Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ00017297 | ||
Relator: | DIAS SIMÃO | ||
Descritores: | RETRIBUIÇÃO-BASE SUBSÍDIO DE FÉRIAS SUBSÍDIO DE NATAL | ||
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Nº do Documento: | SJ199211110034364 | ||
Data do Acordão: | 11/11/1992 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Referência de Publicação: | BMJ N421 ANO1992 PAG287 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA. | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA. | ||
Área Temática: | DIR TRAB - CONTRAT INDIV TRAB. | ||
Legislação Nacional: | L 17/86 DE 1986/06/14 ARTIGO 3 N1. | ||
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Sumário : | O conceito de retribuição a que se reporta o artigo 3, n. 1, da Lei n. 17/86, de 14 de Junho, engloba a remuneração-base e as prestações salariais complementares, nomeadamente, os subsídios de férias e de Natal. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: A, casado, técnico de vendas, residente na Rua ... Lisboa, B, casada, técnica de vendas, residente na Rua ..., em Paivas, freguesia de Amora, município do Seixal e C, técnico de vendas, residente na Rua ..., em São João do Estoril, Município de Cascais, propuseram no tribunal do trabalho de Lisboa acção com processo ordinário contra Fábrica de Bolachas, Biscoitos e Chocolates ..., Limitada, com sede na Rua ..., da cidade de Lisboa, pedindo que a ré seja condenada a pagar-lhes a importância global de 3999661 escudos e cinquenta centavos, referente a retribuições em dívida e a indemnização, por haverem rescindido unilateralmente com justa causa o contrato de trabalho celebrado com a ré, ao abrigo do estatuído no n. 1, do artigo 3, da Lei n. 17/86, de 14 de Junho. Contestou a ré, sustentando dever aos autores A, B e C apenas as quantias de 232487 escudos, 251946 escudos e de 265162 escudos, respectivamente. No despacho saneador, o Meritíssimo Juíz, conheceu directamente dos pedidos formulados, julgando a acção parcialmente procedente e condenando a ré a pagar aos autores o subsídio de férias relativo ao trabalho prestado em 1985, os subsídios de férias e de Natal e a remuneração do tempo de férias respeitantes ao trabalho prestado em 1986, o remanescente do subsídio de natal vencido em 1985 e indemnização de acordo com a actividade, tudo em montante a liquidar em execução de sentença. Inconformada com essa decisão, apelou a ré, sem êxito, uma vez que o Tribunal da Relação de Lisboa confirmou o saneador-sentença. Novamente irresignada, a ré recorreu para este Supremo Tribunal, concluindo na respectiva alegação: a) O Acórdão impugnado interpreta incorrectamente o disposto no artigo 3, n. 1, da citada Lei n. 17/86, ao considerar o termo retribuição mais amplo do que a expressão salário em atraso, de modo a abranger o subsídio de Natal; b) Este subsidio não deve ser considerado como prestação salarial e, portanto, como pressuposto da aplicação do regime previsto naquele artigo 3, o qual usa um conceito de retribuição mais restrito que o do artigo 82, da L.C.T.; c) Mesmo que assim se não entenda, deve considerar-se que os autores agiram com abuso de direito, ao rescindirem os contratos de trabalho, nos termos da referida Lei n. 17/86, quando somente estava em dívida uma pequena parte do subsídio de Natal, excedendo o fim Social e económico dos direitos reconhecidos naquela Lei. Contra-alegaram os autores, defendendo a confirmação do Acórdão recorrido. O Meritíssimo Magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido de ser negada a revista. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. I- Observou-se a seguinte matéria de facto: 1. os autores A, B e C foram admitidos ao serviço da ré, respectivamente, em 2 de Fevereiro de 1978, 1 de Outubro de 1968 e 1 de Julho de 1965; 2. de Janeiro a Junho de 1985, os autores auferiram uma remuneração-base de 20860 escudos; 3. De Setembro de 1985 a Agosto de 1986, o autor A auferiu uma remuneração-base de 40000 escudos, acrescido de 2164 escudos de diuturnidades, a autora B auferiu mensalmente uma remuneração-base de 44000 escudos, acrescida de 10320 escudos de diuturnidades e o autor C recebeu a remuneração-base de 44000 escudos, acrescida de 10320 escudos de diuturnidades; 4. todos os autores receberam subsídios de refeição e de transporte