Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
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| Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
| Relator: | GIL ROQUE | ||
| Descritores: | INVENTÁRIO INTERPRETAÇÃO DO TESTAMENTO | ||
| Nº do Documento: | SJ2007032200862 | ||
| Data do Acordão: | 03/22/2007 | ||
| Votação: | MAIORIA COM * VOT VENC | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REVISTA | ||
| Decisão: | NEGADA | ||
| Sumário : | 1. A interpretação dos testamentos deve fazer-se pelo apuramento da vontade real e contemporânea do testador, usando para essa averiguação simultaneamente o contexto do testamento e a prova complementar ou extrínseca que puder reunir-se, fixando-se por esse modo e com esses materiais, aquilo que efectivamente estava no pensamento do testador. 2.A interpretação da vontade da testadora, seja levada a efeito apenas pelo contexto do testamento, seja por esse contexto e por factos adjuvantes, através do recurso à prova complementar, cabe às instâncias, sendo por isso, matéria alheia à competência do Supremo Tribunal de Justiça. Já assim era, mesmo na vigência do Código Civil de Seabra de 1867, conforme Assento do STJ, de 19.10.1954, que fixou doutrina nesse sentido. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I-RELATÓRIO: 1 - No 4° Juízo Cível do Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia correm uns autos de inventário instaurado em 2002.05.06, por óbito de AA, em que desempenhou as funções de cabeça de casal, BB. Prestadas declarações pela cabeça de casal foi apresentada a relação de bens. Notificados os interessados da relação de bens, veio o CC acusar a falta de relacionamento de bens de entre eles" a quantia de 10.600.000$00 que a inventariada recebeu de tornas na partilha a que se procedeu por óbito de seu marido, DD" e ” objectos em ouro” . Notificada a cabeça de casal da invocada falta de bens na relação, nos termos e para os efeitos do disposto no artº 1349° nº1 do CPC, esta nada disse, razão pela qual se deram por confessados os factos alegados no incidente deduzido e, ao abrigo do disposto no art.º 1349º, n.º 2 do CPC, foi julgado procedente o incidente deduzido e, em consequência, determinou-se a notificação da cabeça de casal para aditar à relação de bens a quantia em dinheiro e os objectos em ouro que haviam sido considerados em falta. Após recusa inicial da cabeça de casal em relacionar os bens em referência, esta, apresentou relação de bens adicional, mas apesar disso surgiu nova reclamação do mesmo interessado pela falta de notificação de alguns dos interessados da referida omissão do relacionamento que foi indeferida por a questão se mostrar ultrapassada com a relação de bens adicional. Na sequência da tramitação processual efectuou-se a conferência de interessados, onde foram manifestadas as discordâncias de alguns interessados quanto à relação de bens adicional que ficaram a constar da acta. Manteve-se a relação de bens adicional, tendo sido interposto recurso de agravo pelos interessados EE, FF, GG e HH, desse despacho. Dada a forma à partilha e elaborado o respectivo mapa informativo, dele reclamaram os interessados BB e outros, reclamações que foram indeferidas. Seguiu-se a organização do mapa da partilha que foi homologada por sentença. 2 – Inconformados com a partilha espelhada no mapa, recorreram da sentença que a homologou, os interessados II, BB, EE, FF e HH, sustentando em síntese que: O interessado JJ sustenta que deve ser revogada a sentença homologatória da partilha e ser elaborado novo Mapa de Partilha que tenha em consideração o valor do usufruto da verba de €52.872,58 (10.600.000$00), a imputar na quota disponível da apelada cabeça de casal. Os interessados, BB, EE, FF, GG e HH, sustentam que: - tendo havido divergência sobre a existência, identificação e localização da quantia reclamada - e não tendo tal divergência sido posta a discussão e deliberação da conferência de interessados, esse bem terá de considerar-se litigioso; - o prédio da verba nº 9, em que licitou, em conjunto com a irmã HH, deverá ser-lhe adjudicado, em compropriedade e na proporção de metade indivisa e em usufruto, sobre a metade indivisa, licitada pela irmã, o que é diferente do que consta do respectivo mapa de partilha; - a esses bens deverão, contra o teor do mapa elaborado, ser atribuídos os valores de € 88.798,495 (direito de compropriedade, 1/2) e de € 35.519,39 (usufruto sobre metade de nua - propriedade), com obrigação de reposição, em tornas, no valor de € 38.063,26, e, contra o que consta do mapa elaborado, pelo que deverá ser atribuído ao quinhão da interessada HH o valor global de € 56.583,627, correspondendo € 3.304,53 a 1/16 de verba n° 1 (dinheiro) e € 53.279,097 (nua - propriedade, na proporção de 1/2), com obrigação de reposição de tornas, no valor de € 36.525,279, pelo que o mapa de partilha está inquinado de erro de cálculo e erro na qualificação dos direitos atribuídos, não respeitando a forma à partilha dada. - Nos recursos de agravo dos despachos de fls. 542/543 e 574 e do despacho de fls.566 os recorrentes invocam a nulidade dos despachos recorridos – o de fls.574, que se pronunciou sobre o requerido sob o n.º2 a fls.528 e o de fls.574, que se pronunciou sobre o requerido a fls. 564/565 - por omissão de pronúncia, ou que tais despachos violaram o art.º 673.º do CPC, “ alcance do caso julgado" e a alínea b) do nº 3 do artº 1353º do CPC ; - Nas apelações: o interessado JJ, entende que na quota disponível da inventariada deixada por testamento à inventariante BB – tinha de ser imputado o usufruto sobre a verba de € 52.872,58 (10.600.000$00); os interessados, BB, EE, FF, GG e HH sustentam que foi incorrectamente (qualitativa e quantitativamente) constituído o quinhão da apelante (cabeça de casal) BB, inquinando "de erro de cálculo e erro de qualificação dos direitos atribuídos" o mapa de partilha e, por arrastamento, inquinando a sentença de iguais vícios. 3 – Na apreciação dos recursos cuidou-se de saber se tinha de ser imputado o usufruto sobre a verba de € 52.872,58 (10.600.000$00) e se foi ou não correctamente (qualitativa e quantitativamente) constituído o quinhão da apelante (cabeça de casal) BB inquinado “de erro de cálculo e erro de qualificação dos direitos atribuídos” o mapa de partilha e, por arrastamento, inquinada a sentença de iguais vícios. Entendeu-se que a apelante tem razão, ao afirmar que o mapa de partilha não está elaborado em conformidade com o despacho determinativo da partilha por se ter escrito naquele despacho que: "na quota disponível imputa-se o valor do usufruto dos bens não licitados pela interessada BB, com excepção da concessão do jazigo descrito [. .. ], nem do dinheiro. Caso exista remanescente da quota disponível, aí se imputa o valor dos bens pela interessada licitados. Caso o valor do usufruto exceda o valor da quota disponível será reduzido até aos limites desta”. Nessa perspectiva aceitou-se como certo que, “à BB deverão ser-lhe adjudicados, além dos móveis (verbas nºs 1 a 6 e relação de fls. 480 a 481- no valor, respectivamente, de 384,08 € e 598,56 € ), do dinheiro (1/16 da verba n°1-3.304,14 € ), do usufruto do prédio da verba nº 8 ( 89.983,14 €) e do direito de propriedade sobre a metade indivisa da verba n° 9 que licitou ( no valor de 88.798,95 €), o usufruto sobre a (outra) metade indivisa do prédio da verba nº 9 que foi adjudicada, em nua propriedade, à irmã da licitante HH (no valor de € 35.519,39- 177.596,99 € : 2 = 88.798,495 € x 40% = 35.519,30 €). Como tais verbas importam no valor global de 218.588,19 € e o seu quinhão é de apenas 180.524,93 € (160.466,61) da quota disponível + € 20.058,33 da quota indisponível), terá que dar tornas, não no montante de € 37.785,61 referido no mapa da partilha, mas a quantia de € 38.063,26 , por se mostrar igualmente viciado o mapa de partilha no que tange ao quinhão da interessada HH. Com efeito, “o seu quinhão (no valor de € 20.058,33) terá de ser preenchido com 1/16 avos da verba um (3.304,14 €) mais a metade indivisa da nua propriedade do prédio da verba n.º 9º. Esta, não no valor que consta do mapa de partilha (53.556,76€ - fls. 838), mas, sim, no valor de 53.279,105 € (177.596,99: 2 = 88.798,495 - 40% ) -, dando de tornas o excedente e “ havendo erro de cálculo quanto aos valores ora referidos, haverá (por arrastamento) erro quanto aos valores dos quinhões dos demais interessados”. Com base nos fundamentos que se transcreveram foi proferido acórdão em que se decidiu: - Negar provimento aos agravos, mantendo os despachos recorridos. - Julgar improcedente a apelação do interessado II. - Julgar procedente a apelação dos interessados BB e outros e, consequentemente, revogar a sentença recorrida (homologatória da partilha), a fim de serem alterados os termos da partilha levada a efeito nos autos através do mapa de fls. 832 e segs., em conformidade com o referido. 