Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
08S1034
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: VASQUES DINIS
Descritores: DESPEDIMENTO
DECLARAÇÃO NEGOCIAL
DECLARAÇÃO RECEPTÍCIA
ABUSO DO DIREITO
Nº do Documento: SJ200810220010344
Data do Acordão: 10/22/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA REVISTA
Sumário :
I - O despedimento promovido pela entidade empregadora traduz-se numa declaração negocial, que produz efeitos logo que é recebida pelo destinatário (artigo 224.º, n.º 1, do Código Civil) – por isso, irrevogável (artigo 224.º, n.º 1, do Código Civil) –, podendo o desígnio de fazer extinguir o contrato ser levado ao conhecimento do trabalhador, quer através de palavras, escritas ou transmitidas por qualquer outro meio de expressão da vontade, quer através de actos equivalentes, que, com toda a probabilidade, revelem, clara e inequivocamente, a vontade de despedir (artigo 217.º, n.º 1, do Código Civil) e, como tal, sejam entendidos pelo trabalhador, segundo o critério definido no artigo 236.º, do referido Código.
II - A inequivocidade de que deve revestir-se a expressão da vontade de despedir visa, não apenas evitar o abuso de despedimentos efectuados com dificuldade de prova pelo trabalhador, mas, também, obstar ao desencadear das suas consequências legais, quando não se mostre claramente ter havido ruptura indevida do vínculo laboral por parte da entidade empregadora.
III - A declaração negocial vale com o sentido de um declaratário normal, medianamente instruído e diligente que a lei toma como padrão, e que se exprime não só na capacidade para entender o conteúdo da declaração, mas também na diligência para recolher todos os elementos que, coadjuvando a declaração, auxiliem a descoberta da vontade real do declarante.
IV - Vigorando entre o Autor e a Ré, desde 1 de Outubro de 1989, um contrato, nos termos do qual esta confiou àquele o exercício das funções docentes na Universidade (da Ré), com a categoria de Professor Auxiliar, competindo-lhe a regência das disciplinas que lhe fossem atribuídas no início do ano lectivo, não configura despedimento a comunicação, contida na carta dirigida ao Autor, assinada pelo Director da Faculdade de Direito da Universidade da Ré, datada de 23 de Setembro de 2003, que aquele recebeu no dia 30 desse mês, e que no fundo da última página continha a menção “C/c. conhecimento ao Conselho de Administração”, em que após descrever comportamentos do Autor, ali qualificados como infracções ao Regulamento Geral de Avaliação de Conhecimentos em vigor na Universidade, termina afirmando que a «Direcção da Faculdade de Direito, ponderada a gravidade dos factos, dispensa do serviço docente (…) [o Autor] ».
V - A referida carta revela, apenas, para um declaratário normal colocado na posição do demandante, uma decisão da “Direcção da Faculdade de Direito” de dispensá-lo do serviço docente nesse departamento da Universidade – estabelecimento de ensino cuja manutenção e regular funcionamento cabia à Ré –, mas não de fazer cessar o vínculo de trabalho com esta.
VI - E a autoria da decisão, mesmo que fosse possível interpretá-la como revelando um despedimento, não podia, face ao teor da comunicação, ser atribuída ao Conselho de Administração da Ré, órgão competente para contratar docentes e, por consequência, fazer cessar contratos, o que não podia ser ignorado pelo Autor, que, sendo docente de uma Faculdade de Direito, deveria, na interpretação da carta, se não afastar o sentido de ela conter a expressão da vontade da Ré de extinguir o contrato, pelo menos, cogitar sobre o real significado dos efeitos da decisão nela contida quanto ao futuro da relação contratual.
VII - Na situação descrita, ainda que os termos em que foi redigida a carta e a posição institucional de quem a assinou pudessem suscitar dúvidas sobre o destino do vínculo contratual e sugerir um implícito ou subentendido desígnio de despedimento por parte da Ré, sempre ao Autor cumpria diligenciar no sentido de recolher, junto do órgão competente, todos os elementos que auxiliassem a descobrir qual a real intenção da Ré, quanto ao referido vínculo, o que não fez.
VIII – Tendo o Autor, cerca de três semanas depois de ter recebido a referida carta, em missiva dirigida ao Director de outra Faculdade da mesma Universidade, em que subordinou a aceitação do convite que lhe fora dirigido para nela leccionar a determinadas condições, aludido ao afastamento das funções na Faculdade de Direito, sem o imputar à Ré e sem inequivocamente o caracterizar como despedimento, e, em carta dirigida, cerca de três meses depois, ao Presidente do Conselho de Administração da Ré, afirmado que aguardara, até então, uma palavra deste, e que era sua convicção que não haveria para ele lugar na Universidade, no Porto, instituição onde não pretendia tornar, sem qualificar o referido afastamento, não é seguro afirmar-se que ele tenha entendido a carta do Director da Faculdade de Direito como declaração de despedimento.
IX – A não atribuição de funções e a falta de pagamento da retribuição, posteriormente à dispensa de funções comunicada pela carta que o Autor recebeu em 30 de Setembro de 2003, podendo configurar violação de deveres contratuais, por parte do empregador, susceptível de fundar a rescisão/resolução com justa causa pelo trabalhador [artigos 34.º, n.º 1, e 35.º, n.º 1, alínea a) e b), do Regime Jurídico da Cessação do Contrato Individual de Trabalho e da Celebração e Caducidade do Contrato de Trabalho a Termo (LCCT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-/89, de 27 de Fevereiro, e 441.º, n.os 1 e 2, alíneas a) e b), do Código do Trabalho], não têm virtualidade para, no quadro das vicissitudes do relacionamento entre as partes acima descrito, sustentar, com segurança, a conclusão de que, por tais atitudes, a Ré quis, por sua iniciativa, fazer cessar o contrato, a partir da referida comunicação.
X - Não configura abuso de direito, por parte da Ré, o facto de vir invocar os dizeres da carta datada de 23 de Setembro de 2003 e uma interpretação do seu sentido – a mera dispensa do exercício de funções na Faculdade de Direito –, em contraposição a outra interpretação – o despedimento –, alegando, além do mais, que o Autor não desconhecia que o subscritor da carta carecia de poderes para vincular a Ré quanto a uma eventual cessação da relação laboral, e, assim, impugnando a existência do despedimento, cuja prova competia ao Autor.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

