Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
427/11.2TBCNT.C1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: ABRANTES GERALDES
Descritores: CONTRATO DE SEGURO
DECLARAÇÕES DO SEGURADO
OMISSÃO
DOENÇA INCAPACITANTE
FACTOS ESSENCIAIS
FACTOS COMPLEMENTARES
Data do Acordão: 02/11/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO COMERCIAL - CONTRATOS COMERCIAIS / CONTRATO DE SEGURO.
DIREITO DOS SEGUROS - CONTRATO DE SEGURO / FORMAÇÃO DO CONTRATO / DEVERES DE INFORMAÇÃO DO SEGURADOR - SEGURO DE PESSOAS / SEGURO DE VIDA / RISCO.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS.
Doutrina:
- José Vasques, Contrato de Seguro, pp. 223-225.
Legislação Nacional:
CÓDIGO COMERCIAL (CCOM): - ARTIGO 429.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 5.º.
DEC. LEI N.º 72/08, DE 16-4: - ARTIGOS 24.º, 25.º, 26.º, 177.º, 178.º E 188.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 17-11-05, CJSTJ, TOMO III, P. 120;
-DE 4-3-04, CJSTJ, TOMO I, P. 102, DE 17-11-05, CJSTJ, TOMO III, P. 120, E DE 24-2-08, CJSTJ, TOMO I, P. 116;
-DE 11-7-06, CJSTJ, TOMO I, P. 151;
-DE 27-5-08, CJSTJ, TOMO II, P. 81;
-DE 2-12-08, CJSTJ, TOMO III, P. 158;
-DE 8-6-10, EM WWW.DGSI.PT ;
-DE 9-9-10, EM WWW.DGSI.PT ;
-DE 6-12-12, EM WWW.DGSI.PT
-DE 2-12-13, WWW.DGSI.PT ;
-DE 27-3-14, WWW.DGSI.PT .
Sumário :
1. Constitui uma defesa por excepção a alegação por parte da seguradora de que a segurada, na ocasião em que subscreveu a proposta de adesão a um contrato de seguro de grupo do Ramo-Vida, omitiu a existência de uma doença de natureza incapacitante (espondilite anquilosante) que veio a ser posteriormente invocada pela segurada como sinistro.

2. Essa defesa por excepção – que, na ocasião, se reconduzia à invalidade do contrato nos termos do art. 429º do Cód. Com - não se confunde com outra excepção, integrada por outros factos essenciais, correspondentes à inexactidão de informações sobre o estado de saúde da segurada, factos que deveriam ter sido alegados também na contestação para serem sujeitos ao contraditório, antes de serem recolhidos para a decisão sobre a matéria de facto.

3. Sendo tais factos essenciais, e não meramente complementares dos que foram alegados na contestação, não podiam ser considerados pelo tribunal de 1ª instância aquando da prolação da sentença, tal como não podem ser considerados pela Relação em sede de apreciação da impugnação da decisão da matéria de facto.

4. Fundando a seguradora a invalidade do contrato unicamente na omissão por parte da segurada de que sofria de uma doença incapacitante (espondilite anquilosante) na data em que aderiu ao contrato de seguro de grupo do Ramo-Vida, não é suficiente para a exonerar da responsabilidade a prova de que, nessa ocasião, a segurada sofria de “lombalgia de ritmo mecânico”.

Decisão Texto Integral:

I - AA intentou a presente acção com processo ordinário contra Comp. de Seguros BB, S.A., pedindo o reconhecimento do grau de incapacidade permanente de que está afectada, igual ou superior a 2/3, e a condenação da R. a pagar à beneficiária do seguro, a CGD, S.A., o capital seguro à data da propositura da acção, deduzindo as prestações bancárias pagas a partir de tal data até ao trânsito em julgado da sentença condenatória, e a pagar à A. as prestações bancárias que esta, por sua vez, tivesse de pagar entre a data da propositura da acção até ao trânsito em julgado da sentença condenatória. Pediu, além disso, juros legais desde a citação até integral pagamento.

Em síntese, alegou que lhe foi concedido, a si e ao seu marido, um crédito à habitação, por 30 anos, na quantia de € 75.000,00 pela CGD, em Dezembro de 2002, constituindo hipoteca sobre um prédio urbano como garantia do aludido empréstimo bancário. A C.G.D. subordinou a concessão do crédito à prévia contratação de um seguro de vida junto da R. – actuando aquela como mediadora desta – destinado a garantir o pagamento do valor em dívida, em cada anuidade, caso ocorresse um imprevisto que pusesse em causa a capacidade financeira dos mutuários-segurados. Nesse sentido e sem que a Ré houvesse submetido a aprovação do seguro à realização de quaisquer exames médicos, subscreveu a A. o boletim de adesão ao seguro de vida, no qual figurou como beneficiária-tomadora do seguro a C.G.D, iniciando o contrato a produção dos respectivos efeitos em 30-1-03, garantindo a A. o pagamento máximo em dívida, em cada anuidade, à beneficiária, C.G.D., em caso de morte ou de invalidez total e permanente por doença ou acidente ocorrido à(s) pessoa(s) segura(s).

Nos anos que se seguiram foram diagnosticadas à A. diversas patologias com a fixação de um diagnóstico de espondilose anquilosante, do que resultou dependência em relação a terceiros e a fixação de um grau de incapacidade definitiva de 80%, ficando impedida de exercer a sua profissão ou qualquer outra em que seja necessário movimentar-se ou fazer esforços moderados ou graves.

