Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
07S048
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: VASQUES DINIS
Descritores: NULIDADE DE ACÓRDÃO
ERRO DE JULGAMENTO
MATÉRIA DE FACTO
MATÉRIA DE DIREITO
TRANSFERÊNCIA DE TRABALHADOR
PREJUÍZO SÉRIO
RESCISÃO PELO TRABALHADOR
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
Nº do Documento: SJ200710100484
Data do Acordão: 10/10/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE
Sumário :
I - A arguição de nulidades dos acórdão da Relação deve, em face do disposto nos arts. 77.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, e 716.º do Código de Processo Civil, ser feita expressa e separadamente no requerimento de interposição do recurso, e não nas respectivas alegações, sob pena de se considerarem extemporâneas e delas se não conhecer.
II - Porém, se a parte alega no recurso uma incorrecta valoração da situação de facto e errónea interpretação e aplicação da lei feita pelo acórdão recorrido, tal situação configura erro de julgamento, e não nulidade de acórdão.
III - Em acção intentada por uma trabalhadora contra a entidade empregadora, com fundamento na rescisão do contrato com justa causa, por a transferência do local de trabalho lhe causar prejuízo sério, a expressão «A alteração de horários (…) trouxe à A. perturbações familiares», constante da decisão da matéria de facto, traduz um juízo de facto, cuja averiguação é permitida e cuja existência, como acontecimento, pode ser afirmada.
IV - Constitui prejuízo sério, para efeito do exercício do direito de rescisão do contrato de trabalho com indemnização [art. 24.º, n.º 1 e 2 do Regime Jurídico do Contrato de Trabalho, aprovado pelo DL n.º 49 498, de 24-11-69 (LCT)], o facto de uma trabalhadora, que reside e trabalha há cerca de 28 anos em Cascais, ter sido transferida para a zona Oriental de Lisboa, passando a ter que percorrer diariamente cerca de 50 Km, com um acréscimo não só das despesas, como de cerca de 3 horas e 35 minutos de tempo de deslocação, tempo que deixou de poder dedicar ao convívio familiar, confecção de refeições, lide de casa e repouso.
V - A litigância de má fé é uma questão de natureza processual, sendo o recurso de agravo o próprio para impugnar a decisão sobre tal matéria.
VI - Sempre que o recurso de revista seja o próprio, a lei admite que o recorrente invoque, além da violação de lei substantiva, a violação de lei do processo, quando desta for admissível o recurso, nos termos do n.º 2, do art. 754.º do CPC, de modo a interpor do mesmo acórdão um único recurso.
VII – Porém, não se verificando qualquer das excepções previstas na segunda parte do n.º 2 e no n.º 3, do art. 754.º do CPC, não é admissível recurso da decisão da Relação que confirmou a condenação, por litigância de má fé, proferida na 1.ª instância.

Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

I

1. AA instaurou, em 26 de Outubro de 2001, no Tribunal do Trabalho de Cascais, acção como processo comum, contra BB e “CC, CRL”, pedindo, no articulado inicial, a condenação dos Réus, nos seguintes termos:
– A ré “CC”, no pagamento de uma indemnização no valor, à data da propositura da acção, de Esc. 3.990.000$00, calculada nos termos do artigo 13.º n.º 3 da LCCT (1).
, ou, ficando provada a ilegalidade da transferência, a condenação do mesmo valor do Réu BB;
– A ré “CC”, no pagamento da quantia de Esc.: 244.823$00, a título de salários em atraso, subsídios de férias e de Natal devidos à mesma, acrescidos de juros de mora, vencidos, computados, à data da propositura da acção, em Esc. 46.618$00, e vincendos até integral pagamento, ou, ficando provada a ilegalidade da transferência, a condenação do Réu BB, naquele pagamento;
– Ambos os Réus, no pagamento de uma indemnização pela não entrega, atempada, à Autora, da Declaração comprovativa da sua situação laboral, nos termos do n.º 3 do art. 58.º da LCCT, motivo que obstou à atribuição, até à data da propositura da acção, de Subsídio de Desemprego e, ainda, por serem os responsáveis pela Baixa Médica que a autora se viu forçada a obter dada a sua debilidade física resultante das atitudes das rés, em valor nunca inferior a Esc. 448.875$00;
– Ambos os Réus no pagamento dos honorários do mandatário da Autora, em montante nunca inferior a 400.000$00.

Em requerimento apresentado antes de designado dia para a audiência de partes, a Autora veio corrigir os valores mencionados no artigo 63.º da petição, por forma a ser considerada em dívida a importância de Esc.: 420.175$00, acrescida de juros de mora, atingindo tudo, em 19 de Novembro de 2001, o montante de 440.159$00, e, em consequência, o valor do seu pedido inicial o montante global de Esc.: 5.279.034$00.

Para fundar a sua pretensão, alegou, em síntese, que:

– Desde 1 de Outubro de 1973 trabalhou para o Réu BB, desempenhando as funções correspondentes à categoria de 2.ª Caixeira, em estabelecimento sito na Largo da ..., no centro da Vila de Cascais, localidade onde sempre residiu e reside, sendo o trabalho prestado em ambiente calmo e silencioso, num horário com duas horas de intervalo para almoço e descanso, que lhe permitia ir a casa preparar a refeição para o marido e dois filhos e, assim, poupar o equivalente ao subsídio de refeição que mensalmente auferia, além de fazer parte da lide da casa, uma vez que residia a quatro quilómetros do local de trabalho, distância que, em viatura própria, percorria em cerca de dez minutos, permitindo-lhe, outros sim, ao fim do dia de trabalho, porque chegava a casa pouco depois das 19.00 horas, preparar o jantar para a família.
– Na sequência de carta recebida em 28 de Fevereiro de 2001, em que o Réu lhe comunicava a cessação definitiva do exercício da actividade de armazenista de produtos farmacêuticos, alegando ter vendido a «mencionada actividade» à Ré, a Autora foi obrigada a apresentar-se nas instalações da Ré “CC”, sitas na Avenida ..., em Lisboa, em 1 de Março de 2001;
– A Autora, perante tal imposição e com receio de represálias, apresentou-se nas ditas instalações, no dia indicado, tendo, então, verificado que teria de trabalhar, numa sala juntamente com 25 pessoas, exercendo, contrariamente ao que antes sucedia, funções totalmente mecanizadas, por isso redutoras da atenção e concentração, com permanente ruído provocado por passadeiras rolantes, de pé todo o dia, sem que por perto existisse um local onde pudesse descansar as pernas; verificou, também, que o novo horário de trabalho que lhe impunham contemplava apenas uma hora de intervalo para o almoço e descanso, passando a sair às 18.00, mas com a probabilidade de lhe vir a ser imposto outro horário para a realização de turnos; verificou, ainda, que lhe retiraram o subsídio de refeição, impondo-lhe que almoçasse no refeitório da Ré.
– Para entrar ao serviço às 9.00 horas, passava a ter de sair de casa pelas 7.00 horas, regressando por volta das 21.00 horas, fazendo o percurso para o trabalho em transportes públicos e a pé, com o que teria de despender, só para um passe, mensalmente, cerca de Esc.: 7.000$00.
– De tudo resultaram para a Autora graves consequências físicas e psíquicas, bem como graves perturbações familiares, que levaram a rescindir, com justa causa, o contrato de trabalho que havia celebrado com o Réu BB, o que comunicou em carta que, em 15 de Março de 2001, lhe enviou, com conhecimento à Ré;
– Tendo, posteriormente, solicitado à Ré o pagamento de salários em atraso devidos até 16 de Março e das importâncias correspondentes a subsídios de férias e de Natal, bem como a emissão de uma declaração comprovativa de que havia rescindido o contrato com justa causa, para efeito de se habilitar ao subsídio de desemprego, aquela apenas lhe remeteu um cheque no valor de Esc.: 20.842$00, acompanhado de um recibo para que a Autora nele declarasse que nada mais tinha a receber, e da declaração com a falsa menção de que o contrato tinha sido rescindido sem justa causa.
– O estabelecimento em que a Autora trabalhava não foi objecto de trespasse, pois que dos seus elementos componentes, apenas os trabalhadores foram, ilegalmente, transferidos do Réu BB para a Ré “CC”.
2. Na contestação conjunta, os demandados invocaram a ilegitimidade do Réu, a caducidade do direito de acção, a parcial falta de correspondência entre os factos alegados na petição inicial com os que constam da carta de rescisão, e contrariaram a tese da Autora, no que respeita à verificação de justa causa para a rescisão do contrato, reconhecendo que a Ré lhe deve, apenas, a importância de Esc.: 383.028$00, quantia a que deve ser abatido o montante de Esc.: 281.000$00, correspondente à indemnização a que a Ré tem direito por o contrato ter sido rescindido sem justa causa com desrespeito pelo período de aviso prévio.
3. A Autora respondeu, pugnado pela improcedência das excepções deduzidas na contestação e pedindo a condenação dos demandados por litigância de má fé.
4. Na sequência da junção da Autora de um documento, relativamente ao qual foi pelos Réus arguida a falsidade, pediram estes a condenação daquela, em multa e indemnização, cuja fixação deixaram ao critério do tribunal, como litigante de má fé.
5. Na audiência preliminar, foi proferido despacho saneador, no qual, além do mais, se julgou parte legítima o Réu BB, se relegou para a fase de sentença a apreciação da excepção de caducidade, e se procedeu à condensação, fixando-se a matéria de facto já, então, assente e organizando-se a base instrutória.