I

1. AA propôs, em 21 de Setembro de 2004, no Tribunal do Trabalho do Porto, a presente acção emergente de contrato individual de trabalho, contra “F...”, pedindo a declaração de ilicitude do despedimento de que diz ter sido alvo e a condenação da Ré a reintegrá-lo no seu quadro de pessoal, como professor do ensino superior, e a pagar-lhe as retribuições devidas desde trinta dias anteriores à propositura da acção e até à data da sentença ou acórdão que julgar em definitivo, bem como uma indemnização por danos não patrimoniais no valor de € 50.000,00.

Alegou, em síntese que, sendo trabalhador da Ré desde Outubro de 1989, com a categoria de “Professor do ensino superior”, foi por ela despedido em Setembro de 2003, sem precedência de processo disciplinar e sem que houvesse motivo para, de qualquer modo, cessar a relação laboral, despedimento esse materializado numa carta que lhe foi enviada, comunicando-lhe a dispensa de serviço docente na Faculdade de Direito do Porto, onde vinha exercendo funções.

Na contestação, a Ré negou o despedimento, contrapondo que o contrato cessou por iniciativa do Autor, sustentou que, em todo caso, dada a especialidade do contrato de docência, deverá aplicar-se o regime da comissão de serviço do que resulta a possibilidade da cessação do contrato a todo o tempo, aduziu que uma hipotética condenação na reintegração do Autor, ou em indemnização por despedimento, violaria o princípio constitucional da autonomia universitária, e o contrato sempre deveria ter-se por caducado, por impossibilidade legal de a Ré receber a prestação laboral, uma vez que o Autor não era titular de mestrado ou doutoramento; quanto à reclamada indemnização por danos não patrimoniais, impugnou os fundamentos invocados no articulado inicial. Em reconvenção, formulou o pedido de condenação do Autor no pagamento das quantias de € 30.000,00, por danos patrimoniais e € 20.000,00, por danos não patrimoniais, alegadamente emergentes do incumprimento de obrigações contratuais por ele assumidas.

Na resposta à contestação, o Autor, além de reafirmar a tese do despedimento e reiterar os fundamentos do pedido de indemnização por danos não patrimoniais, refutou a sujeição do contrato em causa ao regime da comissão de serviço, invocou a inadmissibilidade do pedido reconvencional, sustentou, em qualquer caso, a sua improcedência, e requereu a condenação da Ré como litigante de má-fé.

No despacho saneador, julgou-se inadmissível a reconvenção, tendo, sequentemente, sido especificados os factos assentes e elaborada a base instrutória.

O juízo quanto à inadmissibilidade da reconvenção veio a ser confirmado pelo Tribunal da Relação do Porto e por este Supremo Tribunal.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, durante a qual o Autor optou, em substituição da reintegração, pela indemnização de antiguidade, foi, oportunamente, proferida sentença que decidiu, julgando a acção parcialmente procedente, condenar a Ré a pagar ao Autor, a título de danos não patrimoniais, a indemnização no valor de € 1.000,00, e absolvê-la dos pedidos respeitantes à declaração de ilicitude do alegado despedimento.

O recurso de apelação, interposto pelo Autor, mereceu parcial provimento, tendo o Tribunal da Relação do Porto decidido:

“[...]

I – Revogar a decisão recorrida na parte em que absolveu a Recorrida dos Pedidos relativos ao despedimento ilícito e substituí-la por outra em que se decide:

A) Julgar ilícito o despedimento do A./Recorrente;

B) Condenar a Recorrida, F..., a pagar ao Recorrente, AA, a indemnização de antiguidade correspondente a um mês de remuneração de base por cada ano completo ou fracção de antiguidade até ao trânsito em julgado da presente decisão, a liquidar oportunamente, bem como dos juros de mora, à taxa legal, desde, nos termos do art.º 805.º, n.º 3, do Cód. Civil, a data da liquidação até efectivo pagamento.

C) Condenar a Recorrida a pagar ao Recorrente as retribuições que este teria auferido desde os 30 dias anteriores à propositura da acção (isto é, desde 21.08.04) até à data do trânsito em julgado da presente decisão incluindo subsídios de férias vencidos em 2004, 2005 e 2006 e demais vincendos até ao referido trânsito, a liquidar oportunamente, bem como a pagar-lhe, sobre tais quantias, os juros de mora, à taxa legal, desde, nos termos ao do art.º 805.º, n.º 3, do Cód. Civil, a data da liquidação até efectivo pagamento.

