Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
08B4052
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: JOÃO BERNARDO
Descritores: RESOLUÇÃO DO CONTRATO
INDEMNIZAÇÃO
INTERESSE CONTRATUAL NEGATIVO
INTERESSE CONTRATUAL POSITIVO
Nº do Documento: SJ200902120040522
Data do Acordão: 02/12/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Sumário :

1. Por regra, a resolução contratual abre caminho a indemnização apenas pelos danos negativos.
2 . Pode, porém, excepcionalmente, ter lugar indemnização pelos danos positivos.
3. Se a parte que resolveu o contrato pretende indemnização por este tipo de danos, terá de alegar e provar, além do mais, os factos que possam integrar essa situação de excepcionalidade.
4 . Não corresponde a tal exigência a resolução contratual levada a cabo relativamente a um contrato de financiamento de compra a prestações em que o financiador, a par da declaração resolutiva, declara as 56 prestações a cargo do financiado, que estavam em dívida, imediatamente vencidas e, com o respectivo valor, preenche uma livrança em branco que tinha em seu poder, dando-a à execução.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I –
Na execução para pagamento de quantia certa, que pende no Tribunal de Vinhais, em que é exequente BANCO AA, S.A., e executado BB, veio este último deduzir a presente oposição.
Invocou, na parte que agora interessa, o preenchimento abusivo da livrança dada à execução, sustentando ainda que nada devia ao exequente e que, em qualquer caso, o crédito objecto de execução não era líquido.
O exequente/opoído contestou, defendendo que o preenchimento da livrança dada à execução obedeceu ao contratado entre ele e o opoente, que a execução é a única forma de ver o seu crédito satisfeito uma vez que não é possível a recuperação do veículo objecto de contrato e, por fim, que a dívida é totalmente líquida.

Após tramitação que agora não interessa, foi proferida sentença que julgou procedente a oposição e declarou extinta a execução.

II –
Apelou o AA e com êxito, porquanto o Tribunal da Relação do Porto revogou a sentença recorrida, julgando improcedente a oposição.

III –
Pede revista o opoente.
Conclui as alegações do seguinte modo:

1 - Salvo melhor opinião, a questão a decidir é se a apelada pode dar à execução uma livrança que serviu de garantia de bom cumprimento e agora peticiona uma indemnização pela violação do interesse contratual negativo, após ter resolvido o contrato celebrado com o apelante.
2 - Dúvidas não subsistem que existiu um pacto de preenchimento da livrança.
3 - Contudo, e salvo melhor opinião, existiu um abuso no preenchimento da livrança.
4 - Isto porque, o contrato celebrado entre exequente e executado foi resolvido por aquele - Cfr. alínea S) dos factos assentos.
5 - Na verdade, está vedado à exequente dar à execução uma livrança que serviu de garantia de bom cumprimento se o que agora se pretende é peticionar uma indemnização pela violação do interesse contratual negativo.
6 - Isto é, pretende agora a exequente ser indemnizada por aquilo que deixou de obter em virtude de se ter frustrado o negócio.
8 - Mais, não se encontra provado, pela análise da matéria de facto dada como provada, que a exequente estava autorizada a preencher a livrança com valores respeitantes à indemnização pelo interesse contratual negativo mas, tão só, à indemnização pelo interesse contratual positivo.
9 - Assim sendo, a apelada foi para além do que lhe era licito e permitido fazer no âmbito da relação contratual a partir do momento em que resolve o contrato celebrado com o exequente.
10 - Salvo melhor opinião, resta apenas à exequente intentar a competente acção judicial de condenação com vista à sua indemnização pela violação do interesse contratual negativo.
Legislação violada: artigos 433° e 801°, n° 2 do Código Civil.
Nestes termos, nos melhores de direito, e sempre com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, deve o acórdão do Tribunal da Relação do Porto ser revogado e mantida a decisão proferida em primeira instância.

Não houve contra-alegações.
IV –
Nas alegações e respectivas conclusões, o recorrente parte da ideia de que a quantia constante da livrança visa restabelecer a situação que se verificaria se a exequente não tivesse celebrado o contrato (dano negativo), quando aquela foi subscrita e entregue para garantir o cumprimento. E parte dessa ideia porque, no seu entender, em caso de resolução contratual, só este dano pode ser objecto de indemnização.
Assim, a questão que se nos depara consiste em saber se a livrança dada à execução foi preenchida abusivamente porque se destinava a garantir as prestações correspondentes ao cumprimento do contrato e a resolução contratual que a exequente levou a cabo só comporta indemnização pelo interesse contratual negativo.

