Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3531/03.7TTLSB.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: PINTO HESPANHOL
Descritores: NULIDADE DO PROCESSO DISCIPLINAR
DIREITO DE DEFESA
INQUIRIÇÃO DE TESTEMUNHA
OMISSÃO
DESPEDIMENTO ILÍCITO
ABUSO DE DIREITO
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 02/03/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
1. Ressalvadas as limitações constantes dos n.os 5 e 6 do artigo 10.º da LCCT, a empregadora, directamente ou através do instrutor que tenha nomeado, está obrigada a realizar as diligências probatórias requeridas pelo arguido na resposta à nota de culpa, sendo que a não realização de tais diligências, se não devidamente fundamentada, acarreta, necessariamente, a invalidade do processo disciplinar e, consequentemente, a ilicitude do despedimento, nos termos do artigo 12.º, n.º 1, alínea a), e n.º 3, alínea b), da LCCT.
2. O procedimento disciplinar que a empregadora moveu contra o trabalhador — e que culminou com a aplicação da sanção de despedimento, com fundamento em justa causa — é de reputar inválido por violação do direito de defesa do arguido, no caso consubstanciado pela omissão da realização de uma das diligências de prova requeridas aquando da resposta à nota de culpa.
3. Não resultando da matéria de facto provada qualquer factualidade da qual se possa extrair que o autor contribuiu para a não inquirição da testemunha arrolada na resposta à nota de culpa, não se vislumbra o abuso do direito invocado.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

I

1. Em 2 de Julho de 2003, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, AA instaurou a presente acção declarativa, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho contra BB PORTUGAL, GESTÃO DE PROJECTO E OBRAS LDA., pedindo que fosse: (a) declarada a nulidade do seu despedimento, por ilícito, com as legais consequências; (b) declarada como abusiva a sanção de despedimento, com as legais consequências, e, a ser assim, a ré condenada a pagar-lhe, a título de indemnização prevista no artigo 33.º do Decreto-Lei n.º 49.408 de 24 de Novembro de 1969, os montantes a apurar em sede executiva; (c) declarada a caducidade do processo disciplinar que conduziu ao despedimento, com as legais consequências; (d) a ré condenada a reintegrá-lo no posto de trabalho, com as legais consequências, ou (e) condenada a pagar-lhe uma indemnização de antiguidade, nos termos do n.º 3 do artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro, a calcular até à data da sentença, acrescida de juros legais desde a citação até ao integral pagamento, opção a ser tomada oportunamente; (f) a ré condenada a pagar-lhe a quantia referente às prestações pecuniárias já vencidas, bem como todas as vincendas até à data da sua reintegração, a liquidar em execução, tudo acrescido de juros à taxa legal até integral pagamento; (g) a ré condenada a um pagamento anual de € 977,17, referentes aos custos suportados pela empresa com o respectivo seguro de vida, desde o despedimento até à data da sua reintegração, acrescidos de juros; (h) a ré condenada a um pagamento anual de € 1.448,19, referentes aos custos suportados pela empresa com o seguro de saúde, para o autor e agregado familiar, desde o despedimento até à data da sua reintegração, acrescidos de juros; (i) a ré condenada no pagamento de montante a apurar em sede executiva, atinente ao valor mensal de € 249,40, referentes aos custos suportados pela empresa com a utilização do seu telemóvel, desde o despedimento até à data da instauração da acção, assim como todos os valores vincendos até à sua reintegração, acrescidos de juros; (j) a ré condenada no pagamento de montante a apurar em sede executiva, correspondente ao valor mensal de € 498,80, referentes aos custos suportados pela empresa com o pagamento de despesas consignado em contrato, desde o despedimento até à data da instauração da acção, assim como todos os valores vincendos até à sua reintegração, acrescidos de juros; (k) a ré condenada a pagar a quantia de € 6.000, relativos ao subsídio de alimentação, nunca recebido, no valor de € 150 mensais, desde Março de 2000 até à data da instauração da acção, assim como todos os valores vincendos até à sua reintegração, acrescidos de juros; (l) a ré condenada a pagar a quantia de € 50.000, a título de indemnização por danos não patrimoniais; (m) a ré condenada a pagar, a título de sanção pecuniária compulsória, € 1.000, por cada dia de atraso na sua readmissão, destinando-se a referida quantia, em partes iguais, para o autor e para o Estado; (n) a ré condenada no pagamento das custas do processo, de procuradoria condigna e dos demais encargos legais.

Em síntese, alegou que foi despedido, por carta recebida em 9 de Julho de 2002; porém, o processo disciplinar enferma de várias nulidades, invocando, ainda, a caducidade do mesmo; mais sustenta que os factos que lhe foram imputados na nota de culpa são falsos e que a sanção disciplinar aplicada é abusiva.

A ré contestou, reiterando a justa causa para o despedimento e impugnando as invocadas caducidade e nulidades do processo disciplinar.

Após o julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente e absolveu a ré do pedido.

Na sequência dos recursos de agravo e de apelação interpostos pelo autor, o Tribunal da Relação de Lisboa decidiu: a) quanto ao agravo de fls. 1.039, revogar o despacho recorrido, «que deverá ser substituído por outro que admita a junção do documento de fls. 1026 a 1032 e ordene a notificação da Ré nos termos requeridos pelo A.»; b) em conformidade, anular o julgamento, ordenando-se a repetição do mesmo quanto a aspectos relacionados com a resposta aos artigos 1.º e 3.º da base instrutória; c) manter os despachos impugnados pelo recurso de agravo de fls. 1092 e considerar prejudicado o objecto do mesmo quanto à impugnação da resposta dada ao ponto 1.º da base instrutória e a arguição de nulidade da sentença e a apelação.

Realizado novo julgamento, foi exarada sentença que decidiu julgar a acção improcedente, por não provada, e absolver a ré do pedido.