II – Confirmar a sentença recorrida quanto ao demais (danos não patrimoniais) peticionado pelo Recorrido.

[...]”.

2. Discordando desta decisão, a Ré veio pedir revista, tendo formulado, nas respectivas alegações, as seguintes conclusões:
a. O autor foi notificado pelo Director da Faculdade de Direito da cessação das suas funções docentes naquela Faculdade que integra a Universidade ............, estabelecimento de ensino superior universitário titulado pela Ré.
b. O signatário de tal notificação não tem competência própria – legal ou estatutária – nem delegada para fazer cessar os contratos com pessoal celebrados pela recorrente.
c. Tal matéria constitui competência exclusiva do Conselho de Administração da recorrente, de acordo com o artigo 26.º, N.º 1, do Decreto-Lei n.º 49.408, de 24 de Novembro [de 1969], aplicável ao caso sub judicio, alento o disposto no artigo 3.º da Lei n.º 99/2003, que aprovou o Código do Trabalho.
d. O autor é jurista – o que resulta implicitamente dos documentos dados por reproduzidos no ponto 1 da matéria de facto –, facto, alias, notório e por isso atendível nos termos do artigo 514.º, n.º 1, do Código de Processo Civil; o autor compreende, por isso, o significado jurídico das palavras ou escritos que lhe são dirigidos.
e. A recorrente, através do Director do Curso de Psicologia, com competência para o efeito, atribuiu ao autor funções docentes no Curso de Psicologia da Universidade ........... para o ano lectivo 2003/2004.
f. O autor recusou exercer tais funções sem que fosse preenchida condição que bem sabia não poder ser aceite pela recorrente, não aceitação que lhe foi comunicada.
g. Assim sendo, não resulta da matéria assente que a recorrente tenha despedido o autor.
h. Pelo que o caso sub judicio não se subsume ao disposto no artigo 12.º da LCCT.
i. Ao decidir-se diversamente, violou-se, no Acórdão recorrido, a referida disposição legal.
j. A comunicação do autor, dirigida ao Director do Curso de Psicologia da Universidade ............, impondo condição que bem sabia inaceitável e cuja não aceitação, em todo o caso, lhe foi comunicada, constitui revogação unilateral do contrato, sem justa causa e sem aviso prévio.
k. Consequentemente, a causa de cessação do contrato foi a prevista nos artigos 38.º e 39.º da LCCT.
l. Consequentemente, violou-se no acórdão recorrido a lei substantiva, nomeadamente os artigos 12.º, 13.º, 38.º e 39.º da LCCT, ao condenar-se a recorrente nas sanções previstas naquele artigo 13.º
m. Ao fazê-lo, o tribunal recorrido aplicou erradamente ao caso sub judicio os citados artigos 12.º e 13.º que lhe não eram aplicáveis.
n. Violou igualmente a lei substantiva ao não considerar aplicáveis ao caso os igualmente citados artigos 38.º e 39.º da LCCT.
o. Sem conceder, por mera hipótese e dever de patrocínio, ainda que se entendesse que o autor foi ilicitamente despedido, a lei aplicável ao caso era, como se refere na fundamentação do acórdão, a LCCT e não o Código do Trabalho.
p. Assim sendo, ao condenar-se a recorrente no pagamento das retribuições vencidas desde 30 dias antes da propositura da acção até ao trânsito em julgado da decisão, interpretou-se e aplicou-se erradamente o artigo 13.º, n.º 1, al. a) da citada Lei.

O Autor contra-alegou para concluir pela improcedência do recurso.

Neste Supremo Tribunal, a Exma. Magistrada do Ministério Público pronunciou-se, em parecer que não mereceu resposta de qualquer partes, no sentido de ser concedida a revista.

3. Face ao teor das conclusões do recurso, as questões que se colocam à apreciação deste Supremo são as de saber:
Se o contrato que vigorou entre as partes cessou por despedimento actuado pela Ré;
Se, concluindo-se que houve despedimento ilícito, as retribuições devidas ao Autor se contam até à data da sentença da 1.ª instância ou do trânsito em julgado da decisão final.

Corridos os vistos, cumpre decidir.


II

1. A sentença da 1.ª instância descreveu a matéria de facto provada nos seguintes termos:

1. O A. celebrou com C.... – Cooperativa de Ensino Universidade ........, C.R.L. um denominado contrato de docência, pelo qual, com início em 01.OUT.89 e até 30.SET.90, se comprometeu ao exercício das funções de docente da Universidade ...., com a categoria de Professor Auxiliar, mediante honorários acordados entre as partes, cabendo-lhe, entre outros, a regência da(s) disciplina(s) que lhe fossem atribuídas no início de cada ano lectivo, ministrar aulas teórico-práticas, elaborar os testes escritos, presidir ao júri de avaliação das provas escritas e orais e demais tarefas docentes ou relacionadas com a docência (cfr. doc. de fls. 8 a 10 dos autos, parte integrante da presente sentença, cujo teor se dá aqui por reproduzido para os legais efeitos).

2. Em 01.SET.89 foi elaborado um denominado anexo ao referido contrato, estabelecendo as condições remuneratórias devidas ao autor, as quais foram novamente estabelecidas em 01.OUT.02 (cfr. doc. de fls. 11 e 12 dos autos, parte integrante da presente sentença, cujo teor se dá aqui por reproduzido para os legais efeitos).

