Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
565/10.9TBPVL.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: SALAZAR CASANOVA
Descritores: DANO BIOLÓGICO
DANOS PATRIMONIAIS
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
PERDA DA CAPACIDADE DE GANHO
INCAPACIDADE PERMANENTE ABSOLUTA
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 03/21/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA EM PARTE
Área Temática:
DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO.
Doutrina:
- Álvaro Dias, Dano Corporal. Quadro Epistemológico e Aspetos Ressarcitórios, Almedina, 2001, pp. 133, 272.
- Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Almedina, Vol. I, 10.ª edição, p. 912.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 494.º, 496.º, 564.º, N.º 2.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 19-5-2009 E DE 14-6-2009, P. 298/06 E P. 630-A/1996
-DE 27-10-2009, PROC. N.º 560/09;
-DE 20-5-2010, PROC. N.º 103/2002;
-DE 23-11-2010, PROC. N.º 456/06;
-DE 14-6-2011, PROC. N.º 643/04;
-DE 13-9-2011, PROC. N.º 2494/05;
-DE 30-6-2011 E 10-11-2011, PROC. N.º 1103/08 E N.º 1152/05.
Sumário :
I - O dano biológico, dano corporal lesivo da saúde, está na origem de outros danos (danos-consequência) designadamente aqueles que se traduzem na perda total ou parcial da capacidade de trabalho.

II - Constitui dano patrimonial a perda de capacidade de trabalho permanente geral de 15 pontos que impõe ao lesado esforços acrescidos no desempenho da sua profissão a justificar, nos termos do art. 564.º, n.º 2 do CC, indemnização correspondente ao acrescido custo do trabalho que o lesado doravante tem de suportar para desempenhar as suas funções laborais.

III - Este dano é distinto do dano não patrimonial (art. 496.º do CC) que se reconduz à dor, ao desgosto, ao sofrimento de uma pessoa que se sente diminuída fisicamente para toda a vida.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

1. AA propôs ação declarativa com processo ordinário  contra a Companhia de Seguros BB, S.A.  pedindo a sua condenação  no pagamento de 188.561,47€ acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação até integral pagamento, valor dos prejuízos emergentes de acidente de viação ocorrido no dia 10-3-2009 causado por veículo segurado na ré que embateu com a sua frente na retaguarda do veículo do autor quando este se encontrava parado numa fila de trânsito.

2. O A., nascido em …,  reclamou o pagamento das seguintes quantias considerando que apresenta uma incapacidade permanente para o trabalho de 15% tendo 48 anos de idade à data do acidente:

a) 75.000€ a título de danos não patrimoniais [ a sentença condenou em 40.000€]

b) 100.000€ pela incapacidade parcial e permanente para o trabalho e dano biológico [ a sentença condenou em 30.000€ com juros]

c) 2.881,26€  correspondente à diferença entre o  que, como trabalhador dependente, o réu recebeu e aquilo que deveria ter recebido [ a sentença condenou no valor reclamado de 2.881,26€]

d) 9.500,00€  correspondente à diferença entre o que, como trabalhador independente, o réu recebeu e aquilo que deveria ter recebido [ a sentença condenou na quantia que se vier a liquidar]

e) 830,21€ de despesas médicas e tratamentos [ a sentença condenou em 398,48€]

f) 350,00€ em deslocações para tratamentos de fisioterapia [ não foi proferida condenação]

Total: 188.561.47€ [ total de condenação líquida: 73.3270,74€]

Foi proferida sentença  que condenou a ré nos seguintes termos:

a)            Condeno a ré no pagamento ao autor AA da quantia de 70.000€, sendo 40.000 a título de danos não patrimoniais e 30.000 a título de danos patrimoniais futuros, acrescida do valor correspondente aos juros moratórios, à taxa de 4%, a partir da presente data e até efetivo e integral pagamento.

b)           Condeno a ré no pagamento ao autor AA da quantia de 3.270,74€, quantia essa acrescida do valor correspondente aos juros moratórios, à taxa de 4%, desde a data da citação e até efetivo e integral pagamento.