V –
Vem provada a seguinte matéria de facto:

a) Nos autos de execução a que os presentes correm por apenso, foi dada à execução uma livrança no montante de € 18.189,92, em que consta como subscritor o oponente/executado BB - al. A) dos factos assentes.
b) Do verso dessa livrança consta a menção “dou o meu aval ao subscritor”, seguida de uma assinatura manuscrita com o nome de CC - al. B) dos factos assentes.
c) No dia 26/10/1999, o oponente/executado acordou com “BPI Rent – Comércio e Aluguer de Bens, Lda.”, com financiamento do “Banco AA, S.A”, a venda a prestações, com financiamento e reserva de propriedade, tendo assinado o escrito designado de “Contrato de venda a prestações com financiamento”, a que foi atribuído o n.º 000000000000, referente ao veículo automóvel de marca Citroen, modelo Xantia BK 9TD, matrícula ..-..-... - al. C) dos factos assentes.
d) O veículo identificado em C) foi entregue ao oponente/executado com um primeiro pagamento, em 26.10.1999, de € 4.239,78 e mediante o pagamento de 60 prestações mensais e sucessivas de € 324,82, com início no dia 5 dos meses seguintes - al. D) dos factos assentes.
e) O oponente/executado e o “avalista” constante no título dado à execução assinaram a livrança identificada em A), para garantia do pagamento- al. E) dos factos assentes.
f) O veículo foi vendido pelo “BPI Rent – Comércio e Aluguer de Bens, Lda.”, com reserva de propriedade a seu favor, até integral pagamento do preço - al. F) dos factos assentes.
g) Os registos de aquisição a favor do oponente/exequente e a reserva de propriedade a favor do “BPI Rent, Lda.”, foram averbados na Conservatória do Registo de Automóveis de Lisboa, em 25.11.1999 - al. G) dos factos assentes.
h) O oponente/executado deixou de pagar as prestações, pelo menos, em Setembro de 2000 - al. H) dos factos assentes.
j) No dia 24 de Novembro de 2004, o “BPI Rent – Comércio e Aluguer de Bens, Lda.” e “Banco AA, S.A”, intentaram acção declarativa de condenação com processo ordinário contra o oponente/executado, que correu termos na 16.ª Vara Cível de Lisboa, 2.ª Secção, sob o n.º 6818/04. 8TVLSB, em que peticionam:
1- Ser reconhecida e declarada a resolução do contrato de compra e venda a prestações com reserva de propriedade n.º 0000000000 referente ao veículo de marca Citroen, modelo Xantia BK 9 TD, matrícula ..-..-..-...
2- Ser o réu condenado a reconhecer que o dito veículo pertence aos autores, bem como,
3- Ser ordenado o cancelamento do respectivo registo de aquisição a favor do réu e, por opção dos autores, o funcionamento da reserva de propriedade (o n.º de ordem 726 de 25/1 1/1999).
4- A reposição do registo de aquisição a favor do BPI Rent, tudo relativamente ao veículo automóvel da marca Citroen, modelo Xantia BK 9TD, matrícula ..-..-.., junto da Conservatória do Registo de Automóveis de Lisboa.
5- Ser o réu condenado a pagar aos autores a quantia de 5.719,97 euros, como saldo apurado nos termos contratuais, e uma indemnização pelo prejuízo causado com a deterioração e uso indevido da viatura, desde a data da resolução do contrato, 21/06/2000, até à data da efectiva entrega do veículo, em montante cujo apuramento relegam para a liquidação em execução de sentença, mas que provisoriamente estima em 159,69 euros por mês ou uma verba diária na ordem dos 50,00 euros, acrescida dos respectivos juros vencidos e vincendos calculados à taxa legal até efectivo pagamento.
6- Ser também reconhecida a compensação dos créditos das partes e, finalmente,
7- Ser o Réu condenado nas custas e condigna procuradoria. - Alínea. I) dos factos assentes.