e ajudas de custo; 5. igualmente todos os autores receberam um prémio de produtividade, dependente dos seus resultados nas vendas; 6. os autores despediram-se da ré mediante o envio da carta registada com aviso de recepção, em 19 de Agosto de 1986, conforme consta dos documentos de folhas 120, 121 e 123 a 126; 7. as cópias das referidas cartas foram remetidas, na mesma data, ao chefe da delegação de Lisboa da inspecção do trabalho; 8. a ré não atestou a situação de falta do pagamento das remunerações, conforme consta do documento de folhas 118 a 120; 9. por carta de 4 de Dezembro de 1986, dirigida ao presidente da direcção do Sindicato dos Trabalhadores Técnicos de Vendas a Inspecção do Trabalho declarou não considerar a ré, em 17 de Julho de 1986, abrangida pelo previsto no artigo 15, da lei n. 17/86, em virtude do não pagamento das remunerações - prémios e comissões - se ter verificado apenas desde 1 de Junho de 1986, conforme consta do documento de folhas 133; 10. em 30 de Agosto de 1986, os autores tinham a qualificação profissional de vendedores sem comissões; 11. a ré não pagou qualquer indemnização aos autores; 12. o autor A recebeu da ré, por conta do subsídio de Natal de 1985, a importância de 2500 escudos, em 28 de Agosto de 1986; 13. a autora B recebeu como prémio de produtividade, nos anos de 1985 e 1986, 40802 escudos e setenta centavos, em 31 de Janeiro de 1986 e 9338 escudos e vinte centavos, em 30 de Setembro de 1985; 14. o autor C recebeu como prémio de produtividade, nos anos de 1985 e 1986, 16700 escudos relativos ao prémio de Janeiro de 1986, 8648 escudos referentes ao prémio de Setembro de 1985, 53051 escudos em 31 de Janeiro de 1986, 18696 escudos e 10 centavos em 30 de Setembro de 1985 e 12375 escudos em 15 de Janeiro de 1986, referentes ao prémio de Outubro de 1985; 15. o autor A recebeu como prémio de produtividade, nos anos de 1985 e 1986, 11500 escudos em 16 de Maio de 1986, relativos a Janeiro de 1986, 89711 escudos e cinquenta centavos em 31 de Janeiro de 1986 e 3590 escudos em 30 de Setembro de 1985; 16. a ré deve aos autores parte do subsídio de Natal de 1985, o subsídio de férias referente ao trabalho prestado em 1985 e o subsídio de férias, remuneração do tempo de férias e o subsídio de Natal proporcionais ao trabalho prestado entre 1 de Janeiro e 30 de Agosto de 1986; 17. a ré não pagou aos autores qualquer importância a título de subsídio de refeição, ajudas de custa e de subsídio de transportes; 18. os autores são sócios do Sindicato dos Técnicos de Vendas; 19. a ré é sócia das Indústrias de Massas Alimentícias, Bolachas e Chocolates. II- Resulta das conclusões da alegação da recorrente, limitativas do objecto da revista, que aí se suscitam duas questões: a) possibilidade de integração do subsídio de Natal no conceito de retribuição consagrado no n. 1, do artigo 3, da Lei n. 17/86; b) existência de abuso de direito no exercício pelos autores do direito à rescisão unilateral com justa causa dos seus contratos de trabalho. III- No que concerne à primeira questão, importa determinar, antes de mais, quais as prestações recebidas pelo trabalhador que têm a natureza jurídica de retribuição, problema para o qual o artigo 82, da L.C.T. formou o critério geral. De acordo com aquele normativo, a retribuição abrange o conjunto de valores, pecuniários ou não, que o empregador está obrigado a pagar, regular e periodicamente, ao trabalhador como contrapartida do seu trabalho ou, mais rigorosamente, da disponibilidade da força do trabalho por ele oferecida, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, presumindo-se, até prova em contrário, constituir retribuição toda e qualquer prestação da entidade patronal ao trabalhador. A retribuição é, portanto, um conjunto de valores, expressos ou não em moeda, a que o trabalhador tem direito, por título contratual e normativo, correspondentes a um dever da entidade patronal. Dele se excluem apenas as suas liberalidades, atribuidas com "animus donandi" e sua prévia vinculação da entidade patronal, as prestações que, embora sendo devidas, têm um carácter meramente ocasional (v.g., a remuneração por trabalho suplementar - confere artigo 86, da L.C.T.) e as que se traduzem em simples compensações ou reembolsos por despesas do trabalhador feitas em serviço da entidade