2. Inconformado, o autor interpôs recurso de apelação, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa julgado procedente o recurso, declarando ilícito o despedimento do autor e condenando a ré (a) a reintegrar o autor, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, e a pagar-lhe as prestações pecuniárias correspondentes ao valor das retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até à reintegração, que são a remuneração mensal de € 6.272,38, o prémio do seguro de vida do autor no montante anual de € 977,17, o prémio do seguro de saúde MEDIS, para o autor e agregado familiar, no montante anual de € 1.448,19, a quantia de € 249,40, mensais inerentes ao direito de utilização de telemóvel, e a quantia de € 498,80, inerentes ao pagamento de despesas, com as deduções a que se refere o n.º 2 do artigo 13.º da LCCT, tudo a liquidar na execução, e (b) a pagar ao autor, sobre as prestações acima referidas, juros de mora, à taxa legal, até integral pagamento, condenando, também, a ré a pagar, por cada dia de atraso no cumprimento da readmissão do autor, a partir do trânsito em julgado do acórdão, o montante diário de € 200,00, que se destina, em partes iguais, ao autor e ao Estado, absolvendo a ré dos demais pedidos.

É contra esta decisão do Tribunal da Relação de Lisboa que a ré agora se insurge, mediante recurso de revista, em que alinha as seguintes conclusões:

«1.ª Em virtude da indisponibilidade das três testemunhas residentes no estrangeiro oferecidas pelo Recorrido se deslocarem a Portugal, foi proposto pelo instrutor do processo disciplinar e acordado com o Mandatário do Recorrido a audição daquelas testemunhas através de depoimento[s] escritos de cada uma delas.
2.ª Para o efeito, foram solicitados por escrito ao Mandatário do Recorrido questionários donde constassem os factos sobre os quais pretendia fossem interrogadas as testemunhas.
3.ª Considerando que a responsabilidade pela apresentação das testemunhas para depor oferecidas, pelo Arguido, recai sobre este, nos termos do n.º 6 do art. 10.º da LCCT, tal responsabilidade abrange, por decorrência lógica da mesma norma, quanto aos depoimentos escritos das mesmas, no caso dos autos, as diligências para que se verifique a remessa tempestiva dos questionários e dos depoimentos ao Processo Disciplinar.
4.ª Na falta do depoimento escrito da testemunha J… S…, a Recorrente não estava obrigada à alegação escrita prevista n.º 5 do art. 10.º da LCCT, ao contrário do que decidiu o Acórdão recorrido.
Isto porque,
5.ª Tal alegação só é exigível na hipótese legal prevista na norma citada de a Empresa /instrutor considerar a diligência dilatória ou impertinente, o que não sucedeu no caso dos autos pois que foi ela própria que propôs a audição da testemunha por documento escrito, por a sua deslocação a Portugal se mostrar inviável.
6.ª A Recorrente nem sequer era obrigada a propor o depoimento escrito a enviar para o Processo Disciplinar, pois que a apresentação das testemunhas, residentes ou não no estrangeiro, incumbia, por obrigação legal, ao Recorrido e se este não podia apresentá--las por ser inviável a sua deslocação a Portugal — fosse qual fosse a razão da inviabilidade — nenhuma das três testemunhas seriam ouvidas sem que pudesse ser assacada qualquer responsabilidade à Recorrente.
7.ª Aliás, o Instrutor do processo disciplinar agiu sempre com enorme flexibilidade, cooperação e boa fé quanto à instrução do processo, não só
8.ª Propondo o depoimento escrito para as testemunhas residentes no estrangeiro, como
9.ª Esperando, mais de dois meses, pelos depoimentos escritos de duas daquelas testemunhas, ou seja, desde 23.04.2002 (a fls. 49 do Processo Disciplinar), data em que propôs os depoimentos escritos e solicitou indicação dos factos e serem perguntados às testemunhas, até lhe terem sido enviados os depoimentos, em 03.07.2002, como, ainda,
10.ª Aceitando as testemunhas L… G… e J… D…, claramente extemporâneas, pois a Recorrente só tinha obrigação de as aceitar se tivessem sido arroladas na resposta à nota de culpa, o que não sucedeu, pois foram oferecidas cerca de dois meses depois.
11.ª Tal comportamento da Recorrente não foi reconhecido pelo Acórdão recorrido, pelo contrário, o Processo Disciplinar foi considerado nulo por falta de uma “alegação” que, salvo o devido respeito, não era obrigatória à face da lei.
12.ª Aliás, a jurisprudência tem decidido que a falta da inquirição das testemunhas só acarreta a nulidade do processo disciplinar quando a responsabilidade por esse facto for imputável à entidade empregadora o que no caso sub judice, manifestamente não sucedeu, em conformidade com o já alegado.
13.ª Acresce ainda, como factor de maior importância, que, segundo o Ac. do STJ de 2004, o que é decisivo para a declaração de nulidade do Processo Disciplinar por violação do n.º 5 do art. 10.º da LCCT é a apreciação da relevância que as diligências em falta poderiam ter para a defesa do Arguido. Aí se pode ler:
14.ª “Caso a entidade patronal omita a fundamentação, se o tribunal entender que as diligências são objectivamente irrelevantes não deverá considerar nulo o processo”.
15.ª Ora, que o depoimento da testemunha S… não era relevante para a defesa do Arguido prova-o o facto de na acta de audiência de julgamento, a fls. 981 e seguintes dos autos, este ter dela prescindido, através da sua substituição pela testemunha que se obrigou a apresentar, D… D… da S….
16.ª Se a testemunha fosse relevante para a defesa do Recorrido, no processo judicial, ainda que a mesma se recusasse a comparecer, certamente teria requerido a sua inquirição por carta rogatória ou por videoconferência, o que não fez.
17.ª Aliás, a testemunha substituta D… D… da S…, nunca foi apresentada pelo Recorrido na audiência de julgamento, ao contrário do que tinha prometido, não tendo, portanto, deposto.
18.ª O que revela bem que a testemunha J… S…, na prática, foi afinal prescindida e não substituída.
19.ª O que, mais uma vez, evidencia a irrelevância do seu depoimento para a defesa do Recorrido.
20.ª Os factos referidos (admitindo, por mera cautela de patrocínio, que se verifica uma nulidade processual) situam a arguição da nulidade do Processo Disciplinar no âmbito do abuso do direito,
21.ª Quer pelo período considerável — mais de dois meses — de duração da instrução do Processo Disciplinar, inteiramente imputável ao Recorrido, não sendo exigível protelá--la por mais tempo, após 03.07.2002, data em que finalmente foram apresentados os depoimentos de duas das três testemunhas residentes no estrangeiro,
22.ª Quer pelo carácter provocatório e mesmo insultuoso de algumas das perguntas constantes do questionário redigido pelo Recorrido e destinado à testemunha J… S…, um alto responsável do Grupo BB – Europa, como refere o Arguido no Processo Disciplinar — e não funcionário da Ré, como por lapso se afirmou no Douto Acórdão recorrido.
23.ª Com as perguntas aludidas na conclusão anterior, que apenas repetem, no estilo e na substância, a carta do Recorrido que justificou o seu despedimento, era mais do que provável que a testemunha omitisse o seu depoimento como sucedeu, ou que tal depoimento fosse desfavorável ao Recorrido.
24.ª O Recorrido contribuiu, assim, e muito, para a nulidade (admitindo, por mera cautela de patrocínio, que se trata de uma nulidade) que arguiu relativamente ao Processo Disciplinar traduzida na não audição da testemunha S…, sendo certo que,
25ª A jurisprudência, designadamente o Ac. citado nesta alegação da Relação de Coimbra, de 24.01.1991, decidiu que “o trabalhador que impugnar o seu despedimento com base na nulidade do processo disciplinar para a qual não contribuiu não abusa do seu direito”,
26.ª Pelo que, interpretando tal Acórdão a contrario, se verifica um claro abuso do direito do Recorrido.
27.ª Em síntese, a Decisão em crise, ao ter decretado a nulidade do processo disciplinar e a consequente ilicitude do despedimento, com as respectivas consequências condenatórias, seja por não ter acolhimento na letra nem no espírito da lei aplicável à data dos factos, ou, se assim não se entender, por ser manifestamente contrária aos valores de justiça e equilíbrio que enformam a dinâmica do despedimento com justa causa e respectivo procedimento no actual Código do Trabalho, não deve prevalecer, sob pena de se sancionar uma solução profundamente iníqua e desactualizada face ao sentimento de justiça dominante.
A Douta Decisão recorrida violou as disposições do n.º 5 e 6 do art. 10.º e al. b) do n.º 3 do art. 12.º da LCCT.»