Contestou a R. alegando que a A. não prestou declarações verdadeiras sobre o seu estado de saúde na data em que foi outorgado o contrato de seguro, determinando erro da R. Concretamente a A., no questionário sobre o seu estado de saúde, declarou não ter antecedentes de reumatismo, gota e espondilose, sendo que sabia que não dizia a verdade, o que levou a que a R. negociasse sob erro sobre o risco, pois que se conhecesse a pré-existência da doença ou a probabilidade de ela se manifestar em plenitude com base em sintomas, não aceitaria o contrato nos termos em que o aceitou.

Após julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção procedente, reconhecendo à A. o grau de incapacidade permanente de 71,27% e condenando a R. a pagar à CGD o capital seguro à data da propositura da presente causa, deduzindo as prestações bancárias que a A. tenha pago a partir de tal data, até ao trânsito em julgado da presente sentença, e a pagar à A. as prestações bancárias que esta mesma demandante tenha pago entre a data da propositura da presente causa até ao trânsito em julgado desta sentença

A R. apelou e a Relação confirmou a sentença, salvo na parte em que a R. foi condenada como litigante de má fé.

A R. interpôs recurso de revista - que foi admitido como revista excepcional - em que no essencial se insurge contra o facto de a Relação não ter reapreciado a impugnação da decisão da matéria de facto relativamente aos pontos.

Considera a recorrente ainda que a mera existência da doença que veio a ser declarada, ainda que fosse desconhecida da A., acarretava a ausência de risco e, assim, a nulidade do contrato de seguro, por falta de objecto, nos termos do art. 280º do CC.

Não houve contra-alegações.

Cumpre decidir.


II - Matéria de facto:

1. Antes de proceder à reapreciação do acórdão recorrido, na parte em que procedeu à aplicação do direito, importa verificar se e em que medida merece acolhimento a revista na parte em que é questionada a decisão da Relação sobre a impugnação da decisão da matéria de facto.


2. A R. insurge-se contra o acórdão da Relação por considerar que não existia motivo para rejeitar a reapreciação da decisão da matéria de facto com os fundamentos invocados pela Relação, ou seja, com o argumento de que os factos que a R. pretendia que fossem considerados provados não foram sequer alegados.

Advoga a R. que na sua contestação alegou os factos essenciais à exoneração da sua responsabilidade, devendo ser considerados pelas instâncias outros factos que têm natureza complementar ou concretizadora daqueles.


2.1. Vejamos:

A A. alegou na petição inicia o seu historial clínico, com apontamento das doenças que “nos últimos anos” lhe foram diagnosticadas. Alegou ainda o que ficou a constar do ponto 1º da base instrutória, ou seja, que:

A R. não exigiu a realização de exames médicos para emitir o documento escrito referido em E) (apólice de seguro).

Este facto obteve resposta positiva.

Na contestação, a R. Seguradora alegou, além do mais, que a “A., quando efectuou o seguro, tinha já a doença ou doenças que agora invoca, pelo menos embrionariamente, e não declarou estas patologias à R. na efectivação do seguro” (arts. 7º e 8º).

Isto é, a R. alegou a omissão por parte da A. de que padecia e conhecia as doenças que efectivamente vieram a determinar a situação de incapacidade em que agora se encontra, tendo sonegado à R. tal informação de que veio a tomar conhecimento apenas quando foi confrontada com a reclamação do capital na sequência do sinistro, ou seja, na sequência do diagnóstico da doença e da fixação da incapacidade.

Tal matéria foi condensada no ponto 9º da base instrutória com a seguinte redacção:

Aquando da subscrição do contrato de seguro a demandante sabia que padecia das doenças aludidas em 12 a 17 da matéria assente?”.

Quanto a este ponto a Relação considerou provado apenas que:

Aos 22 anos a A. iniciou lombalgia de ritmo mecânico que evoluiu para ritmo inflamatório com atingimento da coluna dorso-lombar”.

No recurso de apelação a R. concluiu que deveria ser dada ao ponto 1º a seguinte resposta:

A R. não exigiu a realização de exames médicos para emitir a apólice de seguro porque as respostas ao questionário dadas pela autora/segurada, não indiciavam qualquer sintoma de doença que requeresse exames complementares ou pedidos de informações aos médicos assistentes da A.”.

Sobre a matéria do ponto 9º a R. aceita que não se provou o alegado conhecimento por parte da A. de que já sofria das doenças em causa. Todavia, a R. pretendia que a Relação considerasse provado que:

A A. sabia ou tinha obrigação de saber que tinha dores na coluna e nas costas, que recorreu a médicos desde os 16 anos, segundo uma informação médica, e, desde os 22, com lombalgia de ritmo mecânico que evoluiu para ritmo inflamatório, com atingimento da coluna dorso-lombar, segundo outra; como se provou que sabia ou devia saber que andava em consultas externas nos HUC, onde foi diagnosticada a espondilite anquilosante 4 meses após a resposta ao questionário; como se provou que sabia ter uma doença de genética hereditária no sangue de nome talassemia minor (que não tem relação com espondilite anquilosante que lhe veio a ser diagnosticada), que também não declarou nas respostas ao questionário”.

Relativamente a esta pretensão, a Relação concluiu que a matéria que a R. pretendia que fosse considerada provada extravasava o âmbito dos factos controvertidos que integravam a base instrutória, não sendo viável a sua inserção em sede de impugnação da decisão da matéria de facto.

É contra esta posição que a R. se rebela, alegando que não existiam motivos formais para rejeitar as respostas pretendidas a tais pontos de facto.


2.2. A Seguradora, nos contactos mantidos antes de ser interposta desta acção, afastou a sua responsabilidade, mas apenas por não reconhecer à A. uma situação de invalidez qualificável para efeitos do presente contrato de seguro.