c)            Condeno a ré no pagamento ao autor AA da quantia que se vier a liquidar relativamente aos rendimentos provenientes do trabalho independente por aquele deixados de auferir, até ao montante máximo de 9.500€, quantia esta acrescida de juros de mora, a calcular desde a data da decisão do incidente de liquidação, à taxa de 4%.

d)           Absolvo a ré do remanescente do pedido contra ela formulado pelo autor.

e)           Condeno autor e ré no pagamento das custas do pedido, provisoriamente na proporção do respetivo decaimento em função da indemnização já liquidada, deixando o respetivo rateio para a ulterior liquidação.

3. A. e ré interpuseram recurso per saltum para o Supremo Tribunal de Justiça.

4. Conclui o A. a minuta de recurso nos seguintes termos:

1. Os montantes fixados para ressarcir o dano patrimonial futuro e o dano não patrimonial são escassos, como a seguir se demonstra.

2. Para o cômputo do dano patrimonial futuro além da idade do recorrente (47 anos) , da esperança de vida (70 anos) , dos 15 pontos de incapacidade com esforços acrescidos  com tendência a agravamento , duma taxa de juro remuneratória de 2% do montante da sua remuneração ilíquida mensal como trabalhador dependente (1288,50€ x 14 anos) deve também ser considerada , apenas para cálculo dessa indemnização, uma quantia, como trabalhador único independente, nunca inferior a 8750,00€ já que foi apurada nesta atividade  um rendimento anual  de 35.000€ sendo que 50% correspondem a custo de matéria prima. Assim, afigura-se-nos adequada para ressarcimento do dano futuro patrimonial uma quantia nunca inferior a 75.000€.

3. Quanto ao dano não patrimonial é patente que o traumatismo na coluna constitui um processo doloroso, constante e com agravamento ao longo da vida e largamente limitativo a nível familiar, de lazer e desportivos.

O tempo de doença com impossibilidade para o trabalho e de condução automóvel cerca de 7 meses - a intervenção cirúrgica, o internamento hospitalar, os tratamentos de fisioterapia efetuados (20)  e os que deverá fazer ao longo da vida, o ter andado 6 meses com colar cervical, tudo lhe causou dor e abalo psíquico.

E os 15 pontos de incapacidade com esforços acrescidos que se agravarão com o decurso do tempo.

Assim, afigura-se-nos adequada para ressarcimento deste dano uma quantia nunca inferior a 60.000€.

4. Foram violados os artigos 562.º, 564.º,n.º1 e 566.º,n.º2 do Código Civil.

5. Conclui a ré a sua minuta de recurso nos  termos que se sintetizam:

1. Não sendo imprescindível que o lesado passe a auferir um salário inferior em consequência da incapacidade sofrida para que o dano biológico seja indemnizado como dano patrimonial é necessário e bastante que tal incapacidade 'constitua uma substancial restrição às possibilidades/oportunidades profissionais à sua disposição, constituindo, assim, fonte atual de lucros cessantes.

2. Na hipótese em apreço, porém, tais esforços apenas se traduzirão numa maior penosidade  - a ser ressarcida exclusivamente ao nível do dano não patrimonial - na medida em que, para além de nenhuma diminuição salarial se ter verificado, antes pelo contrário, já que segundo as declarações de IRS juntas , o recorrido em 2009 ganhou mais do que em 2008 e em 2010 ainda mais do que em 2009.

3. Não há, portanto, motivos para se concluir pela previsibilidade de uma 'substancial restrição às possibilidades /oportunidades profissionais à sua disposição' em função das ditas sequelas.

4. Ademais os mesmos danos não podem ser duplamente ressarcidos  desde logo por respeito ao princípio do indemnizatório.

5. Na sentença atribui-se a quantia de 30.000€ para indemnizar os danos patrimoniais sofridos com o acidente dos autos e 40.000€ para compensação dos danos não patrimoniais

6. Ora da leitura da sentença em crise parece resultar que no cerne de ambas as indemnizações se encontra precisamente aquela incapacidade permanente geral de 15 pontos da qual resultam esforços acrescidos  e uma maior penosidade na realização  de determinadas tarefas.