4 – Inconformados com a decisão, dela pediram revista o interessado II e de agravo os interessados BB, HH, EE, GG e FF, que apresentaram alegações, concluindo nelas pela forma seguinte: II: 1 ° - A cabeça de casal foi contemplada com testamento outorgado pela autora da herança instituindo aquela herdeira da quota disponível a começar a ser preenchida pela totalidade dos bens que compõem a citada herança; 2° -A testadora impôs à beneficiária que o pagamento dessa quota disponível fosse efectuado preferencialmente com o usufruto de todos os bens que componham a referida herança; 3° - A testadora determinou a forma de pagamento de tal usufruto, não deixando ao critério da recorrida a escolha dos bens que haviam de compor essa quota disponível. 4° - Na interpretação das disposições testamentárias há que recorrer à determinação da vontade do testador e não aos interesses do beneficiário das mesmas quando não existe no texto do testamento qualquer correspondência com um dos sentidos objectivos de tais interesses; 5° - O acórdão recorrido fez interpretação do testamento contra o seu próprio texto e contra a vontade da testadora, expressa de forma clara e inequívoca; 6° - A quantia de 52. 872,58€ (10.600.000$00) constitui igualmente um bem da herança e como tal é susceptível de usufruto; 7º - No preenchimento do quinhão daquela interessada BB deveria ser-lhe imputado o usufruto da referida verba, representando tal usufruto 40% do valor do capital; 8° - O Mapa de Partilha elaborado não teve em consideração, no preenchimento da quota da herdeira BB, o valor correspondente ao usufruto da referida quantia; 9° - Devendo, pois, ser reformulado o Mapa de Partilha em conformidade com o alegado; 10° - Ao não considerar o valor do usufruto da quantia de 52.872,58€ (10.600.000$00) a imputar na quota disponível da autora da herança, a sentença homologatória da partilha violou ou, pelo menos, fez incorrecta aplicação e interpretação do disposto nos artigos 1.439°, 1440°, 1464°, 2.187°, 1 e 2, do CC, artigos 1.373°, 1374°, 1375°, do CPC e ainda o disposto no art.º 13° do CMIT, inviabilizando uma partilha justa e equitativa. Deve ser revogada a sentença homologatória da partilha por forma a ser elaborado novo Mapa de Partilha tendo em consideração o valor do usufruto da verba referida a imputar na quota disponível. BB, HH, EE, GG e FF : a) Do despacho de fls.542/543(acta de 21/04/2004) 1.º- Os bens deverão ser devidamente descritos, com os elementos necessários à sua identificação e situação jurídica, o que, no caso da reclamação, não se verifica (n.º 3, do art.º1345º do C. P. Civil). 2.º- Nove dos herdeiros negam a existência da quantia reclamada e pretendem excluí-la da relação de bens, pois não querem que lhes seja adjudicado o que, para pessoas moralmente sãs, efectivamente inexiste e cuja partilha apenas lhes acarretará encargos; 3.º- Aliás, mesmo que formalmente confessada a existência da quantia reclamada, sempre a sua existência poderá vir a ser negada pelo pretenso detentor, sendo, por isso, necessário saber quem detém tal quantia, nos termos e para efeito do previsto nos artigos 1351º e 1348º, ambos do C.P. Civil, sendo certo que tal quantia até poderá estar em poder de terceiro. 4.º- Ora, as questões suscitadas são juridicamente idóneas para ser submetidas à conferência de interessados, o que foi requerido, nos termos da alínea b), do n.o 4, do art.º1353º do C. P. Civil; 5.º- O despacho recorrido não tomou posição sobre todas as questões suscitadas, designadamente sobre a negação da existência da quantia reclamada, pois nove dos interessados, não aceitam que tal verba venha a ser adjudicada, por inexistência substancia., e ainda sobre a localização de tal bem e a identidade da pessoa ou pessoas que a detêm. Estas questões não foram objecto da decisão e, por isso, não se poderá considerar que sobre elas terá recaído já decisão, transitada em julgado. Isto, porque, nos termos do artigo 673º do C. P. Civil. 6.º- Assim, o acórdão recorrido, na medida em que não atendeu a pretensão dos recorrentes está inquinado do vício de violação da lei, já que fez incorrecta interpretação e aplicação da lei,designada- mente, do disposto na alínea d) do n.º1, do art.º 668º, art.º 673º, art.º1351º e, sobretudo, da alínea b) do n.º 4 do artigo 1353º, todos do C. P. Civil, pelo que deverá ser revogado. b) Do despacho de fls.574: 1.