Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
9420-06.6TBCSC.L1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: LOPES DO REGO
Descritores: ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES
FUNDO DE GARANTIA DE ALIMENTOS
PRESTAÇÕES A CARGO DO FUNDO DE GARANTIA DE ALIMENTOS
MOMENTO A PARTIR DO QUAL SÃO DEVIDAS
PROTECÇÃO CONSTITUCIONAL DA INFÂNCIA
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 04/07/2011
Votação: MAIORIA COM * DEC VOT E * VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática: DIREITO CIVIL - DIREITO DA FAMÍLIA - ALIMENTOS
Doutrina: -Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4ª edição, Coimbra Editora, págs. 565 e 869.
- Remédio Marques, Algumas notas sobre alimentos (devidos a menores), 2ª edição, Coimbra Editora, 2007, págs. 214-215, 234 e 239.
- Vieira de Andrade, Os direitos fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, 3ª edição, Coimbra, págs. 190-192 e 398.
Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 2004.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 1411.º, Nº2.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 26.º, 36.º, Nº5, 63.º, NºS1 E 3, 69.º, N.º 1.
DL N.º 164/99, DE 13 DE MAIO: - ARTIGO 4.º, Nº5.
LEI DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL (LEI Nº28/82): - ARTIGOS 80.º, Nº1, 82.º.
LEI N.º 75/98, DE 19-2: - ARTIGOS 1.º, 2.º, NºS 1 E 2, 3.º, Nº2.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 10/7/2008, NO PROCESSO N.º 1860/08;
-DE 4/6/2009, NO PROCESSO N.º 91/03.2TQPDL.S1.

ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA Nº.12/09.

ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:
- 309/09, 54/11, 87/11 E 131/11.
Sumário : 1. A norma constante do nº1 do art. 2º da Lei 75/98 impõe, de forma clara, um limite legal à responsabilidade «subsidiária» do Estado pelas prestações alimentares em dívida, a cargo do FGADM, revelando, de forma explícita, que o programa normativo do legislador passou pelo estabelecimento - no exercício da sua livre discricionariedade político-legislativa em sede de opções sobre a afectação de recursos financeiros a políticas sociais - de um tecto a tal responsabilidade financeira pública, alcançado por referência, não a cada um dos menores/ credores de alimentos, mas a cada progenitor/ devedor incumpridor.
2.Este resultado interpretativo, alcançado através da aplicação dos critérios normativos de interpretação da lei, não viola o princípio da igualdade nem qualquer outro preceito ou princípio constitucional.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


1. AA deduziu incidente de incumprimento da regulação do poder paternal contra BB, alegando que este não pagou, desde Fevereiro de 2006, a pensão de alimentos no montante mensal de 50€ para cada um dos filhos menores, BB e CC.
Depois de ter considerado verificado o incumprimento e a impossibilidade de recurso ao regime consagrado no art. 189º da OTM, foi proferida sentença em que se decretou a obrigação de que o Estado, através do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores – e ao abrigo do estipulado na Lei 75/98 e no DL 164/99 – assegurasse à requerente a prestação mensal de 3UC e de 4UC para cada um dos menores, a vigorar enquanto a requerente demonstrasse prova da necessidade de intervenção do Fundo.
Inconformados com tal sentido decisório, agravaram, quer a requerente, quer o Instituto de Gestão financeira da Segurança Social, sustentando aquela que a obrigação imposta a tal entidade deveria abranger todas as prestações devidas e não pagas pelo progenitor, desde o mês de Junho de 2005; e sustentando o referido instituto público que o valor da prestação a cargo do FGADM não poderia ultrapassar o limite máximo mensal de 4UC por devedor, independentemente do número de menores a que a prestação se destinasse, por força de disposição expressa da lei.
A Relação, no acórdão ora recorrido, negou provimento ao agravo da requerente, fundando-se, para tal, no entendimento que fez vencimento na Acórdão uniformizador nº 12/09, proferido pelo STJ em 7/7/09; e concedeu provimento ao agravo interposto pelo instituto público recorrente, considerando, face aos critérios normativos de interpretação da lei, que o limite de 4UC, imposto pelo nº1 do art. 2º da Lei 75/98, vigora independentemente do número de menores, credores do direito a alimentos no confronto do progenitor /devedor – graduando, em conformidade, os alimentos devidos em 1UC para o menor e 3UC para a menor.

2. Novamente inconformada com tal decisão, interpôs a requerente o presente recurso de revista, que encerra com as seguintes conclusões que, como é sabido, lhe delimitam o objecto:

I.) O FGADM INTERVÉM COM CARÁCTER SUBSIDIÁRIO E SURGE COMO GARANTE LEGAL DO DEVEDOR PRINCIPAL - O PROGENITOR RELAPSO -, EFECTUANDO O PAGAMENTO DAS PRESTAÇÕES ALIMENTARES, A PARTIR DO MOMENTO EM QUE ESTE ENTRA EM SITUAÇÃO DE INCUMPRIMENTO, FICANDO SUB-ROGADO EM TODOS OS DIREITOS DOS MENORES PERANTE O DEVEDOR ORIGINÁRIO.
II.) A SUB-ROGAÇÃO DO FUNDO ABRANGE TODAS AS PRESTAÇÕES DEVIDAS AOS MENORES, OU SEJA, AS PRESTAÇÕES VENCIDAS E VINCENDAS. ISTO PORQUE, III.) A INTERVENÇÃO DO FGADM TEM POR BASE O INCUMPRIMENTO DO PROGENITOR OBRIGADO A PRESTAR ALIMENTOS, INCUMPRIMENTO ESSE QUE SÓ SE PODE AFERIR EM RELAÇÃO ÀS PRESTAÇÕES VENCIDAS.
IV.) O N.° 5, DO ART.° 4.° DO DL N.° 164/99, DE 13 DE MAIO NÃO INDICA O MOMENTO EM QUE NASCE A OBRIGAÇÃO DE PAGAMENTO DAS PRESTAÇÕES PELO FUNDO, MAS APENAS ESTABELECE O MOMENTO A PARTIR DO QUAL O INSTITUTO DE SEGURANÇA SOCIAL DEVE COMEÇAR A PAGAR AS PRESTAÇÕES ATRAVÉS DO FUNDO.
V.) O MOMENTO EM QUE NASCE A OBRIGAÇÃO A SATISFAZER PELO FUNDO, COINCIDE COM O MOMENTO EM QUE O DEVEDOR DEIXOU DE PAGAR AS PRESTAÇÕES A QUE ESTAVA ADSTRITO.
VI.) NÃO É POSSÍVEL AFIRMAR-SE QUE DEVE CABER NO ESPÍRITO DA LEI, A INTERPRETAÇÃO SEGUNDO A QUAL O FUNDO NÃO É RESPONSÁVEL PELO DÉBITO ACUMULADO, POIS O ESPÍRITO DA LEI FOI CLARAMENTE O DE GARANTIR AO MENOR ESSES MESMOS ALIMENTOS, A QUE O PROGENITOR RELAPSO ESTAVA OBRIGADO E NÃO SATISFEZ, NÃO TENDO SIDO POSSÍVEL TAMBÉM COBRÁ-LO COERCIVAMENTE.
VII.)PELO EXPOSTO, E SALVO MELHOR ENTENDIMENTO, O DOUTO ACÓRDÃO
RECORRIDO VIOLA OS ARTS. 1.°, 2.°, 3.° N.° 1 E 6.° N.° 3 DA L.EI 75/98 DE 19 DE FEVEREIRO, BEM COMO OS ARTS. 3.° E 4.° DO DECRETO- LEI N.° 164/99, DE13 DE MAIO.
VIII.) A FIXAÇÃO DA PRESTAÇÃO A SER PAGA PELO FGADM, DEVE SER FEITA
RELATIVAMENTE A AMBOS OS FILHOS MENORES, DESDE JUNHO/2005. IX.) ACRESCE QUE, AS PRESTAÇÕES, CUJO PAGAMENTO É ASSEGURADO PELO ESTADO NAS CONDIÇÕES LEGALMENTE FIXADAS, SÃO FIXADAS PELO TRIBUNAL E NÃO PODEM EXCEDER 4 UC'S, DEVENDO O TRIBUNAL ATENDER, NA FIXAÇÃO DESTE MONTANTE, À CAPACIDADE ECONÓMICA DO AGREGADO FAMILIAR, AO MONTANTE DA PRESTAÇÃO DE ALIMENTOS FIXADA E ÀS NECESSIDADES ESPECÍFICAS DO MENOR. X.) O ART.° 2.°, N.°S 1 E 2 DA L.EI N.° 75/98, DE 19 DE NOVEMBRO E DO ART.° 3.°, N.° 3 DO DECRETO - LEI N.° 164/99, DE 13 DE MAIO, TÊM DE SER INTERPRETADOS COMO REFERINDO-SE A UM ÚNICO MENOR, JÁ QUE OS MESMOS SE REPORTAM A "MENOR" E NÃO A "MENORES", SENDO QUE DA MESMA FORMA QUE A PENSÃO DE ALIMENTOS É FIXADA E DEVIDA INDIVIDUALMENTE RELATIVAMENTE A CADA MENOR, TAMBÉM A PRESTAÇÃO SUBSTITUTIVA TERÁ QUE REPORTAR-SE A CADA MENOR.
XI.) A ENTENDER-SE QUE A PRESTAÇÃO MENSAL A PAGAR PELO FGADM NÃO PODE EXCEDER, EM QUALQUER CASO E INDEPENDENTEMENTE DO NÚMERO DE MENORES ABRANGIDOS PELA MESMA PRESTAÇÃO, O MONTANTE DE 4 UC'S POR DEVEDOR, VIOLAR-SE-IA o PRINCÍPIO DA IGUALDADE, QUE IMPÕE TRATAMENTO IGUAL PARA SITUAÇÕES IGUAIS, DEVENDO, ASSIM, CADA UM DOS MENORES, SE FOREM MAIS DO QUE UM, TER O MESMO TRATAMENTO QUE O MENOR QUE SEJA ÚNICO.
XII.) O PRINCÍPIO DA IGUALDADE É UM PRINCÍPIO ESTRUTURANTE DO ESTADO DE DIREITO E DO ESTADO SOCIAL, NAS SUAS VERTENTES FORMAL E MATERIAL, IMPÕE QUE NÃO SE DISCRIMINEM SITUAÇÕES IGUAIS, POR NÃO PODEREM NEM DEVEREM SER OBJECTO DE DIFERENTE TRATAMENTO JURÍDICO.
XIII.) A OBRIGAÇÃO DE ALIMENTOS RESULTA DA CONSAGRAÇÃO DO DIREITO À VIDA,
DO DIREITO À INTEGRIDADE PESSOAL, DO DIREITO A ALIMENTOS E DO PRINCÍPIO DA
DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA, COMO RESULTA DOS ARTS. 24.°, N.° 1 E 25.°, N.° 1 DA
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA.
XIV.) NESTE ÂMBITO DE REFERIR A CONVENÇÃO SOBRE OS DIREITOS DAS CRIANÇAS,
A QUAL VIRIA A SER RATIFICADA POR PORTUGAL E PUBLICADA EM DIÁRIO DA REPÚBLICA DE 12 DE SETEMBRO DE 1990, E QUE NO SEU ART.° 6.°, N.°S 1 E 2, IMPÕE AOS ESTADOS PARTES QUE RECONHEÇAM O DIREITO À VIDA E ASSEGUREM, NA MEDIDA MÁXIMA POSSÍVEL, A SOBREVIVÊNCIA E O DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA, ASSIM OBRIGANDO OS ESTADOS PARTES A PRESTAREM, EM CASO DE NECESSIDADE, AUXÍLIO MATERIAL PARA A CONCRETIZAÇÃO DESTE DIREITO (ART.° 27.°, N°S 1 A 3).
XV.) DESTE MODO, SOB PENA DE INCONGRUÊNCIA COM O OBJECTIVO DO REGIME
LEGAL, O LIMITE MÁXIMO DE 4 UCs POR DEVEDOR, QUE O N.° 1 DO ART.° 2.° DA LEI N.°
75/98, DE 19 DE NOVEMBRO PREVÊ, TEM DE SER ENTENDIDO EM RELAÇÃO A CADA MENOR BENEFICIÁRIO.
XVI.) A APLICAÇÃO DESSE LIMITE EM QUALQUER CASO, INDEPENDENTEMENTE DO NÚMERO DE MENORES BENEFICIÁRIOS E DAS NECESSIDADES CONCRETAS DE CADA UM DELES, NÃO É CONFORME COM A MENS LEGIS, OU SEJA, NÃO É CONFORME COM O OBJECTIVO QUE PRESIDIU À CRIAÇÃO DO FUNDO DE GARANTIA DE ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES.
XVII.) ACRESCE QUE AS LEIS ORDINÁRIAS DEVEM RESPEITAR, NA SUA ESSÊNCIA, OS
DIREITOS FUNDAMENTAIS SOB PENA DE INCONSTITUCIONALIDADE.
XVIII.) NESTE SENTIDO, DETERMINA O DR. ÁLVARO LABORINHO LÚCIO, IN "DIREITOS
HUMANOS E CIDADANIA" QUE: "OS APUCADORES DEVEM TÊ-LOS EM CONSIDERAÇÃO NA APLICAÇÃO DAS LEIS, OPTANDO PELO SENTIDO MAIS CONFORME COM A ESSÊNCIA DESSES DIREITOS, QUANDO O RECURSO ÀS REGRAS DE HERMENÊUTICA LEVAREM A MAIS DO QUE UM SENTIDO COM VALOR SEMELHANTE".
XIX.) ORA, TENDO PRESENTES AS CONSIDERAÇÕES SUPRA REFERIDAS NO QUE SE
REPORTA À INTERPRETAÇÃO DA L.EI E SEM ESQUECER O ELEMENTO LITERAL DESTA, A ÚNICA ACEPÇÃO POSSÍVEL E COERENTE COM A UNIDADE DO SISTEMA JURÍDICO (ART.° 9.° DO CC) É QUE AS PRESTAÇÕES A PAGAR PELO FGADM TÊM COMO LIMITE MÁXIMO MENSAL 4 UC'S, PARA CADA MENOR, POR CADA DEVEDOR.
XX.) "AS CRIANÇAS SÃO, (...), UMA RESPONSABILIDADE DE TODOS NÓS ENQUANTO MEMBROS DA SOCIEDADE CIVIL E DO ESTADO. DAÍ O DEVER DE PROTECÇÃO ÀS CRIANÇAS, O QUE IMPLICA A CONTRIBUIÇÃO TAMBÉM MONETÁRIA PARA O SEU DESENVOLVIMENTO PLENO E INTEGRAL." (VIDE AC. TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LLSBOA DE 20/09/2007, PROC.0 5845/2007-6, IN WWW.DGSI.PT)
XXL) ASSIM, DEVE O ACÓRDÃO RECORRIDO SER SUBSTITUÍDO POR OUTRO QUE FIXE O INÍCIO DO PAGAMENTO DA PENSÃO DE ALIMENTOS PELO FGADM NO MOMENTO EM QUE O DEVEDOR PRINCIPAL DEIXOU DE CUMPRIR A SUA OBRIGAÇÃO, IN CASU, EM JUNHO DE 2005; E, XXII.) ATENDENDO AO LIMITE LEGAL DE 4 UCs POR CADA MENOR INDIVIDUALMENTE CONSIDERADO.
NESTES TERMOS E NOS DEMAIS DE DIREITO APLICÁVEIS, REQUER-SE A VOSSAS EXCELÊNCIAS O SEGUINTE:
I. - QUE SEJA CONCEDIDO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO DE AGRAVO; E, EM CONSEQUÊNCIA,
II. - QUE SEJA REVOGADO O DOUTO ACÓRDÃO RECORRIDO, DEVENDO O MESMO SER SUBSTITUÍDO POR DECISÃO, SEGUNDO A QUAL A OBRIGAÇÃO DO FUNDO DE GARANTIA DE ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES, ABRANJA TODAS AS PRESTAÇÕES DEVIDAS E NÃO PAGAS PELO PROGENITOR RELAPSO, DESDE O MÊS DE JUNHO/2005, DATA EM QUE ENTROU EM INCUMPRIMENTO; E,
III.- CONSIDERANDO O LIMITE LEGAL DE 4 UCs POR CADA MENOR INDIVIDUALMENTE CONSIDERADO.
IV. - SEM PRESCINDIR, QUE, O PAGAMENTO DAS 4UC'S SEJA FIXADO UNICAMENTE À, AINDA MENOR CC, DESDE AQUELA DATA, ATENTAS AS NECESSIDADES ESPECIAIS DESTA, UMA VEZ QUE O, À DATA, MENOR BB, ATINGIU A MAIORIDADE EM 15/02/2010,.