patronal (confere artigo 87, da L.C.T.). No tocante à sua estrutura a retribuição pode ser certa, variável ou mista, abrangendo neste caso uma componente certa - a remuneração-base, também designada por salário-base, retribuição-base, ordenado-base ou vencimento - base, calculado em função do tempo de trabalho, que exerce regularmente em períodos curtos e representa o rendimento mínimo com que o trabalhador conta, pelo exercício da sua actividade, para a satisfação das suas necessidades quotidianas e do seu agregado familiar - e outra variável, composta por prestações complementares ou acessórias, que alguns designam de aditivos, calculadas em função de outros factores e com uma periodicidade distinta da do salário - base. Estas prestações complementares encontram-se ligadas a contigências especiais da prestação do trabalho, a produtividade, a certas situações pessoais dos trabalhadores ou até ao acréscimo de despesas em certas épocas do ano. É o que acontece com os subsidíos de férias e de Natal. Relativamente àqueles subsídios, trata-se de atribuições patrimoniais correctivas do salário-base, em cujo escalonamento cronológico se atende às épocas do ano em que, por regra, o trabalhador suporta um acréscimo de despesas. O subsídio de férias constitui uma prestação salarial ligada à concessão de férias remuneradas, dispondo o Decreto-Lei n. 874/76, de 28 de Dezembro que os trabalhadores têm direito, para além da retribuição que receberiam se estivessem em serviço efectivo, a um subsídio de férias do montante igual ao daquela retribuição, a pagar antes do início do peróodo de férias (confere artigo 6, ns. 1 e 2). O subsídio de Natal não é imposto pela lei em termos genéricos, como acontece com o subsídio de férias, mas é contemplado na generalidade das convenções colectivas, sendo também devido por força do IRC aplicável no caso vertente; consiste na atribuição de um mês de vencimento aos trabalhadores por ocasião do Natal. A integração de qualquer daqueles subsídios no cômputo global da retribuição é aceite, sem discrepância, pela doutrina e pela jurisprudência, dada a sua obrigatoriedade (legal ou convencional) e o seu carácter regular e permanente (confere Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, I, 7 edição, página 361; Menezes Cordeiro, Manual de Direito do Trabalho, 1991, página 725, Jorge Leite, Direito do Trabalho, 1982, página 298; Motta Veiga, Direito do Trabalho, 1991, II, página 85; Lobo Xavier, Introdução ao estudo da retribuição no direito do trabalho português, Rev. Dir. Est. Sociais, ano I (2 série), n. 1, página 89; Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 1 de Junho de 1984, 10 de Maio de 1985 e de 10 de Dezembro de 1985, Boletim do Ministério da Justiça, ns. 338, página 272 e 347, pagina 254 e Acordãos Doutrinais, n. 294, página 783). Assumindo aquelas prestações salariais natureza retribuitiva, aplicam-se-lhes os dispositivos que constituem a tutela legal da retribuição, nomeadamente a impossibilidade parcial, os previlégios creditários e o regime dos salários em atraso constante da mencionada Lei n. 17/86. Este diploma integra-se na legislação de emergência produzida a partir de 1983, com vista a dar resposta expedita a situações - limite gerados pela crise económica e social então existente, designadamente no fenómeno dos "salários em atraso", que atingiu proporções muito graves nalgumas zonas do País (confere Monteiro Fernandes, obra citada, páginas 342 a 344; Menezes Cordeiro, obra citada, páginas 741 e 742; Motta Veiga, obra citada, páginas 91 a 93). Segundo o n. 1 do artigo 3, daquela Lei n. 17/86, quando "a falta de pagamento pontual da retribuição se prolongue por periodo superior a 30 dias sobre a data do vencimento da primeira retribuição não paga e o montante em dívida seja equivalente ao valor de uma retribuição mensal ou a mora se prolongue por um periodo superior a 90 dias, qualquer que seja o montante em dívida, podem os trabalhadores, isolada ou conjuntamente rescindir o contrato com justa causa". Estabeleceu-se naquele preceito em esquema destinado a garantir o pagamento pontual da retribuição, permitindo-se que, face à mora da entidade patronal no pagamento da retribuição que se prolongue por periodo superior a 30 dias ou perante uma mora superior a 90 dias, qualquer