Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
09B0280
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: SANTOS BERNARDINO
Descritores: EXPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA
PROCESSO ESPECIAL
APRESENTAÇÃO DOS MEIOS DE PROVA
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 02/11/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário :
1. Na sua fase jurisdicional, o processo de expropriação litigiosa é um processo especial, na medida em que a sua tramitação constitui um desvio relativamente às formas do processo comum.

2. Como tal, é regulado, como decorre do n.º 1 do art. 463º do CPC, pelas disposições que lhe são próprias e pelas disposições gerais e comuns; e, em tudo quanto não estiver prevenido numas e noutras, é-lhe aplicável o que se acha estabelecido para o processo ordinário.

3. Do art. 58º do Cód. das Expropriações de 1999 não resulta, para o recorrente, a impossibilidade de oferecer documentos, alterar ou aditar o rol de testemunhas, ou requerer outras provas fora do requerimento de interposição do recurso da decisão arbitral.

4. Por aplicação subsidiária das regras do processo ordinário, fundada no citado art. 463º/1 do CPC, é admissível, em processo de expropriação, mesmo depois da interposição do recurso da decisão arbitral e da apresentação da resposta, juntar documentos, a coberto do preceituado nos arts. 523º/2 e 524º, e bem assim aditar e/ou alterar o rol de testemunhas, de acordo com o que textua o art. 512º-A, disposições estas também do CPC.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
1.

Nos presentes autos de expropriação litigiosa, em que é expropriante a Câmara Municipal de Vila Nova de Poiares e expropriada AA - Sociedade Comercial e Construção Civil, L.da, após proferida, por acórdão de 31.01.2000, a decisão arbitral – que fixou em 20.001.000$00 o valor da indemnização a atribuir à expropriada – foi, por decisão de 01.03.2000, do Tribunal Judicial de Penacova, adjudicada à expropriante, livre de quaisquer ónus e encargos, a propriedade e posse da parcela de terreno com a área total de 26.668 m2, que faz parte do prédio sito na freguesia de Santo André, Poiares, inscrito na matriz predial sob o artigo 3.946, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 01095/281091.

Daquela decisão arbitral de 31.01.2000 interpôs a expropriada recurso para o dito Tribunal, em 17.03.2000, alegando, em síntese, que a parcela objecto de expropriação tem a área de 27.980 m2 e não a indicada na vistoria “ad perpetuam rei memoriam” ou na decisão arbitral, situando-se em zona que, atendendo aos factores que indica e que devem ser tidos em conta, determina que seja de 70.000.000$00 (€ 349.158,53), o seu valor de mercado.

Admitido o recurso, procedeu-se à avaliação, tendo os peritos nomeados atribuído à parcela expropriada o valor de 10.624.531$00.

No âmbito da realização das demais diligências instrutórias para a decisão do recurso foi, em 27.04.2001 (fls. 271), proferido despacho judicial que, pronunciando-se sobre requerimento da expropriada, o deferiu, determinando que os Peritos comparecessem na data que viesse a ser designada para a inquirição das testemunhas, a fim de prestarem os esclarecimentos que lhes fossem pedidos, entendendo-se para tal, nesse despacho, ser aplicável o “actual Cód. de Expropriações”, sendo de interpretar com as devidas adaptações, o disposto no art. 588º do CPC, aplicável “ex vi” do art.º 61º, n.º 1, desse Código (a fls. 272 e ss., refere-se, expressamente, ser aplicável o regime probatório emergente desse Código, aprovado pelo Dec-lei 168/99, designadamente, o disposto no seu art.º 58º).
Inconformada com tal despacho de fls. 271, que determinou a prestação de esclarecimentos pelos Peritos, a efectuar na data a designar para a inquirição das testemunhas, a expropriante interpôs recurso de agravo a fls. 276, recurso este que foi recebido com subida diferida (fls. 280).
Nas alegações que ofereceu (fls. 292 e ss.) sustentou que a lei não consente uma 2.ª avaliação e que, já prestados esclarecimentos por escrito pelos Peritos, não há mais esclarecimentos a prestar, devendo, por isso, ser revogado o despacho recorrido, por fazer errada interpretação dos arts. 61º, 62º e 63º do Cód. das Expropriações (CExp. na exposição subsequente).