Realizado o julgamento, veio a ser proferida sentença na qual, julgando-se a acção parcialmente procedente, se decidiu:

– Absolver o Réu BB dos pedidos contra si formulados;
– Condenar a Ré “CC, CRL” a pagar à Autora as seguintes quantias ilíquidas:
a) A título de indemnização devida pela rescisão, com justa causa, do contrato de trabalho – € 19.902,04;
b) A título de retribuição relativa a 5 dias de trabalho prestado no mês de Março de 2001 – € 114,64;
c) A título de férias e subsídio de férias vencidos em 1 de Janeiro de 2001 – € 11.421,57;
d) A título de proporcionais de férias, respectivo subsídio e subsídio de Natal tendo em conta o trabalho prestado no ano da cessação do contrato – € 432,31;
e) Nos juros sobre as quantias aludidas em b) a d) vencidos, desde 16 de Março de 2001 até à data da sentença, à taxa anual de 7%, até 30 de Abril de 2003, e de 4% a partir daí, e nos juros vincendos, à taxa legal, até integral pagamento;
– Condenar a Autora como litigante de má fé na multa de 1 UC e em igual quantia de indemnização a cada um dos Réus.
6. Da sentença apelaram a Autora, para ver revogada a condenação por litigância de má fé, e a Ré “CC” a pugnar pela absolvição do pedido, na parte não confessada.

O Tribunal da Relação de Lisboa proferiu douto acórdão em que decidiu:

[...]

A – Julgar improcedente a apelação interposta pela autora, confirmando-se nessa parte a sentença recorrida;

B – Julgar parcialmente procedente a apelação deduzida pela ré “CC – , CRL” e, consequentemente, altera-se a sentença recorrida nos seguintes termos:

a) Absolve-se a ré/apelante também do pedido de indemnização com fundamento em rescisão com justa causa;

b) Reconhece-se a favor da ré/apelante o direito a uma indemnização no montante de € 1.401,62 (mil quatrocentos e um euros e sessenta e dois cêntimos) por incumprimento do prazo de aviso prévio na rescisão de contrato levada a efeito pela autora e que esta deve suportar;

c) Mantém-se no mais a sentença recorrida, ou seja, os créditos reconhecidos a favor da autora e que a ré/apelante foi condenada a pagar, créditos esses discriminados nas alíneas b), c), d) e e) da parte decisória daquela.

C) – Proceder à pretendida compensação de créditos, devendo a ré/apelante pagar à autora/apelada a importância ilíquida no montante de € 562,90 (quinhentos e sessenta e dois euros e noventa cêntimos) acrescida de juros moratórios vencidos nos termos especificados na alínea e) do n.º 2 da decisão recorrida e que aqui se dão por reproduzidos.

[...]

Discordando desta decisão a Autora veio pedir revista, a pugnar pela repristinação da decisão da 1.ª instância, salvo quanto à condenação por litigância de má fé, formulando, a terminar a respectiva alegação, as conclusões assim redigidas:

[...]

