes os pedidos formulados, condenando os réus em conformidade. Apelaram os demandados, impugnando inclusive a decisão de facto - assim o entendeu a Relação de Guimarães -, mas sem sucesso, tendo o mesmo tribunal negado provimento à apelação e mantido na íntegra a decisão recorrida. 3. Do acórdão neste sentido proferido, em 10 de Dezembro de 2003, trazem os réus vencidos a presente revista, formulando na alegação respectiva as conclusões que se reproduzem: 3.1. «Salvo o devido respeito por melhor opinião, resulta dos autos que a K quis doar, como aliás doou, aos réus, as verbas depositadas nas várias instituições bancárias e na proporção em que cada co-titular ou procurador intervinha no respectivo depósito; 3.2. «Resulta dos autos que a falecida além da sua irmã E tinha ainda vivos os irmãos A e C e vários sobrinhos, filhos de irmãos pré-falecidos; 3.3. «No entanto os depósitos bancários só tinham como co-titulares ou procuradores a irmã E e/ou os filhos desta. Sendo que nem todos eram procuradores ou co--titulares das mesmas contas; 3.4. «Daí se terá que normalmente concluir que a vivência e confiança da falecida passava somente pelos réus. Pois de outro modo não existe justificação para das contas não constarem os outros familiares; 3.5. «Até porque a irmã G morava mais perto da casa da falecida que a E ou seus filhos (alguns deles emigrantes em França); 3.6. «Por outro lado se a razão de as contas não estarem tituladas somente pela falecida para possibilitar o levantamento no caso de impossibilidade dela, chegaria mais um titular e naturalmente que seria o mesmo; 3.7. «Também é verdade que a falecida sabia que quer os co-titulares quer os procuradores podiam levantar o dinheiro aí depositado; 3.8. «Aliás não existe outra explicação normal e plausível para que numa conta sejam procuradores cinco pessoas; 3.9. «Resulta assim, de todo o comportamento da falecida que o que ela pretendeu foi doar as importâncias depositadas aos réus, e assim foi entendido pelos réus e seria por qualquer cidadão comum; 3.10. Sempre ela o afirmou às vizinhas e aos próprios sobrinhos e irmã E; 3.11. «Como também era sabido que a falecida mantinha relações muito distantes com a restante família; 3.12. «As instâncias, salvo o devido respeito, fizeram uma aplicação errada do direito, nomeadamente não aplicando o disposto nos artigos 236.º, 238.º e 349.º todos do Código Civil e ainda o disposto no artigo 668.º, n.° l, alínea c), do Código de Processo Civil.» 4. Contra-alegam os autores, pronunciando-se pela negação da revista e a condenação dos réus em multa e indemnização como litigantes de má fé. E o objecto do recurso, considerando a respectiva alegação e suas conclusões, à luz da fundamentação da decisão recorrida, consiste em saber se os montantes das contas bancárias que os réus levantaram em seu proveito lhes pertencem a eles como donatários das mesmas, ou pertencem antes à herança da falecida, devendo a esta ser restituídas. II 1. Rejeitando como dissemos a impugnação da decisão de facto pelos réus apelantes, que apreciou criteriosamente, a Relação de Guimarães considerou assente a factualidade dada como provada na 1.ª instância, para a qual, não impugnada e devendo aqui manter-se inalterada, desde já se remete nos termos do n.º 6 do artigo 713.º do Código de Processo Civil. Na perspectiva do presente recurso interessa, todavia, conferir elucidativo destaque aos factos seguintes: 1.1. "K" faleceu em 7 de Dezembro 1994, no estado de viúva de L, sem descendentes nem ascendentes, ou qualquer disposição de última vontade relativa aos bens, sendo seus herdeiros os irmãos, entre os quais os autores A e C, a ré E, e diversos sobrinhos [alínea A) da especificação]; 1.2. Os réus F, G, H, I e J são filhos da ré E e sobrinhos da falecida K [alínea B)]; 1.3. K foi vítima de acidente de viação em 9 de Março de 1994 e, desde então até ao seu falecimento, ininterruptamente, esteve internada em estabelecimentos hospitalares em estado comatoso, incapaz e inconsciente [C)]; 1.4. Por óbito de K, foi instaurado inventário facultativo, a requerimento da autora C, sendo cabeça de casal a ré E, onde aquela acusou a falta de relacionação dos depósitos bancários da falecida, acerca dos quais foram os interessados remetidos para os meios comuns [alíneas D) e E)]; 1.5. À data do acidente de viação que a vitimou, a K era titular dos seguintes depósitos a prazo [F)]: 1.