k) A “BPI Rent”, em 15 de Outubro de 2004, requereu uma Providência Cautelar para entrega judicial de automóvel, ao abrigo do art.º 15.º e segs. do Dec.-Lei n.º 54/75, de 12.2, a qual correu os seus termos sob o n.º ................., pela 3.ª Secção da 13.ª Vara Cível da Comarca de Lisboa, tendo sido requerida a sua apensação à acção ordinária referida em I) - al. J) dos factos assentes.
l) Na acção declarativa identificada em I) a causa de pedir baseia-se no contrato de venda a prestações com financiamento que tomou o nº 0000000000 referente ao veículo ...... - al. L) dos factos assentes.
m) Consta, no verso do escrito identificado em C), como condições gerais, na cláusula 10, que “O incumprimento das obrigações assumidas pelo comprador no âmbito deste contrato, constitui o BPI SFAC, através do seu mandatário o vendedor, no direito e, alternativamente, mas por sua exclusiva opção: a) Resolver o contrato, fazendo funcionar a reserva de propriedade e repondo ao comprador ou dele recebendo o montante que, adicionado ao valor venal do bem apurado na data da resolução ao da entrada inicial e das prestações entretanto pagas, perfaça o montante das prestações convencionadas e não pagas, acrescido dos respectivos juros de mora; b) Executar o comprador, servindo o contrato como título bastante, para pagamento do montante das prestações em falta e respectivos juros de mora” - al. M) dos factos assentes.
n) Consta, no verso do escrito identificado em C), como condições gerais na cláusula 17 que “Quaisquer letras ou livranças entregues pelo comprador ao vendedor ou ao BPI-SFAC, não integralmente preenchidas poderão ser livremente completadas por estes, nomeadamente a respectiva data de vencimento, o local de pagamento e valor, o qual não pode ser superior em cada momento ao disposto na Cláusula 10.ª” - al. N) dos factos assentes.
o) O oponente/executado entregou à exequente a livrança referida em A) apenas assinada por si e com a menção e assinatura constantes do verso, sem preencher qualquer outro campo da mesma - al. O) dos factos assentes.
p) O oponente/executado colocou à venda, sem autorização do Banco AA, o veículo num Stand de Automóveis, denominado “B...........r, Lda.” - al. P) dos factos assentes.
q) O veículo ..-..-.. foi vendido, tendo o Tribunal Judicial da Comarca de Bragança (1.º Juízo - Proc. n.º 597/2002), declarado na acção a aí autora, “DD Serviços de Contabilidade e Informática, Lda”, como proprietária do veículo e condenado os réus na acção, B........r e BB, a entregarem o livrete e o título de registo de propriedade, ordenando também o cancelamento do encargo – reserva - al. Q) dos factos assentes.
r) O “Banco AA, S.A”, preencheu a livrança apondo o capital de € 18.189,92, a data de vencimento de 26.10.2004, a da emissão de 26.10.1999 e como local o da residência do ora oponente e do avalista CC – Vinhais - al. R) dos factos assentes.
s) O “Banco AA” enviou ao oponente/executado uma carta registada com aviso de recepção, datada de 21 de Junho de 2000, em que lhe comunicou a resolução do contrato n.° 00000000000 e que, caso não fosse liquidado o montante de esc.:3.060.151$00, iria proceder à utilização do Mod. 2 que se encontrava na sua posse - al. S) dos factos assentes.
t) O “Banco AA” apresentou desistência da acção identificada em I), tendo o despacho que homologou a desistência transitado em julgado em 20.09.2005 - al. T) dos factos assentes.
u) Os documentos da viatura foram entregues à exequente em 12 de Junho de 2001 – cfr. resposta ao art.º 1.º da base instrutória.
v) Pelo menos há 6 anos que o oponente/executado não tem a direcção efectiva do veículo, nem a disponibilidade de poder circular com o mesmo – cfr. resposta ao art.º 2.º da base instrutória.
x) O oponente deixou de pagar as prestações a partir da vencida em 05 de Abril de 2000 – cfr. resposta ao art.º 4.º da base instrutória.

