Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
87/15.1YFLSB.S1
Nº Convencional: 5ª SECÇÃO
Relator: MANUEL BRAZ
Descritores: HABEAS CORPUS
PRISÃO ILEGAL
PENA DE EXPULSÃO
IDENTIDADE DO ARGUIDO
Data do Acordão: 07/09/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: HABEAS CORPUS
Decisão: INDEFERIDO
Área Temática:
DIREITO PENAL - CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO / PENAS / PENA DE PRISÃO / PENAS ACESSÓRIAS / PENA DE EXPULSÃO DO TERRITÓRIO NACIONAL.
DIREITO PROCESSUAL PENAL - IMPUGNAÇÃO DA PRISÃO ILEGAL - EXECUÇÃO DAS PENAS.
Legislação Nacional:
CEPMPL: - ARTIGO 188.º-A, N.º1, AL. B).
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 222.º, N.º2, 468º, ALÍNEA A), 2ª PARTE.
LEI N.º 23/2007, DE 04-07, NA REDACÇÃO DADA PELA LEI N.º 29/2012, DE 09-08: - ARTIGOS 151.º, N.º 4, AL. B), 160.º, N.ºS 1 E 2, 162.º.
Sumário :
I -   Nos termos do n.º 2 do art. 222.º do CPP, o pedido de habeas corpus, relativamente a pessoa presa, tem de “fundar-se em ilegalidade da prisão proveniente de: a) Ter sido efectuada ou ordenada por entidade incompetente; b) Ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite; ou c) Manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial”.

II -   O recorrente, nos termos da referida al. c), pretende que a situação de prisão em que se encontra devia ter sido posto termo em 24/06/2015, com a execução da pena de expulsão, nos termos do art. 151.º, n.º 4, al. b), da Lei 23/2007, de 04-07, na redacção dada pela Lei 29/2012, de 09-08, na medida em que nessa data completou o cumprimento de dois terços da pena de 8 anos de prisão em que foi condenado.

III -   Essa norma, que repete o art. 188.º-A, n.º 1, al. b), do CEPMPL, pressupõe a verificação das condições necessárias à execução da pena de expulsão. No caso, tais condições não estão reunidas, por que não se sabe quem o condenado verdadeiramente é, estando em curso averiguações com essa finalidade. O requerente pode ser X, cidadão marroquino, tal como consta da decisão condenatória, ou Y, cidadão argelino, identidade assumida posteriormente, estando de pé a possibilidade de não ser uma coisa, nem outra.

IV - Não podendo executar-se a pena de expulsão, não há que falar em prisão ilegal, sendo de indeferir a petição de habeas corpus por falta de fundamento.

Decisão Texto Integral:

                        Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

            Por decisão transitada em julgado proferida no âmbito do processo nº 138/10.6GDPTM da comarca de Faro, instância central de Portimão, 2ª secção criminal – J2, um cidadão que se considerou ser de nacionalidade marroquina, com o nome de AA, foi condenado na pena única de 8 anos de prisão e na pena acessória de expulsão do país pelo período de 10 anos.

            Em 30/06/2015 foi apresentado no Supremo Tribunal de Justiça o seguinte requerimento subscrito por quem se diz ser BB:

            «BB(…), que anteriormente também foi conhecido por AA (…), vem (…) requerer a providência de Habeas Corpus, nos termos dos artigos 222º e seguintes do Código de Processo Penal, por se encontrar em prisão ilegal, nos termos e com os fundamentos seguintes:

1. Tal como há já dois meses informou o TEP de Évora, o recluso atingiu os 2/3 do cumprimento da pena de prisão em que se encontrava condenado no passado dia 24/6/2015.

2. Nesse dia, de manhã, voltou a enviar ao TEP de Évora um requerimento para que fosse libertado de imediato, o que até ao momento não só não aconteceu como tais requerimentos nem sequer mereceram deste tribunal qualquer tipo de resposta.

3. Ora, a Lei 29/2012 de 9/8 determina na alínea b) do nº 4 do artigo 151 que, quando o arguido tem uma pena de expulsão, como é o caso do ora requerente, o juiz de execução de penas tem de a executar logo que cumpridos 2/3 da pena, para penas superiores a 5 anos, como é o caso do ora recluso. Situação que até ao momento ainda não aconteceu, apesar dos vários requerimentos do recluso.

Termos pelos quais vem junto de V. Exas solicitar a reparação desta ilegalidade e a correcção da mesma com a declaração de Habeas Corpus, por prisão ilegal, que já excedeu o prazo previsto na lei, desde a passada quarta-feira, dia 24/6/2015».

O juiz do tribunal da condenação remeteu ao Supremo Tribunal de Justiça cópia da respectiva decisão e da liquidação da pena, resultando desse documento estarem cumpridos dois terços da pena de prisão em 24/06/2015, e informou que o condenado está identificado nos autos como sendo AA, correndo, porém, termos no DIAP de Portimão um inquérito onde se averigua a sua verdadeira identidade, designadamente se o seu nome será Boufassi Laaradj.