7. Como é consabido, a fixação do montante destinado a compensar um dano não patrimonial depende da formulação de juízos de equidade que se balizarão, no caso concreto, pelos incómodos, dores, esforços suplementares  que aquela incapacidade determina para o lesado. Contudo a fixação  do montante destinado a ressarcir danos patrimoniais encontrar-se-á através da teoria da diferença, isto é, com o objetivo preciso de reconstituir  a situação económica  em que o lesado estaria se não tivesse ocorrido o facto ilícito gerador de responsabilidade civil; o dano patrimonial medir-se-á pela diferença entre a situação real atual do lesado e a situação (hipotética) em que ele se encontraria se não fosse o facto lesivo.

8. Tal como refere, e bem, a sentença " apenas o prejuízo funcional que implique uma perda de capacidade de ganho - ainda que meramente previsível - corresponderá a um dano patrimonial , esse sim avaliável em função da remuneração auferida pelo lesado, sendo, portanto, necessário que se autonomize em termos médico-legais"

9. Em suma, o que se pretende explanar é que, no caso concreto, será apenas necessário aferir se há efetivamente ( ou presumivelmente) um dano patrimonial traduzido na perda de capacidade de ganho ou, pelo contrário, se a incapacidade apenas se reflete num emprego de maiores esforços para a realização das mesmas tarefas, alheio, ainda, à natural perda de capacidade resultante da idade.

10. No caso, face às mencionadas declarações de IRS, há que assumir que não há, em concreto, qualquer diminuição do estatuto remuneratório profissional do recorrido lesado.

11. Note-se, por fim, que os esforços acrescidos e a maior penosidade na realização  das suas tarefas profissionais  foram já tidos, nos termos da sentença em crise, para fixação do montante compensatório dos danos não patrimoniais.

12. Em suma, o dano sofrido pelo autor derivado daquela IPG deve ser avaliado e reparado  na única vertente de dano não patrimonial, mantendo-se a sentença em crise no que àquele montante diz respeito e alterando-se no sentido  de não ser arbitrada qualquer quantia a título de danos patrimoniais, porque inexistentes.

Finaliza a ré seguradora a minuta de recurso salientando o seguinte:

I- Deverá o recurso interposto pela Companhia de Seguros BB, S.A. ser declarado procedente e, em conformidade, ser a sentença em crise revogada no que à indemnização de danos patrimoniais (futuros) diz respeito, não sendo arbitrado qualquer montante a este título.

II- Deverá o recurso interposto por BB ser declarado improcedente e, em conformidade, ser a sentença em crise mantida no que respeita aos danos não patrimoniais e revogada no sentido supra explanado.

Os recorrentes consideram que foram violados os artigos 562.º, 564.º e 566.º,n.º2 do Código Civil

6. Factos provados:

a) No dia 10 de março de 2009, cerca das 10:00 horas, no Lugar do ... nesta comarca, ocorreu um acidente de viação. (nº 1 da matéria de facto assente).

b)           Foram intervenientes o A. que conduzia o veículo ligeiro de passageiros ..., sua propriedade, no sentido Póvoa de Lanhoso – ... e o veículo ligeiro de passageiros -UH, propriedade de CC e que era conduzido por DD no mesmo sentido mas à retaguarda do A. (nº 2 da matéria de facto assente).

c)            Quer o A. quer o veículo UH seguiam integrados numa extensa fila de veículos. (nº 3 da matéria de facto assente).

d)           Cerca do local do acidente por razões que se ignoram os veículos que seguiam à frente do A. pararam súbita e inesperadamente. (nº 4 da matéria de facto assente).

e)           O A. conduzia com atenção e cuidado com os veículos que seguiam à sua frente. (nº 5 da matéria de facto assente).

f)            Parou distanciado cerca de ½ metro do veículo que seguia à sua frente. (nº 6 da matéria de facto assente).