A entidade recorrida pugna pela manutenção da solução acolhida no acórdão recorrido.

3. As instâncias fizeram assentar a decisão jurídica do litígio na seguinte matéria de facto:

1) BB nasceu a 15 de Fevereiro de 1992 e CC nasceu a 03 de Janeiro de 1996 e são filhos de AA e de DD.
2) O agregado familiar da Requerente é composto por esta e pelos dois filhos menores.
3) A Requerente aufere um vencimento líquido de € 514,04 mensais, na qualidade de assistente dentária e vive, com os filhos, numa casa propriedade da sua mãe, pelo que não paga renda nem hipoteca.
4) Ambos os menores encontram-se a estudar e a Requerente tem despesas com a educação dos menores na ordem dos € 376,54 anuais.
5) A menor CC é acompanhada em consultas de psiquiatria da infância e adolescência, por apresentar perturbações de hiperactividade, défice de atenção e debilidade intelectual ligeira. Faz acompanhamento mensal no Hospital São Francisco Xavier e na escola é acompanhada por uma professora de ensino especial.
6) Apesar de se encontrar profissionalmente integrada, a Requerente apresenta debilidade económica.
4. Distribuídos os autos neste Supremo, pela Exma. Relatora foi elaborado o parecer de fls. 378/380, suscitando perante o Exmo. Conselheiro Presidente, nos termos do preceituado no art. 732º-A, nº2, do CPC, a questão da possível intervenção do plenário das secções cíveis no julgamento da revista, face à possibilidade de vir a formar-se maioria que conduzisse ao vencimento na Secção de solução contraditória com a que havia sido adoptada, por maioria, no Ac. de 4/6/09, em que se entendeu que o referido montante máximo de 4UC, legalmente imposto, teria de ser considerado em relação a cada menor.
Pelo Exmo. Conselheiro Presidente foi proferido despacho, a fls. 381, a indeferir o julgamento ampliado da revista.
Foi, entretanto, pela requerente apresentado novo requerimento em que:
- por um lado, se invoca, como dado superveniente, a prolação pelo TC do Ac. nº 54/01, em que se julgou inconstitucional, por violação do disposto nos arts. 69º, nº1, e 63º, nos 1 e 3, da Constituição a norma constante do art. 4º, nº5, do DL 164/99, na interpretação segundo a qual a obrigação imposta ao FGADM não abrangeria o pagamento das prestações respeitantes a períodos anteriores à decisão judicial que determinou o pagamento por tal entidade;
- e, por outro lado, dando notícia e que o filho menor, BB, já teria atingido a maioridade em 15/2/10, requerendo que – a considerar-se que é imperativo respeitar o limite absoluto de 4 UC – deveria arbitrar-se tal montante, na íntegra, à menor CC.