º- O despacho proferido não faz correcta interpretação e aplicação do disposto na alínea b) do n.º 1, do art.ºs 1353º e 673º do C. P. Civil; 2.º- O decidido deverá ser revogado e deverá ser submetido à conferência de interessados a matéria requerida, nos termos da alínea b) do n.º 4 do art.º 1353º do C. P. Civil. Assim, deverá o acórdão recorrido ser revogado e ser atendido o peticionado pelos recorrentes. - Nas contra alegações os recorridos pugnam pela improcedência dos recursos da parte contrária e pela revogação das decisões que lhes são adversas. - Corridos os vistos e tudo ponderado cabe apreciar e decidir. II – FUNDAMENTAÇÃO: A) Factos: Os factos assentes são os que resultam do relatório que antecede, salientando-se com interesse o seguinte: - No dia 19 de Outubro de 1998, AA, viúva, filha ... e de ..., nascida em 16 de Outubro de 1924, na freguesia de Olival, concelho de Vila Nova de Gaia, onde reside, declarou no Cartório Notarial de Arouca que : “ Institui herdeira da sua quota disponível a sua filha BB, solteira e com ela residente, determinando que esta quota seja preenchida preferencialmente com o usufruto de todos os bens que componham a sua herança”. B) Direito: 1 - Do acórdão da Relação do Porto interpuseram recurso de agravo as interessadas BB, HH, EE, GG e FF e de revista o interessado II. Aprecia-se em primeiro lugar o recurso de agravo e depois o de revista. Agravo: 2 - Como resulta dos autos, os despachos proferidos na 1.ª instância, foram objecto de recurso para a Relação do Porto e confirmados no acórdão recorrido, tendo-lhe sido negado provimento. Verifica-se da conjugação do preceituado no art.º 754.º do Código de Processo Civil, conjugando os seus números que se transcrevem, que em virtude das últimas reformas legislativas, se mostra substancialmente reduzida a possibilidade do recurso de agravo para o Supremo Tribunal de Justiça. Assim, “1. Cabe recurso de agravo para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação de que seja admissível recurso, salvo nos casos em que couber revista ou apelação. 2. Não é admitido recurso do acórdão da Relação sobre decisão da 1.º instância, salvo se o acórdão estiver em oposição com outro, proferido no domínio da mesma legislação pelo Supremo Tribunal de Justiça ou por qualquer Relação, e não houver sido fixada pelo Supremo, nos termos dos artigos 732.º-A e 732.º-B, jurisprudência com ele conforme. 3. O disposto na primeira parte do número anterior não é aplicável aos agravos referidos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 678.º e na alínea a) do n.º1 do artigo 734.º ” . Da análise das conclusões tiradas pelas recorrentes das alegações do agravo, vê-se que nelas não foi invocada qualquer contradição ou oposição de decisões entre acórdãos proferidos por este Tribunal ou por qualquer Relação, nem que o acórdão tenha violado jurisprudência fixada nos termos dos artigos 732.º-A e 732.º-B, ou que tenha ocorrido qualquer das excepções previstas no n.º3 do artigo 754.º do CPC, - violação de regras de competência absoluta, ofensa de caso julgado, decisão respeitante ao valor da causa, ou decisão que ponha termo ao processo. Mostra-se assim claro que o acórdão recorrido não é na parte abrangida pelos despachos posto em causa com fundamento passível de recurso, para este Tribunal. Nestes termos, atento o disposto no artigo 754.º n.º 2 do Código de Processo Civil, não pode este Tribunal conhecer do recurso de agravo interposto pelos recorrentes, BB, HH, EE, GG e FF . Revista: 3 - O objecto do recurso de revista, delimitado pelas conclusões que o recorrente tira das alegações, restringe-se à interpretação do testamento outorgado pela inventariada em que institui a sua filha BB, herdeira da sua quota disponível, determinando nele que a quota disponível da sua herança “seja preenchida preferencialmente pelo usufruto de todos os bens que acompanham a sua herança”. Entende o recorrente que constando do testamento que a quota disponível seja “ preenchida preferencialmente com o usufruto de todos os bens” (sublinhado nosso), deve ser entendido que a testadora impôs à beneficiária que o pagamento dessa quota disponível fosse efectuado com o usufruto de todos os bens que componham a herança, não deixou ao critério da recorrida a escolha dos bens que haviam de compor essa quota. Não foi esse o entendimento do colectivo de juízes no acórdão recorrido. Entendeu-se que a expressão preferencialmente não implica