Termina requerendo a revogação do acórdão recorrido «e a sua substituição por decisão deste STJ que, tal como na decisão proferida na primeira instância, conclua pela procedência da justa causa do despedimento do Recorrido».

O autor contra-alegou, defendendo a manutenção do julgado.
Neste Supremo Tribunal, a Ex.ma Procuradora-Geral-Adjunta sustentou a improcedência da revista, parecer que, notificado às partes, suscitou resposta da ré para discordar daquela posição.

3. No caso vertente, as questões suscitadas são as que se passam a enunciar, segundo a ordem lógica que entre as mesmas intercede:

– Se o processo disciplinar é nulo, por omissão da inquirição de testemunha requerida pelo autor na resposta à nota de culpa (conclusões 1.ª a 19.ª e 27.ª da alegação do recurso de revista);
Se a arguição da indicada nulidade pelo autor constitui abuso do direito (conclusões 20.ª a 26.ª da alegação do recurso de revista).

Estando em causa a cessação de um contrato de trabalho por despedimento ocorrido em 9 de Julho de 2002, portanto, anterior à entrada em vigor do Código do Trabalho de 2003 (dia 1 de Dezembro de 2003 — n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto) e atendendo ao preceituado nos artigos 8.º, n.º 1, da Lei n.º 99/2003, e 7.º, n.º 1, da Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, aplica-se, no caso, o regime jurídico do contrato individual de trabalho, anexo ao Decreto-Lei n.º 49.408 de 24 de Novembro de 1969, doravante LCT, e o regime jurídico da cessação do contrato individual de trabalho e da celebração e caducidade do contrato a termo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro, doravante LCCT.

Corridos os «vistos», cumpre decidir.