5.A primeira questão suscitada pela recorrente prende-se com a determinação do momento a partir do qual vigora a obrigação imposta ao FGADM – tendo as instâncias aderido ao entendimento que fez vencimento no recente Ac. uniformizador 12/09, segundo o qual tal obrigação só nasce com a decisão que julgue o incidente de incumprimento do devedor originário e a exigibilidade da obrigação a cargo da segurança social só ocorre no mês seguinte ao da notificação da decisão do tribunal, não abrangendo quaisquer prestações anteriores.
Note-se que - não sendo o presente recurso julgado como revista ampliada – está obviamente excluída a reponderação por parte do STJ da solução normativa que fez vencimento no citado aresto , a qual, a verificar-se, teria necessariamente de ser realizada pelo próprio órgão que fixou essa jurisprudência : o plenário das secções cíveis.

Não se ignora, por outro lado, que a 2ª Secção do TC tem efectivamente, em jurisprudência muito recente e no domínio da fiscalização concreta, sustentado o entendimento segundo o qual será inconstitucional, por violação do disposto nos artigos 69.º, n.º 1, e 63.º, n.º 1 e 3, da Constituição, a norma constante do artigo 4.º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 164/99, de 13 de Maio, na interpretação de que a obrigação do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores assegurar as pensões de alimentos a menor judicialmente fixadas, em substituição do devedor, só se constitui com a decisão do tribunal que determine o montante da prestação a pagar por este Fundo, não sendo exigível o pagamento de prestações respeitantes a períodos anteriores a essa decisão -cfr.Acs. 54/11, 87/11 e 131/11.

Todavia, – tratando-se de decisões proferidas no âmbito da fiscalização concreta da constitucionalidade – não são, neste preciso momento, automática e directamente vinculativas no presente processo, nos termos do art. nº1 do art. 80º da Lei do TC – sendo indispensável aguardar ou por uma eventual reponderação pelo próprio plenário das secções cíveis da solução contida no referido Ac. uniformizador, à luz do superveniente entendimento do TC, ou pela eventual decisão a proferir pelo próprio TC, em sede de fiscalização abstracta sucessiva, nos termos do art.82º da Lei nº28/82.

Apenas se dirá sobre este tema que não nos oferece a menor duvida que das normas e dos princípios constitucionais que consagram o direito à segurança social e a protecção da infância e do desenvolvimento integral das crianças, a cargo do Estado, se infere seguramente a necessidade de uma tutela urgente e eficaz que garanta adequadamente a satisfação das prestações alimentares devidas a menores, nos casos de incumprimento pelos progenitores do dever fundamental de proverem à subsistência e educação dos seus filhos – de onde decorre que sempre teria imposição constitucional a implementação legislativa de um regime de garantia do direito à subsistência básica dos menores, privados do apoio que prioritariamente lhes deveria ser prestado no âmbito da família, semelhante, nos seus traços fundamentais, ao que emerge da Lei nº75/98.
A natureza constitucional e fundamental desta protecção devida aos menores não implica, porém, a eliminação da livre discricionariedade legislativa quanto ao modo concreto como se constrói normativamente tal tipo de tutela, nomeadamente quanto a dois aspectos relevantes:

a)- a determinação dos quantitativos pecuniários que devem ser adstritos à tutela do interesse dos menores carenciados, por privados de alimentos, em consequência do incumprimento dos deveres parentais – cabendo a juízos de ponderação, situados no âmbito das competências político-legislativas do legislador, democraticamente investido, repartir os recursos financeiros, inevitavelmente escassos, pelos vários grupos de cidadãos fragilizados e carecidos de premente apoio social público ( abordaremos adiante esta questão mais desenvolvidamente, ao tratar da admissibilidade da imposição de um limite legal de 4UC por devedor à responsabilidade do Estado);

b)- a determinação dos precisos meios e instrumentos procedimentais para se efectivar tal direito à protecção social eficaz do direito à subsistência e desenvolvimento das crianças, cabendo ao legislador optar pela solução que considere mais adequada, desde que não ponha em causa as necessidades de tutela célere e efectiva: e, neste óptica, seria seguramente violador da Lei Fundamental um regime de direito infraconstitucional que apenas outorgasse uma protecção com dilações temporais indevidas ou com hiatos temporais significativos na tutela pública «subsidiária», vigente para os casos de privação de alimentos por incumprimento do progenitor vinculado.