Na audiência realizada em 06.02.2002 (e que depois veio a ficar sem efeito, ut infra), foi requerido pela expropriada, face aos esclarecimentos aí prestados pelos Peritos, prazo para apresentação de um levantamento topográfico – justificada por esses esclarecimentos – bem como a junção aos autos de cinco fotografias e mais oito documentos (acta de fls. 411 e ss.).
Não obstante a oposição da expropriante, foi deferido o requerido, por despacho ditado para a acta (fls. 414 e 415), tendo-se invocado, para assim se decidir, o disposto no art.º 61º do CExp. e o entendimento de que as diligências requeridas e os elementos juntos interessavam à boa decisão da causa.
Dessa decisão recorreu, a fls. 420, a expropriante – de agravo, a subir imediatamente – vindo o recurso a ser recebido por despacho de 22.03.2002 (fls. 473), como agravo, mas com subida diferida.
Nas alegações que apresentou em 24.04.02 (fls. 639 e ss.), pede a revogação da decisão, referindo a violação do art.º 56º do CExp. de 91, e defendendo não ser aplicável o Código de 99, mas que, a não ser assim, sempre o despacho teria feito errada interpretação dos n.os 1 e 3 do art. 61º desse diploma, por não existir 2.ª avaliação no tipo de processo em causa e porque “os termos do pedido na acta e a actuação da expropriada, apontam para uma verdadeira avaliação a efectuar pelo seu perito”.

Mais se determinou, naquele mesmo despacho de 22.03.2002 (a fls. 473 v.), que se notificasse “… a Câmara Municipal de Vila Nova de Poiares para facultar ao Sr. Perito J… M… F… B… a consulta dos elementos necessários ao cabal esclarecimento dos factos”.
Deste despacho de fls. 473 v. interpôs a expropriante novo recurso (fls. 503), relativamente ao qual requereu, também, fosse admitido como agravo, com subida imediata.
O recurso foi recebido como agravo (fls. 510), mas com subida a final e efeito devolutivo (despacho de 16/04/2002).

Em face da retenção dos agravos interpostos a fls. 420 e 503 (dos despachos de 06.02.2002 e de 22.03.2002, respectivamente), houve reclamação para o Ex.mo Presidente da Relação de Coimbra, que veio a ser indeferida em 08.05.2003 (fls. 732).

Tendo vindo a expropriada, em 12.10.2005, após suspensão da instância, requerer o prosseguimento dos autos, foram estes conclusos ao Ex.mo Juiz que havia presidido ao Colectivo perante o qual se havia produzido a prova. Este magistrado, então já em funções noutro Tribunal, exarou despacho referindo que a produção de prova que tinha sido feita perante o Colectivo a que presidira, ocorrera já há anos, não tendo guardado nota do ocorrido, afigurando-se-lhe que a audiência deveria ter lugar de novo e desde o início perante “o actual tribunal” (fls. 906).
Em face disso, a Ex.ma Juíza, Presidente do Círculo, invocando o disposto no art. 654º/3 do CPC, determinou a repetição da audiência para produção de prova, designando data para esse efeito.

A fls. 947 veio a expropriada aditar testemunhas ao seu requerimento de prova, aditamento esse que, por despacho judicial proferido em 19.04.2006, foi admitido (fls. 951). Do aditamento, constam, para além de outras, as testemunhas J… P… M…, R… C… e H… S… R… .
Veio, então, a expropriante, à cautela, interpor recurso para a Relação desse despacho de 19.04.2006, para o caso de este não vir a ser anulado, anulação que requereu em 1ª linha. Em 15.05.2006 (fls. 977), foi proferido despacho, que, mantendo “in totum” a decisão de fls. 951, recebeu o recurso interposto pela expropriante, como agravo, com subida diferida e efeito devolutivo.

Na sessão de 07.02.2007 da audiência para produção de prova, comunicadas as faltas e dispensados os depoimentos dos Peritos, a Ex.ma Juíza que presidia ao Colectivo proferiu o seguinte despacho, que ditou para a acta: «Exibindo o expropriado uma fotocópia de uma fotografia aérea, o Tribunal decidiu ordenar a sua junção, uma vez que a mesma se refere a um documento, já nos autos a fls. 407, estando mais actualizada, e se considerar de utilidade para a compreensão dos depoimentos que venham a ser prestados em audiência. Notifique».
Subsequentemente, o ilustre mandatário da expropriante requereu o indeferimento da junção, o que motivou a prolação, para a acta, de um novo despacho judicial, com o seguinte teor: «A junção do documento foi ordenada pelo Tribunal, pelo que só é impugnável através do respectivo recurso, assim nada há que ordenar, de momento. Notifique».
Deste despacho de 07.02.2007, que ordenou a junção do dito documento, veio a expropriante, a fls. 1108, a interpor recurso, que veio a ser admitido como agravo, a subir diferidamente e com efeito devolutivo.