II

1. O tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

1) O A. foi admitido ao serviço da ré, em 20 de Março de 2000;
2) Ultimamente, desempenhava funções de Director de Projectos e auferia a remuneração mensal de € 6.272,38, custeando a ré o prémio do seguro de vida do autor, no montante anual de € 977,17, o prémio do seguro de saúde MEDIS, para o autor e agregado familiar, no montante anual de € 1.448,19, e pagando, mensalmente, ao autor, € 249,40, inerentes ao direito de utilização de telemóvel, e € 498,80, inerentes ao pagamento de despesas;
3) Em 1 de Outubro de 2001, o autor foi suspenso, no âmbito de um processo disciplinar que lhe foi instaurado, em 28 de Setembro de 2001, com intenção de despedimento;
4) No âmbito desse mesmo processo, foi-lhe aplicada, em 22 de Janeiro de 2002, a sanção de 12 dias de suspensão com perda de retribuição;
5) No período compreendido entre Maio de 2001 e Janeiro de 2002, a ré apenas pagou ao A. a remuneração mensal de € 2.500,00;
6) Em 23 de Janeiro de 2002, a ré pagou ao A. a quantia de € 29.853,05, correspondente à diferença entre a remuneração devida e a paga no período compreendido entre Maio de 2001 e Janeiro de 2002;
7) O A. retomou o trabalho no dia 8 de Fevereiro de 2002;
8) Nesse dia 8 de Fevereiro de 2002:
– Foi pedido ao A. que entregasse o computador portátil (documento n.º 5, junto com a petição inicial — “Memorandum 001-LS-2002”);
– Foi atribuída ao A. a função de Director de Obra, no projecto CC/Oniway (documento 6, junto com a petição inicial — “Memorandum 002-LS-2002”), ocupando o A., nas instalações deste cliente da Ré, um lugar na frente do hall dos elevadores, atrás de um acesso de vidro e de costas viradas para a porta de vidro;
– Foi entregue ao A. o “Memorandum 003-LS-2002” (doc. 7, junto com a petição inicial) sobre “Cartões de Visita”, em que o A. é informado que os cartões como o junto com a petição inicial, como documento 12, eram os únicos cartões que ele poderia utilizar e que lhe era proibido utilizar os outros cartões, como o junto com a petição inicial, como documento 13, que a empresa lhe tinha disponibilizado, em 2000;
– Foi entregue ao A., através do “Memorandum 004-LS-2002” (doc. 8, junto com a petição inicial), o Manual n.º 381, que estava desactualizado, desde Abril de 2001 (documento 75, junto com a petição inicial) e não se destinava a utilização corrente, mas sim a formação;
9) Os 11 funcionários e colaboradores da ré, postos ao serviço da CC, tinham direito a um estacionamento pago, mas ao A. não foi atribuído estacionamento pago pela empresa;
10) No dia 8 de Fevereiro de 2002, o A., que tinha um total de 49 dias úteis de férias para gozar (27 dias do ano de 2000 e 22 do ano de 2001), entregou o seu pedido de férias, em formulário próprio da empresa para o efeito (documento 54, junto com a petição inicial), mas o Gerente e Director-Geral da ré, Sr. L… S…, devolveu-lhe o pedido de férias sem a sua aprovação;
11) No dia 11 de Fevereiro de 2002, o Gerente e Director-Geral da ré exigiu ao A. que o mesmo, nesse mesmo dia, até às 17 horas, marcasse os 49 dias úteis de férias (“Memorandum 005-LS-2002” — documento n.º 9, junto com a petição inicial), o que o A. não fez;
12) No dia 15 de Fevereiro de 2002, o Gerente e Director-Geral da ré, através de uma carta (documento 16, junto com a petição inicial) transmitiu ao autor que:
– O A. deveria limitar-se a contactá-lo a ele e ao Director Financeiro, e que ele Gerente não estava preparado para aceitar um contínuo comportamento desrespeitante das suas instruções, não podendo assim contactar por e-mail Londres;
– Aquele era o último aviso para que o A. seguisse as suas instruções, não continuando com essa prática, respeitando assim a sua autoridade;
– O A. era um “Project Manager (Director de Obra)”, estando as suas responsabilidades descritas no documento entregue em 8 de Fevereiro (documento 6 junto com a petição inicial);
– O A. não estava autorizado a usar outro título que não o de “Project Manager (Director de Obra)”;
– O A., ou fazia o que ele, Gerente e Director-Geral, dizia ou este iniciava de imediato, um processo disciplinar, com intenção de despedimento;
13) No dia 19 de Fevereiro de 2002, o Gerente e Director-Geral da ré, através do “Memorandum 006-LS-2002” (documento n.º 10, junto com a petição inicial) acusa o A. de recusar sistematicamente gozar os 49 dias de férias que tinha a seu crédito e de não obedecer ao “Memorandum 005-LS-2002” e autoriza o A. a gozar um período de férias de 27 dias úteis, relativo ao ano de 2000;
14) No dia 19 de Fevereiro de 2002, às 12h20m, o Gerente e Director-Geral da ré, através do “Memorandum 006-LS-2002” (documento 11, junto com a petição inicial), marcou uma reunião para as 12 horas desse mesmo dia, a fim de esclarecerem os rendimentos devidos e impostos retidos – 2001, juros legais e decisão final do 1.º Processo Disciplinar;
15) No dia 3 de Março de 2002, o A. enviou um e-mail à ré em que, além do mais, pedia um esclarecimento sobre o porquê de não constar o subsídio de refeição;
16) No dia 5 de Março de 2002, o A. requereu 4 dias úteis de férias (documento n.º 55, junto com a petição inicial);
17) No dia 6 de Março de 2002, o Gerente e Director-Geral da ré, através do “Memorandum 010-LS-2002” (documento 14, junto com a petição inicial) transmitiu ao A. anuir ao pedido do dia anterior, informando, contudo, que, desde 19 de Fevereiro, havia autorizado o pedido e que, naquela data, e em relação ao ano de 2000, o A. apenas tinha 16 dias úteis de férias e que, se não gozasse as férias até 31 de Março, deixava de poder gozar as férias;
18) No dia 7 de Março de 2002, o Gerente e Director-Geral da ré, através do “Memorandum 011-LS-2002” (documento 15, junto com a petição inicial) respondeu ao e-mail do A., de 3 de Março de 2002, nada referindo acerca do subsídio de alimentação;
19) No dia 14 de Março de 2002, o A. requereu 2 dias de férias (documento 56, junto com a petição inicial), o que foi autorizado, em 15 de Março de 2002, através do “Memorandum 014-LS-2002” (documento n.º 18, junto com a petição inicial) em que o Gerente e Director-Geral da ré informa que, desde 19 de Fevereiro, havia autorizado o pedido e que, naquela data e em relação ao ano 2000, o A. apenas tem 9 dias úteis de férias que deverá gozar até 31 de Março;
20) No dia 15 de Março de 2002, o Director-Geral da ré instaurou ao autor processo disciplinar, o que foi comunicado ao A., em 22 de Março de 2002, juntamente com a respectiva nota de culpa, tendo o autor sido suspenso preventivamente até conclusão do processo disciplinar;
21) O A. respondeu à Nota de Culpa e requereu a inquirição de cinco testemunhas, fez juntar 18 documentos, requereu igualmente a junção de 3 grupos de documentos;
22) Em 23 de Abril de 2002, o instrutor do processo disciplinar solicitou ao Mandatário do A. o agendamento das inquirições das testemunhas e bem assim os factos a que pretendia que fossem inquiridas por escrito as testemunhas J… S… e S… C…, em virtude da indisponibilidade das mesmas em se deslocaram a Portugal para o efeito;
23) No dia 16 de Maio de 2002, foram inquiridas as testemunhas L… S…, P… C… e J… B…, tendo os mesmos prestado os seus depoimentos nos termos constantes dos respectivos autos, na presença do instrutor e do mandatário do A.;
24) Os documentos cuja junção foi requerida pelo A. foram juntos ao processo disciplinar em 20 de Maio de 2002;
25) Em 25 de Maio de 2002, o A. requereu a inquirição do Sr. L… G… e do Sr. J… D…;
26) Em 3 de Junho de 2002, o A. apresentou as perguntas que pretendia fossem respondidas pelas testemunhas J… S…, S… C… e L… G…;
27) Após várias tentativas de contacto telefónico com o Mandatário do A., em face da extensão e natureza das questões apresentadas pelo autor para serem objecto do depoimento escrito das supra referidas testemunhas, em 25 de Junho de 2002, o instrutor do processo enviou ao Mandatário do A. comunicação via telefax solicitando contacto sobre o assunto;
28) Na sequência deste fax, a secretária do Mandatário do A. informou que este se encontrava fora do País e que apenas regressaria no dia 4 de Julho de 2002;
29) A testemunha J… D… foi inquirida no dia 28 de Junho de 2002, acerca das mesmas questões sobre as quais, a pedido do Mandatário do A., havia sido inquirido o Sr. J… B…;
30) Na mesma data, o A. requereu a inquirição do Sr. L… P…, não indicando quais os factos sobre os quais deveria recair o respectivo depoimento, requerimento que foi indeferido pelo instrutor por não estarem indicadas as matérias a que devia ser ouvido, não se identificar de forma suficiente a respectiva localização e por se encontrar suficientemente esclarecido;
31) Em 3 de Julho de 2002, foram recebidas as respostas das testemunhas S… C… e L… G… às questões formuladas pelo A., nos termos constantes dos autos;
32) Na sequência deste processo disciplinar, o A. foi despedido, em 8 de Julho de 2002, com invocação de justa causa, facto este que foi levado ao conhecimento do A., no dia 9 de Julho de 2002;
33) No dia 11 de Março de 2002, o A. dirigiu à Ré um fax com o seguinte teor:
«11/03/2002 – Cascais
Gerência
BB, Gestão de Projectos e Obras Lda.
Rua Castilho …/…
Lisboa 1099-009
Fax: …
Exmos. Srs.
Juros Legais / Documentos Requeridos
Em resposta ao *5º ponto do email de Vexas com data 25/02/2002, e na sequência do meu e-mail do dia 27/02/2002 (com data 26/02/2002), e como até a data não recebi os documentos requeridos ou uma resposta satisfatória, informo:
Ainda não recebi os documentos requeridos.
Em resposta ao *4º ponto do e-mail de Vexas com data 25/02/2002, e na sequência do meu e-mail do dia 27/02/2002, e como não recebi uma resposta satisfatória até a data, informo:
No dia 31/12/2001, em e-mail endereçado aos responsáveis e gerentes da empresa informei:
“Colegas, ainda não é tarde para serem dignos da V/posição de “sénior managers and directors”, e dos valores e princípios corporativos da própria empresa e do grupo, actuando com decência e em conformidade ou decidir deixar a empresa sofrer as consequências de responder em tribunal.
De uma maneira ou de outra, V/Exas. pagarão todos os montantes de retribuições contratuais mensais vencidas, a mim devidas, com juros legais.
Faço também questão de receber os devidos pedidos de desculpas adequados, por escrito; porque é a única atitude decente e digna que se pode e se deve ter, numa “situação” destas.
A decisão e [sic] Vossa.”
Vexas pagaram, com um atraso de 1 – 9 meses, em 23/01/2002, “todos os montantes de retribuições contratuais mensais vencidas, a mim devidas” (ilegalmente e arbitrariamente retidos).
Agora só faltam os “juros legais” e “os devidos pedidos de desculpas adequados, por escrito”.
Vexas podem ainda ter dúvidas, mas eu não tenho, e em tempo devido, Vexas vão assumir, outra vez, as Vossas responsabilidades, pelos Vossos “erros e lapsos” e terão a “única atitude decente e digna que se pode e se deve ter, numa “situação” destas.
Sem outro assunto.
(ASSINATURA)
AA
Director de Projectos / Operações
BB Portugal Lda.
AA@eu.bovislendlease.com
AA@lendlease.com
(o meu email continua suspenso)
Avenida Dr. Manuel Ricardo Espírito Santo Silva … / …
2750 Cascais
PS: Sendo estes assuntos sérios, agradeceria entrega des[t]e email a todos os gerentes da empresa»;
34) O Gerente e Director-Geral da ré Sr. L… S… tiveram conhecimento deste fax, no dia 12 de Março de 2002;
35) No projecto da cliente da ré CC, o Director de Obra tem uma posição hierárquica inferior à de Director do Projecto.