que seja o montante em dívida, os trabalhadores possam rescindir o contrato com justa causa. Assim, destinando-se esse regime a tutelar o pagamento atempado da retribuição, não faria sentido que o referido artigo 3 aceitasse um conceito de retribuição diferente do conceito genérico estabelecido no citado artigo 82, ou seja, um conceito mais restrito e não abrangedor de certas atribuições patrimoniais, como os subsidios de férias e de Natal, conforme preconiza a recorrente. A ser correcto este entendimento, estaria em desconformidade com a letra do preceito em análise, que emprega a expressão "retribuição" sem qualquer limite e estaria igualmente em desacordo com a "occasio legis", ou seja, com os factores conjunturais de ordem social e económica que motivaram a medida legislativa em causa. Ora, a letra da lei representa um ponto de partida e exerce tambem uma função de limite na hermenêutica jurídica, na medida em que não pode ser considerado como compreendido entre os sentidos possiveis da lei aquele pensamento legislativo "que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso" (n. 2, do artigo 9, do Código Civil). Por outro lado, o intérprete deve presumir que o legislador "consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados" (n. 3, do citado artigo 9). Daí que, surgindo aquela Lei n. 17/86 numa conjuntura económica e social muito degradada, com inúmeras situações de falta de pagamento pontual de retribuições, a exigirem uma medida legislativa que procurasse pôr cobro a essa chaga social, seria incompreensivel que nessa medida legislativa se não pretendesse tutelar a globalidade da retribuição, mas apenas algumas das parcelas que genericamente a integram. Aliás, se o legislador pretendesse garantir através do aludido regime somente o pagamento pontual da retribuição-base ou do salário -base (já que se trata de simples sinónimos, sem o alcance que a recorrente pretende atribuir-lhes na sua alegação) e não também das demais prestações complementares que integram a retribuição global, seguramente se teria referido à retribuição - base, como acontece noutros textos legislativos (confere artigo 9, do Decreto-Lei n. 121/78, de 2 de Junho, 4, do Decreto-Lei n. 440/79, de 6 de Novembro, 19, do Decreto-Lei n. 398/83, de 2 de Novembro, 2, do Decreto-Lei n. 392/79, de 20 de Setembro e 13, n. 3, do Regime Jurídico da Cessação do Contrato Individual de Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n. 64-A/89, de 27 de Fevereiro). Por isso, se conclui que a falta de pagamento pontual da retribuição devida ao trabalhador, determinante de mora relevante para efeito da aplicabilidade do regime previsto no n. 1, do artigo 3, da mencionada Lei n. 17/86, engloba a remuneração-base e as prestações salariais complementares, nomeadamente os subsidios de férias e de Natal (confere Soveral Martins, Salários em atraso, 1986, página 14). III- Resta apreciar a segunda questão suscitada pela recorrente, ou seja, a de saber se os autores terão agido com abuso de direito ao rescindirem os seus contratos de trabalho com justa causa, nos termos do artigo 3, da citada Lei n. 17/86. Esta questão não foi suscitada nas instâncias. Daí resultaria, em princípio, o seu não conhecimento por este Supremo Tribunal, uma vez que os recursos visam modificar as decisões impugnadas e não criar decisões sobre matéria nova, como se infere dos artigos 675, n. 1 e 684, n. 2, do Código de Processo Civil. Só assim não acontece quando se trata de questões de conhecimento oficioso, ainda não apreciadas definitivamente no processo. No caso do abuso de direito, está em causa um princípio de interesse e ordem pública, cabendo ao tribunal determinar os limites do direito exercido, mesmo que as partes os não aleguem - tratando-se "de uma questão de direito e de interesse e ordem pública, uma tal apreciação e decisão não depende de invocação das partes, podendo ser feita oficiosamente pelo tribunal" (Vaz Serra, Rev. Leg. Jurisp., ano 113, pág. 301; Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 4 de Julho de 1980, 21 de Janeiro de 1986 e de 5 de Fevereiro de 1987, Boletim do Ministério da Justiça, ns. 299, página 320, 353, páginas 475 e 364, página 787). Daí que se passe a conhecer daquela questão. "É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito". Como