Ora, no caso ora em discussão, impõe-se notar que – como aliás dá nota o Ac. uniformizador 12/09 – a Lei 75/98 acautela a situação dos menores, face a uma possível demora na tramitação do incidente, ao prever no nº2 do seu art. 3º que o juiz pode estabelecer uma prestação de alimentos provisória, quando a pretensão do requerente for justificada e urgente –não havendo, em nenhum caso, lugar à restituição dos alimentos provisórios recebidos.
Considera-se que esta opção legislativa – «substitutiva» de uma imposição automática ao FGADM da responsabilidade pelas prestações alimentares devidas desde o início do processo, mesmo antes da decisão judicial que decretou a responsabilidade dessa entidade pública – se conforma, em termos ainda constitucionalmente aceitáveis, com a referida exigência de eficácia e celeridade na tutela do menor carenciado de alimentos, permitindo garantir a subsistência deste durante o período temporal que durar o incidente, até nele ser proferida decisão condenatória final, «constitutiva» da responsabilidade definitiva do Fundo.
Tal decisão provisória e cautelar – que, não sendo oficiosamente proferida, poderá naturalmente ser despoletada pelo MºPº ou ( como ocorre no caso dos autos) pelo mandatário constituído pela requerente – dependerá, como é óbvio, de prova sumária, podendo ser suscitada logo na fase liminar do incidente - sendo seguramente tal medida «justificada e urgente» nos casos, como o dos autos, em que comprovadamente o progenitor responsável tenha incumprido reiteradamente a obrigação a que se encontrava vinculado, não sendo plausível que esta decisão cautelar e urgente do juiz, fundada numa «sumaria cognitio» se não mostre proferida em prazo curto e em termos de outorgar ao menor, durante a duração do incidente de incumprimento, pelo menos a prestação que o progenitor deixou de satisfazer voluntariamente.
E, assim sendo, nesta interpretação global do sistema legal vigente, estará suficientemente assegurada uma tutela célere, eficaz e sem hiatos temporais do direito fundamental às prestações alimentares do menor carenciado, satisfeitas, após o momento do incumprimento, pelo Estado/ segurança social, primeiro na sequência de uma decisão cautelar e urgente (e nessa medida necessariamente célere) e, ulteriormente, através da definitiva condenação do Fundo, proferida no termo do incidente de incumprimento.
Em suma: não se tem por violador dos direitos à segurança social e à protecção do desenvolvimento integral das crianças a interpretação do «bloco normativo» constante dos arts. 1º da Lei 75/98 , 2º e 4º, nº5, do DL 164/99, conjugados com o nº2 do art. 3º da citada Lei, interpretados em termos de a obrigação a cargo do FGADM só se constituir com a decisão do tribunal, proferida no termo do incidente de incumprimento, só sendo exigível no mês seguinte ao da notificação de tal decisão e não abrangendo as prestações anteriores – podendo, todavia, a subsistência do menor durante a pendência do incidente ser eficazmente assegurada através de decisão cautelar e urgente, a proferir liminarmente em tal procedimento, se necessário em consequência de suscitação da questão pelo mandatário judicial que patrocina a requerente.


5. Passemos à apreciação da segunda questão que integra o objecto da revista – e que se prende com a interpretação da norma constante do nº1 do art. 2º da Lei 75/98, ao estatuir que a prestação alimentar posta a cargo do Fundo não pode exceder mensalmente, por cada devedor, o montante de 4 UC

Esta matéria já foi recentemente apreciada no Ac. de 4/6/09, proferido pelo STJ no P. 91/03.2TQPDL.S1, em que – num caso concreto caracterizado pelo facto de serem 8 os menores privados de prestação alimentar - se seguiu, por maioria, a seguinte linha argumentativa:

Conforme se dá conta no preâmbulo do Decreto-Lei nº 164/99, foi em execução da tarefa constitucionalmente definida de proteger as crianças “com vista ao seu desenvolvimento integral” (artigo 69º) que a Lei nº 75/98 veio garantir que o Estado assegura o direito a prestações de alimentos a menores em caso de incumprimento do correspondente dever, judicialmente fixado (artigo 1º), através do Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores, gerido pelo ora recorrente.
Assim, determinou que, verificadas as condições para que coubesse ao Fundo o pagamento das referidas prestações (artigo 1º da Lei nº 75/78 e nº 1 do artigo 3º do Decreto-Lei nº 164/99), o montante correspondente fosse fixado tendo em função da “capacidade económica do agregado familiar, [d]o montante da prestação de alimentos fixada e [das] necessidades específicas do menor” (nº 2 do artigo 2º da Lei nº 75/78 e nº 3 do artigo 3º do Decreto-Lei nº 164/99).
Esclareceu ainda, com o objectivo manifesto de garantir a adequação do montante apurado, que “a decisão de fixação das prestações a pagar pelo Fundo é precedida da realização das diligências de prova que o tribunal considere indispensáveis e de inquérito sobre as necessidades do menor, oficiosamente ou a requerimento do Ministério Público” (nº 1 do artigo 4º do Decreto-Lei nº 164/99 e nº 2 do artigo 3º da Lei nº 75/78).
Resulta da leitura conjunta das diversas disposições referidas que a lei se preocupou em assegurar ao menor a prestação de alimentos adequada às suas necessidades específicas, que devem ser avaliadas tendo naturalmente em conta o agregado familiar em que esteja integrado (nomeadamente a capitação de rendimentos de que o mesmo disponha, como esclarece o nº 2 do artigo 3º do Decreto-Lei nº 164/99).
O montante dos alimentos a prestar pelo Fundo não depende da quantia em que o obrigado tenha sido condenado, nem da capacidade que este tenha de prestar alimentos. Esta capacidade, naturalmente, e como em geral sucede com a obrigação de prestar alimentos no âmbito das relações familiares (cfr. a disposição geral do nº 1 do artigo 2004º do Código Civil), foi tida em conta quando o tribunal os fixou; mas não releva agora a não ser indirectamente, e apenas na medida em que o “montante da prestação de alimentos fixada” (nº 2 do artigo 2º da Lei nº 75/78) é um dos elementos a ponderar para o efeito de definir a extensão da obrigação do Fundo.
Isto significa que a intenção de adequação à situação concreta do menor conduz a que a prestação posta a cargo do Fundo possa ser de valor inferior, igual ou superior ao daquela que vem substituir.
Estabelece ainda a lei que o montante assim calculado não pode exceder, “mensalmente, por cada devedor, o montante de 4 UC” (nº 1 do artigo 2º da Lei nº 75/78).
Sob pena de incongruência do regime legalmente previsto e que, em síntese, se descreveu, entende-se que tal montante máximo tem de ser considerado em relação a cada menor, ou seja: não pode ser excedida, por mês, a quantia equivalente a 4 UCs por cada menor a que o obrigado tenha deixado de pagar os alimentos.
Com efeito, e em primeiro lugar, esta interpretação é suportada pela letra da lei, nos termos em que o artigo 9º do Código Civil o exige: os diversos preceitos referem-se sempre ao menor a quem os alimentos são devidos, nomeadamente quando definem a forma de calcular o montante a pagar. É particularmente significativo que a lei exija que se atenda “às necessidades específicas do menor” a par da “capacidade económica do agregado familiar” em que ele se integre, esclarecendo que é a “capitação” dos seus rendimentos que conta para se considerar ou não preenchido o requisito relativo àquela capacidade.
Daqui resulta uma manifesta preocupação de individualizar as necessidades do menor: a prestação deve ser de montante individualmente adequado à situação de carência do beneficiário.
Para além disso, e em segundo lugar, é a interpretação que obedece ao objectivo com que o legislador criou o Fundo e lhe atribuiu o encargo de satisfazer o direito a alimentos de menores carenciados, por não ser cumprida a correspondente obrigação por quem os devia prestar.
É à luz deste objectivo que o limite de 4 UCs tem de ser entendido: é o montante que o legislador, em 1998 e em 1999, considerou em qualquer caso suficiente para o efeito.
O recorrente tem razão quando observa que para a determinação desse limite se teve em conta o “contexto económico-financeiro” do País; e é evidente que, do ponto de vista dos recursos afectados, leva a gastos inferiores a interpretação que conduz a referi-lo a cada obrigado, independentemente de saber qual o número de menores abrangidos.
Entende-se que aquele contexto foi efectivamente determinante para a fixação do limite, quer quando considerou as necessidades razoáveis do titular do direito a alimentos, quer quando ponderou os encargos que da sua satisfação necessariamente decorrem para o erário público (até porque é sempre de ponderar a inviabilidade do reembolso que a lei impõe).
No entanto, essa consideração não é apta a afastar a conclusão a que se chegou. Não é possível afirmar, como faz o recorrente, que o montante de 4 UCs satisfaz o objectivo a que o legislador se propôs de “garantia dos alimentos devidos” (conclusão 15ª) sem considerar o número de menores pelos quais essa quantia tem de ser repartida (sendo certo, por exemplo, que podem estar integrados em agregados familiares diferentes, o que conduziria a que a quantia atribuída a cada um viesse afinal a ficar dependente, também, das condições dos outros agregados familiares, o que não seria razoável).
É certo que a integração de mais de um menor no mesmo agregado familiar provoca economias de escala; no entanto, basta considerar o número de menores abrangidos pela prestação a que este recurso respeita para se ter por concluir que seria manifestamente inadequado afirmar que, em qualquer caso, seria apta a cumprir a tarefa que o legislador se propôs a desconsideração do número de beneficiários para o efeito de fixação do limite previsto no nº 1 do artigo 2º da Lei nº 75/78 e no nº 3 do artigo 3º do Decreto-Lei nº 164/99).