VI –
Desta enumeração factual, importa retirar o seguinte, em ordem a procurar clarificar o que se passou e que interessa fulcralmente.
Assim:
Em 26.10.1999, foi efectuado o contrato, com subscrição da livrança em branco;
A partir da prestação vencida em 5.4.2000, o opoente deixou de pagar as prestações;
Em 21.6.2000, o banco enviou ao agora opoente uma carta com aviso de recepção em que lhe comunicou a resolução do contrato;
Posteriormente preencheu a livrança, apondo-lhe o valor de € 18.189,92 e a data de 26.10.2004.

Este valor, de € 18.189,92, corresponde, como se refere no artigo 17.º da contestação à oposição, “ao valor das cinquenta e seis prestações vencidas e não pagas”, acrescido de juros, de imposto de selo e de selagem da livrança, “tudo conforme cláusulas 10.ª e 17.ª do contrato.”

Estas cláusulas, como se vê de folhas 19 verso são do seguinte teor:
Cláusula 10.ª – A falta ou atraso do pagamento, por parte do comprador, na data do respectivo vencimento, de qualquer das prestações convencionadas envolverá o imediato e automático vencimento e exigibilidade de todas as demais subsequentes…”
Cláusula 17.ª – Quaisquer letras ou livranças entregues pelo Comprador ao Vendedor…, não integralmente preenchidas, poderão ser livremente completadas por estes, nomeadamente a respectiva data de vencimento, o local de pagamento e valor, o qual não pode ser superior em cada momento ao disposto na cláusula 10.ª.

Interessando-nos ainda a:

Cláusula 11.ª – O incumprimento das obrigações assumidas pelo comprador no âmbito deste Contrato, constitui o BPI SFAC… no direito e , alternativamente, mas por sua exclusiva opção:
a) Resolver o presente contrato, fazendo funcionar a reserva de propriedade e repondo ao Comprador ou dele recebendo o montante que, adicionado, ao valor venal do Bem apurado na data da resolução (Bem esse que ficará propriedade do BPI SFAC) ao da entrada inicial e das prestações entretanto pagas, perfaça o montante das prestações convencionadas e não pagas, acrescido dos respectivos juros de mora;
b) Executar o comprador, servindo este Contrato como título bastante, para o pagamento do montante das prestações em falta e respectivos juros.
c) ….

VII –
Face ao regime das Cláusulas Contratuais Gerais, discutiu-se, na Relação, a validade daquelas cláusulas, por constarem depois da assinatura do comprador.
Entendemos nós poder passar à margem de tal discussão, já que, em nossa opinião, tais cláusulas em nada prejudicam este signatário.

Face a elas, há que distinguir entre:
Resolução do contrato;
Não resolução.

No caso daquela, o vendedor não tem direito às prestações convencionadas e não pagas. Segundo a cláusula 11.ª, alínea a), com a resolução, pode “fazer funcionar a reserva de propriedade e repondo ao comprador ou dele recebendo o montante que adicionado ao valor venal do bem apurado na data da resolução ao da entrada inicial e das prestações entretanto pagas, perfaça o montante das prestações convencionadas e não pagas, acrescido de juros.” Ou seja, somam-se os valores do automóvel ao tempo da resolução, da entrada inicial e das prestações pagas. Coteja-se com o das prestações convencionadas e não pagas e vê-se se há benefício ou prejuízo para qualquer das partes. (1)

Temos, então, que, conforme o acordado e dando de barato o valor destas cláusulas contratuais gerais, em caso de resolução contratual, o banco não tem direito às prestações convencionadas e não pagas. O valor destas serve apenas de tecto comparativo para ser encontrado o montante a exigir do comprador. No qual sempre se havia de ter em conta o valor do veículo. A “execução do comprador para pagamento do montante das prestações em falta e respectivos juros” está prevista antes na alínea b) desta cláusula 11.ª, apresentada como alternativa à resolução contratual.

Como flúi claramente daquele ponto da contestação à oposição, a livrança foi preenchida com o valor das cinquenta e seis prestações vencidas e não pagas. É certo que, no mesmo articulado, se refere a impossibilidade de recuperação do veículo, mas, esta hipótese não está prevista na cláusula 11.ª a) e nada permite, em termos de acordo quanto ao regime resolutivo, passar da não recuperabilidade do veículo para a exigência de todas as prestações que não foram pagas ou mesmo de algumas delas. Aliás, a própria remissão para a cláusula 10.ª situa a contestante fora da resolução contratual e das suas consequências.

Ora, com a carta de 21.6.2000 e sua recepção, o ora opoído levou a cabo a resolução do contrato. Abriu caminho a outras exigências perante o comprador, mas fechou-o quanto à exigência das prestações convencionadas que estavam por pagar. A livrança não podia ser preenchida com referência a elas. Ao referir, na mencionada carta e como pode ver-se de folhas 21, que, “em consequência da resolução, tornam-se imediatamente exigíveis “todas as prestações vincendas no âmbito do contrato” o banco situou-se fora do que resultava das mencionadas cláusulas contratuais gerais.