Já na acção veio alegar ainda, como único facto impeditivo do direito invocado pela A., a falsidade das declarações sobre dados relevantes acerca das doenças de que padecia na data em que subscreveu a proposta de adesão ao contrato de seguro. E alegou ainda que se acaso a A. tivesse sido verdadeira na sua declaração teria a possibilidade de recusar a outorga do contrato. Mais concretamente a R. alegou que a “A., quando efectuou o seguro, tinha já a doença ou doenças que agora invoca, pelo menos embrionariamente, e não declarou estas patologias à R. na efectivação do seguro” (arts. 7º e 8º).

Isto é, para afastar a sua responsabilidade, a R. alegou a omissão por parte da A. de que padecia e conhecia as doenças que efectivamente vieram a determinar a situação de incapacidade em que agora se encontra, tendo-lhe sido sonegado essa informação. Ou seja, para sustentar a invalidade do contrato, como facto impeditivo, e a exoneração da sua responsabilidade, a R. apostou unicamente na omissão por parte da A. de que, sendo conhecedora da sua doença incapacitante, a omitiu na ocasião em que subscreveu a proposta de celebração do contrato de seguro.


2.3. Nestas circunstâncias, a matéria que a R. pretende que a Relação deveria considerar provada extravasa o âmbito do que por si foi alegado e que corresponderia a outra defesa que não foi apresentada quando para tal teve oportunidade.

A R. não alegou, como poderia ter alegado, em função dos elementos de que já dispunha e dos factos que haviam sido arrolados na petição inicial, que, com relevo para efeitos de aplicação do disposto no art. 429º do Cód. Com., a A. omitira informações que poderiam ser importantes para a aceitação da proposta contratual ou para a sujeição da A. a exames médicos complementares capazes de influir na assunção dos riscos cobertos pelo contrato de seguro.

Não se trata de uma pura questão formal. Tendo a R. na sua posse, naquela ocasião, toda a documentação clínica referente ao estado de saúde da A. e à sua evolução, para se defender desse modo poderia (ou deveria, na perspectiva do ónus de alegação que sobre si recaía) ter alegado os factos que, na sua perspectiva, eram importantes para decidir sobre a aceitação ou não do contrato de seguro. Mais concretamente, deveria ter alegado que a A. omitira ou falseara outras informações relevantes para a assunção do risco, ocultando a sintomatologia que já apresentava e que, apesar de não ser exclusiva da doença incapacitante que lhe veio a ser diagnosticada (espondilite anquilosante), poderia motivar a submissão da A. a exames complementares, antes da assunção do risco pela R.

Foi esta a defesa que, por exemplo, foi adoptada no caso que foi apreciado no Ac. do STJ, de 4.3.03, CJSTJ, tomo I, pág. 102, e que permitiu concluir caber à seguradora o ónus de prova de que o segurado “tinha conhecimento da doença que o vitimou ou de que exarou declarações falsas ou reticentes de factos ou circunstâncias dele conhecidas susceptíveis de influir na formação do contrato e suas condições, enquanto relacionadas com a avaliação do risco a assumir”.

A distinção foi bem acentuada no Ac. do STJ, de 17-11-05, CJSTJ, tomo III, pág. 120, onde se refere que o art. 429º do Cód. Com., reporta-se a duas situações distintas, ou seja, contempla, por um lado, aquelas situações referentes a declarações ou informações inexactas de factos ou circunstâncias conhecidos pelo segurado e, por outro, aquelas situações de reticência.


2.4. Segundo o art. 5º do actual CPC, que entrou em vigor depois da instauração da presente acção, o ónus de alegação das partes deve revelar-se fundamentalmente através da alegação dos factos essenciais que constituem a causa de pedir ou em que se baseiam as excepções invocadas.

Tal preceito não encontrava total equivalência no CPC de 1961, na sua versão final, cujo art. 264º determinava que a decisão apenas poderia fundar-se nos factos alegados pelas partes. E embora se admitisse que pudessem ser considerados ainda os factos complementares, quanto a estes exigia-se a iniciativa da parte no que concerne à sua recolha, na medida em que resultassem da discussão da causa.

Esta condição deixou de constar do referido art. 5º do NCPC que apenas exige que os factos sejam complemento ou concretização dos alegados pelas partes, desde que sobre os mesmos as partes tenham tido a oportunidade de se pronunciar.

Defendendo a R. a exoneração da sua responsabilidade já não com base na omissão da doença incapacitante – que, como decorre da matéria de facto provada, apenas foi diagnosticada à A. depois do contrato de seguro – mas com base na omissão de informações genéricas sobre o seu estado de saúde, era mister que tal defesa tivesse sido integrada na contestação, confrontando a A. com esse facto impeditivo e conferindo-lhe a possibilidade de sobre a mesma se pronunciar.

Na verdade, a invocação da invalidade do contrato de seguro fundada na omissão de uma declaração a respeito de uma determinada doença causal do sinistro que já era do conhecimento da segurada não encontra correspondência com a invocação da mesma invalidade sustentada em declarações reticentes ou inexactas sobre o estado de saúde em geral da segurada.

A primeira alegação foi feita mas, como decorre da decisão da matéria de facto, a mesma não se provou. Isto é, não se apurou que a A. soubesse, na ocasião em que subscreveu a proposta de adesão, que padecia das doenças que alguns meses depois lhe foi diagnosticada e que foi a causa principal da situação de incapacidade.

Neste contexto, os factos que a R. pretende que sejam considerados pela Relação em resposta aos pontos 1º a 9º não são meramente concretizadores ou complementares de outros factos alegados, antes traduzem uma outra realidade que apontava para o conhecimento e omissão por parte da A. de um sintoma genérico correspondente a dores lombares que tanto poderiam ser sinal da referida doença como de outra qualquer maleita.

