Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
05P2944
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SORETO DE BARROS
Descritores: TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
ILICITUDE CONSIDERAVELMENTE DIMINUÍDA
IMAGEM GLOBAL DO FACTO
MEDIDA CONCRETA DA PENA
Nº do Documento: SJ200603080029443
Data do Acordão: 03/08/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE.
Sumário : I - Se na decisão recorrida se considerou assente que:

- a arguida, pessoa de 47 anos à altura dos factos, foi surpreendida pela polícia quando, perto de sua casa, se encontrava a vender doses individuais de estupefacientes, tendo na sua posse 7 pequenas embalagens em plástico, contendo um produto em pó, cada uma delas com o peso líquido de 2,607 g, em cuja composição figurava heroína, e outras 5 embalagens, cada uma com o peso de 1,050 g, de heroína;

- na sequente busca efectuada a sua casa foram apreendidos diversos pedaços de sacos de plástico, recortados, que eram usados pela arguida para embalar as doses de estupefacientes;

- a venda de estupefacientes era uma das actividades de onde a arguida extraía rendimentos para fazer frente às despesas do seu agregado familiar;

- dois meses depois, em 29-07-04, em nova busca à residência da arguida, foram apreendidas, em três divisões da casa, para além de vários recortes de plástico, 148 embalagens de heroína (1+35+112) e 100 embalagens de cocaína (1+74+15);

- e, no bolso do avental da arguida, foram ainda apreendidas 12 embalagens de cocaína e 18 de heroína, todas destinadas a venda;

- o peso total líquido do produto contendo cocaína era de 29,074 g e o do produto contendo heroína ascendeu a 108,388 g; - a arguida usava lactose para adicionar à heroína e cocaína, com o propósito de aumentar a sua margem de lucro;

- o dinheiro e os artigos de ourivesaria (estes, avaliados em € 949,9), encontrados na cozinha, correspondiam ao produto das vendas de estupefacientes efectuadas pela arguida; não há reparo a fazer ao enquadramento da conduta da arguida na previsão do art. 21.º do DL 15/93, de 22-01, já que o conjunto dos factos, de onde sobressai, em intervenção directa da arguida, o "corte", o doseamento, a embalagem e venda das drogas, a persistência nessa actividade e, em suma, um modo de vida ligado ao tráfico, como meio normal de subsistência do agregado familiar, afasta, seguramente, a possibilidade de sustentar um juízo de ilicitude consideravelmente diminuída, pressuposto pelo art. 25.º do indicado diploma legal.

II - O que releva, numa visão global dos factos, é a natural aceitação da venda de estupefacientes como modo de ganhar a vida, indiferente aos comandos do direito, venda essa dirigida a indistintos potenciais compradores, em número avaliável pelas mais de duas centenas de doses apreendidas. Note-se, ainda, que a decisão não fornece qualquer espécie de sinal de consumo, por parte da arguida ou dos seus. E a rotina e permanência do "negócio" pressupõe, de igual modo, a facilidade de a arguida obter, e salvaguardar, o seu próprio abastecimento, garantindo autonomia na sua fase de intervenção.

III - Ponderando os descritos factos, a ausência de antecedentes criminais e o contexto pessoal e familiar da arguida - é casada, tem duas filhas, ainda jovens, a cargo, antes de presa vendia peixe na Praça da Damaia, onde tem duas bancas, e explorava a "tasca" no Bairro 6 de Maio, não sabe ler nem escrever - é adequado punir a conduta com uma pena de 4 anos e 6 meses de prisão. *

* Sumário elaborado pelo Relator.

Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


1. "AA", identificada nos autos, recorre do acórdão de 30.07.05, da 3.ª Vara Criminal de Lisboa, proferido no processo n.º 82/04, que, em síntese (e para o que, agora, importa), a condenou 'pela prática, em autoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 21.º, n.º 1., do Dec. Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com referência às Tabelas I-A e I-B, anexas àquele diploma legal, na pena de cinco anos e seis meses de prisão'.

1.1 A recorrente termina a motivação com as seguintes conclusões :

A - Atendendo aos factos provados, às quantidades de produtos estupefacientes apreendidos e ao modus operandi, a conduta da arguida AA deve enquadrar-se no art.º 25.º do Dec. Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, e considerada esta de tráfico de menor gravidade.
B- Nestas circunstâncias, entende-se como adequada e proporcional a aplicação de uma pena entre 2 a 3 anos de prisão.
C- Tendo em conta a confissão integral e sem reserva dos factos (os que não confessou não foram dados como provados), a ausência de antecedentes criminais, a quantidade de produtos estupefacientes e quantias monetárias apreendidas, a sua situação económica com o pai gravemente doente e a necessitar de uma operação cirúrgica muito dispendiosa, ao arrependimento e possibilidade de reintegração social, com a prognose favorável de que a simples ameaça da pena será suficiente para afastar a arguida da criminalidade, existem condições objectivas e subjectivas para a suspensão da sua execução, nos termos dos artºs 40º e 50º do C. Penal.
D- O acórdão recorrido violou, pelo exposto, o disposto no artº 25º, do Dec. Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, e os artºs 71º, 40º e 50º do C. Penal.

Devendo, por isso, ser revogado, como se requer e é de Justiça. " (fim de transcrição)