3. O A. exerceu as referidas funções a partir de 01.SET.89 até 30.SET.03.

4. Em 30.SET.03, o A. recebeu uma carta, datada de 26.SET.03 e assinada pelo Director da Faculdade de ......., Prof. Doutor BB, pela qual lhe foi comunicado que “... A Direcção da Faculdade de Direito, ponderada a gravidade dos factos, dispensa do serviço docente o Senhor Dr. AA”, invocando, para o efeito, o incumprimento, pelo A., do contrato de docência que mantinha com a Universidade e o Regulamento Geral de Avaliação de Conhecimentos em vigor na mesma, o que constituiria infracção disciplinar muito grave (cfr. doc. de fls. 15, parte integrante da presente sentença, cujo teor se dá aqui por reproduzido para os legais efeitos).

5. O teor de tal carta causou ao A. profunda indignação e revolta.

6. O A. sofreu desconsideração e desgosto por se ver afastado dos seus alunos em consequência do descrito nos pontos 4. e 17., e, pelas mesmas razões, do convívio com os seus colegas.

7. Foi o A. contactado, em Maio de 2003, pelo Director do curso de Psicologia da Universidade ...., Prof. Doutor CC, para aí ministrar a disciplina de Direito do ...., a partir de Outubro de 2003.

8. Depois de receber tal carta, o A., em início de Outubro de 2003, comunicou ao Director do Curso de Psicologia da Universidade que só aceitava leccionar a referida disciplina se fosse considerado e remunerado como Professor Catedrático.

9. Foi o A. informado que a condição por si colocada para leccionar a disciplina de Direito do ... não era aceite pela R., razão pela qual não leccionou a referida disciplina no Curso de Psicologia da Universidade.

10. O A. é licenciado, não possuindo mestrado ou doutoramento.

11. A R. depositava, por transferência bancária, o valor da remuneração.

12. A partir do ano de 1992, os recibos de pagamentos aos docentes da R. são remetidos para a secretaria dos professores, aí ficando à disposição destes, original e duplicado, para serem por eles assinados e entregues, aí tendo sempre estado à disposição do autor.

13. À data da cessação do contrato (ponto 4.), a retribuição mensal ilíquida do A. era de € 1.727,40.

14. Não foi movido pela R. ao A. qualquer processo disciplinar.

15. Não foi entregue ao A., após a cessação do contrato, o certificado de trabalho.

16. A referida C...., C.R.L. foi transformada em Fundação ..., pelo DL ..., mantendo todas as posições jurídicas daquela, nomeadamente a resultante do contrato de docência celebrado com o autor.

17. O A. colabora com inúmeras publicações diária[s] ou periódicas, tendo grande expressão no mundo universitário e junto do cidadão a sua produção doutrinária, sendo por demais conhecida e valora da a sua actividade docente e pedagógica, sempre tendo sido considerado com grande apreço pelos seus colegas professores universitários e alunos.

A este rol o Tribunal da Relação aditou o seguinte:

18. No final da carta de fls. 15 e 16, mencionada e dada como reproduzida no ponto 4), refere-se ainda o seguinte: «C/c conhecimento ao Conselho de Administração».

19. Nos Anexos, datados de 01.09.1989 e de 01.10.2002, que constam dos documentos de fls. 11 e 12 e mencionados no ponto 2), refere-se, respectivamente, que «O vencimento mensal ilíquido correspondente à disciplina de Direito ... com a carga horária de 3 horas semanais do 4.º ano do Departamento de Direito é de 58.000$00 será pago de 1 de Outubro a 30 de Setembro seguinte, (…)» e que «O vencimento mensal ilíquido correspondente à disciplina de Direito ... com a carga horária de 3 T horas semanais do 5.º Ano do Departamento de Direito é de € 580,20 e será pago de 1 de Outubro a 30 de Setembro seguinte, (…)»;

20. O A. dirigiu ao Presidente do Conselho de Administração da Ré a carta, datada de 02.01.04, que consta do documento que constitui fls. 127, na qual, para além do mais que nela refere, diz pretender «exigir reparação», salienta a sua assiduidade e pontualidade e informa admitir vir a instaurar acção pertinente.

21. O Presidente do Conselho de Administração da Ré, Prof. Dr. DD, remeteu ao A. a carta, datada de 12.02.2004, que consta do documento que constitui fls. 129 dos autos, na qual refere o seguinte: «Recebi a sua carta e o seu posterior bilhete. Recolhidas as informações necessárias sobre o assunto que nela me refere, lamento informá-lo da correcção, a meu ver, da decisão do senhor Director da Faculdade de Direito, decisão que, aliás, eu não poderia deixar de respeitar.».

2. Como resulta do precedente relato, a instâncias responderam de forma antagónica à questão de saber se o contrato entre as partes cessou por despedimento.

A sentença, acolhendo a tese da Ré, considerou, atendendo ao objecto do contrato celebrado entre as partes, não poder a declaração ínsita na carta de 23 de Setembro de 2003 haver-se como manifestação de vontade da Ré no sentido de pôr termo ao contrato de docência, dela apenas podendo retirar-se que foi intenção da Faculdade de Direito da Universidade ..... prescindir do trabalho do Autor, acrescendo que este não podia ignorar que o subscritor da referida carta não tinha poderes para fazer cessar o contrato.