g)            Porém, a condutora do UH que circulava distraída dado não prestar atenção à sua condução e ao trânsito, embateu violentamente com a frente na retaguarda do veículo do A. (nº 7 da matéria de facto assente).

h) A condutora do -UH circulava por ordem, no interesse e ao serviço do seu proprietário. (nº 8 da matéria de facto assente).

i) O A. nasceu em …. (nº 9 da matéria de facto assente).

j) O demandante padece de uma incapacidade permanente geral de 15 pontos com esforços acrescidos. (nº 12 da matéria de facto assente).

l) Em consequência do embate, o autor:

1             - sofreu traumatismo da cervical com afetação de C6 e C7 e várias escoriações pelo corpo, tendo sido tratado no Hospital de São Marcos de Braga, onde lhe foi aplicado um colar cervical;

2             - esteve internado no Hospital Privado da Boavista no Porto durante 4 dias;

3             - foi submetido a uma intervenção cirúrgica à coluna;

4             - foi submetido a 20 tratamentos de fisioterapia;

5             - andou com um colar cervical rígido cerca de 6 meses;

6             - esteve doente com total impossibilidade para o trabalho e para conduzir automóvel até 23 de outubro de 2009. (resposta ao nº 1 da B.I.).

m) O acidente, mormente o susto e os factos referidos em l), causou ao autor dores e abalo psíquico. (resposta ao nº 2 da B.I.).

n) O Autor era saudável, e auferia:

-              como profissional de seguros a remuneração ilíquida mensal de 1.071,68€, sendo 843,84€ de salário base e 227,84€ de prémio de antiguidade, e recebe ainda a quantia mensal de 27,82€, de prémio de produtividade, e 9€, de subsídio de alimentação diário;

-              enquanto único trabalhador independente na 1impressão e venda de brindes publicitários auferia um lucro não concretamente apurado, sendo, porém, o rendimento global de 35.000€, em que 50% corresponde ao custo da matéria prima. (resposta ao nº 3 da B.I.).

o) Na ocasião do acidente o A. praticava na seguradora, um horário de 5 horas. (resposta ao nº 4 da B.I.).

p) Em despesas médicas, medicamentos, tratamentos e similares despendeu o A. 389,48€. (resposta ao nº 10 da B.I.).

q) Teor da apólice junto aos autos  (nº 10 da matéria de facto assente).

r) A demandada pagou ao demandante, a título de adiantamentos devidos por salários, pelo menos, a quantia de 4.176,00€.- (nº 11 da matéria de facto assente).

s) Em ordenados como trabalhador dependente – atividade de seguros – a ré entregou ao A. 5.750,95€. (resposta ao nº 8 da B.I.).

t) Relativamente à atividade independente a ré entregou ao A. 2.415,00€. (resposta ao nº 9 da B.I.).

Apreciando

7. A primeira questão a apreciar consiste em saber se deve ser indemnizada autonomamente, como dano patrimonial, a incapacidade permanente geral (IPG), total ou parcial, para o trabalho - no caso, fixada em 15% - ou se, pelo contrário, uma tal incapacidade, quando traduzida apenas na maior penosidade para o trabalho por não haver perda de rendimentos, deve integrar uma das circunstâncias a ponderar para efeito de indemnização por danos morais.

8. As consequências práticas são relevantes: no caso, o Tribunal fixou por essa IPG a indemnização de 30.000€ e pelos danos morais a indemnização de 40.000€.

9. Assim, se considerarmos que essa IPG não deve ter nenhuma expressão enquanto dano patrimonial, a ré não terá de pagar a quantia de 30.000€ e, no que respeita aos danos morais fixados em 40.000€, importaria considerar tão somente a relevância indemnizatória dessa penosidade acrescida enquanto circunstância justificativa a ter em atenção conforme prescreve o artigo 494.º conjugado com o artigo 496.º do Código Civil.

10. Essa acrescida penosidade pode nem sequer ocorrer, quando da lesão decorre apenas perda de oportunidade de trabalho, caso em que a fixação da indemnização pode reconduzir-se àquilo que tem vindo a ser designado de perda de chance.