Na audiência, para além de outras, foram inquiridas as testemunhas J… P… M…, R…o C… (acta da sessão de 07.02.2007 – fls. 1106) e H… S… R… (acta da sessão de 07.03.2007 – fls. 1117), que depuseram “a toda a matéria”.

Finda a audiência de produção de prova, foram, pelas partes, produzidas alegações, nos termos do disposto no art. 64º do CExp., defendendo a expropriada a fixação da indemnização em 70.000.000$00 (€ 349.158,53), enquanto a expropriante, para além de questão prévia que suscitou, pugnou pela fixação da indemnização em 20.001.000$00.

Em decisão de 20.07.07 (fls. 1244 e ss.), o Tribunal Colectivo de Penacova, considerando improcedente o recurso da expropriante e parcialmente procedente o recurso da expropriada, fixou a favor desta a indemnização global de € 220.465,66, consignando, também, que a tal valor acresceriam “os montantes resultantes das actualizações supra, de acordo com a evolução do índice de preços no consumidor”, e estatuindo ainda o seguinte: «O valor da indemnização supra referido é actualizado, pela sua totalidade, até à data da entrega da quantia depositada. A partir daquela data a actualização incidirá sobre a diferença entre aqueles dois valores, acrescendo juros de mora contados após o trânsito em julgado da presente decisão e nos termos gerais».
Desta decisão de 20.07.07 recorreram expropriante e expropriada, tendo os respectivos recursos sido recebidos como apelação.

Subidos os autos à Relação de Coimbra, para apreciação dos recursos interpostos, foi aí elaborado o pertinente acórdão, no qual o tribunal enfrentou as seguintes questões:
a) Quanto aos agravos: a de saber se a expropriada podia, após a apresentação do requerimento de interposição de recurso da decisão arbitral, aditar as testemunhas que ofereceu, juntar documentos ou requerer outras diligências probatórias;
b) Quanto às apelações: a de saber se o montante fixado na 1.ª Instância a favor da expropriada (€ 220.465,66), correspondia à justa indemnização que a esta devia ser atribuída pela expropriação da parcela em causa, ou se, ao invés, aquele montante devia ser alterado, maxime, nos moldes defendidos por uma ou outra das apelantes.
E decidiu-as pela forma que se indica:
a) Negou provimento aos recursos de agravo interpostos pela expropriante;
b) Julgou improcedente a apelação da expropriante, e parcialmente procedente a apelação da expropriada, revogando em parte o acórdão recorrido e alterando o montante global da indemnização para € 312.495,62, mantendo, embora reportado a este valor, o mais que decidido foi na 1.ª instância.

O Município expropriante, notificado do acórdão da Relação, apresentou o seu requerimento de fls. 1365 e ss., no qual declara “impetrar recurso para o Supremo Tribunal de Justiça para, além do mais, ser uniformizada a jurisprudência”, fundamentando o requerido
a) Em relação à matéria dos agravos, com a existência de um acórdão, da mesma Relação, proferido em 05.07.2005, que, segundo afirma, apreciou as mesmas questões, decidindo-as em sentido oposto; e
b) Com referência à matéria das apelações – é dizer, à determinação do quantum indemnizatório – na prolação, igualmente pela Relação de Coimbra, dos acórdãos de 03.06.2003 e de 28.11.2006, ambos em oposição com o acórdão proferido nos presentes autos.
A entidade expropriante conclui assim o seu requerimento:
(...) devem ser admitidos os recursos para o Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do n.º 4 do art. 678º do CPC, seguindo-se os consabidos termos legais, que devem também levar à uniformização da jurisprudência.

A expropriada respondeu, defendendo que o recurso não é legalmente admissível, por a lei o não permitir, acrescentando que “nunca os fundamentos invocados – aliás, não verdadeiros – permitem a interposição do recurso pretendido”.

Por despacho proferido a fls. 1377/1378, o Ex.mo Desembargador relator não admitiu o recurso “na parte do acórdão que respeita à fixação da indemnização”, admitindo-o, no entanto, “no que concerne à decisão sobre a matéria a que respeitavam os agravos não providos”.
E admitiu-o (nesta parte) como agravo, com subida imediata, nos autos e com efeito suspensivo.

Deste despacho, na parte em que não admitiu o recurso, reclamou o recorrente para o Presidente deste Supremo Tribunal, vindo a reclamação a ser deferida.
Em consequência do assim decidido, o Ex.mo Desembargador relator admitiu como revista, com efeito meramente devolutivo, o recurso respeitante à indemnização fixada no acórdão da Relação.
E a entidade expropriante – que já havia apresentado, na sequência do despacho de fls. 1377/1378, acima referido, as alegações respeitantes ao admitido recurso de agravo – trouxe, sequentemente à notificação do despacho que admitiu a revista, “alegações de recurso de revista”.