VIII –
Se entendermos que tais cláusulas devem considerar-se não escritas nos termos da alínea d) do artigo 8.º do Decreto-lei n.º 446/85, de 25.10, temos a ausência de convénio quanto ao que aqui nos importa e consequente atenção ao que a lei, supletivamente, dispõe.

IX –
Tendo optado pela resolução que encerra a destruição da relação contratual, o banco não teria, em princípio dogmático, direito a indemnização relativa ao interesse contratual positivo. Não quis a subsistência do contrato, logo não o poderia querer para obter, da contraparte, as prestações em falta. A tutela do seu direito indemnizatório resumir-se-ia ao interesse contratual negativo. Este entendimento corresponde à posição clássica, é comum a vários autores (cfr-se, entre outros, Almeida Costa, Direito das Obrigações, 6.ª ed. 918, A. Varela, Das Obrigações em Geral, II, 109, Menezes Leitão, Direito das Obrigações, II, 259 e Mota Pinto, Cessão da Posição Contratual, 412, nota de pé de página) e tem sido acolhido por constante jurisprudência deste Tribunal (em www.dgsi.pt, podem-se consultar os Ac.s de 26.3.1998, 19.4.1999, 3.9.2004, 2.12.2004, 12.7.2005, 21.3.2006, 23.1.2007, 17.5.2007, 22.1.2008, 22.4.2008 e 23.10.2008).

X -
Não podemos, porém, ignorar a corrente que recusa esta construção, admitindo, no caso de resolução contratual, o preenchimento indemnizatório com, ou também com, os danos positivos.
Já sustentada por Vaz Serra (BMJ 47,40), foi detalhadamente defendida, entre outros, por Batista Machado (Pressupostos da Resolução por Incumprimento, 175), Romano Martinez (Da Cessação do Contrato, 208) e Ana Prata (Cláusulas de Exclusão e Limitação da Responsabilidade Contratual, 479). Brandão Proença admite uma flexibilização da jurisprudência com admissão da indemnização pelos danos positivos “quando assim for exigido pelos interesses em presença” (A Resolução do Contrato no Direito Civil, 196) e Galvão Teles afirma que se concebe todavia “que o julgador, além dos danos negativos, atenda também aos positivos se, no caso concreto, essa solução se afigurar mais equitativa segundo as circunstâncias.” (Direito das Obrigações, 7.ª ed., 463, nota de pé de página).
Prende-se a questão, a nosso ver, com a conceptualização da figura da resolução contratual. Se vista apenas como destruidora da relação contratual, a tese clássica é irrecusável. Se vista também como reintegradora dos interesses em jogo, a abertura ao ressarcimento pelos danos positivos impõe-se, em certos casos (Cfr-se Ribeiro de Faria, Direito das Obrigações II, 434). À partida, a nossa lei encara-a apenas no primeiro sentido, distinguindo, nos artigos 432.º e seguintes do Código Civil, a figura, dos seus efeitos. Logo nestes, todavia está uma destruição contratual mitigada. Remete-se para o regime da nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico que encerra algumas excepções à senda destrutiva prevista, à cabeça, na lei (cfr-se os artigos 289.º e seguintes). Depois, no próprio regime dos efeitos, a lei refere que a retroactividade não opera, além do mais, se contrariar a “vontade das partes” ou “finalidade da resolução”, estabelecendo mesmo um regime próprio quanto aos contratos de execução continuada ou periódica. Retiramos, então, daqui a falência da primeira das premissas da tese clássica, qual seja a da destruição da relação contratual. Em muitos casos, esta relação, ainda que atingida, continua a ter-se como subsistente, produzindo efeitos próprios da subsistência.
Sendo assim, está aberto o caminho à abertura da indemnização pelos danos positivos. Se, por exemplo, a lei refere que, por regra, nos contratos de execução continuada ou periódica, a resolução não abrange as prestações já efectuadas, desenha uma situação em que, claramente, se justifica que, em certos casos, a indemnização possa consistir na efectivação das prestações em falta. Principalmente, quando falta uma pequena parte das prestações, o interesse contratual negativo surge-nos obnubilado face à tutela do dano positivo. Este corresponderá à composição justa do litígio contratual, quer a contraparte tenha optado, quer não pela resolução contratual.
Mas, não podemos perder de vista que estes são casos de excepção, sob pena de vir a perder relevância uma figura como a resolução que a lei tem como proeminente em toda a relação contratual. Se se considerasse que o que resolve o contrato tem sempre direito a indemnização correspondente ao interesse que tinha com o cumprimento deste, estaríamos a, em termos práticos, ignorar tal figura no que a uma das partes respeita, gerando um desequilíbrio entre as partes inadmissível, ou usando a expressão de Menezes Leitão (ob. e loc. citados) transformando “o contrato de sinalagmático em unilateral, uma vez que determinaria uma sua liquidação num só sentido.”
Há, pois, que ponderar os interesses em jogo no caso concreto e, perante eles, conceder ou denegar o caminho, particularmente estreito, da indemnização pelo interesse contratual positivo. Nesta ponderação, tem, a nosso ver, uma palavra a dizer o princípio de boa fé. Deve ele ser tido em conta na liquidação do negócio jurídico em caso de nulidade ou anulabilidade (cfr-se Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, I, 659 e os Ac.s deste Tribunal de 30.10.1997 (BMJ 470, 565) e de 25.1.2007(este no referido sítio da Internet) e para estas figuras remete o artigo 433.º do referido código.