Essa defesa era indispensável para que a correspondente matéria de facto pudesse ser submetida ao contraditório e, uma vez integrada na base instrutória (ou nos termas da prova), pudesse ser objecto de pronúncia por parte do tribunal de 1ª instância no final da audiência de julgamento.


2.5. Por conseguinte, improcede a revista na parte em que questiona o acórdão da Relação sobre a impugnação da decisão da matéria de facto, a qual se enuncia:


1. Por escritura pública datada de 30-12-02, designada de “Mútuo com Hipoteca”, ..., em representação da CGD, S.A., identificada como “Primeira Outorgante”, e CC e mulher, AA, ora A., identificados como “Segundos Outorgantes”, acordaram nos seguintes termos:

“(…) a Caixa Geral de Depósitos, S.A., adiante designada apenas por “Caixa” ou “credora”, concede aos segundos outorgantes (adiante designados por “parte devedora”), um empréstimo da quantia de setenta e cinco mil euros, importância de que estes se confessam, desde já, solidariamente devedores.

Tal empréstimo reger-se-á pelas cláusulas constantes da presente escritura bem como pelas cláusulas constantes de um documento complementar elaborado nos termos do número 2 do art. 64º do Cód. do Notariado.

Em garantia:

a) Do capital emprestado, no referido montante de setenta e cinco mil euros;

b) Dos respectivos juros até à taxa anual de nove vírgula quinhentos e quarenta e quatro por cento, acrescida, em caso de mora, de uma sobretaxa até quatro por cento, ano, a título de cláusula penal, (…)

a parte devedora constitui hipoteca sobre o prédio sito em Cabeças – Poente, freguesia de Febres, concelho de Cantanhede, terreno destinado a construção urbana, com a área de duzentos e sessenta metros quadrados, descrito na CRP de Cantanhede sob o número quinhentos e sessenta e cinco barra zero quatro oito, oitenta e sete, da referida freguesia de Febres, e omisso na matriz predial respectiva (…)» (doc. fls. 16 a 19);

2. A A., identificada como “Pessoa a Segurar”, subscreveu um documento escrito epigrafado de “Ramo Vida Grupo – Boletim de Adesão”, datado de 4-12-02, onde, designadamente, se lê:

«Modalidade de Seguro a Contratar (…) Caixa Seguro Vida – protecção Mais (sem período de carência, de acordo com o especificado em nota informativa anexa), Apólice 5 001 500 (RVC) (…)

Pessoa a segurar (…) AA (…)

Tomador do Seguro/Beneficiário: “Caixa Geral de Depósitos, S.A.” – Avenida João XXI, 63-1000 Lisboa.

Seguro a contratar (…) Obrigatório.

Valor Seguro (Valor do empréstimo concedido): € 75.000.

Duração do Contrato/Empréstimo: Nº anos: 30.

Forma de Pagamento: Mensal. (…)

Tem tido baixa prolongada por doença? Não. (…)

O seu estado de saúde actual é perfeito? Sim.

Toma algum medicamento regularmente? Não. (…)

Antecedentes pessoais. (…) Reumatismo, gota, espondilose? Não. (…)» (doc. fls. 20 e 60);

3. Aquando da subscrição do doc. referido em 2., a A. recebeu um documento escrito epigrafado de “Seguro de Vida Crédito Habitação Clientes – Nota Informativa”, onde, designadamente, se lê:

«(…) O Seguro de Vida destina-se a garantir aos clientes da “Caixa Geral de Depósitos, S.A.”, mutuários de um crédito à habitação em qualquer um dos regimes existentes para este fim, o pagamento da sua dívida  caso ocorra algum imprevisto que ponha em causa a sua capacidade financeira. (…) “Protecção Mais” – Apólice 5.001.500.

Especialmente concebida para garantir toda a segurança, desde a data de adesão ao seguro, através das seguintes garantias: (…)

– invalidez total e permanente por doença (grau ≥ 2/3). (…)

Definições: (…) Invalidez total e permanente por doença (grau ≥ 2/3).

Entende-se por “invalidez total e permanente por doença” o estado que incapacite a pessoa segura, completa e definitivamente, de exercer a sua profissão ou qualquer outra actividade remunerada ou compatível com os seus conhecimentos e aptidões.

(…) Riscos Excluídos: (…)

Os riscos de invalidez (…) não se encontram cobertos quando devidos a: (…) g) qualquer incapacidade ou doença de que a pessoa segura seja portadora à data da sua inclusão no seguro, a não ser que o contrário seja estabelecido em documento fazendo parte do contrato» (doc. fls. 21);

4. Aquando da subscrição do documento referido em 2., a A. recebeu um documento escrito epigrafado de “Ramo Vida/Seguro de Grupo/Cobertura Complementar de Invalidez Total e Permanente por Doença – Tipo B – Condições Especiais”, onde, designadamente, se lê:

«Artigo 1º

- Garantia relativamente a cada pessoa segura: a seguradora garante, em caso de invalidez total e permanente em consequência de doença, o pagamento do capital desta cobertura complementar, de valor indicado nas Condições Particulares.

Artigo 2º

- Definições:

Doença – Entende-se por “doença” toda a alteração involuntária do estado de saúde da pessoa segura não causada por acidente e susceptível de constatação médica objectiva.

Invalidez Total e Permanente – Entende-se por “invalidez total e permanente” o estado que incapacite a pessoa segura, completa e definitivamente, de exercer a sua profissão ou qualquer outra actividade remunerada compatível com os seus conhecimentos e aptidões.