Os factos materiais fixados pelo tribunal recorrido não foram objecto de impugnação pelas partes, nem se vislumbra qualquer das situações referidas no n.º 3 do artigo 729.º do Código de Processo Civil, pelo que será com base nesses factos que hão-de ser resolvidas as questões suscitadas no presente recurso.

2. Importa, então, ajuizar se o processo disciplinar é nulo, por omissão da inquirição de testemunha requerida pelo autor na atinente resposta à nota de culpa.

O acórdão recorrido entendeu que a omissão da diligência probatória requerida pelo autor na resposta à nota de culpa — conjugada com a ausência de matéria de facto provada que justificasse tal omissão, mormente a existência de pronúncia relativa à sua inutilidade para a instrução do processo ou qualquer outro facto que inculcasse a irresponsabilidade da Ré, ou do instrutor pela mesma nomeado para conduzir o processo disciplinar, naquela omissão — inquinava o processo disciplinar, assim concluindo pela sua invalidade e, consequentemente, pela ilicitude da sanção disciplinar de despedimento aplicada ao autor.

A Ré insurge-se contra esta decisão, alegando, em substância, no quadro conclusivo do recurso que interpôs, (i) a inexistência da violação do direito de defesa do autor, em sede de procedimento disciplinar, (ii) a impossibilidade de imputar à ré a omissão na realização da diligência probatória e, bem assim, (iii) a irrelevância da diligência probatória requerida pelo Autor para a sua defesa.

2.1. Ora, ao empregador, porque detém o poder disciplinar sobre os seus trabalhadores (artigo 26.º, n.º 1, da LCT), é lícita a aplicação de sanção disciplinar, conquanto a mesma, além de fundamentada em factos geradores de responsabilidade disciplinar, decorra da instauração do competente procedimento disciplinar.