Segundo a sentença, acresce, ainda, que, à data da referida carta, se mantinha de pé, a intenção manifestada pela Ré, mediante convite formulado, meses antes, pelo Director da Faculdade de Psicologia, no sentido de que o Autor leccionasse, a partir de Outubro de 2003, a disciplina de Direito do... , convite esse que deve entender-se, no contexto contratual, como manifestação do exercício do poder de direcção, sendo que o Autor veio a responder ao mesmo, contrapondo como condição para o aceitar ser considerado e remunerado como Professor Catedrático, ao que a Ré não acedeu. E, observando que o Autor não tinha habilitações académicas necessárias para que tal condição fosse aceite pela Ré e que não podia deixar de exercer as novas funções, o tribunal da 1.ª instância concluiu que ele se colocou numa situação que configura cessação do contrato de trabalho por iniciativa do trabalhador.

Diversamente, o acórdão impugnado, acolhendo a tese do Autor, entendeu que a comunicação da dispensa do serviço docente, constante da referida carta de 23 de Setembro de 2003, consubstancia uma clara manifestação da intenção de ruptura do contrato de trabalho, pois nem nessa carta, nem posteriormente, foram atribuídas pela Ré ao Autor quaisquer outras funções, sendo irrelevante o anterior contacto no sentido de ele vir a leccionar na Faculdade de Psicologia.

E, prossegue o acórdão, tendo sido dado conhecimento daquela comunicação ao Conselho de Administração da Ré, este nada disse em contrário, antes veio, na carta que o seu Presidente remeteu ao Autor em 12 de Fevereiro de 2004, a manter e reiterar a decisão veiculada pela missiva de 23 de Setembro de 2003, comportamentos estes que, associados à não atribuição de quaisquer funções docentes, permitem concluir que a Ré, através do seu órgão próprio de representação aceitou e pretendeu a ruptura da relação laboral, operada, em 30 de Setembro de 2003, pela carta do Director da Faculdade de Direito.

Por outro lado, na óptica do Tribunal da Relação, ao invocar quer a inexistência de poderes daquele Director para proceder ao despedimento, quer o direito de dispensa de funções docentes na respectiva Faculdade, a Ré, face aos referidos comportamentos, ferindo manifestamente os limites impostos pela boa fé, incorre em exercício verdadeiramente abusivo do direito.

3. O despedimento, na acepção que ao caso interessa, traduz-se na ruptura da relação laboral, por acto unilateral da entidade empregadora, consubstanciado em manifestação da vontade de fazer cessar o contrato de trabalho.

Trata-se de um acto com a natureza de declaração negocial, que produz efeitos logo que é recebida pelo destinatário (artigo 224.º, n.º 1, do Código Civil) – por isso, irrevogável (artigo 224.º, n.º 1, do Código Civil) –, podendo o desígnio de fazer extinguir o contrato ser levado ao conhecimento do trabalhador, quer através de palavras, escritas ou transmitidas por qualquer outro meio de expressão da vontade, quer através de actos equivalentes, que, com toda a probabilidade, revelem, clara e inequivocamente, a vontade de despedir (artigo 217.º, n.º 1, do Código Civil) e, como tal, sejam entendidos pelo trabalhador, segundo o critério definido no artigo 236.º, n.º 1, do referido Código.

A inequivocidade de que deve revestir-se a expressão da vontade de despedir visa, não apenas evitar o abuso de despedimentos efectuados com dificuldade de prova pelo trabalhador, mas, também, obstar ao desencadear das suas consequências legais, quando não se mostre claramente ter havido ruptura indevida do vínculo laboral por parte da entidade empregadora (Acórdão deste Supremo Tribunal de 7 de Março de 1986, sumariado em www.dgsi.pt, Documento n.º SJ198603070012554).

De acordo com o n.º 1 do referido artigo 236.º “[a] declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição real do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele”.

A normalidade do declaratário – medianamente instruído e diligente – que a lei toma como padrão, exprime-se não só na capacidade para entender o conteúdo da declaração, mas também na diligência para recolher todos os elementos que, coadjuvando a declaração, auxiliem a descoberta da vontade real do declarante (Antunes Varela e Pires de Lima, Código Civil Anotado, Volume I, Coimbra Editora, 1967, p. 152/153).

3. 1. No caso que nos ocupa, vigorava entre as partes, desde 1 de Outubro de 1989, um contrato, nos termos do qual a Ré confiou ao Autor o exercício de funções de docente na Universidade ......., com a categoria de Professor Auxiliar, competindo-lhe a regência das disciplinas que lhe fossem atribuídas no início do ano lectivo.

Nos termos do n.º 1 do artigo 13.º dos Estatutos da F... anexos ao Decreto-Lei n.º ..., de 00 de Junho, a F.... vincula-se: pela assinatura conjunta do presidente e de dois vice-presidentes [alínea a)]; pela assinatura de dois administradores no exercício de poderes que neles houverem sido delegados [alínea b)]; pela assinatura de um só procurador, tratando-se de mandato para a prática de acto certo e determinado [alínea c)].

A controvérsia reside, fundamentalmente, em apurar se a comunicação contida na carta dirigida ao Autor, assinada pelo Director da Faculdade de Direito da Universidade ....... do Porto, datada de 23 de Setembro de 2003, que aquele recebeu no dia 30 desse mês, traduz manifestação inequívoca do desígnio da Ré de pôr termo àquele contrato a partir da data da sua recepção.

No texto da missiva, descrevem-se comportamentos do Autor, ali qualificados como infracções ao Regulamento Geral de Avaliação de Conhecimentos em vigor na Universidade, terminando do seguinte modo: “A Direcção da Faculdade de Direito, ponderada a gravidade dos factos, dispensa do serviço docente o Senhor Dr. AA”.