1.2 O recurso foi admitido com subida imediata, nos próprios autos, com efeito suspensivo. (fls. 767)

1.3 Em resposta, o Ministério Público defendeu a manutenção do decidido. (fls. 776 a 778)

2. Realizada a audiência, cumpre decidir.

2.1 A matéria de facto que a 3.ª Vara Criminal de Lisboa deu como provada é do seguinte teor :

"1- No dia 27 de Maio de 2004, pelas 13h00, a arguida AA foi surpreendida, no Bairro 6 de Maio, na Venda Nova, na Amadora, por agentes da P.S.P., na posse de:
- 7 pequenas embalagens, em plástico, contendo, cada uma delas, um produto em pó, com o peso líquido total de 2.607 g., em cuja composição figura uma substância denominada heroína;
- 5 pequenas embalagens, em plástico, contendo, cada uma delas, um produto em pó, com o peso líquido total de 1.05 g., em cuja composição figura uma substância denominada cocaína (cloridrato);
- 87,5 euros, em notas e moedas do Banco Central Europeu (sendo 4 notas de 10 euros, 4 notas de 5 euros, 3 moedas de 2 euros, 18 moedas de 1 euro, 6 moedas de 50 cêntimos, e 5 moedas de 10 cêntimos);
- 1 telemóvel, da marca "Siemens", modelo C62, de cor branca e cinzenta, com o IMEI 352 464 00 131 496 4, em razoável estado de conservação e funcionamento, equipado com cartão da operadora TMN, avaliado em 127 euros;
2- A arguida AA tinha aquelas embalagens, com os aludidos produtos estupefacientes consigo dispondo-se a vendê-las a consumidores de tais produtos que, para lhos adquirir, ali a abordariam.
3- O dinheiro, acima referenciado, que a arguida AA tinha consigo, correspondia ao produto das vendas de embalagens, contendo doses individuais dos aludidos estupefacientes, por ela efectuadas em momento anterior ao da sua detenção.
4- Na altura, a arguida AA usava:
- 1 anel, em metal amarelo, com pedra de cor vermelha, sem valor comercial;
- 1 anel, em metal amarelo, com uma pedra de cor branca, avaliado em 65 euros;
- 1 anel, em metal amarelo, com 17 pedras de cor branca e 20 pedras de cor laranja, avaliado em 65 euros;
- 1 anel, em metal amarelo, com 3 pedras de cor azul, 3 pedras de cor vermelha, e 3 pedras de cor branca, avaliado em 20 euros;
- 1 anel, prateado, com vários traços pretos, sem valor comercial;
5- Logo após a detenção da arguida AA, surge no local a arguida BB, filha da primeira.
6- A arguida BB, opondo-se àquela intervenção policial, agrediu o agente CC com pontapés e chapadas, que o atingiram, respectivamente, nas pernas e na cara, ao mesmo tempo que lhe arranhava os braços.
7- Em auxílio do agente CC vieram, de imediato, os agentes DD e EE que detiveram a arguida BB.
8- Enquanto era por aqueles levada para a viatura policial que a havia de conduzir à esquadra, a arguida BB, opondo-se à intervenção dos agentes DD e EE, confrontou-se fisicamente com eles, desferindo um pontapé que atingiu o primeiro nas costas e puxando os cabelos ao segundo.
9- Já no interior da viatura policial, a arguida BB, que nela seguia escoltada pelos agentes CC e FF, cuspiu, diversas vezes, contra aqueles, ao mesmo tempo que, dirigindo-se a eles, lhes dizia:
- "bófias de merda";
- "filhos da puta";
10- Ao agredir, nos termos acima referenciados, os agentes CC, DD e EE, a arguida BB produziu, directa e necessariamente, nas zonas do corpo daqueles atingidas, fortes dores e padecimento físico.
11- Além disso, a arguida BB sabia que se opunha, nos termos descritos supra, a que:
- o agente CC detivesse sua mãe, a arguida AA;
- os agentes DD e EE a detivessem;
não ignorando que todos se encontravam no exercício legítimo das suas funções policiais e, bem assim, no exercício da inerente autoridade, bem sabendo, ainda, que, por isso, não podia opor-se, nos termos em que o fez, à sua presença e actuação.
12- Sabia, ainda, a arguida BB que cuspia e insultava os agentes CC e FF, nos termos supra expostos, que estes se encontravam no exercício das suas funções policiais, e que aquele gesto e tais insultos iriam ferir, como feriram, a sua dignidade pessoal e profissional, resultado que a arguida BB desejou e, por aquela via, alcançou.
13- Sabia a arguida BB que toda a sua conduta, supra descrita, era proibida e punida por lei, tendo actuado livre, voluntária, e conscientemente.
14- Na sequência da detenção da arguida AA foi efectuada uma busca em casa dela, tendo ali sido encontrados vários pedaços de sacos em plástico, recortados.
15- Tais recortes eram usados pela arguida AA para, em sua casa, embalar, em doses individuais, os produtos estupefacientes que, em seguida, fazia chegar aos consumidores.
16- As arguidas GG e BB viviam na dependência económica dos arguidos AA e HH, seus pais.
17- A venda de estupefacientes era uma das actividades de onde a arguida AA extraía os rendimentos com que fazia frente às despesas inerentes ao seu agregado familiar.
18- No dia 29.07.2004, foi realizada uma busca à residência da arguida AA, sita no Bairro 6 de Maio, Rua das Fontainhas, nº..., na Venda Nova, na Amadora.
19- Na sequência dessa busca, veio a ser ali encontrado o seguinte:
1.1. - na sala, em cima da mesa:
- vários recortes, em plástico;
- 1 embalagem, em plástico, contendo um produto, em pó, em cuja composição se encontra uma substância activa denominada heroína;
- 1 embalagem, em plástico, contendo um produto, em pó, em cuja composição se encontra uma substância activa denominada cocaína (cloridrato);
1.2. - no quarto da arguida GG:
1.2.1. - no interior da mesa de cabeceira:
- 2 bolsas, uma em napa de cor castanha e outra em napa de cor preta, contendo esta:
- 74 embalagens, em plástico, contendo, cada uma delas, um produto, em pó, em cuja composição se encontra uma substância activa denominada cocaína (cloridrato);
- 35 embalagens, em plástico, contendo, cada uma delas, um produto, em pó, em cuja composição se encontra uma substância activa denominada heroína;
1.2.2. - numa gaveta de uma estante:
- um telemóvel, da marca "Nokia", modelo "2100", de cor cinzenta, com o IMEI 251 478 80 891 471 0, usado, em razoável estado de conservação, avaliado em 50 euros;
- um telemóvel, da marca "Sharp", modelo "GX20", com o IMEI 351 682 00 693 573 8, cinzento, usado, em razoável estado de conservação, avaliado em 50 euros, e equipado com cartão da rede TMN, com o nº 000 1171 0308 377;
1.3. - na cozinha, no interior de uma mala em cabedal, própria para senhora:
- 112 pequenas embalagens, em plástico, contendo, cada uma delas, um produto, em pó, em cuja composição se encontra uma substância activa denominada heroína;
- 25 pequenas embalagens, em plástico, contendo, cada uma delas, um produto, em pó, em cuja composição se encontra uma substância activa denominada cocaína (cloridrato);
- 615 euros, em notas do Banco Central Europeu (sendo 1 nota de 50 euros, 7 notas de 20 euros, 30 notas de 10 euros, e 25 notas de 5 euros);
- 178,48 euros, em moedas do Banco Central Europeu (sendo 25 moedas de 2 euros, 51 moedas de 1 euro, 68 moedas de 50 cêntimos, 147 moedas de 20 cêntimos, 107 moedas de 10 cêntimos, 60 moedas de 5 cêntimos, 16 moedas de 2 cêntimos, e 6 moedas de 1 cêntimo);
- 3 anéis, em metal amarelo;
- 1 anel em metal amarelo, com pedra roxa;
- 1 anel em metal amarelo, com a inscrição ".... - 09.10.1999";
- 1 anel, em metal amarelo, com 3 pedras vermelhas e 5 azuis;
- 1 anel, em metal amarelo, com pedra azul;