11. No caso vertente, o que está afinal em causa é saber se o facto de uma pessoa que foi vítima de um sinistro que lhe causou uma IPG pode, por tal motivo, pedir uma indemnização a título de dano patrimonial apesar de não ter sofrido nenhuma alteração, por tal motivo, dos seus ganhos laborais.

12. Ninguém põe em causa que essa incapacidade - provado está que o demandante padece de uma incapacidade permanente geral de 15 pontos com esforços acrescidos -  constitui um prejuízo e, como tal, tem de ser ressarcido;  também não há dúvida de que o lesado já não pode ser restituído à condição anterior ao sinistro quando não estava afetado de nenhuma incapacidade.

13. Trata-se de uma incapacidade geral que não impede o exercício da atividade profissional do autor, que é profissional de seguros, mas impõe-lhe esforços acrescidos.

14. A ofensa à integridade física constitui dano biológico, aspeto que parece não resolver a questão a decidir, porque, sendo o dano biológico um dano real ou dano-evento - e como refere Álvaro Dias " ao contrário do chamado dano biológico, que é um dano base ou dano central, um verdadeiro dano primário, sempre presente em casos de lesão de integridade físico-psíquica, e sempre lesivo do bem saúde, o dano patrimonial  é um dano sucessivo ou ulterior e eventual" (Dano Corporal. Quadro Epistemológico e Aspetos Ressarcitórios, Almedina, 2001, pág. 272) -  o que importa considerar e qualificar é esse dano sucessivo ou eventual, dano-consequência,  que é o dano que resultou da lesão física e que se traduz na mencionada incapacidade permanente geral; veja-se o Ac. do S.T.J. de 23-11-2010, rel. Hélder Roque, P. 456/06) , qualificando já de dano patrimonial o dano corporal que determinou redução da capacidade laboral, ou seja, considerando que o dano biológico deve ser reparado e, eventualmente, também o deve ser o dano patrimonial da redução da capacidade laboral, caso se demonstre a existência e nexo de causalidade com o dano biológico.

15. Significa isto que se pode verificar a ocorrência de uma lesão física que não implique perda de capacidade profissional ( v.g. um ferimento no corpo que deixou cicatriz não impede o juiz de exercer a sua atividade)  assim como se pode conceber uma lesão física ( dano-base) que não cause nenhum acréscimo, para o lesado, de esforço na atividade profissional que ele exerce (v.g. o ligeiro coxear não implica, para o pianista, nenhum esforço acrescido). No entanto este último exemplo já evidencia que essa lesão decorrente do acidente implica necessariamente uma incapacidade ou diminuição de capacidade para o exercício de outras atividades profissionais.

16. Precisamente por isso é que Álvaro Dias salienta que " se revelam profundamente incorretas , por desadequadas, quaisquer tentativas de erigir o direito à saúde numa qualquer espécie de dano que houvesse de ser ressarcido como se de um apêndice ou de uma entidade indissociável da perda de capacidade de trabalho se tratasse. Parece claro que se uma qualquer lesão sofrida tem como consequência uma diminuição da capacidade de ganho, a valoração de tal incapacidade não pode pretender que a respetiva indemnização contenha em si ( o mais compreende o menos) a justa ponderação ressarcitória do dano à saúde. O estado de saúde normal é a premissa indispensável para uma capacidade produtiva normal"(loc. cit., pág. 133).

17. A perda de capacidade profissional da vítima do acidente constitui dano a indemnizar, podendo, no entanto, dar-se o caso de, por ser impreciso algum dos elementos que influem no cálculo, julgar o tribunal "segundo critérios de equidade, dentro dos limites provados (se os houver)" (Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Almedina, Vol I, 10.ª edição, pág. 912).

18. Assim, no caso vertente, não pode deixar de ser ressarcida a perda de capacidade profissional do autor considerando que a IPG é de 15% com esforços acrescidos.

19. A indemnização a este título impõe-se sempre, qualifique-se de dano patrimonial ou de dano não patrimonial: ver Ac. do S.T.J. de 20-5-2010, rel. Lopes do Rego, P. 103/2002.