a) Foi, a ora Recorrente, condenada como litigante de má fé na liquidação de 1 unidade de conta e em igual quantia de indemnização a cada um dos Réus;
b) Tal decisão teve o seu cerne no Despacho de fls. 276 e no consequente requerimento aduzido pela ora Recorrente e constante de fls. 281 a 283;
c) Ora de acordo com o Douto Tribunal a quo importava esclarecer se a então A. havia posto termo ao contrato de trabalho com a R “CC” em 15.3.2001 e quais os fundamentos que invocou para a rescisão,
d) Importando ainda esclarecer se a A. se limitou a enviar à referida R. cópia do documento rescisório que constituía o documento n.º 18.
e) Uma vez que, à revelia do articulado pelas partes, quer na Petição Inicial que na Contestação, o Douto Tribunal a quo questionou a ora Recorrente no sentido de esclarecer se se limitou a enviar à então R. “CC” cópia do documento rescisório que constituía o documento n.º 18 junto com a petição inicial.
f) Em resposta a tal notificação foi, pela ora Recorrente, alegado que havia, de facto, endereçado registadas com aviso de recepção, aos então RR., duas cartas de idêntico teor rescindindo a justa causa do seu contrato de trabalho,
g) Na verdade, a A., ora Recorrente, em de 15 de Março de 2001, confrontada com a duplicação criada pelas RR, endereçou, registadas com aviso de recepção, à “CC” e à “BB”, duas cartas de idêntico teor rescindindo com justa causa o seu contrato de trabalho.
h) É inequívoca a confissão da R “CC” sobre a recepção de tal documento, uma vez que na sua peça contestatória, em momento algum sequer invocou o desconhecimento da denúncia e a sua responsabilidade, defendendo-se sempre alegando a injustificabilidade da justa causa, não por inexistência de denúncia mas procurando contrariar cada um dos factos alegados, desde sempre, pela ora Recorrente.
i) Com o fito de evitar que a A. se tornasse numa bola de “ping pong” entre as RR. procedeu à Rescisão junto da RR. “CC” endereçando igual documento à R. “BB”;
j) Estes factos foram já confessados pelas mencionadas RR., que em momento algum questionaram o seu conhecimento da denúncia efectuada, tanto mais que acabou a R. “CC” por enviar à A., ainda que mal preenchido e fora de prazo, Declaração para efeitos de Desemprego,
k) Pelo que não vislumbra a A. possa ser posta em causa, ou seja susceptível de ficar comprometida, sequer parcialmente, a sua boa fé bem patenteada ao longo dos presentes Autos.
l) Para prova do alegado procedeu, a ora Recorrente, à junção de cópia de carta enviada bem como do talão de registo e aviso de recepção já inclusos, aliás, na Petição Inicial junto ao Doc. n.º 18.
m) Ora ainda de acordo com a própria Douta Sentença, a própria R. “CC” reagiu a tal missiva mediante o envio de carta constante de fls. 67 (procedendo ao envio de cheque e respectivo recibo) bem como a respectiva e tardia declaração para efeitos de concessão de subsídio de desemprego, conforme fls. 80 dos Autos.
n) Em face do exposto não se vislumbra que facto pessoal foi por si alegado que não correspondesse à verdade, bem pelo contrário,
o) Uma vez que sempre alegou que o original da missiva em apreço se encontrava na posse...da R. “CC”, receptora de tal documento.
p) Os únicos documentos originais que sobre esta matéria dispunha eram o talão de registo e aviso de recepção, os quais encontram-se inclusos nos Autos desde a sua petição inicial anexos ao Doc. n.º 18, não sendo, aliás, em momento algum impugnados pelos RR.;
q) Aliás, a ora Recorrente em momento algum dos Autos afirmou que se encontrava na posse do original de tal missiva apenas alegou que a enviara e os RR. reconheceram a recepção de uma carta na data indicada por aquela.
r) Ora, vieram os RR. alegar que tal missiva era uma reprodução de outro documento e que os documentos relativos ao envio pelo correio de tal carta eram cópia dos que se referiam ao envio à R “CC” de uma missiva a dar-lhe conhecimento da carta de rescisão enviada ao 1.º R.
s) Ora o que resulta dos Autos e do retro exposto é exactamente a confirmação pela R. “CC” de uma carta de teor rescisório do contrato de trabalho,
t) Pelo que a A., ora Recorrente, não alegou qualquer facto que não correspondesse à verdade.
u) Assim sendo não se vislumbra qualquer fundamento para ser, pelo Douto Tribunal, julgado como verificado[s] os pressupostos consignados nos art.os 456.º, n.º 1 e 2, b), do Cód. de Proc. Civil,
v) Consequentemente sendo, a ora Recorrente, injustamente condenada como litigante de má fé.
w) Sem prescindir, é inequívoco que o R. BB vendeu o estabelecimento à R. CC, ora Recorrente;
x) Transmitindo-se, em consequência, para esta, nos termos do disposto no art.º 37.º da LCT, a posição que a primeira detinha no contrato de trabalho celebrado com a CC;
y) Ora nos termos do acordado entre as ambas as RR., ocorreu uma transferência do próprio estabelecimento obrigando a uma transferência do próprio local de trabalho dos trabalhadores;
z) Tal facto foi, aliás, comunicado aos trabalhadores (Vide resposta ao quesito 30.º e fundamentação de facto do Acórdão).
aa) Em obediência ao determinado, a ora Alegante e recorrente apresentou--se no dia 1/3/01 no seu novo local de trabalho onde prestou serviço durante 5 dias. (Vide alínea H e BB e resposta ao quesito n.º 24.º)
bb) Perante tal alteração do seu local de trabalho, a ora Alegante e recorrente constatou as efectivas profundas alterações do seu quotidiano adveniente à transferência do seu local de trabalho de Cascais para Lisboa;
cc) Assim sendo, a ora alegante, não só viu transferid[a] a prestação laboral que efectuava para um novo local de trabalho que distava cerca de 30 Km do seu anterior posto e local de trabalho, como, igualmente, não lhe foram asseguradas o pagamento das despesas efectuadas com essa transferência, em violação expressa e dolosamente da legislação em vigor (vide respostas aos quesitos n.º 18.º, 20.º, 25.º e 38.º e fundamentação de facto do Acórdão);
dd) Nesta conformidade, a A., ora Alegante, ex-trabalhadora das co-RR no presente processo, tem, indubitavelmente, direito, nos termos dos art.os 11.º, 12.º do Dec. Lei 409/71 de 27 de Setembro e nos termos do art.º 24.º da LCT a ser indemnizada por ocorrência de Justa Causa para de Rescisão, conforme foi, e bem, decidido pelo Douto Tribunal a quo, não obstante o manifesto desespero da ora Recorrente,
ee) Ora ocorrendo justa causa, como é o caso do petitório da A. ora Alegante, o trabalhador terá direito a receber uma indemnização, nos termos dos art.os 36.º e 13.º n.º 3 do diploma mencionado no art.º anterior;
ff) Sem prescindir, nos termos do art.º 24.º do Dec. Lei n.º 49 408 de 24 de Novembro, no caso de ocorrer uma transferência do trabalhador para outro local de trabalho, causando, a mesma, um prejuízo sério aquele, conforme o supra explanado, tem direito a receber a indemnização prevista nos art.os 36.º e 13.º n.º 3 da LCCT;
gg) Perante todo o retro explanado é inquestionável o direito da A. ora Alegante e recorrente a receber tal indemnização, não se vislumbrando, a não ser por má fé, a falta de liquidação da mesma pela sua ex-entidade patronal;
hh) Na verdade, conforme matéria dada como provada, aceite e não impugnada pela Recorrente, a ora Alegante e recorrente que sempre viveu e trabalho[u] em Cascais, com um determinado horário de trabalho, auferindo um subsídio de refeição diário, foi transferida para Lisboa (vide factos assentes B, CV, D, E e F);
ii) Ficou, igualmente, provado as alterações quer do local de trabalho da ora Alegante e ora recorrente, quer das próprias condições do mesmo quer, por fim, do próprio horário de trabalho da mesma (vide resposta aos quesitos n.os 1.º, 2.º, 3.º, 4.º, 5.º, 6.º, 9.º, 10.º, 11.º, 13.º, 15.º, 16.º, 18.º, 19.º, 20.º, 21.º, 22.º, 23.º, 24.º, 52.º e 54.º e fundamentação de facto constante do Acórdão);
jj) Assim sendo e não obstante o esforço titânico da Recorrente em justificar o injustificável... ocorreu, inquestionavelmente, justa causa para a rescisão pela ora Alegante, do seu contrato de trabalho, não se vislumbrando qualquer fundamentação para a decisão que se que[r] em crise;
kk) Ao fim do referido período constatou, na “pele”, os prejuízos que estava a sofrer com tal mudança de local de trabalho e, assim, perante tal transferência de responsabilidades, outra solução não lhe restou que a de rescindir o seu contrato de trabalho por justa causa. (Vide factos assentes H, IX, e BB e das resposta aos quesitos n.os 1.º, 3.º, 4.º, 5.º, 6.º, 8.º, 10.º, 11.º, 13.º, 15.º, 16.º, 18.º, 19.º, 20.º, 21.º, 22.º, 23.º, 24.º, 25.º, 26.º, 32.º, 38.º, 40.º a 43.º, 44.º, 46.º, 49.º, 50.º, 52.º, 53.º e 54.º);
ll) Sem prescindir, e ao invés do alegado pela Recorrente, e no Douto Acórdão que ora se quer em crise, basta matéria quesitada e provada consubstanciou a justa causa para a rescisão invocada e o comportamento culposo da sua entidade empregadora. (Vide reposta aos quesitos n.º 1.º, 2.º, 8.º, 9.º, 10.º, 11.º, 13.º, 15.º, 16.º, 20.º, 21.º, 22.º, 23.º, 24.º, 25.º, 26.º, 38.º, 39.º,40.º a 43.º, 49.º, 52.º, e 53.º);
mm) Os factos são evidentes e de acordo com a legislação, Doutrina e Jurisprudência: vide a titulo meramente exemplificativo Acórdão da Relação do Porto, (Abel Saraiva), de 1992.06.08, Boletim do Ministério da Justiça, 418, pág. 857. “I – No caso de transferência do estabelecimento para outro local, o trabalhador, salvo se dessa mudança não resultar para ele prejuízo sério, tem direito a ser indemnizado.

II – Tal prejuízo verifica-se se o trabalhador com a transferência viu agravado o tempo total do trajecto e ficou impossibilitado de se deslocar à sua residência durante o intervalo para a refeição.”