- 2 anéis, em metal amarelo, com pedra branca, quebrados;
- 1 medalha, em metal amarelo, com a tatuagem da figura de Cristo;
- 1 medalha, em metal amarelo, coma inscrição "Dos pesos";
- 8 brincos de argolas, em metal amarelo;
- 2 brincos, em metal amarelo;
- 3 brincos de bola, em metal amarelo;
1.4. - no quarto da arguida AA:
- 1 coração, em metal amarelo, com pedra branca;
- 1 coração, em metal amarelo;
- 1 crucifixo, em metal amarelo;
- 1 pulseira, em metal amarelo, com pedra verde, vermelha, rosa e amarela;
- 1 pulseira, própria para criança, com a inscrição "... 29.12.02", em metal amarelo;
- 1 pulseira, própria para criança, em metal amarelo;
- 1 pulseira, em metal amarelo;
- 1 pulseira, em metal branco, com um gato e um cão em metal branco;
- 1 fio, em metal amarelo, com meia libra, em metal amarelo;
- 1 fio, em metal amarelo, com um crucifixo e medalha com emblema do S.L.B., em metal amarelo;
- 1 fio em metal amarelo, com um crucifixo em metal amarelo;
- 1 relógio, em metal amarelo, da marca "Stevenson";
- 1 relógio, em metal branco, da marca "Christian Dior";
- 1 máquina fotográfica da marca "Olimpus", modelo "U(MJU)-II", cinzenta, com lente de 35 mm, com o nº de série 79 55 045, em bom estado de conservação, avaliada em 50 euros, e respectiva bolsa, em napa, de cor preta, da marca "Olympus", em bom estado de conservação, avaliada em 10 euros;
- 1 máquina fotográfica, da marca "Nikon", modelo "Lite*Touch", cinzenta, com lente de 70 mm, com o nº de série 811 54 68, com cordão próprio, em bom estado de conservação, com rolo fotográfico introduzido, avaliada em 15 euros;
- 1 máquina fotográfica, da marca "Cânon", modelo "IXUS L.1", cinzenta, com lente de 26 mm, com o nº de série 460 74 82, em razoável estado de conservação, e com rolo fotográfico introduzido, avaliada em 15 euros;
- 1 máquina fotográfica, da marca "Olympia", modelo "Big RoyalView", preta e cinzenta, com lente de 50 mm, com rolo fotográfico, com manípulo de apoio para flash, com ângulo máximo de 90 graus, em razoável estado de conservação, avaliada em 55 euros, e respectiva bolsa, em velcro, de cor preta e castanha, com fita de ombro castanha, em mau estado de conservação, avaliada em 5 euros;
- 1 faqueiro, com 76 unidades, em metal branco e amarelo;
- 1 telemóvel, da marca "Alcatel", modelo "332", com o IMEI 352 099 007 455 385, de cor cinzenta, usado, em razoável estado, avaliado em 50 euros, equipado com a respectiva bateria e cartão, com o IMEI 0131 3244 18 92;
- 1 telemóvel, da marca "Siemens", modelo A32, com o IMEI 350 019 549 427 20, de cor cinzenta, usado, em razoável estado, avaliado em 50 euros, equipado com a respectiva bateria e sem cartão;
- 1 telemóvel, da marca "Samsung", modelo "SGH 600", de cor preta, usado, em razoável estado, avaliado em 50 euros, equipado com a respectiva bateria e sem cartão;
- 1 telemóvel, da marca "Panasonic", modelo "EB - GD 90", com o IMEI 449 123 893 056 100, de cor azul, usado, em razoável estado, avaliado em 50 euros, equipado com a respectiva bateria e sem cartão;
20- As embalagens, com heroína e cocaína, acima referenciadas, encontradas na sala, na cozinha e no quarto da arguida GG pertenciam à arguida AA e destinavam-se a ser vendidas a eventuais consumidores.
21- Os recortes em plástico, ali encontrados, eram usados pela arguida AA para embalar, em doses individuais, as referidas substâncias.
22- A arguida AA usava um produto em pó, em cuja composição figura uma substância denominada lactose, para o adicionar à heroína e cocaína que, em seguida, embalava, em doses individuais, para venda aos consumidores.
23- Fazia-o com o propósito, que concretizava, de aumentar a margem de lucro obtida com a venda de cada embalagem.
24- O dinheiro e os artigos de ourivesaria encontrados na mala, que estava na cozinha, correspondiam ao produto das vendas de embalagens de estupefacientes efectuadas pela arguida AA.
25- Ainda no contexto da acção policial em causa foram os arguidos AA, GG, e HH sujeitos a uma revista, na sequência das quais veio a ser encontrado:
I - em poder da arguida AA, no bolso direito do avental, uma bolsa em napa de cor creme, contendo:
- 12 embalagens, em plástico, contendo, cada uma delas, um produto, em pó, em cuja composição se encontra uma substância activa denominada cocaína (cloridrato);
- 18 embalagens, em plástico, contendo, cada uma delas, um produto, em pó, em cuja composição se encontra uma substância activa denominada heroína;
- 1 anel, em metal amarelo;
- 2 brincos, em metal amarelo, com pedra preta;
A arguida AA tinha aquelas embalagens, contendo doses individuais de cocaína e heroína, consigo para as vender, nos termos supra expostos, a consumidores que, para as adquirir, se dirigiriam ao Bairro 6 de Maio, na Venda Nova, na Amadora, e o anel e os brincos, que estavam dentro da bolsa, eram provenientes de vendas anteriores.
II - em poder da arguida GG:
- 2 brincos, em forma de argola, em metal amarelo;
- 1 fio, em metal amarelo, de malha "friso", com coração e uma bola;
- 1 coração, em metal amarelo;
- 1 bolota, em metal amarelo;
- 1 aliança, em metal amarelo, com a inscrição "...";
- 1 anel, em metal amarelo;
- 1 anel, em metal amarelo, com 6 pedras brancas;
- 1 anel, em metal amarelo, com 1 pedra azul, com o peso de 1,1 g., avaliado em 6,60 euros;
26- Depois de detido, o arguido HH foi conduzido à esquadra da P.S.P. levando consigo 1.200 euros, em notas e moedas do Banco Central Europeu, quantia que pretendia entregar ao seu advogado, a título de pagamento inicial pelos serviços que este lhe iria prestar.
27- O valor dos artigos de ourivesaria, acima discriminados, apreendidos à arguida AA, ascende a 949.9 euros, ascendendo a 258,6 euros o valor dos artigos de ourivesaria encontrado em poder da arguida GG.
28- O peso total líquido do produto em pó, em cuja composição figura a substância denominada cocaína (cloridrato), encontrado, nas termos supra expostos, na sequência da busca efectuada, no dia 29.07.2004, em casa da arguida AA, ascende 29,074 g..
29- O peso total líquido do produto em pó, em cuja composição figura a substância denominada heroína, encontrado, nos termos acima descritos, naquela casa, na sequência daquela busca, ascende 108,388 g..
30- A arguida AA conhecia a natureza estupefaciente dos produtos apreendidos, bem sabendo que a preparação, embalamento e venda dos mesmos é proibida e punível por lei.
31- Agiu de forma livre, voluntária e consciente.
32- A arguida AA antes de presa vendia peixe na praça da Damaia, onde tem duas bancas e explorava uma "tasca" no Bairro 6 de Maio. Não sabe ler nem escrever.
33- O arguido HH antes de ter sido detido no âmbito destes autos trabalhava como pedreiro nos Açores, encontrando-se à data da detenção no Continente para recuperar de um acidente de trabalho de que tinha sido vítima. Retira em média € 1 700 a € 1800 por mês da sua actividade profissional. Tem a 4ª classe.
34- A arguida BB vive com os pais. Tem o 5º Ano de Escolaridade.
35- A arguida GG vive com os pais. Anda a tirar um curso de informática. Tem o 6º Ano de Escolaridade.
36- A arguida II aufere € 500 por mês. Vive na casa que era da avó. Tem um filho com 2 anos de idade. Tem o 7º Ano de Escolaridade.
37- Nenhum dos arguidos tem antecedentes criminais.