20. Neste acórdão, depois de se manifestar concordância com o entendimento seguido no Ac. a seguir mencionado de 27-10-2009, salientou-se que é indiscutível que a perda genérica de potencialidades laborais e funcionais do lesado constitui seguramente um dano ressarcível, englobando-se as sequelas patrimoniais da lesão sofrida seguramente no domínio dos lucros cessantes, ressarcíveis através da aplicação da «teoria da diferença»; ou, não sendo perspetiváveis perdas patrimoniais próximas ou previsíveis, a penosidade acrescida no exercício das tarefas profissionais e do dia a dia constitui seguramente um dano não patrimonial que, pela sua gravidade, não poderá deixar de merecer a tutela do direito.

E sublinhou-se que embora tais sequelas incapacitantes não tenham um imediato reflexo no nível de remuneração auferida na concreta atividade profissional ( de gerente da sua própria microempresa) da lesada, elas poderão revelar-se plenamente se, porventura , esta, no decurso da vida profissional que lhe resta, quiser ou tiver de mudar de atividade […] é indiscutível que o lesado vê diminuída a amplitude de escolha, o leque das atividades laborais que pode perspetivar exercer ainda no futuro, ficando necessariamente condicionado e «acantonado» no exercício de atividades menos exigentes – o que naturalmente limita de forma relevante as suas potencialidades no mercado do trabalho ( facto particularmente atendível numa organização económica que crescentemente apela à precariedade e à necessidade de mudança e reconversão na profissão exercida, a todo o momento suscetível de mutação ao longo da vida do trabalhador).

E, sintetizando, nele se referiu que a perda relevante de capacidades funcionais – embora não imediatamente refletida nos rendimentos salariais auferidos na profissão exercida – constitui uma verdadeira «capitis deminutio» do lesado num mercado laboral em permanente mutação e turbulência, condicionando-lhe, de forma relevante e substancial, as possibilidades de mudança ou reconversão de emprego e o leque de oportunidades profissionais à sua disposição, constituindo, deste modo, fonte atual de possíveis e futuros lucros cessantes, a compensar como verdadeiros danos patrimoniais .

21. Tal dano foi qualificado de dano patrimonial em diversos arestos. Assim sucedeu em situações similares em que se reconheceu perda de capacidade profissional pela verificação de uma IPG, mas sem perda de remuneração  porque o lesado era já reformado (Ac. do S.T.J. de 19-5-2009 e de 14-6-2009 rel. Fonseca Ramos, P. 298/06 e P. 630-A/1996). No Ac. do S.T.J. de 27-10-2009, rel. Sebastião Póvoas, P. 560/09 admite-se que o mero agravamento psicossomático pode constituir dano moral ou patrimonial em função das circunstâncias do caso, considerando verificada a vertente patrimonial.

22. A jurisprudência vem afirmando a ressarcibilidade da perda de capacidade profissional quando não se verifica alteração da remuneração  qualificando-a de dano patrimonial.

23. A perda de capacidade profissional é consequência normal de um sinistro que implique lesões físicas ou psíquicas e, por isso, compreende-se que tal perda seja configurada como dano biológico e não vista como o dano consequência do dano base que é o dano biológico.  Claro que isto não significa, como salientou o mencionado autor,  que o dano saúde se reconduza apenas à perda de capacidade profissional.

24. A perda de capacidade profissional pode implicar uma perda para toda e qualquer atividade profissional ou apenas para algumas atividades profissionais, incluída ou não a que em concreto seja desempenhada por determinado lesado.

25. Uma tal perda implica quase sempre uma penosidade acrescida na realização do trabalho em função do grau de incapacidade fixado, mas isso pode não suceder. Pensemos, por exemplo, na cicatriz que deformou o rosto da atriz que, apesar de poder desempenhar a sua atividade, vê as suas oportunidades profissionais necessariamente reduzidas. Não há aqui um problema de penosidade no seu desempenho profissional, mas a efetiva limitação que decorre de só lhe poderem ser doravante proporcionadas determinadas interpretações.