Consta da referida carta, constituída por duas laudas, ao fundo da segunda página, a menção “C/c. conhecimento ao Conselho de Administração”.

Perante os dizeres que nela se encontram, a qualidade de quem a subscreveu e a nota de “conhecimento ao Conselho de Administração”, um declaratário dotado da capacidade de interpretação de textos escritos de um docente universitário da área do direito e a quem se exigia o conhecimento das supra referidas normas dos Estatutos da F....., não entenderia, sem mais, que nela se continha uma declaração inequívoca de vontade da Ré de fazer terminar o contrato.

Com efeito, o que o texto da carta revela, para um declaratário colocado na posição do demandante, é uma decisão da “Direcção da Faculdade de Direito” de dispensá-lo do serviço docente nesse departamento da Universidade ...... – estabelecimento de ensino cuja manutenção e regular funcionamento cabia à Ré (artigo 4.º dos Estatutos) –, decisão essa transmitida ao Autor por escrito assinado pelo Director da Faculdade, com conhecimento ao Conselho de Administração da Ré.

Não consta daquele escrito qualquer expressão da qual, no contexto da comunicação e tendo em atenção o objecto do contrato – recorde-se, o exercício de funções de docente na Universidade ........., competindo-lhe a regência das disciplinas que lhe fossem atribuídas no início do ano lectivo –, se pudesse extrair o sentido inequívoco de um desígnio de fazer cessar o vínculo estabelecido entre o Autor e a antecessora da Ré, “C.... – Cooperativa de Ensino Universidade ........, CRL”.

Por outro lado, a autoria da decisão, mesmo que fosse possível interpretá-la como revelando um despedimento, manifestamente, não pode, face ao teor da comunicação, ser atribuída, ao Conselho de Administração, órgão competente para contratar docentes [artigo 11.º, n.º 2, alínea g), dos Estatutos] – e, por consequência, para fazer cessar os contratos –, além de que, a tratar-se de despedimento, o escrito deveria, para vincular a Ré, mostrar-se assinado nos termos previstos no n.º 1, do citado artigo 13.º dos Estatutos, não bastando, para produzir efeitos a simples assinatura do Director da Faculdade onde Autor exercia a docência.

Tudo isto não podia ser ignorado pelo Autor, que, sendo docente de uma Faculdade de Direito, deveria, na interpretação da carta, se não afastar o sentido de ela conter a expressão da vontade da Ré de extinguir o contrato, pelo menos, cogitar sobre o real significado dos efeitos da decisão nela contida quanto ao futuro da relação contratual, uma vez que, por um lado, a dispensa do serviço docente na Faculdade de Direito, certamente da competência da respectiva Direcção, não tem inequivocamente o sentido de despedimento, por outro lado, ainda que se pudesse ser-lhe conferido tal sentido, seria ineficaz porque proveniente de um órgão desprovido de poderes para a tomar, e, finalmente, porque a referência indicativa de ser dado conhecimento do teor da carta ao Conselho de Administração, de algum modo, sinalizando a necessidade de pôr este órgão ao corrente da situação, não permite que a decisão lhe seja atribuída.

Não se afigura, por conseguinte, legitimamente fundada a alegada convicção de que a aludida carta exprimia a intenção da Ré de extinguir a relação contratual.

E, ainda que os termos em que foi redigida a carta e a posição institucional de quem a assinou pudessem suscitar dúvidas sobre o destino do vínculo contratual e sugerir um implícito ou subentendido desígnio de despedimento por parte da Ré, ao Autor cumpria diligenciar no sentido de recolher, junto do órgão competente, todos os elementos que auxiliassem a descobrir qual a real intenção da Ré, quanto ao referido vínculo, perante a situação gerada pela decisão da Faculdade de Direito de cuja comunicação ao Autor, presumivelmente, aquele órgão teve conhecimento.

Não se demonstrou, nem foi alegado, que tal haja sucedido a seguir ao recebimento da carta.

Pelo contrário, o Autor sempre alegou ter, face ao teor da mesma carta, considerado que ela traduzia o seu despedimento (artigos 9.º e 24.º da petição inicial e 17.º da resposta à contestação), alegando, outrossim, que, na sequência da sua recepção, não mais se apresentou no local de trabalho (artigos 18.º e 26.º da resposta à contestação).

Todavia, a alegada convicção de ter sido despedido pela Ré, através da aludida comunicação, recebida em 30 de Setembro de 2003, suscita fortes reticências, originadas pelos termos, algo equívocos, em que o Autor veio a dirigir-se, primeiro ao Director da Faculdade de Psicologia da mesma Universidade, e, depois, ao Presidente do Conselho de Administração da Ré.

Assim, tendo o Autor sido, em Maio de 2003, contactado pelo Director do Curso de Psicologia da Universidade ........ para, no âmbito desse curso, ministrar a disciplina de Direito do ....., a partir de Outubro de 2003 – facto que o Autor reputou de “descaradamente falso” (artigo 19.º da resposta à contestação), mas que se demonstrou –, em carta datada de 23 de Outubro de 2003 (fls. 118/119), comunicou àquele Director o que aqui se considera útil transcrever:

Muito me honra o convite de V. Ex.ª para assumir, como professor convidado, a regência de uma das disciplinas de uma das licenciaturas professadas na Faculdade que superiormente dirige.