Neste douto acórdão, foi formulado voto de vencido, seguindo, no essencial, a seguinte linha argumentativa, contrária à vencedora:

A lei reporta-se expressamente ao limite das prestações do Fundo de quatro unidades de conta por cada devedor, e o devedor é a pessoa obrigada, por virtude da concernente decisão judicial, a prestar alimentos a menores.
Não se refere a lei à unidade de prestação, mas sim às prestações, expressão que constituiu o sujeito plural da previsão normativa, que deve constituir o ponto de partida da interpretação em causa.
Os referidos preceitos legais não inserem, pois, o mínimo verbal que sustente a interpretação no sentido de o mencionado limite correspondente ao valor de quatro unidades de conta se reportar a cada devedor relativamente a cada menor, ou seja, em função da posição de credor de cada um deles.
Perante tal base literal das referidas normas, não vemos elementos extra-literais que legitimem a conclusão interpretativa no sentido de o pensamento legislativo ser o que foi considerado no acórdão.
A circunstância de as normas se reportarem ao menor e às necessidades específicas deste, e não aos menores, é insusceptível de permitir a conclusão de que o legislador pretendeu relacionar a unidade de sujeito devedor com a unidade de menor credor.
Com efeito, noutras normas do conjunto normativo em causa, por exemplo a propósito da incumbência do Fundo quanto ao pagamento das prestações de alimentos atribuídas a menores, como é o caso do artigo 2o, n° 2, do Decreto-Lei n° 164/99, de 13 de Maio, refere-se esse elementos plural.
Acresce que o mencionado secundário elemento literal, retirado do contexto de contadas normas, queda desvalorizado, não obstante o relevo considerado no acórdão pelo mero confronto com a expressão da lei no n° 1 do artigo 2o da Lei n° 75/98, onde refere a prestações e não a prestação.
Perante este quadro, o que resulta da lei é que o legislador utilizou a expressão menor e menores com o mesmo sentido, ou seja, de pessoas em função das quais foi estabelecido o regime social em causa.

6. Importa, pois, tomar posição sobre a matéria – distinguindo os planos da interpretação do direito infraconstitucional e da eventual colisão com normas e princípios da Lei Fundamental do resultado interpretativo alcançado através da utilização dos critérios de interpretação consagrados no CC.
Como atrás se salientou, considera-se que se situa no âmbito da livre discricionariedade do legislador a opção sobre os montantes financeiros públicos que, em cada momento, é possível adjudicar à tutela dos direitos dos menores carenciados, por privados do apoio familiar que prioritariamente lhes era devido - já que os recursos financeiros públicos disponíveis para a prossecução de políticas sociais, subordinadas à cláusula do possível, sempre inelutavelmente escassos, terão necessariamente de ser repartidos pelos vários grupos de cidadãos carenciados, sendo indispensável a formulação, pelos órgãos democraticamente investidos, de opções, juízos prudenciais e ponderações, situadas no cerne da sua competência político-legislativa e insindicáveis no plano judiciário.
Terão sido precisamente razões desta natureza, ligadas às reais possibilidades práticas do Estado na implementação das políticas de apoio social, que ditaram o estabelecimento, por via normativa, de um limite, de um «tecto», ao apoio público devido aos menores privados da solidariedade familiar - estabelecendo o legislador que as prestações substitutivas não podem exceder mensalmente, por cada devedor, o montante de 4UC – ou seja, actualmente de €408.

Salienta-se que este valor – relativamente elevado para o montante médio dos débitos alimentares, judicialmente fixados para cada filho ( no caso dos autos, a prestação mensal global a cargo do progenitor em falta era de apenas €100 ) - foi expressamente reportado pela norma em causa a cada devedor da prestação alimentar – ou seja, ao progenitor que está vinculado a prestar alimentos – não nos parecendo que seja possível, em aplicação dos critérios normativos de interpretação da lei, «converter» tal expressão no conceito oposto de credor dos alimentos – o filho que a eles tem direito – de modo a poder atribuir a cada menor/credor de alimentos o referido valor máximo de 4 UC.
Constitui, deste modo, obstáculo que temos por inultrapassável a letra do preceito que impõe, de forma clara, um limite legal à responsabilidade «subsidiária» do Estado pelas prestações alimentares em dívida, revelando, de forma explícita, que o programa normativo do legislador passou pelo estabelecimento de um tecto a tal responsabilidade financeira pública, alcançado por referência, não a cada um dos menores/ credores de alimentos, mas a cada progenitor/ devedor inadimplente; pelo que, sendo vários os filhos menores, credores de alimentos, os seus direitos terão de ser objecto de compatibilização prática ou de «rateio» dos montantes a fixar, para que tal limite máximo ( relativamente elevado para os valores médios de prestações alimentares judicialmente arbitradas, deixando alguma margem de segurança ao menos para as situações correntes, em que os filhos carenciados não sejam muito numerosos, como efectivamente sucedia na situação concreta sobre que versou o Ac. de 4/6/09) seja inteiramente respeitado pelo julgador.