Solicitada informação complementar ao TEP de Évora, foi pelo respectivo juiz informado o seguinte:

«Perante o processo da condenação o recluso identificou-se como AA, cidadão do Reino de Marrocos, sendo que posteriormente veio a identificar-se como cidadão da República da Argélia, o que fez igualmente aquando da sua audição com vista à apreciação dos pressupostos da concessão da liberdade condicional.

Pelo processo de inquérito nº 589/14.7TAPTM, que pende na 1ª secção do Departamento de Investigação e Acção Penal de Portimão da comarca de Faro, fomos informados em 28 de Maio de 2015 que se aguarda confirmação, pelas autoridades argelinas, da verdadeira identidade do ali arguido, aqui recluso.

Este Tribunal da Execução das Penas solicitou ao processo da condenação informação sobre a alteração da identidade do recluso no acórdão cumulatório, ao que ainda não foi dada resposta.

Perante o exposto, nomeadamente pela indefinição da identidade do recluso no que tange ao nome e à nacionalidade, vem entendendo este Tribunal da Execução das Penas que não é possível executar a pena de expulsão».

Realizada a audiência, cumpre decidir.

Fundamentação:

Nos termos do nº 2 do artº 222º do CPP, o pedido de habeas corpus, relativamente a pessoa presa, tem de «fundar-se em ilegalidade da prisão proveniente de: a) Ter sido efectuada ou ordenada por entidade incompetente; b) Ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite; ou c) Manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial».

A alegação do requerente, não nomeando expressamente qualquer desses fundamentos de habeas corpus, tem claramente em vista o da alínea c), pois pretende que à situação de prisão em que se encontra devia ter sido posto termo em 24/06/2015, com a execução da pena de expulsão, nos termos do artº 151º, nº 4, alínea b), da Lei nº 23/2007, de 4 de Julho, na redacção dada pela Lei nº 29/2012, de 9 de Agosto, na medida em que nessa data completou o cumprimento de dois terços da pena de 8 anos de prisão em que foi condenado.

E, na verdade, aquela disposição legal estabelece: «Sendo decretada a pena acessória de expulsão, o juiz de execução de penas ordena a sua execução logo que cumpridos: Dois terços da pena, nos casos de condenação em pena superior a cinco anos de prisão».

Mas essa norma, que repete o artº 188º-A, nº 1, alínea b), do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, aprovado pela Lei nº 115/2009, de 12 de Outubro [«Tendo sido aplicada pena acessória de expulsão, o juiz ordena a sua execução logo que: Cumpridos dois terços da pena, nos casos de condenação em pena superior a 5 anos de prisão»], pressupõe a verificação das condições necessárias à execução da pena de expulsão. E no caso essas condições não estão reunidas.

Não estão porque não se sabe quem o condenado verdadeiramente é. Isso não pôde ainda ser esclarecido, estando em curso averiguações com essa finalidade. O requerente pode ser AA, cidadão marroquino, tal como consta da decisão condenatória, ou BB, cidadão argelino, identidade assumida posteriormente, estando de pé a possibilidade de não ser uma coisa nem outra.

Ora, desde logo, se é certo que, nos termos do nº 1 do artº 160º da Lei nº 23/2007, «ao cidadão estrangeiro contra quem é proferida decisão de expulsão judicial é concedido um prazo de saída do território nacional, entre 10 e 20 dias», também o é que o condenado pode ser entregue à custódia do SEF, para o seu encaminhamento para um determinado país, seja por se entender que há «razões concretas e objectivas geradoras de convicção de intenção de fuga», em conformidade com o nº 2 do mesmo preceito, seja por incumprimento daquele prazo. E para esse encaminhamento, também pressuposto no artº 162º do mesmo diploma [«A execução da decisão (…) de expulsão é comunicada, pela via diplomática, às autoridades competentes do país de destino do cidadão estrangeiro»], torna-se necessário conhecer, pelo menos, a nacionalidade do condenado.

Note-se ainda que com os dados nesta altura disponíveis não está mesmo excluída a possibilidade de o condenado ser cidadão português, caso em que a pena de expulsão, só prevista para estrangeiros, não seria exequível, à luz do artº 468º, alínea a), 2ª parte, do CPP, e ficaria por isso afastada a situação a que se refere o artº 151º, nº 4, alínea b), da Lei nº 23/2007, alegada como fundamento da petição de habeas corpus.

Assim, não podendo executar-se a pena de expulsão e não estando ainda cumpridos cinco sextos da pena de prisão, não há que falar em prisão ilegal, designadamente por excesso de prazo.

Decisão:

Em face do exposto, acordam os juízes do Supremo Tribunal de Justiça em indeferir a petição de habeas corpus, por falta de fundamento.

Condena-se o requerente a pagar as custas, fixando-se em 2 UC a taxa de justiça.

 

                                               Lisboa, 09/07/2015

Manuel Braz (Relator)