FACTOS NÃO PROVADOS DA ACUSAÇÃO
Não se provou que
1- A arguida AA ía vender cada embalagem dos produtos referidos em 1 dos factos provados por 10 euros.
2- O telemóvel que a arguida AA tinha consigo, a que se faz referência em 1 dos factos provados, era por ela utilizado para estabelecer os contactos relativos à obtenção dos aludidos produtos narcóticos.
3- Os artigos de ourivesaria que a arguida AA usava na data referida em 1 dos factos provados haviam sido, por ela, adquiridos com quantias obtidas através da venda, em momentos anteriores, das aludidas substâncias narcóticas.
4- A arguida BB colaborava com a arguida AA na actividade de venda de estupefacientes e era ela quem, por vezes, ali efectuava tais transacções.
5- A arguida BB dirigindo-se aos agentes CC e FF disse-lhes "vão para o caralho".
6- A arguida AA vinha-se dedicando à venda de heroína e cocaína, em doses individuais, a consumidores daquelas substâncias, no referido bairro, desde, pelo menos, Fevereiro de 2004.
7- As transacções processavam-se naquele bairro, o mais das vezes, num largo existente nas imediações da casa da arguida AA, sendo a venda daquelas embalagens ali efectuada, não só por ela como também pelas arguidas GG e II.
8- Os compradores abordavam-nas naquela zona e manifestavam-lhes o seu interesse em adquirirem as ditas embalagens, com aquelas substâncias estupefacientes, após o que, as mesmas as iam buscar àquela casa.
9- Tais transacções decorriam sob o controlo do arguido HH, que era quem tinha efectivo domínio sobre os lucros decorrentes das vendas e sobre os produtos estupefacientes transaccionados.
10- Para os ajudar nas vendas, naquele local, das embalagens, com as referidas substâncias narcóticas, os arguidos AA e HH contavam com a ajuda das arguidas GG e II.
11- O arguido HH fazia da venda de estupefacientes a consumidores a actividade de onde extraía os rendimentos com que fazia frente às despesas inerentes ao sustento de todos.
12- A arguida II ajudava as arguidas AA e GG na preparação e embalamento, em doses individuais, da heroína e da cocaína que, depois, era vendida aos consumidores, nos termos supra expostos.
13- Os telemóveis encontrados na gaveta de uma estante do quarto da arguida GG haviam sido, por si, adquiridos com quantias que obteve através da participação, nos termos acima descritos, na preparação, embalamento, e venda de cocaína e heroína, em doses individuais, a consumidores, sendo, além disso, tais telemóveis, por ela, por vezes, usados para estabelecer os contactos relativos a tal actividade.
14- Os objectos em ouro, relógios, faqueiro, máquinas fotográficas e telemóveis que vieram ser encontrados no quarto da arguida AA foram adquiridos pela mesma com as quantias que obteve através da venda de estupefacientes.
15- Os telemóveis encontrados no quarto da arguida AA eram usados por ela para estabelecer os contactos relativos à actividade de venda de estupefacientes.
16- Os artigos de ourivesaria que a arguida GG tinha na sua posse correspondiam, também eles, ao produto de anteriores vendas de heroína e cocaína, em doses individuais, por si efectuadas, sob a superintendência e em favor de seus pais, os arguidos JJ e HH.
17- A quantia que o arguido HH tinha na sua posse, a que se faz referência sob 26 dos factos provados, correspondia a ganhos, por ele obtidos, com a acima descrita actividade de venda de cocaína e heroína a consumidores, no Bairro 6 de Maio, na Venda Nova, na Amadora.
18- Os arguidos HH, AA, GG, BB, e II colaboravam, entre si, tendo em vista a venda a consumidores, de doses individuais de heroína e cocaína, conjugando, para esse efeito, esforços e vontades. "

2.2 Perante esta factualidade, o Tribunal decidiu :
'A) Absolver os arguidos BB, HH, GG e II da prática, em co-autoria, de um crime de tráfico de estupefacientes p.p. pelo artº 21º, nº 1 do Dec-Lei 15/93 de 22.01, com referência às tabelas I-A e I-B, anexas ao citado diploma legal.
B) Condenar a arguida BB (...)