Para que seja considerada essa invalidez terão de verificar-se simultaneamente as seguintes condições:

1. Persistência da incapacidade total para o trabalho durante um período não inferior a seis meses sem interrupção; este período será alargado para dois anos nos casos de alienação mental ou perturbações psíquicas;

2. Ser clinicamente constatada, com fundamento em elementos objectivos, por um médico da seguradora, não sendo possível esperar qualquer melhoria do estado de saúde da pessoa segura;

3. Perda definitiva da capacidade de ganho superior a 2/3;

4 Corresponder a um grau de desvalorização igual ou superior a 2/3, de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidade por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, não entrando para o seu cálculo quaisquer defeitos físicos pré-existentes;

5. Ser reconhecida previamente pela Instituição de Segurança Social pela qual a pessoa segura se encontra abrangida, pelo Tribunal de Trabalho ou por junta médica.

Artigo 3º

- Exclusões: (…)

A invalidez resultante de qualquer incapacidade ou doença de que a pessoa segura seja portadora à data da sua inclusão no seguro, não se encontra coberta, a não ser que o contrário seja estabelecido em documento fazendo parte do contrato.

Artigo 4º

- Extinção da cobertura: Esta cobertura complementar extinguir-se-á automaticamente para cada pessoa segura nos seguintes casos:

1. Quando a cobertura principal for anulada, reduzida ou resgatada. (…)» (doc. fls. 22);

5. A R. enviou à A., que o recebeu, um documento escrito intitulado de “Certificado de Seguro”, datado de 7-4-03, onde, designadamente, se lê:

«Pessoa Segura: AA. (…)

Beneficiários: (…) Em caso de vida: “Caixa Geral de Depósitos, S.A.”.

Data de Início: 30/01/2003.

Valor Seguro: € 75.000. Prazo: 30 anos.

Garantia: A “Companhia de Seguros BB S.A.” garante o pagamento do capital máximo em dívida em cada anuidade ao beneficiário em caso de: (…) Invalidez total e permanente por doença (…) ocorrida à pessoa segura» (doc. fls. 26);

6. A Presidente da Junta Médica na Sub-Região de Saúde de Coimbra, Drª ...., subscreveu o documento escrito intitulado de “Atestado médico de incapacidade – multiuso”, datado de 7-11-07, onde, designadamente, se lê:

«(…) atesta que AA (…) apresenta deficiências (…) que de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades, aprovada pelo Decreto-Lei nº 341/93, de 30 de Setembro, lhe conferem uma incapacidade permanente de 36%, susceptível de variações futuras (…)» (doc. fls. 47);

7. A A. enviou à R., que o recebeu, o documento escrito, datado de 7-12-07, epigrafado de “Ramo Vida-Relatório do médico assistente”, subscrito pelo médico do Serviço de Reumatologia dos Hospitais da Universidade de Coimbra, Dr. ..., onde, designadamente, se lê:

«Questionário para Avaliação da Incapacidade Permanente:

Nome da Pessoa Segura: AA.

(…)

Aos 22 anos iniciou lombalgia de ritmo mecânico que evoluiu para o ritmo inflamatório, com atingimento da coluna dorso-lombar, levando a claudicação e marcha com apoio de canadianas, progredindo para coxalgias acompanhadas de vários despertares nocturnos e uma rigidez;

(…) várias vindas aos serviços de urgência dos H.U.C.

O estado do(a) doente motiva uma invalidez absoluta (100%) e de carácter definitivo? Não.

É de percentagem inferior? Sim.

Qual? 80%.

É de carácter temporário? Não. (…) Encontra-se com invalidez pela Segurança Social desde Junho de 2007. (…)

Se a pessoa segura não pode exercer a sua profissão, quais são as possibilidades de exercer outra? E em que condições? Sim, em que não fosse necessário movimentar-se ou fazer esforços moderados ou graves» (doc. fls. 30 a 32);

8. Os médicos do Serviço de Reumatologia dos Hospitais da Universidade de Coimbra, Drª ... e Dr. ..., subscreveram um documento intitulado “Relatório Clínico”, datado de 14-2-08, onde, designadamente, se lê:

«Doente, sexo feminino, ... anos de idade, seguida na Consulta de Reumatologia desde 23/04/03, com os diagnósticos de espondilite anquilosante com atingimento axial e entesopático, síndrome do túnel cárpico bilateral e nefropatia I.G.A.. (…)

Esteve internada no Serviço de Reumatologia de 27/11/07 a 7/12/07, (…).

Teve alta, tendo o quadro sido interpretado como agravamento clínico da doença de base (espondilite anquilosante) (…)» (doc. fls. 29);

9. A R. enviou à A., que a recebeu, uma carta datada de 15-10-09, na mesma referindo, e além do mais, que:

«(…) Damos em nosso poder a correspondência enviada por V. Exa. a 04/09/09 (…) e passamos a responder.

Assim, e após ter sido reanalisada toda a documentação pela nossa assessoria médica, lamentamos informar que iremos manter a posição anteriormente comunicada, ou seja, recusa por não preencher os requisitos necessários para ser considerada uma invalidez total e permanente por doença, pois, conforme Condições Especiais – Artigo 2º, § 3 e 4.

Neste sentido, lamentamos informar que reiteramos a nossa decisão já comunicada a V. Exa. em 15 de Junho de 2009» (doc. fls. 41);

10. O médico do Serviço de Reumatologia dos Hospitais da Universidade de Coimbra, Dr. ..., subscreveu um documento intitulado “Relatório Clínico”, datado de 7-6-10, onde, designadamente, se lê:

«Doente de 45 anos de idade, seguida na Consulta Externa de Reumatologia desde 23/04/03, com os diagnósticos de:

Espondilite anquilosante (com envolvimento axial e entesopático), espondilartrose, fibromialgia, síndrome de túnel cárpico bilateral, neuropatia por I.G.A.. (…)

Assim, foi enviada para a Consulta da Dor que iniciou em 16/03/2009, onde se mantém. (…)

Mantém invalidez permanente que a incapacita, completa e definitivamente, de exercer a sua profissão ou qualquer outra actividade remunerada compatível com os seus conhecimentos e aptidões.