nn) O Douto Acórdão omite que é sobre o empregador que recai o ónus da prova da não existência de prejuízo sério para o trabalhador, sendo certo que é ao trabalhador que cumpre alegar as circunstâncias de facto que integram esse prejuízo sério, pois o empregador, em regra, não conhece a situação pessoal e familiar do trabalhador e, consequentemente, as implicações que para ele acarretam a mudança do local de trabalho e foi o que a ora Alegante e recorrente fez...
oo) Nesta conformidade é inquestionável a legalidade da justa causa invocada, uma vez que a ora Alegante obedeceu às ordens da CC, apresentou-se no posto de trabalho por esta determinado, constatou as alterações das condições de trabalho e o prejuízo que lhe era causado;
pp) Assim sendo, é inquestionável que o Douto Acordão que ora se quer em crise fez tábua rasa do estatuído nos n.os 1, 2 e 3 do art.º 24.º do Dec. Lei 49 408 de 24 de Novembro.
qq) Aliás e sobre esta matéria sempre poderá reportar-se aos pontos B), C), I), CC), DD), EE), GG), HH), JJ), KK), LL), MM), PP), QQ) SS), TT), UU), WW), DDD), OOO), PPP) e QQQ) da fundamentação de facto constante do texto da decisão ora se quer em crise.
rr) Perante uma leitura, ainda que desatenta, de tal matéria constata-se, precisamente, o inverso da decisão do Douto Tribunal da Relação.
ss) Da análise de tal matéria tida como assente pelo Tribunal de 1.ª Instancia resulta, de uma forma clara e inequívoca, o cumprimento pela ora Recorrente no estatuído nos n.os 1, 2 e 3 do art.º 24.º do Dec. Lei 49 408 de 24 de Novembro,
tt) Sendo inquestionável a ocorrência de um prejuízo sério causado à ora recorrente com a mudança do seu local de trabalho,
uu) Considerou, ainda, o Douto Tribunal da Relação que mantinha toda a matéria dada como assente pelo tribunal a quo, com excepção por, alegadamente, ser conclusivo, do facto SS).
vv) Ora tal facto, constituído pela resposta ao quesito 21.º, expressamente e curiosamente afirmava: “A alteração de horários supra aludida trouxe à A perturbações familiares”.
ww) Obviamente que não pode, a ora recorrente, aceitar a exclusão de tal facto, atendendo ao retro exposto e ao teor da própria decisão que se quer em crise, para além de inexistir qualquer fundamentação quando a tal decisão.
xx) Aliás e sobre os considerandos aduzidos pelo Tribunal da Relação sempre se dirá que, nos termos da Jurisprudência dominante de que o Ac. do STJ de 3.11.94 in QL 4.º, 58 é mero exemplo, o prejuízo sério deve ser apreciado segundo as circunstâncias concretas de cada caso e assumir peso significativo na vida do trabalhador.
yy) Em face do exposto é clara violação de Lei que inquina a Douta decisão ora recorrida, em clara violação ao estatuído nos art.os 456.º e 457.º ambos do Cód. de Proc. Civil;
zz) Em face do exposto é clara violação de Lei que inquina a Douta decisão ora recorrida, em clara violação ao[s] n.o[s] 1, 2 e 3 do art.º 24.º do Dec. Lei 49 408 de 24 de Novembro;
aaa) Ocorreu igualmente uma nulidade face ao estatuído na alínea c) do n.º 1 do art.º 668.º do Cód. de Proc. Civil, uma vez que, conforme o supra exposto, a fundamentação de facto e de direito está em total oposição com a decisão proferida e que se quer em crise;
bbb) Sem prescindir de todo o retro exposto, a decisão enferma de vício consubstanciador de uma violação ao estatuído nas alíneas a), b) e c) [do n.º 1 do artigo 59.º] da Constituição da República Portuguesa, colocando em causa os mais básicos direitos dos trabalhadores;
ccc) A terminar e sobre esta matéria sempre se dirá, conforme a Douta Juiz de 1.ª Instancia, que “Temos para nós – e, crê-se, para qualquer pessoa de são critério, – como absolutamente inequívoco que tal alteração acarretou para a autora prejuízos sérios e não simples incómodos, transtornos ou aborrecimentos”.
ddd) Ora cabendo recurso de Revista do acórdão da Relação que decida do mérito da causa, legitimada está a dedução do presente recurso, a fim de V. Exas. fiscalizarem a aplicação do direito aos factos seleccionados como assentes pelos Tribunais de primeira e segunda instância, a fim de reporem a legalidade e a procurada justiça, completamente dizimada pelo Acórdão que se quer em crise, deitando por terra os mais básicos direitos de uma trabalhadora que laborou mais de 30 anos para a mesma Entidade Patronal, no mesmo local de trabalho que dista 5 minutos de sua casa e sob determinado condicionalismo.
eee) Ocorreu assim uma clara violação de Lei
fff) E um claro erro na interpretação da Lei, ambos envolvendo o referido art.º 24.º do Dec. Lei 49 408 de 24 de Novembro,
ggg) Bem como um claro erro na sua aplicação, uma vez que a fundamentação impunha uma decisão diversa da tomada, só assim não se fazendo da justiça uma mera palavra vã.

[...]

Contra-alegou a Ré para sustentar a confirmação do julgado.

Neste Supremo Tribunal, a Exma. Magistrada do Ministério Público emitiu douto parecer no sentido de ser negada a revista, posição que suscitou resposta discordante da Autora.

Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir.


II

1. Os factos materiais da causa foram, na 1.ª instância, fixados nos seguintes termos:

A) A Autora, AA, foi admitida ao serviço do 1.º Réu, BB, em 1 de Outubro de 1973 para trabalhar sob as suas ordens, direcção e fiscalização, com a categoria de 2.ª caixeira.

B) O seu local de trabalho foi sempre, até 28.2.01, no Largo ...centro de Cascais.

C) A Autora sempre residiu e reside na Vila de Cascais.

D) Ao serviço da Ré o horário de trabalho da Autora encontrava-se fixado entre as 9h e as 13h e as 15h e 19h.

E) Auferia ultimamente (Fevereiro de 2001) e mensalmente, a quantia de Esc.: 140.500$00, acrescida de diuturnidades no valor de Esc.: 2.000$00 e de um subsídio de alimentação no valor de Esc.: 850$00 por dia útil de trabalho.

F) Por carta datada de 23 de Fevereiro de 2001, recebida pela Autora em 28.2.01 o 1.º Réu comunicava à Autora «(...cessar definitivamente o exercício da actividade de armazenista de produtos farmacêuticos, tendo vendido essa actividade à CC, mediante contrato assinado no passado dia 20 de Fevereiro», conforme documento junto a fls. 25 e 26, referindo, ainda, nomeadamente, que:

«Nos termos desse contrato a transferência de actividade para a CC terá lugar a partir do próximo dia 1 de Março, inclusive, sendo o 28 de Fevereiro próximo o último dia de fornecimento desta empresa às farmácias suas clientes. (...)

A CC assegurou a manutenção de todos os postos de trabalho, que era a nossa principal preocupação. Assim, nos termos da lei, a partir do próximo dia 1 de Março V. Exa. continuará a exercer a mesma actividade com as mesmas condições de trabalho, ao serviço da CC, para a qual se transfere o seu contrato de trabalho e que passará a ser a sua entidade patronal. O vencimento do mês de Março já será pago pela CC. (...)».

G) Ainda nos termos desse escrito o 1.º Réu comunica à Autora que o local onde se deverá apresentar em 1.3.01 é na Av. ...., n.º 19, em Lisboa, devendo dirigir-se ao Sr. RR, da secção de pessoal.

H) A Autora apresentou-se nas instalações da "CC" em Lisboa no dia 1 de Março e, aí chegada, apresentou-se ao chefe de pessoal da "CC", Sr. RR.

I) Em 15 de Março de 2001 a Autora enviou ao 1.º Réu, com conhecimento [à] 2.[ª] Ré, a carta cuja cópia consta de fls. 53 e 54, que estes receberam a 16 de Março de 2001, comunicando-lhe a rescisão do contrato de trabalho e solicitando o pagamento de uma indemnização e dos Subsídios de Férias e de Natal em dívida, referindo, nomeadamente, que:

«(...) outra solução não me resta que não seja a de rescindir, com justa causa, o meu Contrato Individual de Trabalho para com V. Exas., daí resultando as legais consequências do facto advenientes.

De facto, ocorreu uma mudança do meu local de trabalho de Cascais para a zona oriental de Lisboa, ou seja para mais de 40 Km em relação ao local de trabalho onde exerci funções durante 28 anos, não me assegurando os respectivos subsídios de transporte, nem de refeição, nem me oferecendo em caso algum as mesmas ou melhores condições de trabalho.»

«Todo este condicionalismo causou, em mim e no meu agregado familiar, sérios e graves prejuízos alterando a minha vida por completo e de um momento para o outro».

J) Na mesma data enviou à Inspecção Geral do Trabalho o escrito cuja cópia consta de fls. 59.

L) Na sequência dessa sua carta a A. enviou [à] 2.[ª] Ré, que a recebeu em 26.4.01, a carta cuja cópia consta de fls. 62, solicitando o pagamento de «salários devidos até ao dia 16 de Março» e o pagamento de subsídios.

M) O 1.º Réu enviou à Autora a carta que consta de fls. 65, com esse teor, carta que a Autora recebeu.

N) O 2.º Réu enviou à Autora a carta que consta de fls. 67, com esse teor, carta que a Autora recebeu, sendo tal carta acompanhada do «recibo» e do cheque cujas cópias constam de fls. 68 e 69, respectivamente.

O) A Autora respondeu ao 2.º Réu conforme carta datada de 4.5.01, cuja cópia consta de fls. 70 e 71, devolvendo tal cheque.

P) Em 4.6.01 a A enviou [à] 2.[ª] Ré a carta, datada de 1.6.01, cuja cópia consta de fls. 73 (e a que se reporta fls. 74), que tal Réu recebeu, solicitando a emissão de «Declaração para obtenção de Subsídio de Desemprego».