C) Condenar a arguida AA pela prática, em autoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes, p.p. pelo artº 21º, nº 1 do Dec-Lei 15/93 de 22.01, com referência às tabelas I-A e I-B, anexas ao citado diploma legal, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão. '

2.3 Aparentemente, a operação de subsunção não colocou ao Tribunal qualquer dúvida ['Da matéria de facto dada como provada resulta que a arguida AA incorreu na prática, em autoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes, p.p. pelo artº 21º, nº 1 do Dec-Lei 15/93 de 22.01, com referência às tabelas I-A e I-B, anexas ao citado diploma legal'] e o processo de determinação da pena foi exposto nos seguintes termos :

"Na determinação da medida concreta das penas a impor às arguidas AA e BB ter-se-á em conta as suas culpas, as exigências de reprovação e de prevenção do crime, bem como as demais circunstâncias referidas no artº 71º do Cód. Penal, designadamente, que as arguidas agiram com dolo directo e muito intenso no que respeita à arguida AA, sendo que a primeira detenção em 27 de Maio de 2004 não a dissuadiu de continuar a actividade de tráfico de estupefacientes, as arguidas confessaram parcialmente a prática dos factos, não têm antecedentes criminais, são de modesta condição económico-social.
Assim, entendemos que a pena concreta a impor à arguida AA deverá ser de 5 anos e 6 meses de prisão." (...)

3. O recurso
3.1 O recorrente defende que se está perante uma 'errada qualificação jurídico penal dos factos provados', porque não se atendeu, ou não valorou correctamente, os seguintes factores:
1- confissão integral e sem reservas dos factos ;
2- ausência de antecedentes criminais ;
3- a quantidade de estupefaciente e quantia monetária apreendida ;
4- situação económica, familiar e profissional ;
5- arrependimento ;
6- possibilidade de reintegração social.

Entende que a qualificação correcta é a prevista no art.º 25.º, do Dec. Lei n.º 15/93, e, em consequência, que a pena adequada se situa entre os 2 a 3 anos de prisão, com execução suspensa.

3.1.1 A primeira nota a consignar é a de que alguns dos 'factores' em que a recorrente faz assentar a sua argumentação não encontram, ao nível da matéria de facto provada, qualquer correspondência. É o que se passa, designadamente, com o alegado 'arrependimento' e a 'confissão integral e sem reservas dos factos' : quanto ao primeiro, nenhuma referência se encontra e, quanto ao segundo, o que a decisão valoriza, no capítulo da determinação concreta da pena, é a 'confissão parcial dos factos' [conclusão aparentemente compatível com a necessidade de 'confrontação', em audiência, 'com as declarações prestadas pela a arguida perante o Juiz de Instrução Criminal', dado 'haver discrepânias' (embora de sentido não concretizado)]
E, por outro lado, que os 'factores' que respeitam directamente às condições pessoais do agente - relevantes, embora, para a determinação da pena (al. d), n.º 2., do art.º 71.º, do C.P.) - são alheios à modulação da ilicitude, de cuja diminuição considerável deriva o privilegiamento do tráfico de estupefacientes.

3.2 'Se, nos casos dos artigos 21.º e 22.º, a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade da plantas, substâncias ou preparações, a pena é de :
a) Prisão de um a cinco anos, se se tratar de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III (...)'. (art.º 25.º, do Dec. Lei n.º 15/93, de 22.01)