XI –
No caso presente e como se vê da carta de folhas 21, o banco considerou resolvido o contrato e escreveu que:
“Em consequência da resolução, tornam-se imediatamente exigíveis:
As prestações vencidas e não pagas;
Todas as prestações vincendas no âmbito do contrato;
Juros de mora, calculados sobre as importâncias em dívida, até à sua liquidação.
Assim, o débito … ascende a …. Cuja regularização aguardamos até ao prazo limite de 10 (dez) dias…”

Com a resolução, destruiu a relação contratual. Enveredou, pois, pelo regime legal que está consignado no artigo 432.º e seguintes do Código Civil. Na parte que nos interessa, temos, em primeiro lugar, a equiparação, quanto aos efeitos, à nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico. Parafraseando Castro Mendes (Teoria Geral do Direito Civil, ed. da AAFDL II, 440) “a nulidade impede a produção de efeitos e a anulação faz cessar a produção de efeitos jurídicos”.
Abstraindo agora da questão relativa à indemnização pelo interesse contratual positivo de que falámos e a que voltaremos, temos que a resolução levada a cabo veda a produção de efeitos, no sentido de serem exigíveis as prestações que não foram pagas. Passando a não relevar que tenha havido prestações já vencidas à data da resolução e prestações vincendas, assim como eventual vencimento antecipado destas, próprio do regime do pagamento em prestações. Relativamente ao que foi pago, vale o n.º2 do artigo 434.º, que alude a “prestações já efectuadas”. Quanto ao demais, releva a destruição do contrato e a consequência de, com base nele, nada mais poder ser exigido. Ainda que tenha, anteriormente, ocorrido vencimento das prestações em dívida ou de algumas delas.

XII –
Como flúi do que referimos em X, as prestações em dívida podem ser encaradas como integrantes de indemnização pelo interesse contratual positivo. Se admitida esta, poder-se-ia chegar àquelas por esta via.
Mas o banco, não só não invocou qualquer especificidade que abrisse caminho ao regime excepcional de exigência de ressarcimento dos danos positivos, tendo em conta a boa fé contratual, como agiu, quanto a exigência, precisamente como se não tivesse operado a resolução. Como já referimos em VI e ele refere no artigo 17.º da contestação à oposição, o valor de € 18.189,92, corresponde “ao valor das cinquenta e seis prestações vencidas e não pagas”, acrescido de juros, de imposto de selo e de selagem da livrança.
Desequilibrou, manifestamente, a seu favor, a relação contratual. Ele libertava-se e a contraparte ficava ainda mais onerada.
Não é, pois, caso de admissão de indemnização pelos danos positivos, não dispondo ele, também face posição que deixámos em aberto em X, do crédito que verteu na livrança.

XIII –
Assim, concede-se a revista, julgando-se a oposição procedente.
Custas aqui e nas instâncias pelo banco.


Lisboa, 12 de Fevereiro 2009
João Bernardo (Relator)
Oliveira Rocha (votei a decisão)
Oliveira Vasconcelos
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(1) - Esta disposição – pelo menos em interpretação literal - é, aliás, prejudicial ao próprio exequente, porquanto a comparação entre a soma dos vários valores correspondentes à entrada inicial, às prestações pagas e ao valor do veículo ao tempo da resolução, devia antes ser comparada com o total das prestações a não apenas com aquelas que não foram pagas.