º na agência de Monção do Banco ... o depósito n° 22 540 167/300, com o saldo credor de 4.143.337$00, que tinha como procuradores cinco sobrinhos seus, os réus F, G, H, I e J; 2.° na agência de Melgaço do Banco ... (actual BPI), o depósito n.° 73 103 540, com o saldo credor de 513.062$00, solidariamente com os réus H, I e J; 3.° na agência de Monção do Banco .., o depósito n.° 22 222 722, de 178.707$00, solidariamente com o réu F; 4.° na mesma agência, o depósito n.° 1 862 793, de 540.560$70, solidariamente com o mesmo réu F; 5.º na mesma agência, o depósito n.° 1 897 371, de 335.593$60, solidariamente com o mesmo réu F; 6.° na mesma agência, o depósito n.° 1 973 887, de 109.800$00, solidariamente com o mesmo réu F; 7.° e, na mesma agência, o depósito associado à conta à ordem n.° 7 727 399 011, de 982 859$40, solidariamente com a ré E. 1.6. Esses depósitos foram efectuados com dinheiro da K [G)]; 1.7. Os depósitos referidos na alínea F) foram levantados [H)]: - o 1.º em 18 de Abril de 1994, pela ré G; - o 2.º em 18 de Abril de 1994, pelos réus H, J e I, acrescido dos respectivos juros de 108$00; - os 3.º, 4.º, 5.º e 6.º, em 11 de Abril de 1994, pelo réu F; - o 7.º em 19 de Abril de 1994, pela ré E, acrescido dos juros, no total, de capital e juros, de 1.000.453$60. 2. A partir da factualidade descrita, considerando o direito aplicável, o acórdão recorrido, confirmando a sentença da 1.ª instância, respondeu à questão há momentos definida como constituindo objecto da revista no sentido de as quantias depositadas nos bancos não terem sido doadas pela falecida K a sua irmã E e filhos. E isto decerto no tocante ao depósito do Banco ..., em que os cinco réus sobrinhos apenas intervinham nas contas como procuradores da tia, de forma que os actos por eles praticados, maxime as movimentações da conta, deveriam sempre conformar-se adentro dos poderes de representação por ela conferidos mediante as procurações, e produzindo enquanto tais os seus efeitos na esfera jurídica própria da dona do negócio K (artigos 258.º e 262.º do Código Civil). Mas, tão-pouco relativamente aos demais depósitos, em que os familiares demandados participavam nas respectivas contas solidárias como contitulares, poderia falar-se de doações. Desde logo, porque o dinheiro das contas pertencia à falecida, consoante se provou (supra, II, 1.6.), havendo a sentença por isso considerado ilidida a presunção estabelecida no artigo 516.º Em segundo lugar, por não se ter provado qualquer animus donandi na constituição das contas solidárias, cujo ónus probatório, impendente sobre os réus, nos termos do artigo 342.º, n.º 2, restou incumprido mercê das respostas não provado a todos os quesitos 1.º a 8.º da base instrutória. Acresce, na perspectiva do artigo 947.º, sempre do Código Civil, que, não tendo as pretensas doações sido feitas por escrito, o certo é que, consoante presunção extraída pela Relação dos factos provados, a K não procedeu à entrega ou tradição das quantias pecuniárias em apreço aos réus seus familiares (1). 3. Eis aí justamente, emanando das decisões das instâncias e por último do acórdão em revista, a composição correcta do presente litígio. 3.1. Pode parecer que a solução seja menos discutível no caso da conta meramente com procuração dos réus sobrinhos. Vejamos então paradigmaticamente as contas solidárias. As modalidades e o regime das contas bancárias reflectem de algum modo os tipos de depósitos subjacentes: v.g., a prazo ou à ordem, singulares ou colectivas (2). Com efeito, em razão do número de titulares as contas bancárias podem configurar-se como singulares ou colectivas, distinguindo-se na segunda espécie as contas conjuntas das contas solidárias (3). Nas contas conjuntas, a «mobilização e disponibilidade dos fundos depositados exige a simultânea «intervenção da totalidade dos titulares», enquanto nas contas solidárias basta para o efeito a intervenção de «qualquer dos titulares, indistinta e isoladamente, subscrevendo cheques ou acordos de pagamento, independentemente da autorização ou ratificação dos restantes». Interessa-nos em especial esta segunda modalidade, a que pertencem todas as contas discutidas nestes autos, com excepção, como acabámos de ver, da conta no Banco ..., com os cinco procuradores. Pois bem. Na estrutura e funcionalidade da