Q) Até 25 de Junho a referida Declaração não foi recebida pela ora A., pelo que a Autora enviou ao I.D.I.C.T. a carta cuja cópia consta de fls. 76 e 77, recebida em 26.6.01.

R) O 2º Réu enviou à Autora, que a recebeu no dia 27 de Junho de 2001, a declaração cuja cópia consta de fls. 80, tendo a Autora, por carta datada de 29 de Junho, devolvido a mesma conforme carta de fls. 81 e 82.

S) Em 9 de Julho a Autora enviou ao I.D.I.C.T. a carta cuja cópia consta de 85 a 88.

T) Em 11 de Junho de 2001 a Autora requereu aos Serviços da Delegação de Lisboa da Inspecção Geral do Trabalho «a emissão da declaração referida no art. 41.º n.º 1 do Dec. Lei n.º 79-A/89, de 23 de Março (modelo n.º 346), na sequência da cessação do seu contrato de trabalho com a firma CC CRL», conforme documento de fls. 219 dos autos.

U) E enviou ao Centro Regional de Segurança Social as cartas datadas de 24 de Julho e 21 de Setembro de 2001, cujas cópias constam de fls. 90 a 92 e 93 a 97.

V) No dia 24 de Outubro de 2001 a Autora entregou no I.D.I.C.T. o requerimento e documentos cuja cópia consta de fls. 99 a 112.

X) Em 20 de Fevereiro de 2001 foi celebrado entre o 1.º Réu, BB (primeiro outorgante) e a 2.ª Ré, CC CRL (2.º outorgante), o acordo consubstanciado no documento junto a fls. 206 a 211 dos autos, nos termos do qual o 1.º Réu declarou vender ao 2.º Réu, «a actividade de armazenista de produtos farmacêuticos e dermofarmacêuticos, por si exercida», adquirindo o 2.º Réu «o stock de medicamentos e outros produtos farmacêuticos, actualmente em armazém, ao preço de custo mais IVA» mais clausulando conforme consta do mesmo, nomeadamente:

«A segunda outorgante integrará nos seus quadros permanentes de pessoal por transmissão dos contratos de trabalho, seis dos actuais trabalhadores da primeira outorgante, constantes de uma lista n.º 1, em anexo, que a segunda outorgante considera necessários para efeitos de transferência de clientela e tendo em conta as necessidades específicas da CC nestas funções» – Cláusula 4.ª;

«1. A segunda outorgante integrará ainda nos seus quadros permanentes de pessoal por transmissão dos contratos de trabalho, mais dez trabalhadores da primeira outorgante, constantes da lista n.º 2, em anexo, nas condições previstas no número seguinte».

2. Relativamente aos trabalhadores constantes da lista referida no número anterior, as partes admitem poderem ser rescindidos por acordo os contratos de trabalho, se essa for a vontade dos trabalhadores, com pagamento de indemnizações até ao limite de um mês por cada ano de trabalho, cujos custos serão suportados em condições a acordar, caso a caso, pelas partes.» – Cláusula 5.ª;

Z) Mostra-se matriculada na C. R. Comercial de Cascais, com o nº. 01187/900109 a sociedade Quilaban – Química Laboratorial Analítica Lda., com sede em Cascais, tendo por objecto a indústria e comércio de maquetes de análises clínicas e sendo um dos sócios o 1.º Réu, nos termos constantes da certidão de fls. 238 a 247.

AA) O 1.º Réu está matriculado como comerciante em nome individual nos termos constantes da certidão de fls. 248 a 252.

BB) A Autora, desde 5 de Março de 2001 não voltou a comparecer ao serviço nem nas instalações do primeiro Réu nem nas instalações as 2.ª Ré.

CC) Ao serviço do 1.º Réu, no exercício das suas funções, a Autora utilizava um computador com leitura óptica e dispunha de uma mesa e de uma cadeira, sendo que algumas vezes trabalhava sentada (R.Q.1º).

DD) Esse trabalho era prestado num ambiente calmo e silencioso, num armazém com cerca de 40/50 m2, no qual apenas laboravam em permanência 8 pessoas (R.Q.2º).

EE) Diariamente, para o seu trabalho, a Autora deslocava-se em viatura própria, uma vez que a sua residência distava do emprego cerca de 4 Km, demorando em cada uma das suas deslocações cerca de 10 minutos (R.Q.3º).

FF) A Autora gastava, mensalmente, em gasolina para tais deslocações cerca de Esc: 1.100$00 (R.Q.4º).

GG) Desde sempre, perante as condições de trabalho que detinha, durante o período de descanso e almoço a Autora ia a casa almoçar e com o fito de cozinhar a refeição de seu marido e dois filhos bem como fazer parte da lida daquela (R.Q.5º).

HH) Ao fim do dia, pouco após as 19h, voltava definitivamente para casa, onde chegava entre as 19h10m e as 19h15m, e preparava o jantar para a sua família (R.Q.6º).

II) No seu novo local de trabalho, a ora A., não foi, sequer, apresentada às suas novas colegas, tendo sido conduzida pelo Sr. RR às instalações onde iria laborar aí lhe sendo também entregue as batas com que trabalharia (R.Q.8º).

JJ) O seu novo local de trabalho era constituído por algumas mesas com corredores entre as mesmas, com computadores, sem cadeiras ou bancos onde se sentar e com algumas passadeiras rolantes com produtos farmacêuticos que passavam perto da Autora e dos outros trabalhadores (R.Q.9º).

KK) A Autora teria de trabalhar de pé todo o dia, inexistindo no armazém onde trabalhava qualquer cadeira ou local específico onde pudesse sentar-se e descansar as pernas (R.Q.10º).

LL) E passaria a laborar numa sala juntamente com cerca de 25 pessoas e com o ruído permanente provocado pela actividade das próprias passadeiras (R.Q.11º).

MM) O horário de trabalho, agora, passaria a ser no período diurno das 9h às 13h e das 14h às 18h, por imposição da Ré (R.Q.13º).

NN) A Ré CC retirou à Autora o subsídio de refeição (R.Q.15º).

OO) A Autora podia almoçar no refeitório da Ré "CC", sito nas instalações desta, para o que tinha que adquirir uma senha que pagava (R.Q.16º).

PP) A Autora foi obrigada a passar a sair de casa pelas 7h, a fim de apanhar o autocarro da carreira das 7h05m Cascais-Cobre-Cascais, o comboio das 7h32m com destino à estação do Cais-do-Sodré em Lisboa, a carreira das 8h15m da Carris n° 82, de seguida a andar cerca de 10 minutos a pé, para chegar ao novo local de trabalho (R.Q.18º).

QQ) No novo local de trabalho passou a sair pelas 18h, fazendo o percurso acima identificado de forma inversa, chegando à sua residência cerca das 20 horas (R.Q.19º).

RR) Passando a Autora a gastar, do seu bolso, cerca de 7 000$00 mais, mensalmente, só para o Passe referente aos transportes públicos (R.Q.20º).

SS) A alteração de horários supra aludida trouxe à A. perturbações familiares (R.Q.21º).

TT) O circunstancionalismo supra aludido causou na Autora um estado de stress (R.Q.22º).

UU) Sentindo-se a Autora fisicamente mal (R.Q.23º).

VV) De tal sorte que no final do dia 5 de Março se deslocou ao seu médico, que lhe deu, imediatamente, «Baixa», que se manteve até 14/07/2001 (R.Q.24º).

WW) Os Réus nunca propuseram à Autora suportar os encargos advenientes da transferência (R.Q.25º).

XX) Na sequência dessa «Baixa», a Autora recebeu da Segurança Social a comparticipação de Esc.: 92.640$00 em Junho de 2001, conforme documento de fls. 37 (R.Q.26º).

YY) No dia 28 de Fevereiro de 2001, cessaram os fornecimentos do 1.º Réu às farmácias (R.Q.27º).

ZZ) Tendo-se iniciado, no dia 01 de Março de 2001, os fornecimentos d[a] 2.[ª] Ré a essas farmácias (R.Q.28º).

AAA) A A. teve conhecimento da transferência do seu local de trabalho de Cascais para Lisboa, no dia 23 de Fevereiro de 2001 (R.Q.29º).