26. Afigura-se-nos, por isso, que uma lesão, ainda que não implique nenhum grau de incapacidade, ainda assim pode ser causa de um previsível dano patrimonial futuro dada a perda da possibilidade de auferir ganhos. Este prejuízo neste e noutros casos similares tem a sua origem imediata no dano base ou dano biológico.

27. As coisas não deixam de ser assim quando não se trata já da perda de capacidade profissional para o exercício da efetiva atividade desempenhada pelo lesado, ou seja, quando se trata de perspetivar essa perda tendo em vista outras atividades. Sucede, porém, que nestes casos interfere no juízo de previsibilidade uma ponderação de causalidade. Aquela deformação que, para a atriz, será sem dúvida causa de perda patrimonial previsível na atividade que exerce, já não justifica indemnização patrimonial a favor da mulher que nunca exerceu tal profissão nem está em condições de a exercer. Da lesão resultará, sem dúvida, um direito à indemnização por danos morais, mas não por danos patrimoniais pelo menos com base no assinalado motivo.

28. Saber se está em causa apenas uma perda de capacidades para o exercício de futuras e diversas atividades suscetíveis de serem exercidas pelo lesado ou se, independentemente da existência de um qualquer grau de incapacidade, da lesão resulta previsivelmente   perda de oportunidades profissionais, saber se a perda de capacidades implica penosidade para o desempenho de qualquer atividade ou apenas de algumas, estamos sempre em todas essas situações a ponderar perdas patrimoniais futuras, relevando a diferença concreta de tais situações para a fixação equitativa do montante de indemnização que, por conseguinte, não deixa de ressarcir um dano futuro previsível à luz do artigo 564.º/2 do Código Civil.

29. Quando resulta da lesão uma perda de capacidade profissional, total ou num determinado grau, esta sempre a implicar necessária penosidade, se a perda abrange toda e qualquer atividade - incapacidade geral - não há dúvida quanto à ressarcibilidade patrimonial; de igual modo se a perda abrange a atividade exercida; se essa perda implica apenas penosidade para certas atividades, mais uma vez se nos depara a questão de saber se  a indemnização deve ser fixada considerada a perda de possibilidade ou oportunidade profissional ou , pelo contrário, não deve ser atribuída. Cremos que em tal caso uma não atribuição, a título de dano patrimonial,  só se justifica em circunstâncias muito particulares, designadamente quando a atividade inviabilizada ou dificultada seja uma atividade que o lesado à luz do critério legal da previsibilidade ( artigo 564.º/2 do Código Civil) não iria exercer. Nestes casos, a indemnização seria devida a título de dano moral.

30. Crê-se, porém, que numa grande maioria de casos, como aquele que está aqui em causa, em que se verifica perda de capacidade profissional para o desempenho da atividade que o lesado está a exercer, implicando tal perda penosidade acrescida para o exercício da atividade do lesado, evidencia-se desde logo um efetivo dano patrimonial como tem sido decidido por este Tribunal.

31. A natureza patrimonial do dano parece evidente se pensarmos em casos, iguais ou similares ao presente em que o autor aufere retribuição laboral que não foi alterada por causa do acidente, em que um lesado passou a sofrer uma incapacidade física (incapacidade permanente) que o leva a realizar com maior esforço uma determinada tarefa no mesmo período de tempo;  isso significa que, sem esse esforço acrescido, ele realizaria a tarefa em tempo superior. O custo da sua capacidade produtiva não é menor, no primeiro caso, porque esse esforço suplementar é realizado. Ora esse esforço, se não houvesse diminuição física, não seria necessário:  tal esforço corresponde a uma perda patrimonial real posto que não nominal.

32. Para evidenciar a existência de uma perda patrimonial veja-se que, se o trabalhador realizar a tarefa em tempo acrescido, mantendo a mesma remuneração, o custo de produção do fator trabalho é superior e, nesse caso, a não haver redução da retribuição, o custo derivado desse acréscimo de tempo na prestação laboral seria suportado pela entidade empregadora.