conta solidária, cada um dos titulares fica a ter, em relação ao banco, «o direito de dispor, como entender, e unicamente com a sua assinatura, de todas as somas ou valores em crédito da conta», podendo desta forma, «separadamente e sozinho, retirar a totalidade ou parte das somas ou valores» (4). Basta, dito de outro modo, «a assinatura de apenas um dos respectivos titulares para a sua movimentação e até mesmo para o seu encerramento». (5) E isto, sublinha a doutrina que se vem acompanhando, «independentemente de quem seja de facto e juridicamente o proprietário desses valores» (6). Distinção esta - a de que a natureza solidária da conta «releva apenas nas relações externas entre os seus titulares e o banco, quanto à legitimidade da sua movimentação a débito, e nada tem a ver com o direito de propriedade das quantias depositadas» - constantemente salientada outrossim na jurisprudência deste Supremo Tribunal (7). Em síntese. As contas solidárias de que K era titular podiam ser movimentadas no todo ou em parte pelos parentes contitulares isoladamente, tendo estes em face do banco devedor, nos termos expostos, o direito de dispor delas como entendessem, desacompanhados da falecida, independentemente de ser esta ou algum daqueles o proprietário dos fundos existentes nas conta. 3.2. Nesta vertente estavam as mesmas contas, numa palavra, sujeitas ao regime da solidariedade activa definido no Código Civil (8). Na verdade, conforme o artigo 512.º, n.º 1, observa a doutrina, «o efeito predominante da solidariedade entre credores é o de que cada um deles tem o direito de exigir a prestação integral, sem que o devedor comum possa aduzir a excepção de que esta não lhe pertence por inteiro» (9). E este é, com efeito, «o regime fundamental da solidariedade nas chamadas relações externas» (10), entre o credor solidário e o devedor. Se, porém, o credor solidário «viu o seu direito satisfeito para além do que lhe cabia na relação interna entre os concredores, terá de satisfazer aos outros a parte que lhes pertence no crédito comum (artigo 533.º)». «E nessa relação interna, presume-se que os credores solidários participam no crédito em partes iguais (artigo 516.º).» (11) A distinção, entre os dois planos, das relações externas e das relações internas, é, por conseguinte, essencial na compreensão do sistema (12). Repete-se. Se um dos credores receber toda a prestação, consoante é seu direito perante o devedor, no regime próprio da solidariedade activa (artigo 512.º, n.º 1), ficando satisfeito «além da parte que lhe competia na relação interna entre os credores», está então obrigado a satisfazer aos outros a parte que lhes pertence no crédito comum, conforme explicita estatuição do artigo 533.º - preceito simétrico do artigo 524.º relativo ao direito de regresso na solidariedade passiva. E justamente com vista à determinação da parte dos restantes credores nas relações internas se explica o artigo 516.º, e a presunção meramente iuris tantum da participação proporcional nele desenhada. 3.3. A presunção foi, todavia, ilidida no nosso caso, uma vez que se provou que as contas, de que a falecida era titular à data do acidente (supra, II, 1.5.), foram constituídas com dinheiro dela (supra, II, 1.6.), não comungando consequentemente os parentes contitulares em qualquer quota da propriedade do dinheiro. E, em tais condições, havendo estes réus não obstante procedido ao levantamento da totalidade dos depósitos ainda em vida da proprietária, devem agora restituir à herança indivisa de K a totalidade dessas importâncias, nos termos do artigo 533.º do Código Civil, acrescidas dos juros em que também vêm condenados. Por maioria de razão, se é possível, estão obrigados a idêntica restituição do que levantaram do Banco ..., acrescido dos respectivos juros, os réus com procuração sobre a conta aí constituída. 3.4. Pretendem ex adverso os recorrentes que as quantias depositadas lhes foram doadas pela autora da sucessão. No entanto, como as instâncias registaram, não se provou que a falecida, por espírito de liberalidade, tenha disposto gratuitamente das aludidas quantias em benefício dos réus, elementos típicos do contrato de doação conforme o artigo 940.º do Código Civil, cuja prova incumbia a estes como factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito de restituição (artigo 342.º, n.