Violará tal sentido interpretativo «restritivo» - que se extrai da expressa literalidade do nº1 do art. 2º da Lei 75/98 - algum preceito ou princípio constitucional, nomeadamente o princípio da igualdade, como pretende a recorrente?
Esta questão foi recentemente apreciada pelo TC, através do Ac.309/09, em que se julgou não inconstitucional a norma constante do n.º 3 do artigo 2º da Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro, com fundamento em alegada violação do disposto nos artigos 13º, 26º e 69º da Constituição, afirmando:

Como se deixou entrever através do contexto legal esquematicamente descrito, a garantia de alimentos devidos a menor surge como uma prestação social do regime não contributivo, a cargo do Estado, destinada a suprir o incumprimento por parte daquele que se encontre sujeito à obrigação alimentar familiar, traduzindo-se, por isso, numa prestação social de natureza subsidiária, que visa concretizar, no plano legislativo, o direito das crianças à protecção, tal como consagrado no artigo 69º, n.º 1, da Constituição.

É isso mesmo que é reconhecido no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 164/99, em que se faz expressa menção à exigência constitucional do artigo 69º, como implicando, em especial no caso das crianças, «a faculdade de requerer à sociedade e, em última instância, ao próprio Estado as prestações existenciais que proporcionem as condições essenciais ao seu desenvolvimento e a uma vida digna», e em que se caracteriza a garantia de alimentos devidos a menores, instituída pela Lei n.º 75/98, como uma nova prestação social, «que traduz um avanço qualitativo inovador na política social desenvolvida pelo Estado» e que «dá cumprimento ao objectivo de reforço da protecção social devida a menores».

Bem se compreende, neste plano, que as prestações sociais assim caracterizadas não constituam um direito subjectivo prima facie dos menores a quem se dirigem (ao contrário do que sucede com todas as demais prestações sociais do regime contributivo), mas representem antes um recurso subsidiário, fundado na solidariedade estadual, que se destina a dar resposta imediata à satisfação de necessidades de menores que se encontrem numa situação de carência, e que, por isso, não pode, desligar-se da concreta situação familiar do titular da prestação (neste sentido, Remédio Marques, Algumas notas sobre alimentos (devidos a menores), 2ª edição, Coimbra Editora, 2007, págs. 214-215).

Como se fez notar num recente aresto do Supremo Tribunal de Justiça, o incumprimento da prestação de alimentos por parte do primitivo devedor é que funciona como pressuposto justificativo da intervenção subsidiária do Estado para satisfação de uma necessidade actual do menor, e, consequentemente, o Estado não se substitui incondicionalmente ao devedor originário dos alimentos e apenas se limita a assegurar os alimentos de que o menor carece, enquanto o devedor primitivo não pague, devendo ser reembolsado do que pagar (acórdão de 10 de Julho de 2008, no Processo n.º 1860/08).

Assim se explica que, para a determinação do montante da prestação social, como determina o transcrito artigo 2º, n.º 2, da Lei n.º 75/98, o tribunal deva atender, não só à capacidade económica do agregado familiar e às necessidades específicas do menor, mas também ao montante da prestação de alimentos que fora anteriormente fixada e que está em dívida. Certo é que o tribunal, por efeito da actividade jurisdicional que é levado a realizar na sequência do pedido formulado nos termos desse diploma, não está impedido de fixar um montante superior ou inferior à prestação de alimentos que impendia sobre o devedor (ainda que com o questionado limite de 4 UC), mas isso deve-se apenas ao facto de o legislador ter considerado ser exigível, nessa circunstância, uma reponderação pelo juiz da situação do menor à luz da qual foi fixada a pensão de alimentos.

Em todo o caso, não há dúvida de que o montante da prestação de alimentos incumprida constitui um índice para o julgador fixar a prestação social a cargo do Fundo e esta será em regra equivalente à anteriormente fixada (Remédio Marques, ob. cit., págs. 234 e 239). Isso porque o que está essencialmente em causa é a reposição do rendimento que deixou de ser auferido por falta de pagamento voluntário de alimentos por parte de quem se encontrava obrigado a prestá-los.

Numa aproximação à resolução da questão de constitucionalidade suscitada, deve começar por dizer-se que estamos aqui perante um direito social, cuja concretização e actualização depende de certos condicionalismos sócio-económicos, culturais e políticos que só o legislador poderá, em primeira linha, avaliar, e que não pode ser efectivado pelo juiz por simples interpretação aplicativa do direito (cfr. Vieira de Andrade, Os direitos fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, 3ª edição, Coimbra, pág. 192).

Como refere o autor agora citado, «a escassez dos recursos à disposição (material e também jurídica) do Estado para satisfazer as necessidades económicas, sociais e culturais de todos os cidadãos é um dado da experiência nas sociedades livres, pelo que não está em causa a mera repartição desses recursos segundo um princípio da igualdade, mas sim uma verdadeira opção quanto à respectiva afectação material». Por outro lado, essa opção decorre de uma ampla liberdade de conformação legislativa, não sendo possível definir através da Constituição o conteúdo exacto da prestação e o modo e condições ou pressupostos da sua atribuição, ou imputar-lhe uma intencionalidade que vá além de um conteúdo mínimo que possa directamente resultar das directrizes constitucionais (idem, págs. 190-191 e 398).

Estando em causa, no caso concreto, uma prestação estadual subsidiária destinada a suprir o incumprimento da obrigação de alimentos familiar, afigura-se não ser possível invocar a violação do princípio da igualdade, a partir da fixação do limite estabelecido para o montante superior da prestação, com base na discriminação que possa existir entre as diversas situações concretas, designadamente em razão do maior ou menor número de menores a cargo daquele que estava obrigado à prestação de alimentos.

Importa notar que a determinação da medida ou extensão dos alimentos, por força do próprio critério legal consignado no artigo 2004º do Código Civil, varia em função das possibilidades daquele que houver de prestá-los e das necessidades daquele que houver de recebê-los, pelo que a fixação do seu montante não pode basear-se no custo médio normal de subsistência do alimentando, mas em diversos outros factores em que entra em linha de conta, com especial relevo, a condição económica e social do obrigado. E não é indiferente, para esse efeito, que o vínculo respeite não a um único, mas a vários menores carecidos de alimentos, como ocorre no caso vertente.