Não ignora V. Ex.ª decerto que fui surpreendentemente afastado das funções que exercia na Faculdade de Direito desde 1988/89 e em que pus toda a minha dedicação e empenhamento [...].

Por forma a evitar constrangimentos a V. Ex.ª, que sei ser pessoa de bem e Colega irrepreensível, e naturalmente lisonjeado pelo convite, não o declinarei, antes subordinando a sua aceitação a determinadas condições, a saber:

- Ser convidado como professor catedrático com o correspondente estatuto remuneratório;

- Ser-me de imediato presente o contrato de docência, irrestrito e sem sofismas de natureza factual e/ou jurídica, a fim de à investidura corresponder algo de sólido de base que a Administração não possa vir ulteriormente a negar [...].

Compreenderá naturalmente V. Exa. que, após haver sido “corrido” desse espaço que tanto prestigiei durante 3 lustres, me sinta constrangido a entrar como se de um “foragidoarrependido ou de “mendigo” a implorar por benesses se tratasse.

[...]

Compreenderá, pois, V. Ex.ª que me não seja fácil retornar a essa casa como que pela porta pequena, eu que sempre defendi e persegui uma carta de valores que parece ter-se, nos novos tempos, votado ao índex.

E porque compreende, como julgo saber, não levará a mal, em nome de uma saudável e não comprometida amizade e dos princípios que mister é rejam as relações entre “oficiais do mesmo ofício”, que faça as “exigências”, mais que justificáveis, que antecedem.

Com data de 2 de Janeiro de 2004, o Autor endereçou ao Presidente do Conselho de Administração da Ré uma carta (fls. 127/128) na qual, entre o mais, afirma ter sido dispensado do serviço docente da Universidade; ter “digerido o fenómeno durante três meses, de molde a afeiçoar-[se] à ideia”; e vir “exigir reparação”, nada mais pretendendo. Afirma, outrossim, não pretender “tornar à Universidade, no Porto, porque servir em instituição tão mal servida de gestores é, no mínimo, desprestigiante”; crer que não haverá lugar para si “numa instituição em que os permanentes atropelos à dignidade universitária se consumam sem que haja quem, da estirpe de um BD, reponha as coisas no são”. E finaliza, nos seguintes termos:

O que não posso é conviver com a humilhante situação que o vosso administrador me criou. E, conquanto o conflito me não interesse, sempre admitirei vir a instaurar pessoalmente acção pertinente de molde a ser reintegrado no estatuto moral que é o meu e que o tal agente inadvertidamente feriu de morte, vá-se lá saber com que pérfidas intenções!

Esperei durante três meses por uma palavra de V. Ex.ª.. Debalde!

Surpreende-se, na primeira carta, que o Autor, sem qualificar o seu afastamento das funções que exercia na Faculdade de Direito como despedimento, e sem imputar esse afastamento à Ré, optou por dizer que tinha sido “corrido” [sic] da Universidade, expressão cujo emprego, entre aspas e em itálico, por pessoa licenciada em direito, em uma comunicação formal destinada a produzir efeitos jurídicos, não deixa de suscitar dúvidas quanto à convicção do Autor relativamente à caracterização do referido afastamento.

Nota-se, também, que o Autor não declina o convite que lhe fora feito para exercer funções na Faculdade de ........, subordinando-o, porém, a determinadas exigências, entre as quais, a de lhe ser “de imediato presente o contrato de docência, irrestrito e sem sofismas de natureza factual e/ou jurídica, a fim de à investidura corresponder algo de sólido de base que a Administração não possa vir ulteriormente a negar”, disto decorrendo que o Autor não ignorava o alcance dos poderes da “Administração”.

Identicamente, na segunda carta não surge qualquer referência a despedimento, revelando os termos da mesma, por um lado, que o Autor aguardou, por três meses, uma comunicação do Presidente do Conselho de Administração, naturalmente, sobre a situação criada pela carta do Director da Faculdade de Direito, o que só se compreende pelo conhecimento que tinha dos poderes daquele e, pois, do órgão a que presidia; e, por outro lado, que era sua convicção de que não havia lugar para si na Universidade, no Porto, instituição onde não pretendia tornar, deste modo não excluindo a subsistência do contrato, pelo exercício de funções noutra localidade.

Em suma, além de os termos da carta de 30 de Setembro de 2003 não permitirem a um declaratário, normalmente sagaz e diligente, colocado na posição do Autor, deles extrair o sentido inequívoco de que a Ré, através dela, comunicou a extinção do contrato, também não é seguro afirmar-se que, ao recebê-la, o Autor a interpretou nesse sentido.

3. 2. Põe-se, todavia, a questão de saber se alguma atitude da Ré, contemporânea ou posterior àquela comunicação, é susceptível de, atento o grau de probabilidade que, usualmente, orienta a tomada de decisões das pessoas sensatas, revelar, ainda na perspectiva de um trabalhador normalmente sagaz e diligente, colocado na posição do Autor, a intenção de pôr termo ao contrato.

Sabe-se que o Autor fora convidado, antes de ter recebido a carta de dispensa do serviço docente na Faculdade de Direito, para exercer funções na Faculdade de Psicologia da mesma Universidade, o que não veio a suceder, por não terem sido aceites as condições por si exigidas, entre as quais a de “[s]er convidado como professor catedrático com o correspondente estatuto remuneratório”.