º 2). Aliás, os factos e circunstâncias que os recorrentes referem nas conclusões da alegação constituem presunções e bases de presunções que induziriam interpretativamente os aludidos elementos integradores do tipo legal da doação. Conforme, porém, a jurisprudência constante deste Supremo Tribunal, estava vedado à Relação extrair as presunções em questão, relativamente a factos seleccionados como tema da prova, que o julgador de facto em 1.ª instância deu, todavia, como não provados (13) - tais exactamente os factos constantes dos quesitos 1.º a 8.º do questionário, como já referimos, com os quais as conclusões da alegação se encontram em estreita afinidade. Por isso que não se verifique, salvo o devido respeito, a violação dos preceitos citados na conclusão 12.ª 4. Quanto à arguida litigância de má fé dos recorrentes, considera-se não indiciado o dolo com referência às condutas especificadas nas diversas alíneas do n.º 2 do artigo 456.º do Código de Processo Civil. E, quanto a uma negligência grave no mesmo sentido, propendemos a pensar, embora sejam legítimas dúvidas, que os réus se limitaram, na sua defesa, ao exercício de direitos processuais conferidos por lei. III Na improcedência, por todo o exposto, das conclusões da alegação, acordam no Supremo Tribunal de Justiça em negar a revista, confirmando o acórdão recorrido. Custas pelo pelos réus recorrentes (artigo 446.º do Código de Processo Civil). Lisboa, 11 de Outubro de 2005 Lucas Coelho, Bettencourt de Faria, Moitinho de Almeida. ----------------------------------------------- (1) Acerca das condições em que pode ter lugar a entrega ou tradição da coisa nas doações em apreço, veja-se, tendo embora presentes especificidades do direito italiano, Alberto Trabucchi, Instituzioni di Diritto Civile, 41.ª edizione, a cura di Giuseppe Trabucchi, CEDAM, Padova, 2004, págs. 200, 495/496, 548, 768. (2) José Ibraimo Abudo, Do Contrato de Depósito Bancário, Instituto de Cooperação Jurídica/Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Almedina, Coimbra, Junho de 2004, págs. 154 e segs., que por momentos se segue. (3) Abudo, op. cit., págs. 157 e seguintes. (4) Maurice Chapoutot, Les dépôts de fonds en banque, Paris, 1928, pág. 135, apud Abudo, idem, págs. 157/158, nota 285. (5) Aramy Dornelles da Luz, Negócios Jurídicos Bancários, São Paulo, Brasil, 1999, págs. 83/84, apud Abudo, idem, pág. 159. (6) José Maria Pires, Direito Bancário, vol. II, Lisboa , 1995, pág. 149, apud Abudo, idem, pág. 157. (7) Citem-se a propósito os seguintes acórdãos: de 22 de Abril de 1999, revista n.º 251/99, 2.ª Secção; 17 de Junho de 1999, agravo n.º 418/99, 2.ª Secção; 12 de Março de 2002, revista n.º 3484/01, 6.ª Secção; 3 de Junho de 2003, revista n.º 1615/03, 6.ª Secção; 14 de Outubro de 2003, revista n.º 2193/03, 1.ª Secção; 13 de Novembro de 2003, revista n.º 3040/03, 7.ª Secção; 16 de Novembro de 2004, revista n.º 3291/04, 1.ª Secção. (8) Neste sentido anotam Pires de Lima/Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, 4.ª edição revista e actualizada, com a colaboração de Manuel Henrique Mesquita, Coimbra Editora, Lda., Coimbra, 1987, pág. 529, que um «caso muito frequente de solidariedade activa é o dos depósitos bancários feitos em nome de duas ou mais pessoas», «em que qualquer dos depositantes fica com a faculdade de fazer levantamentos». (9) Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 9.ª edição, revista e aumentada, Almedina, Coimbra, Outubro de 2001, pág. 625. (10) Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 10.ª edição, revista e actualizada (Reimpressão), Almedina, Coimbra, Fevereiro de 2003, pág. 753. (11) Almeida Costa, op. cit., pág. 629. (12) Veja-se, além dos autores citados nas notas 28 e 29, também Manuel de Andrade, Teoria Geral das Obrigações, com a colaboração de Rui de Alarcão, Almedina, Coimbra, 1958, págs. 122 e seguintes. (13) Citem-se nesse sentido os seguintes arestos: de 21 de Setembro de 1995, «Colectânea de Jurisprudência. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça», Ano III (1995), Tomo 3, págs. 15 e seguintes; 30 de Outubro de 2002, revista n.º 3012/02, 7.ª Secção; 20 de Maio de 2003, revista n.º 1236/02, 1.ª Secção; 9 de Outubro de 2003, revista n.º 2536/03, 7.ª Secção; 18 de Dezembro de 2003, revista n.º 3453/03, 2.ª Secção; 22 de Setembro de 2005, revista n.º 2668/03, 2.ª Secção. |