O procedimento disciplinar encetado em ordem à aplicação da sanção de despedimento destina-se a averiguar a existência de justa causa e a permitir que o trabalhador se defenda dos factos que, sendo integradores de infracção de natureza disciplinar, lhe são imputados. Funciona, assim, como requisito essencial da validade e licitude do acto extintivo: se faltar o competente processo ou caso ele seja nulo, o despedimento é ilícito (artigo 12.º, n.º 1, alínea a), e n.º 3, da LCCT).

Como é sabido, o processo disciplinar comporta várias fases: a da instrução inicial e acusação, a da defesa e instrução do processo e a da apreciação e decisão.

Considerando o âmbito do recurso em apreço, há que atentar na segunda das enunciadas fases: recebida a nota de culpa, o trabalhador, nos termos do n.º 4 do artigo 10.º da LCCT, «dispõe de cinco dias úteis para consultar o processo e responder à nota de culpa, deduzindo por escrito os elementos que considere relevantes para o esclarecimento dos factos e da participação dos mesmos, podendo juntar documentos e solicitar as diligências probatórias que se mostrem pertinentes para o esclarecimento da verdade».

O n.º 4 do artigo 10.º transcrito enuncia, portanto, as três faculdades que, em sede de procedimento disciplinar, são conferidas ao trabalhador, consistentes na consulta do processo disciplinar, na resposta à nota de culpa e na solicitação das diligências probatórias que repute «pertinentes para o esclarecimento da verdade».

Esta última faculdade encontra, no entanto, algumas limitações, conforme se extrai do preceituado nos n.os 5 e 6 do mesmo artigo 10.º

Assim, estipula aquele n.º 5 que «[a] entidade empregadora, directamente ou através de instrutor que tenha nomeado, procederá obrigatoriamente às diligências probatórias requeridas na resposta à nota de culpa, a menos que as considere patentemente dilatórias ou impertinentes, devendo, nesse caso, alegá-lo fundamentadamente, por escrito», e, doutro passo, prescreve o aludido n.º 6 que «[a] entidade empregadora não é obrigada a proceder à audição de mais de três testemunhas por cada facto descrito na nota de culpa, nem mais de dez testemunhas, no total, cabendo ao arguido assegurar a respectiva comparência para o efeito».

A relevância desta fase de defesa e instrução justifica que a lei estabeleça a ilicitude do despedimento, por virtude da nulidade do procedimento disciplinar em que, precisamente, «[n]ão tiverem sido respeitados os direitos que ao trabalhador são reconhecidos nos n.os 4 e 5 do mesmo artigo [10.º]» (cf. artigo 12.º, n.º 1, alínea a), e n.º 3, alínea b), da LCCT).

2.2. Resulta da matéria de facto considerada provada que, «[n]o dia 15 de Março de 2002, o Director-Geral da ré instaurou ao autor processo disciplinar, o que foi comunicado ao A., em 22 de Março de 2002, juntamente com a respectiva nota de culpa», tendo o autor respondido à nota de culpa e requerido «a inquirição de cinco testemunhas, fez juntar 18 documentos, requereu igualmente a junção de 3 grupos de documentos», e que, «[e]m 23 de Abril de 2002, o instrutor do processo disciplinar solicitou ao Mandatário do A. o agendamento das inquirições das testemunhas e bem assim os factos a que pretendia que fossem inquiridas por escrito as testemunhas J… S… e S… C…, em virtude da indisponibilidade das mesmas em se deslocaram a Portugal para o efeito» [factos provados 20), 21) e 22)].

Provou-se, igualmente, que, «[e]m 3 de Junho de 2002, o A. apresentou as perguntas que pretendia fossem respondidas pelas testemunhas J… S…, S… C… e L… G…» e que, «[a]pós várias tentativas de contacto telefónico com o Mandatário do A., em face da extensão e natureza das questões apresentadas pelo autor para serem objecto do depoimento escrito das supra referidas testemunhas, em 25 de Junho de 2002, o instrutor do processo enviou ao Mandatário do A. comunicação via telefax solicitando contacto sobre o assunto», sendo que, «[n]a sequência deste fax, a secretária do Mandatário do A. informou que este se encontrava fora do País e que apenas regressaria no dia 4 de Julho de 2002» [factos provados 26), 27) e 28)].

Mais se apurou que, «[e]m 3 de Julho de 2002, foram recebidas as respostas das testemunhas S… C… e L… G… às questões formuladas pelo A., nos termos constantes dos autos» e que, «[n]a sequência deste processo disciplinar, o A. foi despedido, em 8 de Julho de 2002, com invocação de justa causa, facto este que foi levado ao conhecimento do A., no dia 9 de Julho de 2002» [factos provados 31) e 32)].

Ora, face ao descrito acervo factual, conclui-se que a ré não efectivou a inquirição da testemunha J… S…, uma das diligências de prova requeridas na resposta à nota de culpa, e que não apresentou justificação para tal omissão.