3.2.1 Escreveu-se, no acórdão de 23.03.05, proc. n.º 130/05 :
(...) "5. O recorrente coloca como questão central a qualificação penal dos factos provados, que entende dever ser feita no artigo 25º e não no artigo 21º, nº 1, do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro.
O artigo 21º, nº 1, do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, define o crime de tráfico e outras actividades ilícitas sobre substâncias estupefacientes, descrevendo de maneira assumidamente compreensiva e de largo espectro a respectiva factualidade típica: «Quem , sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver [...], plantas, substâncias ou preparados compreendidos nas Tabelas I a IV, é punido com a pena de prisão de 4 a 12 anos».
O artigo 21º, nº 1, do Decreto-Lei nº 15/93 contém, pois, a descrição fundamental - o tipo essencial - relativa à previsão e ao tratamento penal das actividades de tráfico de estupefacientes, construindo um tipo de crime que assume, na dogmática das qualificações penais, a natureza de crime de perigo. A lei, nas condutas que descreve, basta-se com a aptidão que revelam para constituir um perigo para determinados bens e valores (a vida, a saúde, a tranquilidade, a coesão inter-individual das unidades de organização fundamental da sociedade), considerando integrado o tipo de crime logo que qualquer das condutas descritas se revele, independentemente das consequências que possa determinar ou efectivamente determine: a lei faz recuar a protecção para momentos anteriores, ou seja, para o momento em que o perigo se manifesta.
A construção e a estrutura dos crimes ditos de tráfico de estupefacientes, como crimes de perigo, de protecção (total) recuada a momentos anteriores a qualquer manifestação de consequências danosas, e com a descrição típica alargada, pressupõe, porém, a graduação em escalas diversas dos diferentes padrões de ilicitude em que se manifeste a intensidade (a potencialidade) do perigo (um perigo que é abstracto-concreto) para os bens jurídicos protegidos. De contrário, o tipo fundamental, com os índices de intensidade da ilicitude pré-avaliados pela moldura abstracta das penas previstas, poderia fazer corresponder a um grau de ilicitude menor uma pena relativamente grave, com risco de afectação de uma ideia fundamental de proporcionalidade que imperiosamente deve existir na definição dos crimes e das correspondentes penas.
Por isso, a fragmentação por escala dos crimes de tráfico (mais fragmentação dos tipos de ilicitude do que da factualidade típica, que permanece no essencial), respondendo às diferentes realidades, do ponto de vista das condutas e do agente, que necessariamente preexistem à compreensão do legislador: a delimitação pensada para o grande tráfico (artigos 21º e 22º do Decreto-Lei no 15/93), para os pequenos e médios traficantes (artigo 25º) e para os traficantes-consumidores (artigo 26º) (Cfr.. v. g., LOURENÇO MARTINS, "Droga e Direito", ed. Aequitas, 1994, pág. 123; e, entre vários, o acórdão deste Supremo Tribunal, de 1 de Março de 2001, na "Colectânea de Jurisprudência", ano IX, tomo I, pág. 234).
O artigo 25º do Decreto-Lei nº 15/93, epigrafado de "tráfico de menor gravidade", dispõe, com efeito, que «se, nos casos dos artigos 21º e 22º a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade e as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações», a pena é de prisão de 1 a 5 anos (alínea a)), ou de prisão até 2 anos ou multa até 240 dias (alínea b)), conforme a natureza dos produtos (plantas, substancias ou preparações ) que estejam em causa.
Trata-se, como é entendido na jurisprudência e na doutrina (v. g., o acórdão deste Supremo Tribunal, cit. de 1 de Março de 2001, com extensa indicação de referências jurisprudenciais) de um tipo privilegiado em razão do grau de ilicitude em relação do tipo fundamental de artigo 21º. Pressupõe, por referência ao tipo fundamental, que a ilicitude do facto se mostre «consideravelmente diminuída» em razão de circunstâncias específicas, mas objectivas e factuais, verificadas na acção concreta, nomeadamente os meios utilizados pelo agente, a modalidade ou as circunstâncias da acção, e a qualidade ou a quantidade dos produtos.
A essência da distinção entre os tipos fundamental e privilegiado reverte, assim, ao nível exclusivo da ilicitude do facto (consideravelmente diminuída), mediada por um conjunto de circunstâncias objectivas que se revelem em concreto, e que devam ser conjuntamente valoradas por referência à matriz subjacente à enumeração exemplificativa contida na lei, e significativas para a conclusão (rectius, para a revelação externa) quanto à existência da considerável diminuição da ilicitude pressuposta no tipo fundamental, cuja gravidade bem evidente está traduzida na moldura das penas que lhe corresponde. Os critérios de proporcionalidade que devem estar pressupostos na definição das penas, constituem, também, um padrão de referência na densificação da noção, com alargados espaços de indeterminação, de «considerável diminuição de ilicitude».
A diversificação dos tipos apenas conforme o grau de ilicitude, com imediato e necessário reflexo na moldura penal, não traduz, afinal, senão a resposta a realidades diferenciadas que supõem respostas também diferenciadas: o grande tráfico e o pequeno e médio tráfico. Mas estas são noções que, antes de se constituírem em categorias normativas, surgem como categorias empíricas susceptíveis de apreensão directa da realidade das coisas. A justeza da intervenção, para a adequada prossecução também de relevantes finalidades de prevenção geral e especial, justifica as opções legais tendentes à adequada diferenciação do tratamento penal entre os grandes traficantes (artigos 21º, 22º e 24º) e os pequenos e médios (artigo 25º), e ainda daqueles que desenvolvem um pequeno tráfico com a finalidade exclusiva de obter para si as substâncias que consomem (artigo 26º).

6. A densificação da noção de "ilicitude considerável diminuída", tendo, embora, como referências ainda a indicação dos critérios da lei, está fortemente tributária da intervenção de juízos essencialmente prudenciais, permitidos (e exigidos) pela sucessiva ponderação da praxis judicial perante a dimensão singular das casos submetidos a julgamento.
A qualificação diferencial entre os tipos base (artigo 21º, nº 1) e de menor intensidade (artigo 25º) há-de partir, como se salientou, da consideração e avaliação global da complexidade especifica de cada caso - em avaliação, não obstante, segundo modelos objectivos e com projecção de igualdade, e não exasperadamente casuística ou fragmentária. (1)
E concluiu-se que, a esta luz, 'a detenção de 4 grs. de heroína e de 5 grs. de cocaína, por si só, apontam para uma configuração de ilicitude que deve ser considerada como consideravelmente diminuída, a preencher o tipo de ilicitude do artigo 25° do Decreto-Lei n° 15/93, 22 de Janeiro.' (Ac.de 23.02.05, proc. 130/05)

3.2.2 É altura de procurar encontrar outros casos de aplicação concreta daquelas linhas interpretativas :

"Não se verifica uma considerável diminuição da ilicitude da conduta em apreciação que justifique a desgraduação da qualificação jurídica, se:
- se tratar de tráfico de duas drogas duras (heroína e cocaína) e que se prolongou por um período significativo de tempo, envolvendo necessariamente quantidades de algum valor;
- se os arguidos utilizaram e serviram prolongadamente de intermediários, numa actividade complexa, bem longe do simples tráfico de rua, visando somente o consumidor final." (Ac. STJ. de 15.12.05, proc. 2951/05 e ac. de 19.05.05, proc. 1751/05)

"Não se verifica tráfico de menor gravidade, se:
- os recorrentes venderam substâncias proibidas de diversa qualidade: heroína, cocaína e haxixe durante 6 meses a diversos consumidores;
- foram apreendidos 58,684 de heroína, 4,014 gr. de cocaína e 13,273 gr. de canabis ;
- o esquema traçado para tráfico não prima pela sofisticação, também não se reduz a um pequeno tráfico de rua praticado, por contra de outrem, mas se trata antes de um indivíduo que, em colaboração com o seu tio, organizou um esquema de compra corte e venda de droga aos consumidores mediante a combinação, via telemóvel, dos encontros com os compradores dirigindo-se outros arguidos, que não os recorrentes, depois aos locais previamente designados para efectuar as operações de venda". (Ac. STJ de12.07.05, proc. 2432/05)