BBB) Nesta data, pelas 18.00 horas, o 1.º Réu realizou nas suas instalações uma reunião com todos os trabalhadores, incluindo a A., comunicando-lhes a cessação definitiva do exercício da actividade de armazenista de produtos farmacêuticos, a partir de 28 de Fevereiro de 2001, em virtude da venda desta actividade à R. CC (R.Q.30º).

CCC) E informando-os da transferência do seu local de trabalho de Cascais para a sede da R. CC, na Av. ..., 19, 1800-255 Lisboa, a partir de 01 de Março de 2001 (R.Q.31º).

DDD) Entre Lisboa – onde se situam as instalações da CC – e Cascais – onde a Autora reside - distam cerca de 30 Km (R.Q.32º).

EEE) Cascais e Lisboa estão ligadas por uma auto-estrada (R.Q.33º).

FFF) A R. CC não paga aos seus trabalhadores qualquer quantia a título de refeição, porque dispõe de refeitório nas suas instalações (R.Q.38º).

GGG) Nesse refeitório, os seus trabalhadores dispõem diariamente de quatro pratos (carne, peixe, dieta, opção e bitoque de carne de porco ou de vaca, alternadamente), para além de sopa, pão, e fruta ou doce (R.Q.39º).

HHH) A utilização do refeitório pelos trabalhadores depende da apresentação de uma senha na importância simbólica de € 0,25, adquirida e paga nos seguintes moldes:

Em qualquer altura do mês, os trabalhadores da R. CC, podem requisitar um bloco de 20 senhas, no valor de € 5,00, para utilizarem no refeitório;

Esta quantia não é paga pelos trabalhadores com a requisição do bloco de senhas, mas descontada no seu vencimento mensal;

Quando, por qualquer motivo, o contrato de trabalho é rescindido antes do final do mês, o trabalhador entrega o bloco de senhas, e a R. CC desconta apenas o valor das senhas utilizadas (R.Q.40º a 43º).

III) A A., nos três dias úteis que trabalhou para a R. CC, almoçou sempre no refeitório da empresa, com senhas que lhe foram entregues e que utilizou para esse fim, fazendo-o por sua livre vontade (R.Q.44º).

JJJ) Mesmo em frente das instalações da R. CC, do outro lado da Av. ..., existe um restaurante, e a 100 metros das mesmas existe outro (R.Q.45º).

KKK) Tendo a A. trabalhado e almoçado apenas três dias, o valor das três senhas que utilizou (€ 0,75), não foi sequer descontado pela R. CC (R.Q.46º).

LLL) No dia 01 de Março de 2001, juntamente com a A., apresentaram-se ao Chefe de Pessoal da R. CC vários trabalhadores, entre os quais ...., Subchefe de Secção, residente em Alcabideche, ..., Caixeiro de 1.ª, residente em São Domingos de Rana, ..., Caixeira de 3.ª, residente em Cascais e ..., Caixeiro de 3.ª, residente em São Domingos de Rana (R.Q.48º). MMM)

Após a apresentação, a A. e os restantes trabalhadores transferidos reuniram-se com o Chefe de Pessoal que lhes descreveu o funcionamento da empresa e lhes forneceu documentação vária para preencher (R.Q.49º).

NNN) Terminada a reunião o chefe de pessoal apresentou a Autora ao Encarregado de Armazém, superior hierárquico da Autora, no mais se remetendo para a resposta ao quesito 8º (R.Q.50º).

OOO) O trabalho da Autora era prestado de pé (R.Q.52º).

PPP) Ao serviço do 1.º Réu as funções da A. consistiam na conferência dos medicamentos a expedir para as farmácias, de acordo com os pedidos por estas formulados. Mais se provou que, pontualmente, a Autora recebia, por telefone, algumas encomendas feitas por clientes (R.Q.53º).

QQQ) Na R. CC, as funções atribuídas à A. consistiam em verificar o conteúdo dos contentores de medicamentos destinados às farmácias, ou seja a A. estava encarregada de verificar se os contentores destinados às farmácias continham todos os medicamentos constantes da nota de encomenda (R.Q.54º).

RRR) A 1.ª folha do documento aludido no quesito 56.º é uma impressão original e não uma cópia (R.Q.58º).

SSS) A segunda folha desse documento é uma cópia da 2.ª página do documento a que alude a alínea I) dos factos assentes (R.Q.59º).

TTT) Os documentos juntos a fls. 289 e 290 são a cópia dos originais juntos a fls. 55 e 56, respectivamente (R.Q.60º).

O Tribunal da Relação manteve a decisão da 1.ª instância, quanto aos factos tidos como assentes, com excepção da matéria constante da alínea SS), por se apresentar com cariz nitidamente conclusivo.

2. As questões que vêm suscitadas nas conclusões da revista, a abordar segundo a ordem de precedência lógica, são as seguintes:

1.ª - Nulidade do acórdão por contradição entre os fundamentos e a decisão – [Conclusões aaa) e ggg)];

2.ª - Exclusão do elenco dos factos provados da matéria constante da alínea SS) – [Conclusões uuu) a www)];

3.ª - Justa causa para a rescisão do contrato – [Conclusões x) a tt), xx), zz), e bbb) a fff)];

4.ª - Litigância de má fé – [Conclusões a) a v) e yy)].

3. Nulidade do acórdão:

Segundo a recorrente a fundamentação de facto e de direito do acórdão está em total oposição com a decisão proferida, o que configura a nulidade a que se refere o artigo 668.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil, isto porque, em seu entender, dos factos provados teria de concluir-se, face às normas legais aplicáveis, pela existência de prejuízo sério para a Autora, decorrente da mudança de local de trabalho, e, consequentemente, pela existência de justa causa para a rescisão do contrato.

Dispõe o artigo 77.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 480/99, de 9 de Novembro (2), que “[a] arguição de nulidades da sentença é feita expressa e separadamente no requerimento de interposição de recurso”.

Face a este normativo, tem este Supremo decidido de modo uniforme que a arguição de nulidades dos acórdãos da Relação, por força do disposto no artigo 716.º do Código de Processo Civil, deve ser feita expressa e separadamente no requerimento de interposição do recurso, e não nas respectivas alegações, sob pena de se considerarem extemporâneas e delas não se conhecer (3)..

A razão de ser de tal exigência – a de habilitar o tribunal a quo a suprir a falta cometida – torna indispensável que seja no requerimento de interposição de recurso, dirigido à instância recorrida, que se proceda à adequada explanação das razões pelas quais se suscita a nulidade.

No caso em apreço, não tendo a recorrente, no requerimento de interposição de recurso (fls. 556 dos autos), feito qualquer referência à dita nulidade do acórdão, dela não se poderia agora conhecer.

Ainda assim, é de dizer que, bem vistas as coisas, o que a recorrente alega é que o acórdão, ao não concluir, em função dos concretos factos provados, pela existência de prejuízo adequado a preencher o conceito de justa causa, julgou mal, por incorrecta valoração da situação de facto e errónea interpretação e aplicação da lei, o que, de modo algum, configura o vício de raciocínio próprio de uma contradição, que consiste na incoerência de se afirmar que as premissas hão-de conduzir a um resultado e extrair-se delas conclusão de sentido oposto.

Em rigor, a Ré funda a imputação de nulidade na sua discordância quanto à solução encontrada pelo acórdão, o que, contendendo com o mérito da acção, não consubstancia, manifestamente, nulidade da decisão.

Não pode, assim, ser declarada a nulidade do acórdão impugnado.


4. A exclusão da matéria constante da alínea SS) do elenco dos factos provados:

Da alínea em causa, reproduzindo o teor da resposta ao quesito 21.º da base instrutória, consta o seguinte: “A alteração de horários supra aludida trouxe à A. perturbações familiares”.

O acórdão recorrido considerou que tal matéria, por ser de cariz conclusivo, não poderia manter-se na narração dos factos provados, sendo de intuir que, neste particular, a decisão foi tomada ao abrigo do disposto no n.º 4 do artigo 646.º do Código de Processo Civil, que, na parte aqui importa atender, manda considerar não escritas as respostas do tribunal sobre questões de direito.