A primeira questão apreciada e decidida neste Supremo Tribunal foi a da admissibilidade do(s) recurso(s).
Em despacho do relator (fls. 1704/1721) foi então decidido:
a) Não conhecer do objecto do recurso, na parte em que o acórdão recorrido decidiu sobre a fixação da indemnização, por desta parte não caber recurso de revista;
b) Ser o recurso de agravo – com a incidência sobre as questões processuais decididas pela Relação – admissível, tendo sido recebido no efeito devido, e nada obstando ao conhecimento do seu objecto por este Supremo Tribunal.

O recorrente Município de Vila Nova de Poiares reclamou para a conferência, mas sem êxito.

Não se ficou o recorrente, que veio pedir “esclarecimentos, ou aclaração ou nulidade” do acórdão da conferência, mais uma vez sem qualquer proveito.

Foi ainda lavrado, pelo relator, parecer sobre a pretendida decisão alargada do recurso, expressando o entendimento de não se justificar a intervenção do plenário das secções cíveis para o julgamento do agravo – parecer que foi sufragado pelo Conselheiro Presidente deste Supremo Tribunal.

Mas ainda aqui o recorrente Município de Vila Nova de Poiares não se aquietou, vindo requerer que sobre a decisão do Conselheiro Presidente recaísse um acórdão da conferência, e que nesta “o colectivo revogue a decisão do Senhor Juiz Conselheiro Presidente e, em consequência, que seja não só julgado o recurso de revista (sic), mas também que seja, sobre a mesma questão, plasmado um acórdão que determine a uniformização do objecto do recurso”.
Obviamente, dada a sua manifesta inviabilidade, tal requerimento foi indeferido por despacho do relator.

É agora tempo, post tot tantosque labores, e corridos que se mostram os vistos legais, de avançar para o conhecimento do objecto do admitido recurso de agravo.
As conclusões da alegação da expropriante/agravante podem, em síntese e no que aqui importa, assim alinhar-se:
1ª – Ao presente processo aplica-se, na parte adjectiva, o regime próprio do processo especial do CExp. de 1999 e, designadamente, as normas que lhe são próprias e específicas, como o art. 58º, que estabelece o momento próprio para a apresentação das provas, no regime que disciplina;
2ª – O n.º 1 do art. 463º do CPC estabelece quais as normas aplicáveis no caso do CExp., mas apenas no caso de o mesmo ser omisso;
3ª – O CExp. de 1999 não é omisso no que tange ao momento da apresentação da prova, seja documental seja testemunhal, dado que, nos termos do seu art. 58º, ela é oferecida no exacto momento da apresentação do recurso da decisão arbitral;
4ª – Não pode, assim, aplicar-se, sem mais, o disposto no art. 512º-A do CPC, e o mesmo se passa com a junção posterior de documentos, nos termos do art. 523º, como ilegalmente se fez a fls. 356/410 destes autos;
5ª – A recorrida apenas podia valer-se de tal normativo se tivesse alegado factos de conhecimento superveniente, o que não aconteceu nem tal foi sequer alegado;
6ª – A regra do CExp. consiste na proibição ulterior (após o recurso da decisão arbitral) de apresentação de novos meios de prova, incluindo a documental e a testemunhal;
7ª – O CPC não é de aplicação subsidiária às expropriações, pois, se assim fosse, não haveria razão para, em determinados preceitos, se fazer remissão expressa para aquele;
8ª – Para se encontrar o principal objectivo do processo de expropriação (o quantum indemnizatório) não é essencial a prova testemunhal – que, aliás, nem sequer era admitida pelo Código de 1976 – pois a indemnização resulta, como o entende a doutrina e a jurisprudência, da arbitragem e do laudo dos peritos;
9ª – Nem o CExp. nem o CPC (depois da reforma de 95) consagraram o regime do inquisitório puro, que permitisse ao juiz, a seu bel-prazer, ordenar outras diligências de prova, até porque os factos a provar estão delimitados pelas alegações das partes;
10ª – E a questão da aplicabilidade do art. 58º do CExp. já foi decidida pela Relação, no seu acórdão de 05.07.2005, já transitado em julgado, no sentido da não admissibilidade da junção de novos documentos;
11ª – E os Tribunais apenas estão sujeitos à aplicação da lei, por força do art. 203º da Constituição, e devem respeitar as orientações dos tribunais superiores, em conformidade com o art. 8º do CC, e evitar qualquer insegurança nesta matéria;
12ª – Qualquer interpretação do art. 58º citado que permita a aplicação subsidiária do regime previsto nos arts. 512º-A e 523º do CPC é inconstitucional;
13ª – A decisão recorrida violou, designadamente, o art. 58º do CExp. de 1999, o n.º 1 do art. 463º, o art. 512º-A e o art. 523º, todos do CPC, os arts. 8º e 9º do CC e os arts. 13º, 18º e 203º da Constituição.