Mantém seguimento em Consulta Externa de Reumatologia» (doc. fls. 44);

11. A R. enviou ao ilustre causídico Dr. ..., com escritório em Cantanhede, que a recebeu, uma carta datada de 26-6-10, na mesma referindo, e além do mais, que:

«Damos em nosso poder carta de V. Ex.ª datada de 9 de Junho deste ano (…).

Em resposta à mesma vimos solicitar que nos seja enviado um atestado médico de incapacidade multiusos actualizado a comprovar que à D. AA foi atribuída uma incapacidade maior ou igual a 66,6% conforme estipulado nas condições da apólice (…)» (doc. fls. 42);

12. O médico do Serviço de Reumatologia dos HUC, Dr. ..., subscreveu um documento intitulado “Relatório Clínico”, datado de 6-8-10, onde, designadamente, se lê:

«Doente de 45 anos de idade, seguida na Consulta Externa de Reumatologia desde 23/04/03, com os diagnósticos de:

Espondilite anquilosante (com envolvimento axial e entesopático), espondilartrose, fibromialgia, síndrome de túnel cárpico bilateral, nefropatia por I.G.A.. (…)

Mantém invalidez permanente que a incapacita, completa e definitivamente, de exercer a sua profissão ou qualquer outra actividade remunerada compatível com os seus conhecimentos e aptidões.

Esta invalidez está justificada pela observação clínica e pelos exames complementares de diagnóstico, nomeadamente: T.A.C. da coluna lombar sagrada, cintigrama da actividade osteoarticular, avaliação da doença (B.A.S. D.A.I. ), que estão registados e arquivados no processo clínico da doente. (…)

Mantém seguimento em Consulta Externa de Reumatologia» (doc. fls. 45);

13. O médico do Centro de Saúde de Cantanhede, Dr. ...., subscreveu um documento intitulado de “Atestado de Doença”, datado de 22-9-10, onde, designadamente, se lê:

«AA (…) se encontra doente com carácter crónico e definitivo, tendo sofrido agravamento progressivo, com quadro de espondilite anquilosante.

Apresenta grande impotência funcional, marcha com apoio de canadianas, quadro este que interfere na sua vida diária normal.

Necessita, por esta razão, de apoio de terceira pessoa de forma definitiva e permanente» (doc. fls. 46);

14. A médica do Serviço de Neurologia dos HUC, Drª ..., subscreveu um documento intitulado “Relatório Clínico”, datado de 19-10-10, onde, designadamente, se lê:

«A doente, AA, (…) é seguida no Serviço de Neurocirurgia dos H.U.C. por queixas de dor relacionadas com patologia da coluna cérvico-dorso-lombar.

A doente sofre de espondilite anquilosante e a doença traduz-se, como aliás é habitual, por alterações generalizadas osteoarticulares a nível da coluna que condicionam marcada rigidez e um quadro associado de dor e marcada impotência para as actividades básicas do dia-a-dia, incluindo a própria marcha» (doc. fls. 40);

15. A R. enviou ao ilustre causídico Dr. ..., com escritório em Cantanhede, que a recebeu, uma carta datada de 28-1-11, na mesma referindo, e além do mais, que:

«Em resposta à sua carta de 13 de Agosto passado (…) informamos que (…) foi impossível determinar se tinha havido ou não um agravamento da situação clínica da pessoa segura, bem como determinar o grau incapacidade da mesma, pelo que enviámos uma carta em 23 de Outubro de 2010 ao tomador do seguro, “Caixa Geral de Depósitos, S.A.”, a solicitar novo atestado médico de incapacidade multiusos, junto da pessoa segura» (doc. fls. 43);

16. A R. não exigiu a realização de exames médicos para emitir o documento escrito referido em 5.;

17. Aos 22 anos a A. iniciou lombalgia de ritmo mecânico que evoluiu para ritmo inflamatório, com atingimento da coluna dorso-lombar (facto aditado pela Relação).

18. Aquando da subscrição do documento referido em 2., a A. padecia das doenças mencionadas em 8. e 14., embora as mesmas só lhe tenham sido diagnosticadas posteriormente àquela subscrição;

19. Se a R. conhecesse a existência das doenças aludidas em 8. e 14. não teria emitido o documento referido em 5.;

20. A espondilite anquilosante (doença inflamatória crónica com predilecção pelo esqueleto axial) de que a A. padece determina-lhe uma incapacidade permanente geral fixável em 71,27%, à luz da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho ou Doenças Profissionais, carecendo de continuar a ser medicada e eventualmente da ajuda de uma terceira pessoa para, respectivamente, controlar os sintomas da doença e auxiliar na realização de algumas tarefas quotidianas;

21. É previsível um agravamento do quadro clínico da demandante, que se traduzirá em um aumento do grau de incapacidade aludido em 20.;

22. A A. não juntou a parte posterior do documento referido em 2. porque, estando o mesmo em poder da R., esta não o entregou, invocando que aquele continha dados clínicos confidenciais.


III – O direito:

1. O presente litígio emerge de um contrato de seguro celebrado antes de da entrada em vigor do Dec. Lei nº 72/08, de 16-4, devendo ser apreciado em face da legislação que este diploma revogou, maxime a que se encontrava inserida no Cód. Comercial, no segmento que regulava o contrato de seguro, com destaque para o seu art. 429º.