necessariamente que a quota disponível tenha de ser preenchida com 40% (correspondente ao usufruto), de todos os bens, da herança, uma vez que esse valor ultrapassa de forma substancial o valor da quota disponível. Aceitou-se e decidiu-se que do cálculo do usufruto fossem excluídos a verba relativa ao jazigo e a dos 10.600.000$00, considerando até que, no que se refere a esta verba, se desconhece o paradeiro desse valor em dinheiro. Por isso, considerou-se ser razoável dividi-la, equitativamente por todos os interessados distribuindo 1/16, € 3.304,53 para cada um dos interessados, para desse modo todos assumirem o risco, do seu não aparecimento. Constando do testamento que a inventariada deixou à sua filha BB a quota disponível a preencher preferencialmente com o usufruto de todos os bens, surge a necessidade de interpretar a vontade da inventariada. Poderão inclusive seguir-se os ensinamentos extraídos dos artigos 9.º n.º2 e 238.º n.º1 do Código Civil, que assentam essencialmente na vontade real do declarante na interpretação dos negócios formais, em geral - (1)RA. . De resto a expressão usada nestas disposições legais é idêntica à que regula a interpretação dos testamentos (art.º 2187.º do Código Civil). Na interpretação feita nas instâncias entendeu-se que o preenchimento se deve efectuar sobre todos os bens da herança de preferência com bens que tivessem rendimentos mais certos, concedendo à beneficiada, dado que o valor dos 40% do usufruto ultrapassa em grande medida o da quota disponível, a faculdade de excluir alguns, para mais facilmente preencher o valor da quota disponível. Foi nesse sentido que se procurou organizar o mapa da partilha, preenchendo-se a quota disponível, com o usufruto “ dos bens não licitados pela interessada BB com excepção do jazigo descrito porque insusceptível do usufruto, nem o dinheiro” (fls.838). Como refere o Prof.º Galvão Telles, - a interpretação dos testamentos deve fazer-se, em primeira linha pelo apuramento da vontade real e contemporânea do testador, usando para essa averiguação simultaneamente o contexto do testamento e a prova complementar ou extrínseca que sobre isso puder reunir-se, fixada por esse modo e com esses materiais, aquilo que efectivamente estava no pensamento do testador… - (2). , sendo a interpretação da competência das instâncias . 4 – Assim, independentemente das considerações alinhadas, tendo o recurso como objecto a interpretação da vontade da testadora, seja essa interpretação levada a efeito apenas pelo contexto do testamento, seja por esse contexto e por factos adjuvantes, através do recurso à prova complementar, é matéria alheia à competência do Supremo Tribunal de Justiça. Já assim era, mesmo na vigência do Código Civil de Seabra de 1867, conforme Assento do STJ, de 19.10.1954, que fixou doutrina nesse sentido - (3) . De resto, este assento, como diz o Professor Galvão Telles, não caducou com a revogação do Código Civil de 1867 -(4). Na jurisprudência recente, tem-se entendido que a doutrina do citado assento de 19 de Outubro de 1954, se mantém em vigor, não só porque o preceito do art.º 2187.º, n.º1 do Código Civil, não difere, antes sendo correspondente ao art.º1761.º do Código de Seabra, mas ainda porque o seu objectivo era tomar posição sobre a distinção entre matéria de facto e matéria de direito, questão de grande importância processual, quanto à competência do Supremo Tribunal de Justiça - (5). Em sentido diverso se pronunciou o Profº Castro Mendes, admitindo a possibilidade da parte recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça, quando não haja prova complementar, para que este reveja a interpretação dada ao art.º 2187.º do Código Civil (questão de direito), ao abrigo do disposto nos art.ºs 721.º e 722.º do CPC -(6). Assim, tendo em consideração que o recorrente apenas se insurge contra a interpretação que no acórdão recorrido se fez do testamento e que, “o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova” (art.º722.º n.º2 do CPC) e não é o caso, “ A matéria proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excepcional previsto no n.º2 do art.º 722” (art.º 729.º, n.º 2 do CPC), pelo improcede o recurso de revista. III- DECISÃO: Em face de todo o exposto, acorda-se em não conhecer do recurso de agravo e em julgar improcedente o recurso de revista. Custas pelos recorrentes (art.º 446.º n.ºs 1 e 2 do CPC) Lisboa, 22 de Março de 2007 Gil Roque (Relator) |