Tal como salienta, neste conspecto, o acórdão recorrido:
«[…] apenas resultou apurado que, em 3 de Junho de 2002, o autor apresentou as perguntas que pretendia que fossem respondidas pelas testemunhas J… S…, S… C… e L… G…, a pedido do instrutor do processo disciplinar, face à indisponibilidade das mesmas se deslocaram a Portugal para o efeito.
Mas não resultou apurado o que se passou com a inquirição da testemunha J… S…, ou seja, não se apurou se a ré lhe enviou, ou não, os factos a fim da mesma responder, no caso afirmativo, se ela respondeu e, nesse caso, porque não consta do processo disciplinar, na verdade nada se apurou quanto à falta daquele depoimento.
Ora, o que releva no caso é que a testemunha, tendo sido arrolada na resposta à nota de culpa, tinha de ser obrigatoriamente ouvida no processo disciplinar, ou não o podendo ser, fosse fundamentadamente justificad[a] e por escrito a razão de ser da sua não inquirição.
É certo que cabe ao arguido do processo disciplinar assegurar a comparência da testemunha por si indicada, tal como decorre [d]o n.º 6 do art. 10.º da LCCT. Todavia, desde o momento em que o instrutor do processo se decide pelo depoimento escrito da testemunha, face à indisponibilidade da mesma se deslocar a Portugal para o efeito, e tratando-se de um funcionário da ré [«um alto responsável do Grupo BB-Europa», como se refere na conclusão 22.ª da alegação do recurso de revista], a obrigação do trabalhador em assegurar a sua comparência deixa de poder ter qualquer cominação, designadamente a da legitimidade da sua não inquirição, mantendo-se pois o obrigatoriedade, por parte da ré, em obter aquele depoimento.
Por outro lado, se não podemos apreciar a relevância do depoimento da aludida testemunha por não sabermos qual seria o seu conteúdo, sabemos todavia que o arguido, na resposta à nota de culpa, alegou matéria relevante à sua defesa que pressupunha a respectiva prova, com a inquirição das testemunhas que arrolou e que tinham responsabilidades na ré. Com efeito, na resposta à nota de culpa, o autor alegou factos que integram por parte de gerentes e superiores hierárquicos da ré comportamentos indesejados, com o fim de afectar a dignidade pessoal do autor, criando-lhe um ambiente hostil, destabilizador e de perseguição pessoal, que o mesmo entende ser essencial conhecer para a boa compreensão do envio do fax que serve de base à nota de culpa; condutas que teriam assumido atitudes discriminatórias e, por isso, justificam a tutela do trabalhador que deles teria sido vítima.
Na sentença recorrida foi considerado, ainda que de forma não explícita, que a testemunha em causa não teria estado disponível para depor, o que não podia ser imputável à ré entidade empregadora (conforme consta a fls. 1556 da mesma). Todavia, não resultou provado que tenha sido isso que sucedeu pois, como se referiu, não se apuraram as razões da falta daquele depoimento, ónus que competia à ré, por ter o dever de a ouvir ou de justificar por escrito a razão da não audição.
Afigura-se-nos assim concluir que a ré não efectuou uma das diligências de produção de prova requerida pelo arguido na resposta à nota de culpa, a que estava obrigada, pelo que não o tendo feito nem dado qualquer justificação incorreu na violação do seu direito de defesa, conforme resulta do disposto no n.º 5 do art. 10.º da LCCT, que implica a nulidade do processo disciplinar, nos termos do n.º 3, aliena b), do art. 12.º do DL n.º 64 A /89.
Deste modo, não tem como improceder este fundamento do recurso considerando-se procedente a invocada nulidade do processo disciplinar e em consequência a ilicitude do despedimento do autor, nos termos do disposto no art. 12.º, n.º 1, a), e n.º 3, b), do DL 64--A/89, de 27.2»

Tudo ponderado, subscreve-se, no essencial, as considerações transcritas e, bem assim, o juízo decisório enunciado.

Na verdade, ressalvadas as limitações constantes dos normativos já acima referidos, a entidade empregadora está obrigada a realizar as diligências probatórias requeridas pelo arguido na resposta à nota de culpa, sendo certo que a não realização de tais diligências, se não devidamente fundamentada, acarreta, necessariamente, a invalidade do processo disciplinar e, consequentemente, a ilicitude do despedimento, nos termos do artigo 12.º, n.º 1, alínea a), e n.º 3, alínea b), da LCCT.

2.3. A ré alega, porém, não ter ocorrido a violação do direito de defesa do autor, invocando o preceituado na parte final do n.º 6 do artigo 10.º da LCCT e explicitando, neste domínio, que, tendo sido determinada a inquirição, sob a forma escrita, da testemunha J… S… , impossibilitada de se deslocar a Portugal, era ao autor que cabia assegurar «as diligências para que se [verificasse] a remessa tempestiva dos questionários e dos depoimentos ao Processo Disciplinar», e que não pode ser responsabilizada pelo facto daquela testemunha não ter sido inquirida.

O certo é que não foi concedida ao autor a oportunidade de cumprir com o ónus constante da parte final do citado preceito. Com efeito, emerge da factualidade provada sob os pontos 22), 27) e 31), que foi o instrutor do processo disciplinar quem tomou a iniciativa do mencionado depoimento assumir a forma escrita, alegando a indisponibilidade de a testemunha se deslocar a Portugal, bem como foi aquele que, ao longo de todo o processo, manteve sob o seu domínio a recolha do aludido meio de prova. A não ser assim, mal se compreenderia que insistisse apenas na indicação, no processo, das questões sobre as quais incidiria tal depoimento.

Tendo o instrutor optado por essa metodologia, é imputável à ré a omissão da diligência de inquirição da testemunha J… S…, porquanto chamou a si a responsabilidade pela efectivação da aludida inquirição, não constando da matéria de facto provada a razão pela qual o depoimento da mesma testemunha não veio a ser recolhido, prova que competia à ré, como bem se sublinha no acórdão recorrido.

Acresce que não resulta dos factos provados que tenha sido a testemunha J… S… a não corresponder à solicitação do pretendido depoimento, sendo que, tal como se referiu no acórdão recorrido, «não resultou apurado o que se passou com a inquirição da testemunha J… S…, ou seja, não se apurou se a ré lhe enviou, ou não, os factos a fim da mesma responder, no caso afirmativo, se ela respondeu e, nesse caso, porque não consta do processo disciplinar, na verdade nada se apurou quanto à falta daquele depoimento».

Assim sendo, foi violado o direito de defesa do autor, consubstanciado na não produção de um meio de prova, que aquele requereu na resposta à nota de culpa.

Nesta sede, argumenta, ainda, a ré com a «enorme flexibilidade, cooperação e boa fé» evidenciadas pelo instrutor no decurso da instrução do processo disciplinar, consubstanciados na admissão de meios de prova subsequentes à apresentação da resposta à nota de culpa e nas várias tentativas de contacto com o mandatário do autor. Todavia, a admissão de outros meios de prova, nomeadamente a indicação de outras testemunhas, não afasta a produção dos demais requeridos, quando é certo que não se provou existir qualquer vontade, expressa ou tácita, do autor no sentido de se operar a substituição de uns pelos outros.

A ré propugna que a declaração de invalidade do procedimento disciplinar, por violação do disposto no n.º 5 do artigo 10.º da LCCT, só deve ter lugar caso se conclua pela essencialidade da diligência omitida para a defesa do trabalhador.