Nestes termos, a capacidade económica do progenitor em função do número de menores a quem deve prover ao sustento não pode deixar de constituir um critério objectivo de quantificação dos alimentos, e influenciar o montante da pensão a atribuir a cada um dos alimentandos.

E, como vimos, a prestação social prevista na Lei n.º 75/98, visando substituir a obrigação legal de alimentos em caso de incumprimento, corresponde tendencialmente àquela que foi judicialmente fixada e deixou de ser paga, e reflecte, nessa medida, as particularidades do caso concreto e as vicissitudes que condicionaram a fixação do montante da obrigação alimentar originária.

Tratando-se uma prestação autónoma de segurança social, não há dúvida que ela é atribuída de acordo com certos critérios objectivos que são aplicáveis a todas as crianças que se encontrem na mesma situação: existência de sentença que fixe os alimentos; residência do devedor em território nacional; inexistência de rendimento líquido superior ao salário mínimo nacional de que o menor possa beneficiar; não pagamento pelo devedor da obrigação de alimentos. Mas pelo seu carácter de subsidiariedade, o montante da prestação substitutiva do Estado está necessariamente dependente da situação económica e familiar em que se encontra inserido o menor, aí relevando, também, o valor da prestação de alimentos que foi fixada judicialmente, as possibilidades económicas do progenitor e a possível pluralidade de vínculos.

Em todo este contexto, a situação de desigualdade gerada pela limitação do montante da prestação social a 4 UC por cada devedor, quando se torne necessário efectuar o rateio desse valor máximo entre diversos menores que sejam filhos de um mesmo devedor (no confronto com quaisquer outros casos em que a um devedor corresponda um único credor), decorre da própria situação de vida concretamente considerada, e não propriamente de um critério normativo fixado legislativamente.

O que poderia discutir-se é se é constitucionalmente aceitável o estabelecimento desse limite ou se o critério de determinação do montante máximo da prestação não deveria antes ter por base a pessoa do credor dos alimentos, e não a do devedor.

Valem aqui, no entanto, as considerações já anteriormente expendidas sobre a tutela jurídico-constitucional dos direitos sociais. Estando em causa direitos a prestações, que, como tal, devam caracterizar-se como actuações positivas do Estado, a sua concretização, para além de um conteúdo mínimo que se torne determinável através dos próprios preceitos constitucionais, depende de conformação político-legislativa e, em muitos casos, da existência e disponibilidade de meios materiais, que, em qualquer caso, não pode ser objecto de reexame ou controlo jurisdicional.

Não se vê, por outro lado, em que termos podem considerar-se violadas, no caso, as disposições dos artigos 26º e 69º da Constituição.

Este último preceito consagra um direito das crianças à protecção da sociedade e do Estado, que se dirige não apenas aos poderes públicos, em geral, mas também aos cidadãos e às instituições sociais, e que necessariamente envolve, antes de mais, o dever de protecção pela própria família, incluindo os progenitores. Em articulação com esse princípio, o artigo 36º, n.º 5, consigna o direito e o dever dos pais em relação à educação e manutenção dos filhos, permitindo caracterizar um verdadeiro direito-dever subjectivo, e que implica especialmente o dever de prover ao sustento dos filhos. Qualquer dessas disposições destinam-se a assegurar o desenvolvimento integral da criança e, nessa medida, dão cobertura ao direito ao desenvolvimento da personalidade a que se refere o artigo 26º, n.º 1, da Constituição (Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4ª edição, Coimbra Editora, págs. 565 e 869).

No caso, o Estado, através da Lei n.º 75/98 e do seu diploma regulamentar, veio justamente instituir uma garantia dos alimentos devidos a menores, atribuindo uma prestação social destinada a suprir as situações de carência decorrentes do incumprimento por parte da pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos, dando assim concretização prática ao direito de protecção às crianças que deriva daquele artigo 69º e, mediatamente, ao direito ao desenvolvimento da personalidade a que alude o também citado artigo 26º.

Não é possível, por isso, imputar à questionada norma do artigo 2º, n.º 1, a violação de qualquer dos referidos preceitos constitucionais.

Aderindo inteiramente a esta orientação jurisprudencial do TC, considera-se que a interpretação normativa do art. 2º, nº1, da Lei 75/98 , atrás enunciada, não viola qualquer preceito ou princípio da Constituição , tal como não ofende seguramente os deveres de necessidade e auxílio dos menores carenciados, impostos pelas Convenções internacionais vinculativas do Estado Português, particularmente num caso concreto caracterizado por o referido limite de 4UC ser aplicável com vista a substituir uma prestação devida pelo progenitor no montante global de €100, de que é actualmente credor apenas um dos menores, por o outro ter já atingido a maioridade.

7. A recorrente requereu ainda, a título subsidiário, que - caso se entendesse que o referido valor máximo de 4 UC vigora independentemente do número de menores, credores da prestação alimentar incumprida – se adjudicasse tal valor pecuniário na íntegra à menor CC, por entretanto o outro filho ter atingido a maioridade.
Considera-se, porém, que tal pretensão, implicando a análise casuística das necessidades do menor e culminando num juízo prudencial subordinado a critérios de oportunidade, conveniência e equidade, extravasa as competências do STJ no âmbito de um recurso de revista, necessariamente circunscrito à dirimição de «questões de direito» - cfr. art. 1411º, nº2, do CPC : e, nestes termos, entende-se que caberá às instâncias, após os presentes autos lhe serem remetidos, apreciar a questão suscitada pela recorrente, determinando os possíveis reflexos da superveniente maioridade de um dos interessados no valor da prestação determinado quanto à filha que subsiste como menor/credora de alimentos.

8. Nestes termos e pelos fundamentos apontados nega-se provimento à revista.
Custas pela recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário que lhe foi concedido.


Lisboa, 7 de Abril de 2011

Lopes do Rego (Relator)
Orlando Afonso
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (Vencida em parte. Concederia provimento parcial à revista, fixando em 3 (três) UCs a prestação mensal ao (então) menor CC e em 4 (quatro) UCs a prestação à menor DD, a suportar pelo Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, pelos motivos constantes do acórdão deste Supremo Tribunal de 4 de Junho de 2009 (www.dgsi.pt, proc. 91/03. TQPDL.S1).)