Constituía entendimento generalizado que a anulabilidade (e não nulidade, como literalmente constava do art. 429º do Cód. Com.) do contrato de seguro, não se bastava com a verificação de uma qualquer inexactidão do segurado aquando da subscrição da proposta contratual. Era importante que se tratasse de inexactidão susceptível de influir na aceitação do contrato de seguro proposto à Seguradora ou nas respectivas condições.

Tal efeito encontrou eco em diversos acórdãos deste Supremo Tribunal de Justiça que se debruçaram, por exemplo, sobre situações as seguintes situações:

- Ac. do STJ, de 11-7-06, CJSTJ, tomo I, pág. 151: omissão do segurado de que sofria de angina de peito;

- Ac. do STJ, de 27-5-08, CJSTJ, tomo II, pág. 81: omissão do segurado de que sofria de hipertensão arterial;

- Ac. do STJ, de 2-12-08, CJSTJ, tomo III, pág. 158: omissão do segurado de que sofria da diabetes;

- Ac. do STJ, de 8-6-10, em www.dgsi.pt: malformação cardíaca congénita ainda que sem consciência da gravidade e o carácter incapacitante que dessa malformação poderia advir;

- Ac. do STJ, de 9-9-10, em www.dgsi.pt: padecimento de hemofilia;

- Ac. do STJ, de 2-12-13, www.dgsi.pt: doença do foro oncológico omitida num seguro de vida de grupo aberto;

- Ac. do STJ, 27-3-14, www.dgsi.pt: graves patologias cárdio-circulatórias que afectavam o tomador do seguro e tratamentos médico-cirúrgicos que as mesmas já haviam originado.

A jurisprudência em geral debruçou-se ainda sobre outros casos, como, por exemplo, a omissão, nos boletins de adesão a contrato de seguro de grupo do “Ramo Vida”, de que o aderente sofria de cirrose hepática, de que tinha sido submetido a intervenção cirúrgica de extirpação parcial do estômago ou de substituição da válvula aórtica.

Era correntemente assumido que recaía sobre a Seguradora o ónus da prova de um nexo de causalidade entre a inexactidão, omissão ou falsas declarações e a outorga do contrato. Neste sentido cfr. os Acs. do STJ, de 4-3-04, CJSTJ, tomo I, pág. 102, de 17-11-05, CJSTJ, tomo III, pág. 120, e de 24-2-08, CJSTJ, tomo I, pág. 116, segundo os quais cabia à Seguradora o ónus de prova de que o segurado, quando subscreveu a proposta de seguro e respondeu ao questionário clínico apresentado, tinha conhecimento de que padecia da doença que o vitimou ou que exarou declarações falsas ou reticentes de factos ou circunstâncias dele conhecidas, susceptíveis de influir na formação do contrato e suas condições, enquanto relacionadas com a avaliação do risco a assumir (cfr. ainda José Vasques, Contrato de Seguro, pág. 225).


2. No caso concreto apurou-se que aquando da subscrição de tal documento a A. padecia das doenças mencionadas nos documentos clínicos, ou seja, de:

- Espondilite anquilosante com atingimento axial e entesopático, síndrome do túnel cárpico bilateral e nefropatia I.G.A.

- A doente sofre de espondilite anquilosante e a doença traduz-se, como aliás é habitual, por alterações generalizadas osteoarticulares a nível da coluna que condicionam marcada rigidez e um quadro associado de dor e marcada impotência para as actividades básicas do dia-a-dia, incluindo a própria marcha.

Mas também se provou que tais doenças só foram diagnosticadas posteriormente àquela subscrição.

Aliás, os documentos clínicos sobre a evolução da doença revelam, no essencial, que as consultas de reumatologia associadas às doenças de que efectivamente padece e de que já padecia apenas se iniciaram em 23-4-2003, ou seja, depois do contrato de seguro.

Daqui resulta que não pode ser extraída a conclusão de que houve omissão dessa informação na data em que a A. subscreveu a proposta contratual e na qual declarou, além do mais, que:

- Tem tido baixa prolongada por doença? Não. (…)

- O seu estado de saúde actual é perfeito? Sim.

- Toma algum medicamento regularmente? Não. (…)

- Antecedentes pessoais. (…) Reumatismo, gota, espondilose? Não.

É verdade que relativamente ao seu estado de saúde em geral se apurou que aos 22 anos, a A. iniciou lombalgia de ritmo mecânico que evoluiu para ritmo inflamatório com atingimento da coluna dorso-lombar.

No entanto, de tal facto, em conjugação com o declarado na proposta contratual, não resulta a invalidade do contrato, sendo claramente insuficiente para afastar a responsabilidade da R. a prova de que antes da adesão ao contrato de seguro a A. apresentava uma lombalgia de ritmo mecânico – maleita que, como é do conhecimento geral, é comum a uma parte substancial das pessoas.

Ademais nem sequer se provou em que ocasião – se antes, se depois do contrato de seguro – essa lombalgia evoluiu para o ritmo inflamatório, vindo a desencadear posteriormente a espondilite anquilosante que veio a ser diagnosticada depois de ter sido celebrado o contrato.


3. Por outro lado, não foi nesta divergência que a R. sustentou a exclusão da sua responsabilidade, mas antes na negação da existência, na altura, da doença incapacitante de que já era portadora.

Mesmo que porventura se pudesse entender que a defesa da R. ainda se ancorava em tal divergência, o certo é que a vacuidade da pergunta referente ao estado de saúde (“O seu estado de saúde actual é perfeito? Sim) e o seu carácter manifestamente genérico inviabilizaria a extracção de qualquer consequência negativa para a A.