Se se tomar a expressão “perturbações familiares” no sentido de “transtornos familiares” – com o alcance de contemplar alterações a uma rotina de comportamentos com reflexos desagradáveis ou incómodos para o agregado familiar –, aquela expressão traduz um juízo de facto, uma conclusão, decorrente, não apenas, do conhecimento de acontecimentos da vida real, que funcionarão como factos instrumentais – conhecimento a que se chega pela percepção que os sentidos consentem – mas, também, da aplicação de regras gerais ou juízos empíricos, que são as regras da experiência. Desde que uma tal asserção conclusiva não pressuponha a interpretação e aplicação de regras de direito, e não transporte consigo a solução final do litígio, nada impede que seja tratada como referindo-se a factos, cuja averiguação é permitida e cuja existência, como acontecimentos, pode ser afirmada (4).

Assim, com todo o respeito por diferente opinião, não pode subsistir a decisão da Relação, na parte atinente, pelo que terá de atender-se, na apreciação do mérito da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, à matéria constante da referida alínea.

5. A justa causa para a rescisão do contrato:

Face aos termos em que a questão vem colocada pela recorrente, apenas está em causa apurar se a mudança do seu local de trabalho lhe causava prejuízo sério.

As instâncias não coincidiram na resolução do problema.

O Tribunal do Trabalho de Cascais – sobrelevando a diferença de tempo e de esforço a despender pela Autora nas deslocações para o novo local de trabalho e a impossibilidade de ela continuar, como vinha fazendo, a preparar o almoço e a tomar essa refeição com o marido e os filhos, a diminuição do tempo de que dispunha para a lida da casa e para conviver com a família –, considerou que o agravamento das condições de vida, em termos pessoais e familiares, decorrentes da transferência do local de trabalho, consubstancia prejuízo sério adequado a justificar a rescisão do contrato de trabalho, ao abrigo da norma que se extrai da conjugação dos artigos 24.º, n.os 1, in fine, e 2, da LCT (5) , 36.º e 13.º, n.º 3 da LCCT (6).: – em caso de mudança total ou parcial do estabelecimento em que o trabalhador presta serviço, a entidade patronal pode transferi-lo para outro local de trabalho, mas o trabalhador, querendo rescindir o contrato, tem direito a uma indemnização correspondente a um mês de remuneração de base por cada ano de antiguidade, não podendo ser inferior a três meses, salvo se a entidade patronal provar que da mudança não resulta prejuízo sério para o trabalhador.

Por seu turno, o Tribunal da Relação, depois de observar, perfilhando o entendimento da jurisprudência, que “prejuízo sério para aqueles efeitos, constitui todo aquele que possa assumir um peso significativo em face de interesses relevantes do trabalhador, designadamente de natureza pessoal, profissional, familiar e económica”, e que “[n]ão basta, portanto, a verificação de uma situação que possa constituir um mero “incómodo” ou um “transtorno suportável”, havendo “de ser aferido em função das circunstâncias concretas de cada caso”, considerou que as alterações resultantes da mudança de local de trabalho, configurando alguns incómodos e transtornos para a vida pessoal e familiar da Autora, bem como “um maior transtorno em termos económicos já que tem de despender mais dinheiro em transportes, como ainda em termos de condições de prestação de trabalho pelo facto de ter de trabalhar todo o dia de pé e em ambiente com ruído”, porque não insuportáveis, em termos objectivos, não preenchem o conceito de prejuízo sério.

Para assim concluir, evocou o acórdão, por um lado, a situação de “tantas e tantas pessoas”, que, à semelhança da Autora, vivem em Cascais, têm de suportar e suportam a circunstância de ter de ir trabalhar em Lisboa, utilizando para o efeito transportes públicos, e por outro lado, “quanto às piores condições de trabalho (ter de trabalhar de pé, em ambiente com ruído próprio de passadeiras rolantes e juntamente com outras pessoas), que os demais 24 trabalhadores da ré/apelante que laboravam juntamente com a autora/apelada, tinham de suportar e, tudo indica, suportavam essas mesmas condições”.

Os factos a ponderar são os seguintes:

– Entre as instalações da Ré, sitas em Lisboa e Cascais onde a Autora residia distavam cerca de 30 Km [al. DDD)];
– A Autora tinha um horário de trabalho fixado entre as 9.00 e as 13.00 horas e entre as 15.00 e as 19.00 horas e, com a mudança, passou a ter um horário de trabalho das 9.00 às 13.00 horas e das 14.00 às 18.00 horas [als. D) e MM)];
– Antes da mudança, saía da sua residência pelas 8.50 horas e regressava pelas 19.15 horas, fazendo o percurso, de automóvel, em cerca de 10 minutos; e, depois, passou a ter de sair de casa pelas 7.00 horas e a regressar pelas 20.00 horas e a ter de fazer o percurso em 2 horas, tomando, sucessivamente, um autocarro, um comboio e outro autocarro, além de andar a pé, durante dez minutos [als. EE) e PP)];
– Gastava, antes, cerca de Esc.: 1.100$00, por mês, em deslocações de e para o trabalho, e passou a gastar mais Esc.: 7.000$00, nas deslocações em transportes públicos para Lisboa [als. FF) e RR)];
– Desde sempre, e perante as condições de trabalho que tinha em Cascais, a Autora ia almoçar a sua casa com o fito de cozinhar a refeição de seu marido e dois filhos bem como para fazer parte da lida da casa [al. GG)];
– A Ré retirou-lhe o subsídio de refeição, mas a Autora passou a poder almoçar no refeitório daquela, sito nas suas instalações, tendo de suportar o pagamento de uma senha simbólica de € 0,25, sendo que, nesse refeitório, os trabalhadores da Ré dispõem, diariamente, de quatro pratos, para além de pão, sopa, fruta ou doce [als. NN), OO), GGG) e HHH)].
– Nos três dias úteis em que trabalhou para a Ré, a Autora almoçou sempre no refeitório da empresa com senhas que lhe foram entregues e que utilizou para esse fim, fazendo-o de sua livre vontade, sendo certo que nas imediações da sede daquela existem pelo menos dois restaurantes [als. III) e JJJ)];
– Ao serviço de BB, as funções da autora consistiam na conferência dos medicamentos a expedir para as farmácias, de acordo com os pedidos por estas formulados, recebendo, pontualmente, algumas encomendas feitas por clientes por telefone, enquanto que ao serviço da Ré foi chamada a verificar o conteúdo dos contentores de medicamentos destinados às farmácias, ou seja, estava encarregada de verificar se os contentores destinados às farmácias continham todos os medicamentos constantes da nota de encomenda [als. PPP) e QQQ)];
– Ao serviço de BB, e no exercício das suas funções, a Autora utilizava um computador com leitura óptica e dispunha de uma mesa e de uma carteira, sendo que algumas vezes trabalhava sentada e este trabalho era prestado em ambiente calmo e silencioso, num local onde laboravam em permanência 8 pessoas, enquanto que ao serviço da Ré, o local de trabalho era constituído por algumas mesas com corredores entre as mesmas, com computadores, sem cadeiras ou bancos onde se sentar e com algumas passadeiras rolantes com produtos farmacêuticos que passavam perto da Autora e dos outros trabalhadores, tendo ela de trabalhar de pé todo o dia, passando a laborar numa sala juntamente com cerca de 25 pessoas e com ruído permanente provocado pela actividade das próprias passadeiras [als. CC), DD) e JJ) a LL)].

A estabilidade do local de trabalho, consignada como garantia do trabalhador na alínea e) do n.º 1 do artigo 21.º da LCT (princípio da inamovibilidade), traduzindo o direito à conservação do local de trabalho, visa, acima de tudo, proteger interesses pessoais do trabalhador.

É em função do local da prestação de trabalho que o trabalhador organiza o seu modo de vida: fixa a sua residência, escolhe a forma de se deslocar, programa os tempos de dedicação à família e de lazer.

Na articulação da vida profissional com a vida pessoal e familiar, aspectos igualmente relevantes para uma existência condigna, assume particular importância a distância entre o local de trabalho e o de habitação, pelo que representa de dispêndio de tempo, de energias e de recursos económicos, tudo com reflexos na qualidade de vida do trabalhador.