33. Não sendo aceitável que recaia sobre esta entidade um tal custo, afigura-se que ele não pode deixar de ser suportado por quem lhe deu causa -  não o lesado, mas o autor da lesão -  que tem de custear o agravamento do esforço do trabalhador que se impõe para que este continue a realizar a sua tarefa com produtividade igual à que se verificava antes do acidente.

34. Não sofrendo uma redução retributiva, o trabalhador tem, no entanto, uma redução real porque a penosidade do trabalho é maior e, por conseguinte,  o trabalhador tem de trabalhar mais - e trabalhar com mais esforço é trabalhar mais -  para receber o mesmo.

35. No que respeita à questão da duplicação de indemnização, atente-se que a indemnização a atribuir a título de danos morais não é a indemnização devida pelo custo do esforço que se impõe ao lesado para manter o mesmo nível de remuneração; a indemnização que o lesado tem direito a título de danos morais é a que resulta do desgosto, da dor, do desespero em que uma pessoa se vê por estar para sempre diminuída fisicamente, suportando dores e incómodos com lesões que permanecem e que a usura do tempo tende a agravar (artigo 496.º do Código Civil).

36. O autor considera que a indemnização a título de danos patrimoniais deve corresponder a 75.000€ considerando que é de 70 anos de idade a esperança de vida ativa e que não pode deixar de ser valorizado o que aufere como trabalhador independente, devendo, quanto aos rendimentos de 35.000€ da sua atividade independente, metade dos quais consumidos em matéria prima, contabilizar-se, para efeito de indemnização, pelo menos a quantia de 8.750,00€ anuais a somar aos 1.288.50€ de vencimento ilíquido, ou seja, um rendimento bruto anual de 24.212,00€

37. Ora, considerando tais valores mas estimando-se o rendimento sobrante, não em 50% mas em 25% porque outras despesas, para além do pagamento de matérias primas não podem deixar de ser consideradas e a atividade era, por natureza, de ganhos incertos e irregulares, tem-se por ajustada a quantia de 60.000€ (sessenta mil euros) correspondente a um rendimento bruto anual de 17.575€ (dezassete mil quinhentos e setenta e cinco euros) acompanhando-se jurisprudência mais recente deste Tribunal: Ac. do S.T.J. de 14-6-2011, rel. Ernesto Calejo, rev. n.º 643/04, Ac. do S.T.J. de 13-9-2011, rel. Paulo de Sá, rev. n.º 2494/05,  Ac. do S.T.J. de 30-6-2011 e 10-11-2011, rel. Serra Batista, revistas n.º 1103/08 e  n.º 1152/05.

38. No que respeita a danos não patrimoniais a indemnização fixada afigura-se equitativa ponderadas as razões mencionadas na sentença com as quais estamos de acordo e que se compaginam com a jurisprudência deste Tribunal , não se justificando o aumento pretendido pelo autor.

Concluindo:

I- O dano biológico, dano corporal lesivo da saúde, está na origem de outros danos (danos-consequência) designadamente aqueles que se traduzem na perda total ou parcial da capacidade de trabalho.

II-  Constitui dano patrimonial a perda de capacidade de trabalho permanente geral de 15 pontos que impõe ao lesado esforços acrescidos no desempenho da sua profissão a justificar, nos termos do artigo 564.º/2 do Código Civil, indemnização correspondente ao acrescido custo do trabalho que o lesado doravante tem de suportar para desempenhar as suas funções laborais.

III- Este dano é distinto do dano não patrimonial (artigo 496.º do Código Civil) que se reconduz à dor, ao desgosto, ao sofrimento de uma pessoa que se sente diminuída fisicamente para toda a vida.

Decisão: concede-se revista parcial ao autor, condenando-se a ré no pagamento ao autor 100.000€, sendo 60.000€ a título de danos patrimoniais e 40.000€ a título de danos não patrimoniais em tudo o mais se confirmando a sentença recorrida, negando-se a revista da ré.

Custas por A. e ré na medida do respetivo decaimento  

Lisboa, 21 de Março de 2013

Salazar Casanova (Relator)

Fernandes do Vale

Marques Pereira