Tratando-se de um convite, não se vê como possa qualificar-se o contacto feito pelo Director da Faculdade de Psicologia como uma ordem da Ré, no exercício dos poderes de direcção e conformação da prestação laboral.

Certo é que a Ré não demonstrou, nem alegou, ter, após a carta do Director da Faculdade de Direito, atribuído ao Autor quaisquer funções docentes e ter-lhe pago a retribuição, sendo que, por outro lado, o Autor não mais compareceu nas instalações da Universidade, ficando a aguardar, como disse na carta endereçada ao Presidente do Conselho de Administração, uma palavra deste.

Ora, a não atribuição de funções e a falta de pagamento da retribuição, configurando violação de deveres contratuais, por parte do empregador, susceptível de fundar a rescisão/resolução com justa causa pelo trabalhador [artigos 34.º, n.º 1, e 35.º, n.º 1, alínea a) e b), da LCCT, e 441.º, n.os 1 e 2, alíneas a) e b), do Código do Trabalho], não têm virtualidade para, no quadro das vicissitudes do relacionamento entre as partes acima descrito, sustentar, com segurança, a conclusão de que, por tais atitudes, a Ré quis, por sua iniciativa, fazer cessar o contrato, a partir da comunicação recebida pelo Autor em 30 de Setembro de 2003.

Irrelevante se mostra para tal efeito, a carta, datada de 12 de Fevereiro de 2004, endereçada ao Autor pelo Presidente do Conselho de Administração da Ré (em resposta à missiva daquele de 2 de Janeiro de 2004), onde se lê (fls. 129):

Recebi a sua carta e o seu posterior bilhete. Recolhidas as informações necessárias sobre o assunto que nela refere, lamento informá-lo da correcção a meu ver, da decisão do Senhor Director da Faculdade de Direito, decisão que, aliás, eu não poderia deixar de respeitar”.

Nestes termos, o subscritor da comunicação limitou-se a informar que considerava correcta a decisão do Director da Faculdade de Direito de dispensar o Autor do exercício da docência naquele departamento da Universidade, e que, em qualquer caso, não poderia deixar de a respeitar.

De notar que, face às normas supra referidas dos Estatutos da Fundação, mesmo que a carta do Director da Faculdade de Direito traduzisse um despedimento, o Presidente do Conselho de Administração carecia de poderes para vincular a Ré, tanto no que concerne à decisão como no que respeita à comunicação.

De tudo se conclui não ter o Autor demonstrado, como lhe competia, nos termos do artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil, factos demonstrativos de ter ocorrido o invocado despedimento.

4. No entendimento do acórdão recorrido, a invocação pela Ré da inexistência de poderes do Director da Faculdade de Direito para proceder ao despedimento quando ela própria teve conhecimento da carta por ele subscrita, nada fazendo no sentido de evitar a ruptura de facto da relação laboral – designadamente, dando sem efeito tal decisão, ordenando ou distribuindo ao Autor o exercício de funções de docência, na mesma Faculdade ou noutra –, e até, tendo confirmado essa decisão, consubstancia um exercício verdadeiramente abusivo do direito, “quer de invocação da falta de competência do Director da Faculdade de Direito, quer do alegado direito de dispensa do A. de funções docentes naquela Faculdade, ferindo manifestamente os limites impostos pela boa-fé, já que se com tal decisão não concordasse e entendesse que aquele não deteria tais poderes, lhe deveria ter posto termo”.

Nos termos do artigo 334.º do Código Civil, “[é] ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.

Como observam Antunes Varela e Pires de Lima (Código Civil Anotado, Volume I, Coimbra Editora, 1967, p. 217), assinalando a unanimidade da doutrina, quanto a este ponto, o preceito em causa contempla o exercício de direitos em termos clamorosamente ofensivos da justiça ou traduzindo uma clamorosa ofensa do sentimento jurídico socialmente dominante.

No caso, não se afigura que os contornos que caracterizaram os comportamentos de ambas as partes permitam imputar à Ré uma tal ofensa clamorosa, pelo facto de vir invocar os dizeres de uma carta e uma interpretação do seu sentido – a mera dispensa do exercício de funções na Faculdade de Direito –, em contraposição a outra interpretação – o despedimento –, alegando, além do mais, que o Autor não desconhecia que o subscritor da carta carecia de poderes para vincular a Ré quanto a uma eventual cessação da relação laboral, e, assim, impugnando a existência do despedimento, cuja prova competia ao Autor.

Por outro lado, como já se referiu, o comportamento da Ré, posterior ao envio da referida carta – não atribuição de funções docentes e cessação do pagamento da retribuição –, podendo ser encarado como violação de deveres contratuais, conferia ao Autor, no âmbito da justa tutela dos seus interesses, a faculdade de, por sua iniciativa, fazer cessar, com justa causa, a relação laboral, não se apresentando como revelador da vontade de fazer cessar o contrato, não pode ser perspectivado como conduta geradora, no espírito do Autor, de expectativa fundada de que ela não viria a impugnar, da forma como o fez, a existência do despedimento, o mesmo se podendo afirmar relativamente à aludida carta de resposta do Presidente do Conselho de Administração.


III

Em face do exposto, decide-se, concedendo a revista, revogar o acórdão impugnado, ficando a subsistir a decisão da 1.ª instância.

Custas, nas instâncias e neste Supremo, por Autor e Ré, na proporção do vencimento.

Lisboa, 22 de Outubro de 2008.

Vasques Dinis (relator)

Alves Cardoso

Bravo Serra