"Se o agente efectuou durante 3 meses vendas de dois produtos estupefacientes (cocaína e heroína) aos consumidores que para tanto o contactassem numa zona relativamente vasta e muito populosa (Albufeira e Armação de Pêra), com relativa sofisticação (previamente para o seu telemóvel nº964422588 a fim de combinarem o local onde iria entregar a droga), fazendo-se, então, transportar para esses locais no seu automóvel, e foi detectado de regresso de Lisboa com 14 sacos contendo 38,353 grs de cocaína que destinava à venda aos consumidores, não se está perante um tráfico de menor gravidade." (Ac. de 25.11.04, proc. n.º 3970/04)

"Verificado que:
a) os meios utilizados não revelam nenhuma sofisticação, pois o Arguido vendia droga à luz do dia, em plena via pública, pelos vistos a quem o procurasse, deslocando-se da sua residência para local procurado, para esse efeito, por toxicodependentes;
b) a modalidade e circunstâncias do tráfico exercido já revelam algum profissionalismo, no sentido de que, tendo exercido aquela actividade com regularidade - várias vezes por semana - desde Outubro de 2000 até ser detido, em 23 de Abril de 2003, não tendo ocupação lícita conhecida e não se demonstrando ser consumidor habitual ou esporádico de estupefacientes, ao contrário do que alega - o que leva a concluir que o exercício desse comércio ilegal era uma fonte de rendimento especialmente procurada, certamente a mais importante;
c) a quantidade de droga traficada não seria elevada, mas até diminuta, a situá-lo no patamar do pequeno vendedor de rua, tanto mais que, apesar das buscas de que o acórdão recorrido nos dá conta, não há referência a qualquer armazenamento do produto em sua casa ou à propriedade ou detenção de utensílios ligados à preparação do mesmo (o que releva, para este efeito, não é a quantidade total de droga vendida ao longo da actividade de tráfico, mas sim a quantidade vendida em cada dia. De outro modo, tratando-se de um crime habitual, a quantidade diminuta estaria sempre afastada);
d) as drogas vendidas, tirando o haxixe, que a motivação da matéria de facto nos diz ter vendido algumas vezes, são das mais perigosas, a imagem global que o conjunto destes factos no dá é, sem dúvida, a de um grau de ilicitude diminuto, mas de modo algum um de um grau de ilicitude consideravelmente diminuto como exige a lei, especialmente em consequência da reiteração, ao longo de cerca de dois anos e meio, da actividade de tráfico que, nesse conjunto surge, não como meio transitório de ganhar a vida, mas como verdadeiro modo de vida.
Deste modo, a conduta do Arguido não pode ser enquadrada na hipótese do artº 25º do DL 15/93. (Ac. de 28.04.04, proc. 1103/04)
"A qualidade do estupefaciente (heroína), a sua quantidade (3,339) e a finalidade ostensiva da venda denunciada pela divisão da referida droga em embalagens individuais, em número de 60, não podem manifestamente levar à conclusão de uma gravidade da ilicitude diminuída que não possa - e não deva - encontrar na moldura penal do tipo de ilícito do art.º 21.º, n.º 1., do Dec. Lei n.º 15/93, uma valoração proporcionada e justa ou, dito de outro modo, os elementos valorativos que acima se deixaram destacados, conjugados entre si, não permitem um juízo de conformação com uma ilicitude diminuída, sendo certo que, para tal juízo de ilicitude típica, não relevam elementos factuais pertinentes à culpa ". (Ac. de 05.02.03, proc. 3587/02)

"Estando em causa o tráfico ou detenção para o tráfico de cerca de 50 grs. de heroína e cocaína, com possibilidade de 'render' pelo menos, 5 centenas de doses individuais e atingir outros tantos consumidores, essa quantidade não pode ter-se como desprezível. Por outro lado, e sobretudo, a circunstância de se lidar com drogas duras - heroína e cocaína - notoriamente daquelas que não são facilmente acessíveis a meros principiantes ou traficantes amadores aponta para um quadro complexivamente avaliado que, pelo grau de ilicitude revelado, não permite ter o caso como de tráfico menor ". (Ac. de 03.02.05, proc. 4201/04)

"Havendo que atender apenas, neste caso, à detenção pelo recorrente, na sua residência, de 1,458g de heroína, distribuída por sete embalagens, e não obstante se tratar de um estupefaciente pertencente ao grupo das chamadas 'drogas duras', de acentuada danosidade para a saúde dos consumidores, a reduzida quantidade do mesmo implica necessariamente uma acentuada diminuição da ilicitude, integrando a conduta do recorrente o crime de tráfico de menor gravidade (...) " (Ac. de 19.10.05, proc. 2421/05)

"É de afastar a possibilidade de subsumir o comportamento de tráfico ao tipo privilegiado (...) em face da quantidade de cannabis que o recorrente FF transportava no automóvel do pai - 221,309 g - a par de outras substâncias estupefacientes (cocaína e LSD), e da quantidade de cannabis que o recorrente A detinha na sua residência" - 422,654 g. (Ac. de 19.10.05, proc. 2494/05)

"Para aquilatar da aplicação do art.º 25.º, do DL 15/93, deve o juiz valorar complexivamente todas as circunstâncias do caso concreto, designadamente, a quantidade de substância estupefaciente, a sua perigosidade - gradação constante das Tabelas I a III ou IV anexas ao referido diploma legal - a intenção lucrativa, a intensidade e desenvolvimento da actuação desviante, o conhecimento da personalidade do arguido, o seu habitat - dealer ou intermediário - ou ainda se é consumidor, ou consumidor ocasional ou até tóxicodependente. (Ac. de 06.10.05, proc. 2243/05)