Ora, conforme se consignou no acórdão recorrido, «se não podemos apreciar a relevância do depoimento da aludida testemunha por não sabermos qual seria o seu conteúdo, sabemos todavia que o arguido, na resposta à nota de culpa, alegou matéria relevante à sua defesa que pressupunha a respectiva prova, com a inquirição das testemunhas que arrolou e que tinham responsabilidades na ré. Com efeito, na resposta à nota de culpa, o autor alegou factos que integram por parte de gerentes e superiores hierárquicos da ré comportamentos indesejados, com o fim de afectar a dignidade pessoal do autor, criando-lhe um ambiente hostil, destabilizador e de perseguição pessoal, que o mesmo entende ser essencial conhecer para a boa compreensão do envio do fax que serve de base à nota de culpa; condutas que teriam assumido atitudes discriminatórias e, por isso, justificam a tutela do trabalhador que deles teria sido vítima.»

Por outro lado, não está reflectida nos factos provados a irrelevância do meio de prova em causa e, atentas as distintas natureza do processo disciplinar e da acção judicial tendente à impugnação do despedimento não se pode afirmar que o facto de o depoimento de determinada testemunha ser prescindido pelo autor, em sede de julgamento, determine, por si só, a sua irrelevância.

Tal como defende o autor na sua contra-alegação, «[f]acto é que, face à matéria que foi dada como provada e aquela a que foi resumida em 3 únicos factos controvertidos [a saber: 1.º O Director de Obra tem uma posição hierárquica inferior à de Director de Projectos? 2.º O computador portátil foi pedido ao autor a fim de ser efectuada uma actualização de software? 3.º No cliente da ré CC existiam quinze lugares vagos?], que se iriam discutir em tribunal, verdade é, que aí outras testemunhas teriam muito mais saber que J… S… . A alteração de testemunhas acompanhava a boa defesa do recorrido, pois a referida testemunha não trabalhava no local em questão. Por tal, e só por tal, importante era ter alguém que, com base no seu conhecimento, pudesse responder à matéria dos 3 únicos factos controvertidos, com base no conhecimento directo que teria sobre a matéria neles presente. Os 3 factos controvertidos estão relacionados com o projecto da cliente CC da Recorrente. A testemunha não inquirida (durante o processo disciplinar), J… S… não trabalhava, não tinha como local de trabalho, o projecto da cliente CC da Recorrente. A testemunha não inquirida (durante o processo disciplinar), J… S… não é mencionada, nem é relacionada com nenhum dos 3 factos controvertidos que o Tribunal comunicou na mesma data (com os factos assentes — 25/11/2003): fls. 872/873. Qualquer leigo entenderá o porquê de uma alteração com dois anos de permeio, tendo como base as testemunhas que teriam sido presentes na petição e aquelas que poderiam responder aos 3 únicos factos controvertidos, para os quais havia que se fazer prova».

Tudo para concluir que o facto do autor ter prescindido da testemunha J… S…, em sede de julgamento, no descrito contexto, não determina, por si só, a sua pretendida irrelevância.

Improcedem, nesta conformidade, as conclusões 1.ª a 19.ª e 27.ª da alegação do recurso de revista.

3. A recorrente sustenta, finalmente, o abuso do direito por banda do autor ao arguir a nulidade do procedimento disciplinar, com fundamento na omissão da realização de diligência de prova que requerera, alicerçando essa sua asserção na circunstância de ter sido o autor quem contribuiu para que a testemunha J… S… não fosse ouvida.
Como decorre do artigo 334.º do Código Civil, o abuso do direito traduz-se no exercício ilegítimo de um direito, resultando essa ilegitimidade do facto de o seu titular, ao exercê-lo, exceder manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.

Não basta, pois, que o titular do direito exceda os limites referidos naquele preceito, é necessário que esse excesso seja manifesto e gravemente atentatório da boa fé, dos bons costumes ou do fim social ou económico do direito que é exercido.

Doutra parte, não se exige que o titular do direito tenha consciência de que o seu procedimento é abusivo, ou seja, não é necessário que tenha a consciência de que, ao exercer o direito, está a exceder os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes e pelo fim social ou económico do direito, basta que na realidade (objectivamente) esses limites tenham sido excedidos de forma nítida e intolerável, pois, como é sabido, o ordenamento jurídico acolheu a concepção objectiva do abuso do direito (cf., por todos, PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, vol. I, Coimbra Editora, 1967, p. 217).

Ora, analisada a matéria de facto provada não se alcança que tenha sido o autor a contribuir para a não inquirição da testemunha J… S…, tanto mais que, como já se referiu, o que se retira da matéria de facto provada é que a ele não foi cometido o ónus de concretização da produção de tal meio de prova. Donde, não se pode concluir que o autor se esteja a prevalecer de factos que ele próprio criou ou para cuja ocorrência contribuiu decisivamente.

É certo que, tal como resulta da matéria de facto provada, mediaram 41 dias entre a data em que foi solicitada a delimitação do questionário da testemunha (23 de Abril de 2002) e o momento em que o autor a forneceu (3 de Junho de 2002), mas não é menos verdade que, face ao acervo factual apurado, não foi assinalado ao autor qualquer prazo para o efeito.
E no que respeita à alegada circunstância de ter sido o cariz insultuoso e provocatório do questionário da sobredita testemunha, questionário esse da autoria do autor, a ditar que aquela ao mesmo não respondesse, volta-se a insistir na ausência de factos provados que a tanto conduzam e, consequentemente, pela impossibilidade de atribuir ao autor qualquer responsabilidade que, em sede de acção judicial, lhe inviabilizasse, por configurar abuso do direito, a invocação da qual se prevaleceu.

Não se vislumbra, pois, o abuso do direito invocado, pelo que improcedem as conclusões 20.ª a 26.ª da alegação do recurso de revista.

III

Pelo exposto, decide-se negar a revista e confirmar o acórdão recorrido.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 3 de Fevereiro de 2010

Pinto Hespanhol (Relator)
Vasques Dinis
Bravo Serra