Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 6.ª SECÇÃO | ||
Relator: | RICARDO COSTA | ||
Descritores: | INSOLVÊNCIA ADMISSIBILIDADE DE RECURSO VALOR DA CAUSA REJEIÇÃO DE RECURSO CONSTITUCIONALIDADE | ||
Data do Acordão: | 04/27/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA (COMÉRCIO) | ||
Decisão: | NÃO CONHECIMENTO DO OBJECTO DO RECURSO. | ||
Sumário : | O art. 14.º, n.º 1, do CIRE estabelece um regime atípico e restrito de revista para o STJ, que, na apreciação da respectiva admissibilidade, não prescinde da verificação dos pressupostos gerais de recorribilidade das decisões judiciais, desde logo os que respeitam ao valor da causa em face da alçada da Relação (arts. 629.º, n.º 1, do CPC, 17.º, n.º 1, do CIRE); sendo inferior ao da alçada da Relação o valor fixado no despacho saneador (art. 306.º, n.os 1 e 2, do CPC), constitutivo de caso julgado formal (art. 620.º, n.º 1, do CPC) por falta de impugnação tempestiva em recurso próprio (art. 644.º, n.º 1, al. a), do CPC), não pode ser manifestamente admitida e conhecida a revista. | ||
Decisão Texto Integral: | Processo n.º 1315/21.0T8VCT-A.G1.S1 Tribunal recorrido: Relação de Guimarães, 1.ª Secção Acordam em conferência na 6.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça I) RELATÓRIO 1. Foi proferida, em 18/3/2019, pelo Juiz 2 do Juízo de Competência Genérica ..., sentença de declaração de insolvência de AA e cônjuge BB. 2. Foi proferida nos autos, em 13/7/2020, sentença de homologação de plano de insolvência dos requeridos devedores, transitada em julgado. 3. Em 5/1/2021 foi declarado encerrado o processo de insolvência n.º 808/18.0T8VLN. 4. A credora «Caixa de Crédito Agrícola Mútuo ..., CRL» requereu a insolvência de AA e BB por incumprimento desse plano de insolvência homologado por sentença proferida no processo n.º 808/18.0T8VLN, entretanto declarado encerrado, referente a consolidação de créditos com venda de todos os imóveis garantidos por hipoteca a seu favor, alegando ser credora, nomeadamente, dos montantes de € 691.490,89 e € 81.958,36, acrescidos de juros de mora. Os Requeridos deduziram Oposição, pugnando pela improcedência do pedido de insolvência. A Requerente apresentou Resposta, no exercício do contraditório, nela incluindo a questão prévia do alegado “conflito de interesses” do respectivo mandatário e a matéria de excepção de inexistência do crédito alegada pelos Requeridos. 5. Realizou-se audiência de discussão e julgamento (8/6/2021), onde foi proferido despacho saneador, com definição do objecto do litígio e dos temas da prova, tendo sido então fixado à acção o valor de € 5.000,01 (nos termos dos arts. 15º e 301º do CIRE). 6. Foi proferida sentença em 9/6/2021 pelo Juízo de Comércio ..., em que se decidiu declarar insolventes os Requeridos. 7. Inconformados, os Requeridos interpuseram recurso de apelação para o Tribunal da Relação do Porto (TRP), que conduziu a ser proferido acórdão em 21/10/2021, no qual se julgou improcedente a nulidade da sentença recorrida, alegada nos termos do art. 615º, 1, d), do CPC, assim como a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, e, quanto ao exercício abusivo de direito, à bondade da declaração de insolvência e à condenação em litigância de má fé, julgaram-se igualmente improcedentes. 8. Inconformados com a decisão em 2.º grau, os Requeridos interpuseram recurso de revista para o STJ estribado no art. 14º, 1, do CIRE, visando a revogação do acórdão recorrido e devolução dos autos à Relação para efeitos de reapreciação da decisão sobre a matéria de facto impugnada, e alegando para o efeito oposição de julgados com o Ac. do STJ de 11/2/2016, processo n.º 907/13.5TBPTG.E1.S1 (juntando depois nos autos a correspondente certidão). A credora Requerente e Recorrida apresentou contra-alegações, pugnando pela inadmissibilidade (em geral e em especial) da revista e, caso assim não se entenda, a sua improcedência. 9. Foi proferido despacho no âmbito e para os efeitos previstos no art. 655º, 1, ex vi art. 679º, do CPC. Tal mereceu pronúncia dos Requeridos, que alegaram erro na fixação do valor da causa e invocaram o direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva para sustentarem a admissão do recurso. Dispensados os vistos legais, cumpre apreciar e decidir em conferência, enfrentando como questão prévia a admissibilidade do recurso. II) APRECIAÇÃO DO RECURSO E FUNDAMENTOS
Questão prévia da admissibilidade do recurso 13. Esta aplicação do regime legal não está de todo ferida pelo alegado desrespeito do art. 20º da CRP. Na verdade, a inadmissibilidade do recurso por efeito da opção legal de condicionar as pretensões recursivas em razão do valor da alçada dos tribunais não representa ablação ou diminuição das garantias de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva, nos termos consagrados no artigo 20.º da CRP. E, ademais, não afecta, como regra, o princípio da igualdade constitucionalmente consagrado, mesmo na regulamentação de processos como o da insolvência, com princípios e interesses de tutela específica. Como tem sido acentuado na jurisprudência do TC e deste STJ, é consensualmente aceite que o legislador tem um amplo poder de conformação na concreta modelação processual, neste caso aplicado à disciplina recursiva para o STJ, desde que não se estabeleçam mecanismos arbitrários ou desproporcionados de compressão ou negação do direito à prática dos actos predispostos à impugnação recursiva. No caso dos autos, finalizado com a rejeição de recurso assim sancionada por lei pela não verificação dos requisitos gerais de admissibilidade da revista, não se configura uma situação de negação de acesso à justiça que afronte os princípios basilares de um Estado de Direito (particularmente o de «respeito e garantia de efectivação dos direitos e liberdades fundamentais», tal como, desde logo, prescrito no art. 2º da CRP), uma vez que cabe ao julgador rejeitar o conhecimento do objecto do recurso de revista através da sindicação preliminar do art. 629º, 1, do CPC, sem que dessa aplicação, antecipadamente conhecida e vigente, resulte um arbítrio intolerável e um afastamento casuístico que afrontaria a equidade e a efectividade da tutela jurisdicional.
III) DECISÃO Pelo exposto, acorda-se em não tomar conhecimento do objecto do recurso, atenta a sua manifesta inadmissibilidade.
STJ/Lisboa, 27 de Abril de 2022
Ricardo Costa (Relator) António Barateiro Martins Luís Espírito Santo
SUMÁRIO DO RELATOR (arts. 663º, 7, 679º, CPC).
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