3.3 Posto isto, há que voltar ao caso :
3.3.1 A arguida, pessoa de 47 anos à altura dos factos, foi surpreendida pela polícia quando, perto de sua casa, se encontrava a vender doses individuais de estupefacientes. Para o efeito, tinha na sua posse sete pequenas embalagens em plástico, contendo um produto em pó, cada uma delas com o peso líquido de 2, 607 gr., em cuja composição figurava heroína, e outras cinco embalagens, cada uma com o peso 1,05 gr., de heroína (1. a 4.). Na sequente busca efectuada a sua casa foram apreendidos diversos pedaços de sacos de plástico, recortados, que eram usados pela arguida para embalar as doses de estupefacientes (14. e 15.). A venda de estupefacientes era uma das actividades de onde a arguida extraía rendimentos para fazer frente às despesas do seu agregado familiar (17.).
Dois meses depois, em 29.07.04, em nova busca à residência da arguida, foram apreendidas, em três divisões da casa, para além de vários recortes de plástico, 148 embalagens de heroína (1+35+112) e 100 embalagens de cocaína (1+74+15) ; e, no bolso do avental da arguida, foram ainda apreendidas 12 embalagens de cocaína e 18 de heroína, todas destinadas a venda (18. a 20. e 25.). O peso total líquido do produto contendo cocaína era de 29,074 gr. e o do produto contendo heroína ascendeu a 108,388 gr. (28. e 29.). Aliás, a arguida usava lactose para adicionar à heroína e cocaína, com o propósito de aumentar a sua margem de lucro (22. e 23.).
O dinheiro e os artigos de ourivesaria (estes, avaliados em 949.9 euros), encontrados na cozinha, correspondiam ao produto das vendas de estupefacientes efectuadas pela arguida. (24.)

3.3.2 Uma primeira aproximação à situação dos autos poderia aparentar um 'tráfico de rua', de venda directa ao consumidor, situado na base da pirâmide do negócio. E mesmo que, a benefício de raciocínio, pudesse ainda considerar-se que as quantidades de droga apreendida, embora não despiciendas, não seriam suficientes, por si só, para afastar, liminarmente, um quadro de 'pequeno tráfico' (a avaliar, também, pelo relativamente modesto valor do dinheiro e objectos apreendidos), o certo é que as demais circunstâncias - em que sobressai, em intervenção directa da arguida, o 'corte', o doseamento, a embalagem e venda das drogas (inseridas, significativamente, logo na Tabela I-A e I-B, anexas à lei) e, enfim, a persistência nessa actividade (mesmo depois de uma intervenção policial desembocando na detenção da arguida e na busca à casa da família) e, em suma, um modo de vida ligado ao tráfico, como meio normal de subsistência do agregado familiar - afastam, seguramente, a possibilidade de sustentar um juízo de ilicitude consideravelmente diminuída.
O que releva, numa visão global dos factos, é a natural aceitação da venda de estupefacientes como modo de ganhar a vida, indiferente aos comandos do direito, venda essa dirigida a indistintos potenciais compradores, em número avaliável pelas mais de duas centenas de doses apreendidas. Note-se, ainda, que a decisão não fornece qualquer espécie de sinal de consumo, por parte da arguida ou dos seus (...) (2).
E a rotina e permanência do 'negócio' pressupõe, de igual modo, a facilidade de a arguida obter, e salvaguardar, o seu próprio abastecimento, garantindo autonomia na sua fase de intervenção.

Conclui-se, pois, que não merece censura a qualificação jurídico-penal acolhida na decisão, reportada ao crime matricial de tráfico de estupefacientes.

4. A moldura legal do crime tipificado no art.º 21.º, n.º 1., do Dec. Lei n.º 15/93 é de 4 a 12 anos de prisão.
E a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, atendendo-se a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele. (n.ºs 1. e 2., do art.º 71.º, do Código Penal)

Sintetizando o que vem sublinhado na decisão sob recurso, a arguida agiu com dolo directo, intenso. Não tem antecedentes criminais. É casada e tem duas filhas, ainda jovens, a seu cargo. Antes de presa, vendia peixe na praça da Damaia, onde tem duas bancas e explorava uma 'tasca' no Bairro 6 de Maio. Não sabe ler nem escrever.

Porém, o ter-se dito, antes, que a situação não suportava um juízo de ilicitude consideravelmente diminuída, não afasta a consideração de que a ilicitude se apresenta, no caso, relativamente diminuída.
[e a circunstância de as drogas e apetrechos de manuseamento se encontrarem espalhados pelas várias divisões da casa - e de todos 'beneficiarem' dos resultados da actividade - não exclui que a arguida tenha chamado a si responsabilidades não exclusivamente suas]

O Instituto de Reinserção Social conclui que se está 'perante uma mulher que, apesar da sua iliteracia, detém capacidades de raciocínio e organização em torno das quais estruturou a dinâmica familiar e o exercício de uma profissão, ainda que com algumas características ínsitas aos padrões sócio-culturais do país de origem '.

Tudo ponderado, e relevando a importância da reintegração do agente na sociedade (3), afigura-se que, sem postergar as exigências de protecção dos bens jurídicos postos em causa, é adequado punir a conduta da arguida com a pena de quatro anos de prisão, pena que, por outro lado, também não ultrapassa a medida da sua culpa.

4.1 A recorrente pedia, ainda, a suspensão de execução da pena. Mas, perante a medida da pena agora aplicada, está liminarmente afastada tal pretensão, por força do disposto no art.º 50.º, do Código Penal.
5. Nos termos antes expostos, e dando parcial provimento ao recurso, acorda-se em fixar em quatro anos de prisão a pena imposta à arguida AA.
Taxa de justiça : quatro UCs.

Lisboa, 8 de Março de 2006

Soreto de Barros (relator)

Armindo Monteiro

Sousa Fonte

Oliveira Mendes

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(1) Relator, Conselheiro Henriques Gaspar.
(2) (...) A sua teleologia última apresenta-se vocacionada para se aplicar a situações que estejam num ponto intermédio entre o tráfico e o tráfico-consumo, concebido para alargar a paleta das hipóteses colocadas à disposição do julgador para vivências pluriformes. ' (Ac. STJ de 04.12.02, citando ac. de 7.12.99 - P.º n.º 955/99; ac. de 7.07.99 - P.º n.º418/99; acs., º n.º 269/99 e n.º 1665/2000; de 10.05.00 - p.º n.º 59/00, e de 31.05.00 - p.º n.º 186/00, no BMJ n.º 497/pp. 144 e 167, respectivamente; de 27.09.00 - P.º n.º 1651/2000, de 15.10.00 - P.º n.º 2737/2000, de 25.10.00 - P.º n.º 2542/2000, de 14.02.01 - P.º n.º 4120/2000; e de 3.10.01 - P.º n.º 2446/01)
(3) Que é o outro vector das finalidades da aplicação da pena - art.º 40.º, do Código Penal.