é sabido, as normas jurídicas são gerais e abstractas, disciplinando relações-tipo, pelo que pode acontecer que esse determinado preceito legal, sendo justo para as situações normais, venha a mostrar-se injusto quando aplicada a uma dada situação concreta, em virtude das circunstâncias especiais que nela concorrem. Para evitar tais consequências, surgiu a figura jurídica do abuso de direito. Ocorrerá essa figura "quando um certo direito - em si mesmo válido - seja exercido em termos que ofendem o sentimento de justiça dominante na comunidade social" (Almeida Costa, Direito das Obrigações, 3 edição, páginas 58 e 59). Para que o exercício do direito seja abusivo é, pois, necessário "que o titular, observando, embora a estrutura formal do poder que a lei lhe confere, exceda manifestamente os limites que lhe cumpre observar, em função dos interesses que ligitimam a concessão desse poder. É preciso, como acentuava M. Andrade, que o direito seja exercido em termos clamorosamente ofensivos da justiça" (Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, I, 5 edição, páginas 498 e 499; cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 13 de Março de 1991, Acórdãos Doutrinais, n. 361, página 135). Exige-se que o excesso cometido seja manifesto. "Os tribunais só podem, pois, fiscalizar a moralidade dos actos praticados no exercício de direitos ou a sua conformidade com as razões sociais ou económicas que as legitimam, se houver manifesto abuso" (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, I, 4 edição, páginas 298 e 299). Conforme já se salientou, o regime consagrado no artigo 3, da mencionada lei n. 17/86 sobre o direito â rescisão do contrato pelos trabalhadores no caso de falta de pagamento pontual da retribuição, surgiu numa conjuntura de grave crise económica e social, onde grassavam as situações de salários em atraso. E como o salário se destina essencialmente à satisfação das necessidades pessoais e familiares do trabalhador, o legislador pretendeu com aquela medida legislativa assegurar o pagamento tempestivo dos salários devidos aos trabalhadores. Sendo essa a função instrumental do mencionado direito à rescisão do contrato, o fundamento que justifica a sua atribuição ao titular e define o seu exercicio, não pode concluir-se que os autores hajam excedido , no exercício de tal direito, os limites impostos pelo seu fim social e económico (uma vez que não estão em causa quaisquer limites impostos pela boa fé ou pelos bons costumes) em termos clamorosamente ofensivos do sentimento jurídico socialmente dominante. Na verdade, provou-se que os autores eram credores do subsídio de férias relativo ao trabalho prestado no ano de 1985, embora se não haja fixado a data do início da mora em relação a essa atribuição patrimonial e bem assim de parte do subsídio de Natal, vencido em 15 de Dezembro de 1985, cujo montante em dívida também não foi apurado pelas instâncias. A falta de pagamento pontual de parte daquele subsidio de Natal, por período superior a oito meses, quando os contratos foram unilateralmente rescindidos pelos autores, preenche os requisitos legalmente condicionantes do exercício do direito de rescisão, não sendo licito afirmar, perante a duração da "mora solvendi", aliada à falta de pagamento pontual do subsídio de férias, que os autores hajam, exercido tal direito em termos que ofendem o sentimento de justiça dominante na comunidade social. Constituindo o pagamento da retribuição a principal obrigação assumida pela entidade patronal através da celebração do contrato de trabalho e considerando a inerência de retribuição à satisfação das necessidades pessoais e familiares do trabalhador, e que poderá chocar aquele sentimento de justiça não é o exercicio pelos autores do direito de, rescisão do contrato, fundado na falta de pagamento de parte do subsídio de Natal, mas antes a excessiva duração da "mora solvendi". O exercício daquele direito não pode, assim, qualificar-se de ilegítimo. IV - Pelo exposto, decide-se negar a revista, confirmando-se o acórdão impugnado. Custas pela recorrente. Lisboa, 11 de Novembro de 1992. Dias Simão, Sousa Macedo, Mora do Vale. Decisões Impugnadas: I - Sentença de 90.06.28 do Tribunal do Trabalho de Lisboa, 3 Juízo. II - Acórdão de 91.12.11 do Tribunal da Relação de Lisboa. |