A expropriada, aqui recorrida, apresentou contra-alegações, defendendo a improcedência do recurso.
Foram corridos os vistos legais.

2.

Os factos que relevam na decisão do agravo são os que constam do antecedente relatório. Quanto aos demais factos dados como assentes, porque não impugnados, remete-se para os termos da decisão que os fixou (art. 713º/6, ex vi dos arts. 749º e 762º/1, do CPC), salientando-se apenas que a declaração de utilidade pública da expropriação data de 12.07.99 e foi publicada no DR de 04.08.99.

A questão a decidir no âmbito do presente recurso de agravo é a seguinte:
- após a apresentação do requerimento de interposição de recurso da decisão arbitral, podia a expropriada aditar o seu rol de testemunhas, juntar documentos e/ou requerer outras diligências probatórias?
O acórdão recorrido respondeu afirmativamente a esta questão.
Mas a expropriante, ora agravante, entende ser a resposta negativa aquela que se impõe, face às normas legais aplicáveis, invocando, em seu favor, o decidido no acórdão da Relação de Coimbra de 05.07.2005, de que juntou cópia certificada, com menção de que tal acórdão transitou em julgado, e com o qual o acórdão recorrido se acha em contradição.
Vejamos, pois.
Diremos, antes de mais, breves palavras quanto ao regime aplicável, no que concerne ao diploma regulador das expropriações – se o Código de 1991 se o de 1999 (1).
O acórdão recorrido entendeu que a lei aplicável, para efeitos de fixação do valor da indemnização a atribuir pela expropriação, era a vigente na data da DUP (ou, pelo menos, na data da publicação desta em DR) – logo, o Código de 91 – mas que, no respeitante aos actos processuais, já seria aplicável a lei em vigor à data da interposição do recurso da decisão arbitral. E, como este se considera interposto em 17.03.2000, será, nesta matéria, aplicável o Código de 99.
Tal entendimento é o que se tem por acertado.
Na verdade, a doutrina e a jurisprudência têm entendido que, sendo a DUP o acto constitutivo da expropriação, esta deve reger-se, quanto às normas substantivas – e, designadamente, quanto às regras jurídicas sobre a indemnização – pela lei em vigor na data da publicação da DUP em DR; já quanto ao regime processual a seguir vale o princípio geral da aplicação da nova lei, pelo que esta é imediatamente aplicável às expropriações em curso (sem prejuízo de a validade dos actos processuais pretéritos ser apreciada de acordo com a lei vigente na data em que foram praticados) (2).
No que importa ao caso em apreço a questão tem reduzido interesse, já que o art. 58º do Código de 1999, em vigor à data da interposição do recurso da decisão arbitral (17.03.2000) tem redacção idêntica à do art. 56º do Código de 1991, que ainda vigorava na data (04.08.99) de publicação em DR da DUP.
De todo o modo, o rigor dos princípios obriga a que se deixe esclarecido que é o preceito do Código de 1999 que importa ter em conta, aqui e agora, e que se acha assim redigido:
No requerimento da interposição do recurso da decisão arbitral, o recorrente deve expor logo as razões da discordância, oferecer todos os documentos, requerer as demais provas, incluindo a prova testemunhal, requerer a intervenção do Tribunal colectivo, designar o seu perito e dar cumprimento ao disposto no artigo 577º do Código de Processo Civil.
Para a expropriante/agravante, este preceito tem ínsita a ideia de que nele – e só nele – se fixa o momento em que o recorrente deve oferecer os documentos e requerer as demais provas, não o podendo fazer em momento posterior, por recurso a normas do Código de Processo Civil. E, assim confortada, sustenta, como vimos já, que a expropriada não podia, posteriormente ao requerimento de interposição de recurso da decisão arbitral, aditar as testemunhas que arrolou, nem juntar documentos ou requerer quaisquer outras diligências probatórias.
Será assim?
A agravante abona-se, como vimos, no decidido em acórdão da Relação de Coimbra, de 05.07.2005, onde foi apreciada a mesma questão que foi objecto de apreciação nos presentes autos, tendo aí triunfado o entendimento de que a junção de documentos pelo recorrente só pode ocorrer com a apresentação do requerimento do recurso, como decorre do supra transcrito art. 58º do Cód. de 99, não devendo ser atendidos os que vierem a ser juntos mais tarde, por não ser aplicável, em processo de expropriação, o disposto no n.º 2 do art. 523º do CPC.
Em sentido diametralmente oposto foi a questão decidida no acórdão proferido nestes autos, tendo sido entendido – em sintonia com o acórdão da mesma Relação, de 28.11.2006, proferido no Proc. n.º 451-A/2001.C1 – que “por aplicação subsidiária, nos termos do art. 463º, n.º 1 do CPC, das regras do processo ordinário, é admissível, em processo de expropriação, em momento ulterior à interposição do recurso da decisão arbitral e da apresentação da resposta, alterar e/ou aditar o rol de testemunhas, nas condições previstas no art. 512º-A, bem como juntar documentos, nas circunstâncias permitidas pelos arts. 523º, n.º 2 e 524º, todos do mesmo diploma legal”.
Avançando, desde já, o nosso entendimento, diremos que a razão está com o acórdão recorrido.
Na sua fase jurisdicional, o processo de expropriação litigiosa é um processo especial, do ponto em que a sua tramitação constitui um desvio relativamente às formas do processo comum.
Dispõe o n.º 1 do art. 463º do CPC que “os processos especiais regulam-se pelas disposições que lhes são próprias e pelas disposições gerais e comuns; em tudo quanto não estiver prevenido numas e noutras, observar-se-á o que se acha estabelecido para o processo ordinário”.
Esta norma dispensa a menção, no CExp., de referência expressa à aplicabilidade, a título subsidiário, das regras do processo comum – essa aplicabilidade decorre do próprio diploma processual.
Assim, em matéria processual, se qualquer situação não estiver directamente regulada no CExp., haverá que lançar mão das regras gerais e comuns do CPC e, no que nestas não estiver prevenido, das normas que regulam o processo ordinário.
O recurso da decisão arbitral não se configura como um verdadeiro recurso ordinário (3).
A decisão arbitral assenta apenas nos laudos dos árbitros, de que os expropriados não podem reclamar, não havendo, pois, possibilidade de contraditório e de, através deste, influir na decisão.
Daí que a doutrina entenda que a fase da arbitragem não corporiza um verdadeiro processo jurisdicional (4). A fase jurisdicional do processo de expropriação começa com o recurso da decisão arbitral, bem podendo dizer-se que o respectivo requerimento de interposição funciona como uma petição inicial, onde o recorrente, ao invocar as razões da sua discordância com o acórdão dos árbitros, apresenta a sua causa de pedir, na sequência do que deduz o pedido de indemnização que reputa ajustada (5).
O recurso da decisão arbitral configura-se, pois, como uma fase declarativa especial que, arrancando embora da aludida decisão dos árbitros, se desenvolve como uma verdadeira acção declarativa, tendo em vista a discussão e apuramento da justa indemnização, com respeito pelo contraditório (cfr. art. 60º do CExp.) e com recurso a todos os meios de prova (arts. 58º e 60º/2).
Sendo assim, e repetindo ideia já expressa, é-lhe aplicável o disposto no acima transcrito art. 463º/1 do CPC.
Ao contrário do que entende a recorrente (cfr. supra, conclusão 7ª), não joga, contra tal solução, a circunstância de, uma ou outra vez, o CExp. fazer expressa remissão para um ou outro preceito do CPC. Para a recorrente, isso quer dizer que o CPC não é de aplicação subsidiária às expropriações, porque se o fosse, não se justificaria tal remissão, que seria desnecessária.
Mas tal modo de ver não tem valimento.
Essa remissão, quando ocorre, apenas significa que o legislador do diploma expropriativo quis adoptar, de forma expressa, as soluções das normas de processo para que remeteu, tudo se passando como se as tivesse reproduzido, ponto por ponto, no respectivo articulado, dispensando-se de o fazer por mera comodidade.
Coisa diversa é a aplicação subsidiária do CPC, que só se coloca para os casos não previstos no diploma expropriativo, e em nada é prejudicada pelas aludidas remissões.
Ora, do art. 58º do CExp. apenas decorre para o recorrente, além do mais, o dever de oferecer, no requerimento com que interpõe o recurso da decisão arbitral, a prova documental e as demais provas que se propõe produzir para fundar as razões da sua discordância quanto ao valor indemnizatório fixado pelos árbitros. O preceito limita-se, quanto à prova documental, a determinar o momento e a peça processual em que essa prova deve, como regra, ser produzida, fixando regime coincidente com o do art. 523º, nº 1 do CPC.
Nada mais dele pode inferir-se, designadamente a impossibilidade de apresentação de documentos em momento ulterior – matéria de que, claramente, não curou. E não o fez porque o legislador não quis, nem seria razoável que o fizesse, esgotar a regulamentação do processo especial expropriativo, limitando-se a traçar as grandes linhas do processo, sabendo que tudo o mais, por força do citado art. 463º/1 do CPC, ficava automaticamente regulado. Como se escreveu no já citado acórdão de 28.11.2006, “o intérprete tem de partir do princípio de que o legislador, conhecedor da extensão ex lege das regras do Cód. Proc. Civil aos processos especiais, sempre que nas disposições próprias destes não regulamentou expressamente qualquer questão, quis que fossem aplicadas, sucessivamente, as disposições gerais e comuns e o que se acha estabelecido para o processo ordinário. Se não fosse essa a sua vontade, certamente teria afastado expressa e claramente aquela aplicação”.
Por outras palavras: se o legislador do CExp. (diploma especial) quisesse vedar ao recorrente a apresentação da prova documental fora do momento aludido no art. 58º tê-lo-ia consagrado expressamente, sancionando com o desentranhamento a apresentação tardia, fora desse momento. Como o não fez, há que considerar aplicável o regime do CPC, designadamente o previsto no n.º 2 do art. 523º e no art. 524º.
Ora, dispõe o n.º 2 do art. 523º do CPC que “(se) não forem apresentados com o articulado respectivo, os documentos podem ser apresentados até ao encerramento da discussão em 1ª instância, mas a parte será condenada em multa, excepto se provar que os não pôde oferecer com o articulado”.
E mesmo depois do encerramento da discussão ainda, em caso de recurso, é possível juntar os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento (art. 524º/1), podendo os destinados a provar factos posteriores aos articulados, ou cuja apresentação se tenha tornado necessária por virtude de ocorrência posterior, ser oferecidos em qualquer estado do processo (art. 524º/2).
O dever que impende também sobre as partes de prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade (art. 519º do CPC) justifica plenamente que se lhes permita indicar e trazer ao processo todos os meios de prova que considerem relevantes para o apuramento da verdade material, desde que o façam até a um momento que não cause perturbação ou entorpecimento daquele. Dificilmente se entenderia que não pudessem juntar-se, depois da interposição do recurso da decisão arbitral e da resposta da parte contrária, documentos destinados a provar factos posteriores a essas peças processuais, ou cuja apresentação se tivesse tornado necessária por virtude de ocorrência posterior.
E esta ideia ganha particular ênfase num processo em que a justa indemnização, mais do que um pressuposto da legitimidade da expropriação, é parte integrante do seu conceito – em que, pois, as garantias consagradas no CExp. devem estar votadas a assegurar, sem reservas, que a indemnização seja justa, o que passa pela salvaguarda adequada dos direitos dos particulares afectados.
A impossibilidade de junção de documentos fora do requerimento de interposição de recurso da decisão arbitral poderia conduzir, em muitos casos, ao triunfo de uma justiça meramente formal sobre a justiça material; e tal seria o caso vertente, em que a junção do levantamento topográfico foi justificada pelos esclarecimentos prestados em audiência pelos Peritos, sendo, pois, admissível, quer à luz do n.º 2 do art. 523º, quer face ao n.º 2 do art. 524º (documento cuja apresentação se tenha tornado necessária por virtude de ocorrência posterior).
E o que se vem dizendo quanto à prova documental vale, mutatis mutandis, no tocante à prova por testemunhas, relativamente à qual deverá ter-se por aplicável, no processo de expropriação, o disposto no art. 512º-A do CPC.
Nos termos deste preceito, o rol de testemunhas pode ser alterado ou aditado até 20 dias antes da data em que se realize a audiência de julgamento, sendo a parte contrária notificada para usar, querendo, de igual faculdade, no prazo de 5 dias (n.º 1), incumbindo às partes a apresentação destas novas testemunhas (n.º 2).
Este normativo tem plena aplicação no processo expropriativo, por via do já muito referido art. 463º, nº1 do CPC, pelo que o despacho judicial de 19.04.2006, que admitiu o aditamento requerido pela expropriada, não merece censura.
Cabe ainda salientar, em reforço do que já se deixou assinalado, que o art. 61º n.º 1 do CExp., ao determinar que as diligências instrutórias são “as que o Tribunal entenda úteis à decisão da causa”, confere ao juiz largos poderes de inquisição, sendo, pois, o princípio do inquisitório ou da oficialidade um dos princípios gerais aplicáveis ao processo expropriativo (6). Nesses poderes do juiz inclui-se, naturalmente, o de mandar juntar os documentos que entenda, ou de determinar a inquirição de pessoas que tenham conhecimento de factos que repute necessários ou úteis à decisão, ou ainda de ordenar – como no despacho de 22.03.2002 – a notificação de qualquer entidade para facultar a perito interveniente na avaliação “a consulta dos elementos necessários ao cabal esclarecimento dos factos”. E pode fazê-lo, parece irrecusável, não só por iniciativa própria como também a requerimento das partes.
Ao contrário do que pensa a recorrente, a prova testemunhal pode assumir relevância, desde que se destine a provar factos não compreendidos nas funções dos peritos. Por assim entender é que o legislador, invertendo a solução do Código de 1976, que a não admitia (art. 73º, n.º 2), veio a incluí-la expressamente, entre os meios de prova admissíveis, nos Códigos seguintes.
E não pode passar também sem referência o facto de a doutrina do acórdão de 05.07.2005, fundamento do presente recurso de agravo, ter sido abandonada pelos Ex.mos Desembargadores subscritores do dito aresto, que, fazendo a sua análise crítica no acórdão de 28.11.2006, igualmente por eles proferido e cuja cópia também incorpora o presente processo, expressamente a repudiaram, optando pela solução contrária, afinal aquela que ora teve consagração no acórdão aqui recorrido.
Vale, pois, concluir, de tudo quanto vem de ser exposto, que por aplicação subsidiária das regras do processo ordinário, fundada no disposto no art. 463º/1 do CPC, é admissível, em processo de expropriação, mesmo depois da interposição do recurso da decisão arbitral e da apresentação da resposta, juntar documentos, a coberto do preceituado nos arts. 523º/2 e 524º, e bem assim aditar e/ou alterar o rol de testemunhas, de acordo com o que textua o art. 512º-A, disposições estas também daquele Código.
E, por ser assim, é para nós seguro que a interpretação que do art. 58º do CExp. fez o acórdão recorrido é a ajustada, não enfermando de vício de inconstitucionalidade, não se vendo como possa afrontar o disposto no art. 203º, e menos ainda o prescrito nos arts. 13º e 18º, do diploma fundamental.
Não se verifica, com tal interpretação, “a derrogação dos comandos expressos” naquele art. 58º: como bem refere o acórdão recorrido, “no entendimento seguido, ainda que a expropriante dele possa discordar, sempre o Tribunal agiu com base na lei”, não estando, pois, minimamente posto em causa o art. 203º, no ponto em que determina que “os tribunais … apenas estão sujeitos à lei”.
Quanto ao mais, a recorrente limita-se a afirmar que o mencionado art. 58º, na interpretação que lhe foi dada, viola, além do já apontado art. 203º, “pelo menos” (sic) os artigos 13º e 18º.
Guarda-se, porém, de justificar tal asserção, não avançando qualquer razão que possibilite a este Supremo Tribunal aferir da sua validade. E, da análise de um (que rege sobre o princípio da igualdade) e de outro (que estatui sobre a força jurídica das normas constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias) de tais normativos constitucionais, não se lobriga qualquer motivo onde possa ancorar a afirmação da recorrente.
3.

Face a tudo quanto exposto fica, nega-se provimento ao agravo.
Custas pela expropriante/agravante.

Lisboa, 11 de Fevereiro de 2010
Santos Bernardino (Relator)
Bettencourt de Faria
Pereira da Silva

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(1) O Código das Expropriações de 1999, aprovado pela Lei 168/99, de 18 de Setembro, entrou em vigor em 17 de Novembro (art. 4º da citada Lei).
(2) Cfr. PEDRO ELIAS DA COSTA, Guia das Expropriações por Utilidade Pública, Almedina, Janeiro 2003, pág. 72 e Ac. do STJ de 04.10.97, aí citado.
(3) Cfr. Ac. STJ de 23.01.96, Proc. 087857, disponível em www.dgsi.pt.
(4) Cfr. LEBRE DE FREITAS, A citação dos interessados como garantia da defesa no processo de expropriação, em Estudos sobre Direito e Processo Civil, Coimbra Editora, pág. 57.
(5) Neste sentido, o Ac. Rel. Porto, de 08.05.2003, no Proc. 0331367, disponível em www.dgsi.pt.
(6) Cfr. J. OSVALDO GOMES, Expropriações por Utilidade Pública, Texto Editora, 1997, págs. 372/373.