Na verdade, a fim de poder extrair de eventuais omissões ou inexactidões da segurada acerca do seu extado de saúde a exoneração da sua responsabilidade, com fundamento na invalidade do contrato, era mister que as questões que fossem colocadas fossem elas mesmas objectivas. Cumpria à R. confrontar a A., na ocasião da subscrição da proposta contratual, com questões concretas e não com questões de âmbito genérico como a referente à “perfeição” actual do seu estado de saúde, cuja interpretação e resposta jamais excluiria alguma dose de subjectividade insusceptível de sustentar a exclusão da garantia que a tomadora do seguro pretendeu contratar.

Além disso, a R. aceitou que a outras perguntas que constavam do mesmo questionário: “é portador de qualquer incapacidade ou defeito físico?” ou “teve ou tem qualquer doença?” não fosse dada sequer qualquer resposta, nem positiva, nem negativa.

Como já se disse no Ac. do STJ, de 6-12-12, em www.dgsi.pt, do mesmo relator,

“O contrato de seguro tem uma vertente fundamentalmente aleatória para o tomador do seguro e para o segurador, assim se justificando, respectivamente, a transferência e a assunção da responsabilidade mediante o compromisso do pagamento e recebimento de um prémio de seguro.

Naturalmente que na ocasião em que o contrato é celebrado é suposto que nem o segurador, nem o segurado tenham certezas quanto à ocorrência do sinistro, impondo-se ao segurado ou ao tomado do seguro que forneça ao segurador elementos relevantes e verdadeiros de que esta carece para a assunção e delimitação do risco.

Pode dizer-se também que no contrato de seguro existe uma certa assimetria informativa, embora seja mais difícil estabelecer qual a parte que se encontra em melhores condições, pois se é verdade que é o tomador do seguro que está a par das circunstâncias que existem na ocasião em que o contrato é celebrado e que está em directa conexão com os factos geradores do risco, é o segurador que domina aspectos de ordem técnica, designadamente de natureza estatística, elementos fundamentais para a circunscrição do risco assumido.

Por outro lado, sendo o segurador livre na aceitação e preenchimento do conteúdo do contrato, está nas suas mãos o uso de maior ou menor rigor na avaliação prévia da situação, suportando os custos inerentes em termos de estrutura e de encargos, com eventuais reflexos na ampliação ou redução da sua penetração no mercado de seguros, maxime quando, como ocorre com os seguros de vida afectos a contratos de mútuo hipotecário, se trata de contratos massificados.

Tomando como referência contratos de seguro do Ramo-Vida, maxime quando visem a transferência de responsabilidade referente ao pagamento de empréstimos bancários, entre as diligências que estão na livre disponibilidade do segurador conta-se a formulação de um questionário mais ou menos extenso, cujo conteúdo está na exclusiva disponibilidade do segurador, ao qual o tomador do seguro deve responder, habilitando a contraparte a aceitar, rejeitar ou modelar o contrato ou, porventura, fornecendo-lhe elementos susceptíveis de indiciarem a necessidade de serem efectuados exames médicos complementares, mais ou menos profundos”.

Por conseguinte, não encontra acolhimento a pretendida exoneração da responsabilidade da R.


4. Também não colhe a alegada nulidade do contrato de seguro por falta de objecto.

O sinistro que veio a revelar-se respeitava a uma doença que não tinha sido ainda diagnosticada à A. na ocasião em que o contrato foi celebrado.

Não encontra qualquer sustentação legal a alegação de que mesmo com desconhecimento dessa doença, era vedado à A. exigir da R. a sua responsabilidade como seguradora (cfr. José Vasques, Contrato de Seguro, págs, 223 e 224).

Em tal ocasião a R. tinha a possibilidade de sujeitar a A. a exames médicos que lhe permitissem aferir o risco cuja cobertura assegurava, não sendo legítimo invocar a posteriori o desconhecimento da doença incapacitante que ainda nem sequer tinha sido diagnosticada à A.

O que os autos revelam é que a R. agiu dentro da prática que é usual no ramo quando está em causa a outorga de contratos de seguro associados à concessão de empréstimos bancários, e que as entidades bancárias (com frequência integrando o mesmo grupo das seguradoras) se assumem efectivamente como intermediárias entre os segurados/mutuários e as seguradoras.

Por via daquela prática, com frequência se verifica que não existe sequer contacto entre os segurados e as respectivas seguradoras, funcionando as entidades bancárias, na prática, como angariadoras de seguros do Ramo Vida, que às seguradoras (que integram o mesmo Grupo) convém outorgar, sem excessiva preocupação pela sujeição dos segurados a exames médicos realizados por entidades designadas pelas próprias seguradoras.

Naturalmente que neste esquema fica seriamente prejudicada quer a prestação de informações aos segurados, quer a sujeição destes a exames médicos, sendo os contratos de seguro encarados como “produtos” “vendidos” em massa a clientes indiscriminados.

Nestas circunstâncias, e considerando o regime que vigorava à data da outorga do contrato de seguro (art. 429º do Cód. Com.), não é correcto que se encare com redobrada exigência o comportamento adoptado pelos segurados aquando da subscrição da proposta de adesão, contemporizando com a falta de diligência ou com a pura inacção das seguradoras traduzidas no diferimento da análise mais cuidada para a ocasião em que lhes é participado o sinistro, recebendo entretanto os prémios que lhe vão sendo pagos pelos segurados.

Foi, aliás, neste sentido que o sistema legal evoluiu formalmente, como o demonstra a regulamentação da fase preparatória do contrato de seguro do ramo vida que decorre designadamente dos arts. 24º, 25º, 26º, 177º, 178º e 188º do Dec. Lei nº 72/08, de 16-4.


IV – Face ao exposto, acorda-se em julgar improcedente a revista, confirmando o acórdão recorrido.

Custas da revista a cargo da R.

Notifique.

Lisboa, 11-2-16


Abrantes Geraldes

Tomé Gomes

Maria da Graça Trigo