A mudança de local de trabalho pode ter como consequência, apenas, meros incómodos ou simples transtornos, traduzindo suportáveis modificações do plano de vida do trabalhador, como pode acarretar danos na esfera pessoal do trabalhador de tal dimensão – produzindo graves perturbações na sua maneira de viver e uma alteração substancial do seu plano de vida – que o cumprimento da obrigação a que está vinculado se traduziria num sacrifício inaceitável, tendo em conta o equilíbrio de interesses convencionado, expressa ou tacitamente, na definição originária do quadro da relação laboral ou no desenvolvimento desta.

Só no último caso se poderá falar de “prejuízo sério” – como causa de rescisão do contrato, com direito a indemnização –, o qual tem de ser aferido em função das circunstâncias concretas de cada situação.

No que diz respeito à distância entre o local da residência e o local de trabalho, e às suas repercussões na organização e plano de vida da Autora, a matéria de facto apurada revela um aumento, ao fim de 28 anos de execução do contrato, do percurso diário de ida e volta de cerca de 50 km, implicando um acréscimo de dispêndio de tempo de cerca de 3 horas e 35 minutos, tempo que deixou de poder ser dedicado ao convívio familiar, confecção de refeições e à lide da casa e, obviamente, ao repouso.

Isto significa que a Autora, só por causa do aumento da distância entre a habitação e o local de trabalho, deixou de ter, diariamente, para si e para a família aquele tempo, que passou a integrar o período de disponibilidade necessário ao cumprimento da prestação laboral, o qual de cerca de 8 horas e 25 minutos passou a ser de cerca 12 horas – descontados os intervalos para almoço –, traduzindo um aumento de cerca de 40%.

Deste acréscimo do tempo consumido em deslocações resulta um agravamento das condições de vida da Autora, que, com todo o respeito por diferente opinião, não deve ser encarado como representando a introdução na sua maneira de viver de meros incómodos ou simples transtornos.

Tal agravamento apresenta-se, pela sua dimensão, como um dano do qual resulta alteração substancial de um programa de vida pessoal e familiar, sedimentado no desenvolvimento da relação laboral durante quase três décadas, que, pela intensidade dos reflexos negativos na qualidade de vida da Autora, não lhe é exigível que suporte, no quadro de direitos e obrigações solidificado em tão longo período de execução do contrato de trabalho, por isso que integra o conceito de “prejuízo sério”, para efeito do disposto nos n.os 1 e 2 do artigo 24.º da LCT.

Esta conclusão não é abalada pelo facto de muitas outras pessoas, que residem em Cascais, suportarem a circunstância de ter de ir trabalhar em Lisboa, utilizando para o efeito transportes públicos.

Com efeito, o preenchimento daquele conceito indeterminado depende, essencialmente, do confronto entre o que caracteriza a concreta alteração do local de trabalho – particularmente, em termos de distância da habitação – e as condições de vida do trabalhador afectado pela mudança, assim se determinando, caso a caso, a grandeza da lesão na qualidade de vida preexistente à alteração.

Assim, o facto de muitos trabalhadores – cada qual com o seu peculiar programa de vida, uns com família outros não, organizado em função de direitos e obrigações inseridos em quadros contratuais específicos – suportarem longas deslocações em transportes públicos, sem relação com uma mudança de local de trabalho, não assume relevo na determinação da existência de “prejuízo sério” para o efeito que aqui importa.

No caso que nos ocupa, além da modificação substancial do plano de vida, que, por si, configura “prejuízo sério”, ficou, também, demonstrado um aumento despesas com transportes, bem como um acréscimo acentuado do tempo de deslocação de e para o local de trabalho.

Tudo conjugado, tem-se por verificado que a mudança de local de trabalho da Autora lhe causou “prejuízo sério”, justificando a rescisão do contrato com direito a indemnização, como considerou a sentença da 1.ª instância.

Legitimada a rescisão do contrato, deixa de ter suporte o direito a indemnização, por incumprimento do prazo de aviso prévio, invocado pela Ré e, consequentemente, a compensação com créditos reconhecidos à Autora.

6. A litigância de má fé:

A sentença da 1.ª instância condenou a Autora por litigância de má fé, por ter considerado que ela alegou um facto que sabia não corresponder à verdade – obrigando a um dispêndio de tempo e de recursos, perfeitamente escusados –, e que a circunstância de ter obtido, parcialmente, ganho de causa, não obstava à condenação.

O Tribunal da Relação confirmou, nessa parte, a sentença.

A Autora, na revista, pugna pela revogação da condenação.

A apreciação da questão da má fé remete-nos para o âmbito dos poderes do Supremo Tribunal de Justiça, em matéria de recurso.

Não está em causa a aplicação da norma do n.º 3 do artigo 456.º do Código de Processo Civil – segundo a qual, independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admitido recurso em um grau, da decisão que condene por litigância de má fé – dado que da decisão que proferiu a condenação já houve recurso em um grau.

Porque a litigância de má fé é uma questão de natureza processual, a espécie de recurso visando impugnar a decisão sobre tal matéria é o agravo, nos termos das disposições combinadas dos artigos 691.º, 733.º e 740.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Civil.

De acordo com o n.º 1 do artigo 722.º do Código de Processo Civil, sempre que o recurso de revista seja o próprio, a lei admite que o recorrente invoque, além da violação de lei substantiva, a violação de lei de processo, quando desta for admissível o recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 754.º do mesmo Código, de modo a interpor do mesmo acórdão um único recurso.

Tendo a acção sido proposta em 26 de Outubro de 2001, tem, aqui, aplicação, subsidiariamente, por força do artigo 1.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo do Trabalho, o disposto no artigo 754.º do Código de Processo Civil, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 375-A/99, de 20 de Setembro.

Dispõe o referido artigo 754.º que “[c]abe recurso de agravo para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação de que seja admissível recurso, salvo nos casos em que couber a revista ou apelação” (n.º 1); “[n]ão é admitido recurso do acórdão da Relação sobre decisão da primeira instância, salvo se o acórdão estiver em oposição com outro, proferido no domínio da mesma legislação pelo Supremo Tribunal de Justiça ou por qualquer Relação, e não houver sido fixada pelo Supremo, nos termos dos artigo 732.º-A e 732.º-B, jurisprudência com ele conforme” (n.º 2); “[o] disposto na primeira parte do número anterior não é aplicável aos agravos referidos nos números 2 e 3 do artigo 678.º e na alínea a) do n.º 1 do artigo 734.º” (n.º 3).

No caso que nos ocupa, não se verifica qualquer das excepções previstas na segunda parte do n.º 2 do citado artigo 754.º e no n.º 3 do mesmo preceito.

Assim, porque a lei não permite o recurso de agravo sobre a decisão da Relação que confirmou condenação, por litigância de má fé, proferida pela 1.ª instância, tem de concluir-se que o Supremo Tribunal não pode, no presente recurso, sindicar o decidido pela Relação nessa parte.


III

Por tudo o exposto, decide-se conceder, parcialmente, a revista e, revogando o acórdão recorrido:

– Repristinar a decisão proferida na 1.ª instância quanto à condenação da Ré no pagamento à Autora da indemnização no valor de € 19.902,04;
– Absolver a Autora do pedido de indemnização fundado em incumprimento do prazo de aviso prévio da rescisão do contrato;
– Não conhecer do objecto do recurso, na parte relativa à condenação por litigância de má fé.

Custas, nas instâncias e na revista, a cargo da Autora e da Ré, na proporção do decaimento.

Lisboa, 10 de Outubro de 2007

Vasques Dinis ( relator)

Bravo Serra

Mário Pereira

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(1)Designação abreviada do Regime Jurídico da Cessação do Contrato Individual de Trabalho e da Celebração e Caducidade do Contrato de Trabalho a Termo anexo ao Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro
(2) À semelhança do que dispunha o artigo 72.º do Código de Processo do Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 272-A/81, de 30 de Setembro.
(3) Neste sentido, entre muitos outros, os Acórdãos de 10 de Maio de 2001 e de 14 de Março de 2006, ambos disponíveis, em texto integral, em www.dgsi.pt, Documentos n.os SJ200105100018124 e SJ200603140040284
(4)Cfr. Artur Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Vol. III, Livraria Almedina, Coimbra, 1982, p. 268-269.
(5) Designação abreviada do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 49 408, de 24 de Novembro de 1969.
(6) Designação abreviada do Regime Jurídico da Cessação do Contrato Individual de Trabalho e da Celebração e Caducidade do Contrato a Termo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro.