Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
242/09.3YRLSB.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: SERRA BAPTISTA
Descritores: RESPONSABILIDADE DO GERENTE
DEVER DE DILIGÊNCIA
DEVER DE LEALDADE
PROIBIÇÃO DE CONCORRÊNCIA
NEXO DE CAUSALIDADE
LIMITES DO CASO JULGADO
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 03/31/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática: DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES
DIREITO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS - SOCIEDADE POR QUOTAS
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - EXCEPÇÕES - SENTENÇA - RECURSO DE REVISÃO
Doutrina: – Alberto dos Reis, CPC Anotado, vol. V, p. 357.
- António Pereira de Almeida, Sociedades Comerciais, 6ª edição.
- Antunes Varela, Manual de Processo Civil, p. 695.
- Antunes Varela, RLJ Ano 126, p. 315.
- Armando Manuel Triunfante, CSC Anotado, p. 60, nota (53).
- Castro Mendes, Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil, p. 330 e ss..
- João Soares da Silva, Responsabilidade civil dos administradores da sociedade: os deveres gerais e a corporate governance, ROA Ano 57, II, p. 613, 615 e 616.
- Jorge de Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, T. I, p. 619.º e ss..
- Lebre de Freitas e outros, CPC Anotado, vol. 3.º, p. 118.
- Manuel Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, p. 326 e ss..
- Menezes Cordeiro, Da responsabilidade civil dos administradores das sociedades comerciais, p. 337 a 341, 496 e 497.
- Menezes Cordeiro, Manual de Direito das Sociedades, T. I, Das Sociedades em Geral, p. 691 e ss..
- Menezes Cordeiro, Os deveres fundamentais dos administradores das sociedades, ROA Ano 66, II, p. 452.
- Menezes Leitão, Direito das Obrigações, vol. I, p. 273 e ss., citando A. Varela, Obrigações, vol. I, p. 532 .
- Pereira de Almeida, ob. cit., p. 260 e 261.
- Pais de Vasconcelos, A Participação Social nas Sociedades Comerciais, p. 366.
- Raul Ventura, Sociedade por Quotas, vol. II e III, p. 58, 59, 60 e 148 e ss..
- Raul Ventura e Brito Correia, Responsabilidade civil dos administradores das sociedades anónimas e dos gerentes das sociedades por quotas, p. 96 e 120.
- Ribeiro de Faria, Obrigações, vol. I, p. 416.
- Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, vol. III, p. 200 e 201.
- Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo CPC, p. 440.
Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 242.º, Nº1, 483.º, 562.º, 563.º, 566.º, 799.º, Nº1.
CÓDIGO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS (CSC): - ARTIGOS 64.º, 72.º, Nº1, 231.º, 252.º, 254.º, 259.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 456.º, Nº2, 497.º, 498.º, 660.º, Nº2, 661.º, Nº2, 671.º, N.º1, 673.º, 684.º, Nº3, 690.º, NºS.1 E 4, 712.º, Nº6, 722.º, Nº2, 729.º, NºS1 E 2.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 61.º.
LEI Nº3/99, DE 13-1 (LOFTJ) : - ARTIGO 26.º.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 5/6/91, BOL. 408, P. 588;
-DE 30/11/95, CJ S, ANO III, T. 3, P. 128;
-DE 6/2/96, BOL. 454, P. 599;
-DE 1/6/2004, Pº 04A1842, WWW.DGSI.PT ;
-DE 24/6/2004, Pº 04B1969, WWW.DGSI.PT ;
-DE 15/2/2005, Pº 04S3037, WWW.DGSI.PT ;
-DE 9/2/2006, Pº 06B152, WWW.DGSI.PT ;
-DE 5/12/2007, Pº 06S2963, WWW.DGSI.PT ;
-DE 28/4/09 (REVISTA Nº 304/09);
-DE 3/12/09 (REVISTA Nº 572/02).
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:
-DE 4/7/2000, DR II S, DE 12/12/2000.
Sumário :
1. A responsabilidade dos gerentes, prevista no art. 72.º, nº 1 do CSC, é uma responsabilidade contratual e subjectiva, dependente da culpa, que se presume.
Tendo que existir sempre uma desconformidade entre a conduta do gerente e aquela que lhe era normativamente exigível.
2. Podendo enunciar-se como obrigação típica do gerente a observância do dever de diligência (art. 64.º do CSC), não sendo esta apreciada como a culpa em concreto, mas sim perante um padrão objectivo, que não é o do bom pai de família, mas sim o de um gestor dotado de certas qualidades.
3. O dever de lealdade – agora elencado na al. b) do nº 1 do art. 64.º do CSC (DL 76-A/2006, de 29 de Março) – que antes não estava autonomizado do dever de diligência, costuma estar associado à obrigação de não concorrência, de não se aproveitar em benefício próprio eventuais oportunidades de negócio, de não actuação em conflito de interesses com a sociedade protegida.
4. Entendendo-se como concorrente com a da sociedade qualquer actividade abrangida no objecto desta, desde que por ela esteja a ser exercida.
5. Para que o administrador seja civilmente responsável para com a sociedade é necessário que o acto por ele cometido seja considerado pelo direito como ilícito, aqui se abrangendo tanto a ilicitude civil obrigacional, como a ilicitude delitual. Sendo, em princípio, ilícito o acto (ou a omissão) que se traduza na inexecução do dever geral a que está vinculado o agente (responsabilidade extracontratual) ou de uma obrigação (responsabilidade contratual).
6. O problema do nexo de causalidade, na sua vertente naturalística, envolve somente matéria de facto, escapando, assim, ao controlo e à censura deste STJ. Já estando, porem, no âmbito dos nossos poderes de cognição, apreciar se a condição de facto, que ficou apurada, constitui ou não causa adequada do evento lesivo.
7. Verificados os pressupostos da responsabilidade civil – facto ilícito, culpabilidade, prejuízos e nexo de causalidade – é o gerente civilmente responsável.
8. É pelo teor da decisão que se mede a extensão objectiva do caso julgado.
Alargando-se, porem, a formação do caso julgado, para além da parte dispositiva da decisão, à resolução das questões que a sentença tenha necessidade de resolver como premissa da conclusão firmada.

Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


AA, LDA e TRANSPORTES BB, LDA vieram intentar acção, com processo ordinário, contra CC e mulher DD, pedindo a condenação destes a pagarem-lhes a quantia que se apurar em execução de sentença, a título de indemnização pelos prejuízos sofridos com a actuação do réu e que se declare a exclusão deste da sociedade Transportes BB, Lda.

Alegando, para tanto, e em suma:
As AA são sociedades “familiares”, em que todos os sócios são os mesmos nas duas sociedades.
Têm por objecto social o exercício da actividade de transportes, incluindo a actividade e mudanças nacionais e internacionais e respectivo embalamento e armazenamento.
O R. marido, além de sócio, foi gerente das AA entre 1984 e 1.1.96, data em que renunciou à gerência.
Em finais de 1995, o R. marido, utilizando conhecimentos obtidos no exercício das suas funções, divulgou a terceiros, estranhos às AA, informações confidenciais sobre a actividade destas, estrutura de pessoal e custos, preços praticados e listas de clientes, que foram utilizadas por empresas concorrentes, com actividade no mesmo ramo, nomeadamente a sociedade EE, Lda, criada e gerida pelos RR., causando-lhes prejuízos.
Bem como convidou empregados das AA a prestarem serviços na referida sociedade EE, Lda, o que acabou por acontecer em relação a alguns trabalhadores, o que também lhes causou prejuízos.
Durante o ano de 1995, o R. andou a preparar e a organizar a criação, constituição e estruturação da referida sociedade EE, desviando empregados, clientes e serviços das AA, servindo-se abusivamente do nome destas, e dizendo que praticavam preços muitos elevados, perturbando o normal funcionamento dos seus serviços e criando publicidade negativa, afectando a sua imagem.
Tais factos vieram ao conhecimento das AA nos finais de 1995, princípios de 1996, na sequência de queixas de clientes e de informações prestadas por pessoas das relações dos restantes gerentes.
Também o R. faltou injustificadamente ao serviço durante 15 dias, estando a exercer actividade na referida sociedade EE.
O R. marido cedeu as quotas que detinha nas AA à FF Limited, sem o consentimento daquelas e seus sócios, contra a deliberação que recusou esse consentimento e com simulação de preço – sendo o preço declarado muito superior ao real -, sendo tais cessões ineficazes e inoponíveis às AA.
A própria cessão de quotas, nas condições referidas, deu origem a notícias na imprensa, pondo em causa a imagem de estabilidade e confiança das AA perante o público e clientes, o que levou ao afastamento destes, causando-lhes prejuízos.
Os actos praticados pelo R. constituem violação de mandato de gerente e dos deveres de sócio e constituem-no na obrigação de indemnizar as AA, bem como constituem fundamento para exclusão de sócio em relação à A. Transportes BB, Lda (porquanto em relação à A. AA, Lda foi deliberada a amortização da respectiva quota, nos termos do pacto social).

Citados os réus, vieram os mesmos contestar, defendendo-se por excepção, invocando a prescrição do eventual direito indemnizatório das AA e que a cedência de quotas detidas pelo réu nas mesmas impede o pedido de exclusão formulado, bem como por impugnação, pugnando, a final, pela improcedência da acção.

Replicaram as autoras, pedindo a improcedência das excepções arguidas.

Foi proferido o despacho saneador, que, alem do mais, julgou improcedente a excepção da prescrição invocada, relegando para final o conhecimento da outra excepção. Foram fixados os factos tidos por assentes e organizada a base instrutória.

Não se conformando com a parte do despacho saneador que julgou improcedente a excepção antes invocada, dele vieram os réus agravar, tendo, porém, deixado tal recurso deserto, por falta de alegação.

Realizado o julgamento, foi decidida a matéria de facto da base instrutória pela forma que dos autos consta.

Foi proferida a sentença a qual, julgando improcedente a outra excepção peremptória deduzida pelos réus, julgou parcialmente procedente a acção, condenando o réu a indemnizar as autoras dos prejuízos que melhor explicitam na alínea c) (1) e os réus na exclusão do réu marido de sócio da A. Transportes BB, Lda. Absolvendo a ré do demais peticionado.

Inconformados, vieram os réus interpor, sem êxito, recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa.

Ainda irresignados, vieram os réus pedir revista para este Supremo Tribunal de Justiça, formulando, na sua alegação, as seguintes conclusões:
A. Questão prévia - da anulação do julgamento da matéria de facto:
1ª - Um dos depoimentos que se revelou essencial para formar a convicção do Tribunal de 1ª Instância foi aquele que foi prestado por GG, ao tempo dos factos e também da prestação do seu depoimento, funcionário da Recorrida "AA";
2ª - Aliás, a importância desse depoimento é reconhecida também no douto Acórdão Recorrido, quando se diz, nomeadamente, que a resposta ao artigo 9° da base instrutória, assentou no depoimento dessa testemunha, como também, assentaram no seu depoimento, as respostas aos artigos 3° a 5º, 21° e 13º a 15°;
3ª - Ora, em declaração prestada perante os Recorrentes, e que consta do Documento n.º 1 antes junto a referida testemunha afirmou: "que foi sujeito a pressões pela" Recorrida "AA" com quem tinha um contrato de trabalho para ( ... ) prestar um depoimento destinado a prejudicar" o Recorrente;
4ª - E que "as afirmações que fez nesse depoimento de que ( ... ) (0 Recorrente) enquanto ainda fazia parte ( ... ) (das Recorridas) aliciou clientes para que recorressem a outra empresa de transportes não correspondem à verdade";
5ª - Mais afirmou que "as afirmações que fez nesse depoimento de que ( ... )(0 Recorrente) enquanto ainda fazia parte (…) (das Recorridas) aliciou empregados destas para passarem a trabalhar para outra empresa de transportes não correspondem à verdade";
6ª - Admitiu nessa declaração, por fim, que "o depoimento que prestou por exigência da sua então entidade patronal é por isso no essencial falso";
7ª - Da declaração que ora se juntou resulta com clareza que um dos depoimentos que foi essencial para formação da convicção de ambas as instâncias em relação à matéria é, como posteriormente confessado, falso, falsidade que se arguiu para todos os efeitos legais;
8ª - Mais resulta que essa falsidade teve origem em pressão exercida sobre a testemunha pela sua, ao tempo de depoimento, entidade patronal, a Recorrida "AA", o que, à luz da experiência comum, destrói também a credibilidade dos restantes depoimentos das testemunhas por ela indicadas;
9ª - Com efeito, outra das testemunhas essenciais nos autos foi HH, cujo depoimento foi essencial para a formação da convicção acerca da matéria de facto no tocante, nomeadamente, aos artigos 3º a 5º, 7º a 9°, e 13° a 15°;
10ª- Esta testemunha, como decorre da fundamentação dada à resposta da matéria de facto em 1ª Instância, estava na mesma situação da testemunha antes referida, estando ligada às Recorridas por um contrato de trabalho, pelo que, terá que admitir-se ter sido também alvo de pressões de modo a condicionar o seu depoimento, que consequentemente foi falso, falsidade que se argui para todos os efeitos legais;
11ª- O mesmo podendo também dizer-se de todos os restantes depoimentos prestados pelas testemunhas indicadas pelas Recorridas, que estão também inquinados por falsidade;
12ª- A falsidade dos depoimentos que permitiu a decisão acerca da matéria de facto, que os Recorrentes conheciam mas que, só agora, atenta a declaração que obtiveram em_ e juntam, conseguem demonstrar, importa que seja anulado o julgamento, regressando os autos à 1ª Instância, para que seja efectuado novo julgamento desta vez de forma lícita e legítima;
13ª- Com efeito, a falsidade de depoimento constitui fundamento para anulação de todo julgamento que nele se baseou, sendo de conhecimento oficioso e que permitiria, até atacar o caso julgado que viesse a formar-se, pelo que, por maioria de razão permite a anulação de decisão ainda não transitada em julgado:

B. Do recurso relativo à matéria jurídica:
14ª- Nos presentes autos e a respeito dos prejuízos provou-se que "não foi possível, em curto prazo prover à substituição dos trabalhadores que" o Recorrente "levou para a nova empresa, o que perturbou o funcionamento das" Recorridas (matéria constante dos artigos 7°, 8° e 15° da base instrutória);
15ª- Da expressão referida não resulta sequer a existência de qualquer prejuízo concreto, pois, a mera "perturbação de funcionamento", que poderá, pelo já referido carácter vago e impreciso, aplicar-se às mais diversas realidades, nem sequer implica necessariamente a supressão de vantagens de modo a que essa supressão configure a verificação de prejuízos;
16ª- A expressão referida não é adequada para considerar demonstrados quaisquer prejuízos;
17ª- Aliás, a denúncia dos contratos de trabalho por parte de dois trabalhadores das Recorridas nem sequer pode ser imputada aos Recorrentes, sendo antes decisão formal desses dois trabalhadores exercida no âmbito da relação laboral por eles mantida, existindo, para evitar as perturbações a que se faz referência, as normas laborais (nomeadamente, o actual art. 447° do Código de Trabalho - que reproduz legislação anterior) que estabelecem os prazos que o trabalhador deverá conceder de pré aviso aquando da denúncia;
18ª- A entidade patronal não pode exigir, quando tais prazos sejam cumpridos, indemnização do trabalhador que tenha, ao abrigo de um direito que lhe assiste, denunciado o seu contrato;
19ª- E a existir violação desse prazo deveriam as Recorridas ter exigido a competente indemnização aos seus trabalhadores, a não existir, o facto destes foi lícito, não sendo também possível exigir qualquer indemnização, nem a eles, nem aos Recorrentes;
20ª- O facto de terem existido clientes que passaram a utilizar os serviços da empresa "EE" à qual o Recorrente é associado (artigo 13º da base instrutória), só configuraria um prejuízo se tivesse sido determinada qual a perda efectiva de mercado que provocaram, pelo que, despojado tal facto de outros que o concretizem, muito pouco valor terá, tanto mais, que corresponde apenas a uma situação que é habitual em normais condições de funcionamento de um mercado concorrencial;
21ª- A saída do Recorrente da estrutura social das Recorridas dada como provada no artigo 17°-A da base instrutória, qualquer que fosse a via por ele utilizada, não pode ser considerada um facto ilícito, tanto mais, que, em relação à Recorrida "BB" exclusão do Recorrente seu sócio, é um dos objectivos desta acção, e em relação à Recorrida "AA" foi deliberado, como decorre da alínea o) dos factos assentes adquirir compulsivamente a sua quota;
22ª- A "instabilidade" é um conceito vago que não demonstra, qualquer que seja a interpretação a dar-lhe, um prejuízo que, esse sim, poderá resultar de um clima de instabilidade que seja criado;
23ª- No artigo 29° da base instrutória dá-se como provado que as Recorridas "na altura dos factos descritos antes tiveram uma diminuição de facturação que lhes provocou prejuízo patrimonial", pretendendo-se fundar neste facto os prejuízos em causa;
24ª- Mas, não resulta dessa matéria o necessário nexo de causalidade entre qualquer comportamento imputado ao Recorrente e a diminuição de facturação, que, de resto, se teve o cuidado de referir que ocorreu na altura dos factos e não como consequência destes;
25ª- E para que esse nexo de causalidade pudesse ficar demonstrado necessário seria que existisse entre os factos anteriores que são dados como provados e o prejuízo que se demonstra mais do que uma mera relação cronológica;
26ª- Seria necessário que tivesse sido praticado pelo Recorrente um facto ilícito, nomeadamente, por, através do seu comportamento, ter violado, os deveres que lhe incumbiam enquanto gerente das Recorridas e o art. ° 64° do CSC é meramente programático, sendo, como afirma Menezes Cordeiro, "pela sua incompletude estrutural nunca poderia, só por si, fundamentar a responsabilidade dos administradores por erro de gestão" uma vez, que "os interesses nele referidos são simplesmente normas e princípios jurídicos (“A Responsabilidade Civil dos Administradores das Sociedades Comerciais", Lex, 1997, pags. 523 e 521);
27ª- Da norma em questão não pode retirar-se, pois, a responsabilização por qualquer acto que tenha sido praticado pelo Recorrente, uma vez que esta estabelece apenas um dever geral de gestão, de acordo com as regras que a esta presidem a cargo do gerente;
28ª- E nem sequer da matéria que foi dada como provada resulta que o Recorrente tenha, na gestão das Recorridas praticado algum contrário aos deveres de gestão de que estava incumbido;
29ª- Por outro lado, o art. 254º do CSC aplicável apenas aos gerentes, proíbe o exercício de actividade concorrente com a sociedade sem o consentimento desta, vedando assim o exercício de actividade abrangida pelo objecto da sociedade cuja gestão lhes está confiada, mas a matéria que se encontra provada não demonstra ter existido exercício de actividade concorrente;
30ª- Com efeito, nada impede que o gerente de uma sociedade, quando abandone essas funções passe a exercer a mesma actividade noutra sociedade por ele constituída ou da qual apenas faça parte, sendo-lhe apenas vedado que exerça actividade nessa outra sociedade enquanto se mantenham as suas funções de gerente;
31ª- Está demonstrado, como decorre da alínea f) dos factos assentes que o Recorrente apenas foi gerente das Recorridas até 1 de Janeiro de 1996, data em que se tornou eficaz a renuncia à gerência, pelo que, a partir dessa data se tornou lícito para ele o exercício de actividade concorrente;
32ª- Nenhum dos factos tidos como relevantes para demonstrar o exercício de actividade concorrente e que são os que constam das respostas aos artigos 11°, 12° e 3° a 6° podem demonstrar esse exercício, antes de 1 de Janeiro de 1996;
33ª- Resulta até que tais actos que se deram como demonstrados e que se iniciaram no Verão de 1995 respeitam à preparação de uma posterior gestão e gerência de empresa de transportes e, não como parece ter-se entendido, ao efectivo e exercício dessa gestão e que a actividade em si mesma apenas se iniciou após 1 de Janeiro de 1996;
34ª- Os actos de preparação, nos quais se funda a decisão proferida como correspondendo ao efectivo exercício de actividade, não são susceptíveis de permitir consubstanciar o exercício de actividade concorrente como é exigido pela disposição antes citada;
35ª- Da certidão da empresa que concorre com as Recorridas que se encontra junta aos autos, a fls. 53 e seguintes resulta que o Recorrente não é nem nunca foi titular nela de qualquer participação e, para que se preenchesse a previsão do art. 254° do CSC seria necessário que ele, tivesse nela uma participação de pelo menos vinte por cento o que não sucede;
36ª- Ainda que pudesse defender-se que a sua nomeação como gerente dessa empresa seria susceptível de preencher o conceito legal, o que não se admite por a disposição citada exigir participação em sociedade, cumpre verificar que só a partir de 1 de Janeiro de 1996 o Recorrente foi nomeado gerente como decorre de fls. 57 dos autos;
37ª- Assim, os factos dados como provados não consubstanciam violação do dever de não concorrência da parte do Recorrente;
38ª- Não podendo os clientes e os preços praticados deixar de ser conhecidos pelo Recorrente por força do exercício de funções em beneficio das Recorridas, é natural que possam ser utilizadas, tanto mais que não são informações confidenciais, sendo de resto uma das características do mercado concorrencial, a sua transparência (vd. a esse respeito António Carlos Santos, Maria Eduarda Gonçalves e Maria Manuel Leitão Marques, "Direito Económico", Almedina, 1993, pag.302);
39ª- O convite efectuado a empregados das Recorridas, que, nem sequer se encontra fixado no tempo e que, de todo o modo, só pode ter tido eficácia após o início de actividade da empresa concorrente após 1996, não pode também considerar-se violador do art. 254º do CSC;
40ª- Interpretar o art. 254º do CSC da forma como é efectuada na douta sentença, e considerar que este na sua previsão abrange a factualidade dada como provada nos autos, contraria o art. 61º da Constituição, que estabelece a livre iniciativa económica e torna nessa interpretação tal norma inconstitucional como, desde já, se argui;
41ª- Não se vê também que a matéria constante dos artigos 9° e 21° da base instrutória possa configurar, desligada de qualquer outra, qualquer violação dos deveres do Recorrente para com a Recorridas, porquanto, nem sequer ficou demonstrado que a sua gestão tenha deixado de ser, a partir de 1995, a mais adequada, não estando demonstrado que tenha deixado de praticar quaisquer actos que as suas funções de gerente lhe impunham ou que tenha descuidado a gestão a que estava vinculado;
42ª- Na douta sentença entendeu-se, e muito bem, que a simples cessão da quota detida pelo Recorrente, ainda que contra a vontade das Recorridas não configura facto ilícito violador do dever de lealdade;
43ª- Por essa razão, se estabelece no art. 231° do CSC que sendo recusada a cessão de uma quota pela sociedade, deverá ser efectuada proposta destinada à sua amortização, o que visa exactamente evitar que, mesmo nessa situação, o sócio possa sempre deixar de integrar a sociedade;
44ª- E mesmo existindo simulação de valor como na douta sentença se refere, as regras a aplicar são aquelas que constam no citado art. 231°, em que se prevê, que a sociedade possa propor o real valor de amortização, pelo que, existindo um mecanismo legal destinado à salvaguarda de tal direito, não se vê como dos factos dados como provados poderá resultar qualquer obrigação de indemnizar para o Recorrente, que apenas resultaria de eventuais prejuízos daí resultantes para as Recorridas que, como se vê, não se encontram demonstrados;
45ª- De qualquer modo, os factos constantes dos artigos 24° e 25° da base instrutória não são suficientes para se poder dar como demonstrado que tenha havido simulação do valor da cessão, pois, para tanto seria necessário que tivesse sido alegado e provado que tivesse existido um acordo nesse sentido entre o Recorrente e a "Horus", o que não ocorreu;
46ª- Uma vez que, ao contrário daquilo que se entendeu no douto Acórdão, o caso julgado não abrange os factos, mas apenas a decisão, podendo em relação àqueles apenas utilizar o mecanismo do valor extra processual das provas, o que não ocorreu nestes autos;
47ª- Com efeito, não basta, para que haja simulação, que o preço não corresponda ao valor real, podendo este apesar de não ser real resultar de um acordo entre as partes que o contratem e, de resto, na sentença admite-se que tal simulação está apenas indiciada e não demonstrada;
48ª- Para que alguma responsabilidade pudesse ser imputada ao Recorrente, seria necessário que esse acordo tivesse resultado da matéria dada como provada, por só, nessa medida a sua actuação ter sido ilícita;
49ª- Nenhuma simulação houve da parte do Recorrente que se limitou a negociar com terceiro o valor das suas quotas no capital das Recorrida, tendo chegado ao valor que nessa negociação acordou e que, ainda que seja divergente do valor real dessas quotas, não envolve da sua parte qualquer comportamento ilícito;
50ª- Decorre de tudo quanto antes se apontou e que se dá agora por reproduzido que, não houve qualquer comportamento ilícito da parte do Recorrente que pudesse configurar deslealdade perante a Recorrida "BB";
51ª- E como já se viu, a expressão "perturbação de funcionamento" que, aliás, foi retirada do art. 242º do CSC é um conceito conclusivo e que deveria resultar de factos que o permitissem devendo ser eliminada da matéria de facto;
52ª- Resulta também daquilo que antes se expôs e se dá por reproduzido que nenhuns prejuízos estão demonstrados nos autos, e que, mesmo que se considerasse existirem tais prejuízos, estes não poderiam nunca ser entendidos como relevantes;
53ª- Mais, nem sequer resulta que exista entre o comportamento do Recorrente e os eventuais prejuízos que se referem um nexo de causalidade que permita que esses prejuízos lhe possam ser imputados, como é exigido pelo art. 242º do CSC, pelo que, o pedido de exclusão de sócio que contra ele é dirigido pela Recorrida "BB" deverá ser julgado improcedente, por não haver nem matéria de facto, nem matéria jurídica que o suporte;
54ª- Aliás, como de diz no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 2007.02.13 "Para a procedência do pedido de exclusão judicial de sócio ( ... ) não basta a prova de que a sócia cuja exclusão se pretende passou a exercer a mesma actividade da sociedade sem o consentimento da outra sócia, constituindo para efeito uma sociedade unipessoal por quotas. Impõe-se ainda prova de que houve prejuízos concretos decorrentes dessa actividade ou a previsibilidade, em termos objectivos, de verificação de prejuízos relevantes, prova que não se pode considerar a partir do momento em que não se provou o que foi alegado nesse sentido, o desvio de clientes com a consequente frustração de negócios avaliados em, pelo menos, € 30.000,00" (www.dgsi.pt, pº 9849/2006-7).
55ª- De qualquer modo, resulta da prova efectuada nos autos que a Recorrida "BB" era, à data dos factos, uma sociedade com actividade extremamente reduzida, sem qualquer peso e influência no mercado ao contrário da Recorrida "AA", podendo a esse respeito ver-se, designadamente, o relatório de avaliação de f1s. 628 e seguintes dos autos;
56ª- Os factos referidos nos artigos 7° e 8° da base instrutória não tem relevância para a exclusão em causa por respeitarem apenas à Recorrida "AA" pelo que nunca poderiam ser considerados para a fundamentar;
57ª- E a diminuição dos resultados da Recorrida "BB" foi, antes em consequência da alienação do seu património a valor muito inferior ao de mercado como já antes se demonstrou, razão pela qual, tal prejuízo, que, ainda assim não poderia dar-se como assente ter sido grave, não foi provocado pelo Recorrente;
58ª- O conceito de "instabilidade" que como se viu é conclusivo devendo resultar de factos que o permitissem e não podendo ser mantido na decisão de facto, não poderia, também, preencher a previsão do art. ° 242° do CSC;
59ª- Deve, pois, o pedido de exclusão, pelas razões apontadas ao longo de toda esta alegação ser julgado improcedente.

As recorridas contra-alegaram, pugnando pela manutenção do decidido e pedindo a condenação dos recorrentes como litigantes de má fé, em multa e indemnização.

Corridos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar e decidir.
Vem dado como PROVADO:

Da especificação:
A) As AA são sociedades por quotas de responsabilidade limitada, constituídas, respectivamente, por escrituras públicas de 31 de Maio de 1934, junta a fls. 16 a 29 dos autos, e 29 de Junho de 1968, junta a fls 30 a 34 dos autos (als A), H) e I) da especificação).

B) As AA têm como objecto social o exercício da actividade de transportes, incluindo o exercício, desde a sua constituição, da actividade de mudanças nacionais e internacionais de mobiliário e recheio de residências e escritórios e respectivo embalamento e armazenamento (al. B) da especificação).

C) A A., AA, Lda, foi galardoada pelo Governo Civil de Lisboa, em 3.11.1948, com o "Diploma Consagratório de Preferência e Prestígio em Transportes e Mudanças", a fls 50 dos autos (als. C) e M) da especificação).

D) As AA são empresas associadas, cujo capital social se encontra distribuído pelos mesmos sócios e precisamente na mesma proporção, com gerentes comuns (al. D) da especificação).

E) Cujas instalações industriais, armazéns e parqueamento da frota conjunta, de cerca de 40 viaturas, se encontram situadas em Abóboda, Carcavelos, deste concelho (aI. E) da especificação).

F) O Réu marido, CC, além de sócio, foi gerente das AA. e exerceu efectivamente as funções inerentes a esse cargo desde 1984 até 1 de Janeiro de 1996 (al. F) da especificação).

G) Data em que renunciou à gerência (aI. G) da especificação).

H) O réu recebeu das autoras as remunerações constantes dos docs nºs 6 e 7 juntos com a PI (al. N) da especificação).

I) A fls 35-49 dos autos constam as certidões do Registo Comercial das AA. (als J) e L) da especificação).

J) Por escritura de 14.06.1995, junta a fls 60 e segs., foi constituída a sociedade por quotas denominada "EE - Sociedade de Transportes, Lda", com sede em Cascais, tendo como objecto social, além do mais, o transporte e armazenamento de bens e mercadorias, e como sócias, a ora ré, com a quota de 40.000$00, nomeada gerente, e a sociedade II, com uma quota de 360.000$00 (als P) e Q) da especificação).

K) No dia 04.01.1996, foi inscrita no registo comercial a nomeação do réu como gerente dessa sociedade, a partir do dia 01.01.1996, conforme deliberação de 11.12.1995, a fls. 57 dos autos (al. O) da especificação).

L) Por escritura de 04.12.1995, o réu declarou ceder à sociedade FF Limited, com sede em Gibraltar, representada por JJ, a sua quota na autora "BB", pelo preço de 250.000.000$00, e a sua quota na autora "AA", pelo preço de 325.000.000$00 - cfr., doc. junto a fls. 89 e segs. dos autos (aI. U) da especificação).

M) Na Assembleia de sócios da A. AA, realizada no dia 14 de Novembro de 1995, para deliberar sobre o consentimento para a cessão da quota do réu nas condições mencionadas na alínea anterior, em que o réu esteve presente, foi decidido, com os fundamentos constantes da acta de fls. 116 a 118 dos autos, e com o voto contra do réu o seguinte: a) recusar o consentimento à cessão da quota do réu a favor da sociedade "Horus"; b) e ''propor e comunicar ao réu a amortização da sua quota pelo seu valor real actual, que é de duzentos e dez milhões de escudos, sem prejuízo de, no caso de haver intervenção judicial, ser pago o preço que pelo tribunal vier a ser fixado como valor real dessa quota" (al. V) da especificação).

N) Na Assembleia de sócios da A. BB, realizada no dia 15 de Novembro de 1995, para deliberar sobre o consentimento para a cessão da quota do réu nas condições mencionadas na alínea L), em que o réu esteve presente, foi decidido, com os fundamentos constantes da acta de fls. 127 a 129 dos autos, e com o voto contra do réu, o seguinte: a) recusar o consentimento à cessão da quota do réu a favor da sociedade "Horus"; b) e ''propor e comunicar ao réu a amortização da sua quota pelo seu valor real actual, que é de setenta e quatro milhões de escudos, sem prejuízo de, no caso de haver intervenção judicial, ser pago o preço que pelo tribunal vier a ser fixado como valor real dessa quota" (al. X) da especificação).

O) Na Assembleia de sócios da A. AA, realizada no dia 10 de Janeiro de 1996, foi decidida, com os fundamentos constantes da acta de fls. 134 e segs. dos autos, "a aquisição compulsiva" da quota do réu "mediante a contra partida de duzentos e dez milhões de escudos, em substituição da sua amortização pela sociedade se, à data do vencimento da contra partida da aquisição, a mesma puder satisfazer essa contra partida nas condições exigidas nos preceitos legais citados, e, no caso contrário, pelos sócios que, por escrito, assinado e com assinatura reconhecida... " (al. Z) da especificação).

P) Bem como, pelos fundamentos que constam de fls. 141 e 142, a instauração de acção de responsabilidade civil contra o réu (al. Z) da especificação).

Q) Na Assembleia de sócios da A. BB, realizada no dia 11 de Janeiro de 1996, foi decidida, com os fundamentos constantes da acta de fls. 155 e segs. dos autos, "a exclusão do sócio CC... instaurando-se para o efeito a competente acção judicial. " (al. AA) da especificação).

R) Na Assembleia de sócios da A. BB, realizada no dia 30 de Abril de 1996, foi decidida, com os fundamentos constantes da acta de fls. 162 e segs. dos autos, a instauração de acção de responsabilidade civil contra o réu (al. BB) da especificação).

S) Através das cartas de fls 166 e 167, de 22 de Janeiro de 1996, o réu deu conhecimento à Embaixada dos Estados Unidos da América, de que tinha deixado de estar ligado à primeira autora, AA, e que tinha um nova empresa de transportes, a EE, cujos serviços oferecia (al. CC) da especificação).

T) JJ subscreveu a carta junta a fls 103 e 104 dos autos, com data de 26.05.1995, dirigida a KK, onde indica a avaliação das sociedades autoras e apresenta proposta de aquisição de parte do capital social das mesmas (al. FF) da especificação).

U) A aquisição das quotas do réu na AA, acima mencionada na alínea L), deu origem às notícias que constam de fls. 106 e 107 (al. GG) da especificação).

V) Por carta do dia 30.12.1995, um cliente da autora AA comunica-lhe que, devido às relações de amizade existentes com o réu, de futuro, passaria a colaborar com a empresa do mesmo (al. HH) da especificação).

W) No dia 07.12.1995, foi inscrita no registo comercial a transmissão da quota do réu na sociedade AA; acima mencionada sob a alínea L) (al. II) da especificação).

Da decisão sobre a matéria de facto:
1 ° - As AA são empresas familiares, sendo todos os sócios descendentes do fundador LL(resposta ao quesito 1°).

2° - Em finais de 1995 o R. CC obteve, nos serviços administrativos da Autora AA, a lista interna dos nomes, moradas, profissões e categorias profissionais e mapa de remunerações dos empregados da mencionada autora (resposta ao quesito 3°).

3° - As tabelas de preço e listas de clientes e respectivas moradas eram, nessa altura, do conhecimento do réu Fernando Paiva (resposta ao quesito 4°).

4° - As informações referidas nos nºs anteriores vieram ao conhecimento do R. no exercício das suas funções de gerente ou por as haver obtido dos funcionários dos serviços administrativos das AA., invocando essa qualidade (resposta ao quesito 5°).

5° - Essas informações foram utilizadas por empresa concorrente com actividade no mesmo ramo das autoras, a "EE, Lda.", criada e gerida pelos RR. (resposta ao quesito 6°).

6° - O R. convidou empregados da autora AA para deixarem o serviço desta e passarem a prestar serviço a esta nova empresa, o que acabou por acontecer em relação a, pelo menos, dois desses trabalhadores (resposta aos quesitos 7° e 8°, sendo que a parte sublinhada foi aditada nos termos dos arts. 713°, nº 2 e 659°, nº 3 do CPC - ver fls 884 dos autos).

7° - Não tendo sido possível, em curto prazo, prover à substituição desses 2 trabalhadores (resposta ao quesito 8° a)).

8° - A partir do Verão de 1995, o R. só comparecia na sede das AA. no período da tarde, com o esclarecimento que cabia nas atribuições do R. CC a visita a clientes, (resposta ao quesito 9º, sendo que aparte sublinhada foi aditada nos termos dos arts 713.º, nº 2 e 659°, nº 3 do CPC - ver fls 885 dos autos).

9° - O R. andou, pelo menos desde o Verão de 1995, a preparar e organizar a criação, constituição, estruturação e posterior gestão e gerência de uma empresa de transportes na área de mudanças nacionais e internacionais, de mobiliário e recheio de residências e escritórios e respectivos embalamento e armazenamento (resposta ao quesito 11°).

10° - A Empresa referida no nº anterior tinha armazém e estabelecimento em Linhó, a aproximadamente 10 Km de distância das instalações industriais e comerciais das autoras (resposta ao quesito 12°).

11 ° - Houve clientes das autoras, incluindo clientes tradicionais, que passaram a contratar também os serviços da EE (resposta aos quesitos 13° e 17°).

12° - No contacto com potenciais clientes para a EE, o réu invocava o seu passado na autora AA (resposta ao quesito 14°).

13° - As autoras tiveram o seu funcionamento perturbado pela saída de funcionários (resposta ao quesito 15°).

14° - As autoras tinham uma imagem e tradição de moderação, estabilidade e confiança, tendo a saída do Réu CC causado instabilidade nas mesmas (resposta ao quesito 19°).

15° - Os factos referidos nos nºs 2 a 14, vieram ao conhecimento das AA nos finais de 1995 e princípios de 1996 (resposta ao quesito 20°).

16° - O Réu faltou ao serviço das AA., como gerente, durante 15 dias seguidos, contados de 29-11-95 (resposta ao quesito 21°).

17° - Durante esse período, o Réu foi visto nas instalações da EE (resposta ao quesito 22°).

18° - O preço referido na escritura pública de cessão de quotas referida na alínea L), é muito superior ao real (resposta ao quesito 24°).

19° - A Horus não tem nem tinha à data da aquisição das quotas qualquer actividade nem qualquer património (resposta ao quesito 24°- a).

20° - O representante legal da Horus - Vasconcelos e Sá -, é professor Universitário e não tem qualquer experiência no ramo de actividade das AA. (resposta aos quesitos 25° e 26°).

21 ° - No ramo de actividade das autoras, a experiência e sobretudo os contactos e ligações nacionais e internacionais com operadores desta área negócios, são condições essenciais para a rentabilidade do negócio (resposta ao quesito 27°).

22° - Na altura dos factos antes descritos, as autoras tiveram uma diminuição de facturação, o que lhes causou prejuízo patrimonial (resposta aos quesitos 28° e 29°).

23° - Os factos descritos e a cessão de quotas determinaram a instauração e contestação de várias acções (resposta ao quesito 30°).

24° - O R., enquanto foi sócio e gerente das AA., tinha a seu cargo a área comercial e de contactos com clientes (resposta ao quesito 31°).

25° - O R. enviou às AA., que as receberam, as cartas cujas cópias constam de fls. 188 a 193, datadas de 11 de Dez de 1995, a comunicar a cessão de quotas referida sob a alínea L) (resposta ao quesito 32°).

26° - Parte do tempo que o réu dedicava às AA. não era passado nas instalações das mesmas mas em contactos no exterior (resposta ao quesito 33°).

Através de certidão junta a fls. 666 e segs.:
27° - A autora AA intentou acção contra a Horus a pedir que se declare que a mesma não é sua sócia, com o cancelamento da inscrição no registo comercial, que foi julgada procedente, por decisão transitada em julgado.

Através de certidão junta a fls. 744 e segs.:
28° - A Horus intentou acção contra as autoras dos presentes autos, pedindo, além do mais, que se declare a nulidade de diversas deliberações sociais, na qual teve lugar intervenção principal espontânea dos réus nos presentes autos, admitido, pedindo que fosse declarada a nulidade das deliberações da AA e da BB, de 10 e 11 de Janeiro de 1996, acima referidas, bem como da escritura de amortização de quota e o seu registo.

29° - Essa acção terminou com a conclusão de que a autora Horus não era sócia da AA ou da BB, que foram absolvidas dos pedidos, decisão transitada em julgado.

Por certidão junta, a fls. 938:
30° - Os réus contraíram casamento um com o outro no dia 07.08.1976, sem convenção antenupcial.

Resultam, ainda, assentes, os seguintes factos (arts. 713°, n° 2 e 659°, n° 3 do CPC):
31°- Consta de fls. 88 dos autos uma carta, datada de 11.12.95, assinada pelo R. e endereçada à A. AA, Lda., cujo teor é o seguinte: "... Pela presente e para os devidos efeitos, informo V.Exas. que motivos de saúde me têm impossibilitado de comparecer na empresa desde o passado dia 29 de Novembro. Manterei a Gerência ao corrente de qualquer evolução ou alteração que se venha a verificar quanto ao meu estado de saúde.... " (aI. T) da especificação).

32°- Foram contactados outros empregados que se encontram ainda ao serviço das AA. (resposta ao quesito 16° - fls. 885).

33°- A cessão de quotas deu origem a notícias na imprensa (resposta ao quesito 27° a) fls. 886).
34°- Vários clientes das AA passaram a trabalhar com a EE e alguns funcionários daquelas (pelo menos 2) mudaram de emprego, indo trabalhar também para a EE (resposta ao quesito 34° - fls. 886).


São, como é bem sabido, as conclusões da alegação do recorrente que delimitam o objecto do recurso – arts 684.º, nº 3 e 690.º, nº 1 e 4 do CPC, bem como jurisprudência firme deste Supremo Tribunal.
Sendo, pois, as questões atrás enunciadas e que pelos recorrentes nos são colocadas que cumpre apreciar e decidir.

As quais, sendo efectuadas ao arrepio do determinado no citado art. 690.º, nº 1, assim, e segundo se crê, se podem resumir:
1ª – Questão prévia, sustentada por um documento superveniente, que se juntou, relacionado com o depoimento falso prestado em 1ª instância por GG, no qual assentaram as respostas dadas aos arts 3.º a 5.º, 9.º, 13.º a 15.º e 21.º. O mesmo sucedendo com o depoimento prestado pela testemunha M... P... B... P... (arts 3.º a 5.º, 9.º, 13.º a 15.º e 21.º), estando igualmente inquinados de falsidade os depoimentos das demais testemunhas indicadas pelas recorridas.
2ª – A não ilicitude dos actos constantes na alínea c) da sentença de 1ª instância, confirmada pela Relação(2), inexistindo qualquer nexo de causalidade entre os mesmos e a produção de danos.
3ª – A da não inexistência de qualquer comportamento ilícito por banda do recorrente marido, mormente a sua não violação dos deveres de não concorrência.
4ª – A da inconstitucionalidade do art. 254.º do CSC, (3) tal como é interpretado nas instâncias.
5ª – A não existência de simulação no valor da cessão de quota.
6ª – A improcedência do pedido de exclusão de sócio do réu marido, da A. Transportes BB, Lda.

Havendo que ponderar e se dizer, antes do mais, o seguinte:
Entendem as recorridas que, com excepção das conclusões 46ª e 54ª, que, ou não têm suporte na respectiva alegação, ou contemplam matéria nova, ou não apresentam nem aduzem qualquer argumento ou fundamento contra a parte da decisão que pretendem impugnar, ou a respectiva matéria é completamente inócua e inadequada à impugnação da decisão recorrida, os recorrentes se limitam a reproduzir as alegações e conclusões apresentadas no recurso de apelação, pretendendo discutir matéria de facto, sem que, afinal, impugnem o acórdão recorrido.

Ora, do confronto entre as alegações apresentadas, quer na apelação, quer na presente revista, facilmente se constata que estas são, na sua maioria, decalque das primeiras, quer na motivação, quer nas conclusões.

Sucedendo que nas primeiras, manifestavam os ora também recorrentes a sua discordância em relação à decisão de 1ª instância, que então impugnavam, limitando-se agora, perante outra decisão, quase a repetir a argumentação então e antes expendida, suscitando precisamente as mesmas questões.

Bem se podendo concluir que os recorrentes não apresentam qualquer específica razão de discordância em relação ao acórdão da Relação, que não remeteu apenas para a sentença de 1ª instância (4), mas, ao invés, motivou de forma autónoma a sua decisão, também ela recorrida.
Ignorando a mesma, tudo se passando, quanto a eles, como se novos argumentos não tivessem nela sido aduzidos.

Mas, a decisão ora recorrida, como bem dizem as recorridas, é o acórdão da Relação e não a sentença de 1ª instância.

Sendo certo, sempre se dirá, ainda, que tal como ensina A. Reis (5)/ Cfr., também, Ac. do TC de 4/7/2000, DR II S, de 12/12/2000., na essência das alegações de recurso está, necessariamente, a “expressão e o desenvolvimento das razões da discordância e de impugnação” da decisão recorrida.

Bem se podendo concluir, face à conduta pelos recorrentes assumida, que eles apenas estão, de novo, a impugnar a decisão de 1ª instância, que a este STJ não cabe, naturalmente, apreciar.
Sem ter em conta o acórdão da Relação, do qual interpuseram também recurso, sem, afinal, dizerem as razões da sua específica discordância em relação ao mesmo.

Tudo se passando, poder-se-á entender (7).", como se faltassem as alegações para esta revista, o que acarretaria, nos termos dos arts 690º, nº 3 e 291º, nº 2, ambos do CPC, a deserção do recurso (8)..

Contudo, numa apreciação menos rigorosa – quiçá menos tecnicamente bem elaborada – da não correcta conduta dos recorrentes, sempre se conhecerá do presente recurso de revista, das questões de direito que os mesmo suscitam. Tal como noutros casos já se fez (9).

Entremos, então, no recurso de revista, em si mesmo.

Começando-se pela primeira questão: a da questão prévia suscitada.

Vêm os recorrentes invocar a falsidade dos depoimentos prestados pelas testemunhas indicadas pelas recorridas, nos quais se formou a convicção do Tribunal que foi bastante para as respostas aos questionados artigos da base instrutória, que melhor explicitam na sua alegação, tendo as mesmas, segundo alegam, sido pressionadas pelas recorridas para de tal forma deporem. Tendo a testemunha M...M... declarado por escrito, que juntam e que só agora conheceram, que foi sujeita a pressões pela recorrida AA para prestar um depoimento destinado a prejudicar o recorrente.
As recorridas, embora a propósito do recurso de revisão também pelos ora recorrentes interposto (10), vieram arguir a falsidade de tal documento.

Mas, tal questão não pode aqui ser suscitada, já que, no fundo, com ela se pretende não mais do que a alteração da decisão da matéria de facto proferida nas instâncias.
E este Supremo Tribunal, como é bem sabido, como tribunal de revista, aplica definitivamente aos factos fixados pelo tribunal recorrido, o regime jurídico que julga adequado – art. 729.º, nº 1 do CPC.
Consequentemente, não conhece matéria de facto – e muito menos a investiga – salvo ofensa de uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova – arts 729.º, nº 2 e 722.º, nº 2, do mesmo diploma legal.
O que, in casu, não sucede.
Confinando-se, pois, a competência do STJ à matéria de direito, sem que que se possa ocupar de matéria de facto (art. 26.º da LOFT)(11)..

Podendo tal questão, prender-se, sim, com o recurso de revisão também pelos recorrentes interposto, com fundamento nas als b) e c) do art. 771.º, ainda do CPC, “da decisão proferida acerca da matéria de facto” destes mesmos autos.
Mas que não foi, também aqui, admitido, conforme acórdão deste STJ, de 11/11/2010, transitado em julgado.

Não havendo, agora, crê-se que sem necessidade de mais considerandos, que conhecer tal matéria. Nem, naturalmente, da arguida falsidade do documento que junto aos autos está (crê-se que para instrução do dito recurso de revisão).


Passemos às segunda, terceira e quarta questões: a da não ilicitude dos actos constantes na alínea c) da sentença de 1ª instância, confirmada pela Relação, inexistindo qualquer nexo de causalidade entre os mesmos e a produção de danos, a da não inexistência de qualquer comportamento ilícito por banda do recorrente marido, mormente a sua não violação dos deveres de não concorrência e a da inconstitucionalidade do art. 254.º, tal como é interpretado nas instâncias.


Sendo tais factos os seguintes, conforme nota de rodapé supra, relativos aos prejuízos sofridos pelas autoras:
- não foi possível, em curto prazo, prover à substituição dos 2 trabalhadores que o réu levou para a nova empresa, o que perturbou o funcionamento das autoras – nºs 7 e 13;
– houve clientes das autoras, incluindo clientes tradicionais, que passaram a contratar também os serviços da EE – nº 11;
– as autoras tinham uma imagem e tradição de moderação, estabilidade e confiança, tendo a saída do Réu CC causado instabilidade nas mesmas – nº 14;
- na altura dos factos antes descritos, as autoras tiveram uma diminuição de facturação, o que lhes causou prejuízo patrimonial nº 22;
- os factos descritos e a cessão de quotas determinaram a instauração e contestação de várias acções – nº 23.

Sendo que, perante estes factos, concluiu a Relação que a perturbação no funcionamento das autoras, pela saída dos dois trabalhadores, bem como a instabilidade decorrente dos factos acima referidos e a fase de litígio que se lhes seguiu, originaram prejuízos para as autoras, os quais, em termos de nexo causal, devem ser imputados às condutas do réu acima descritas - artigos 562° a 566° do CC.
Devendo, pois, indemnizar as autoras por esses prejuízos, em montantes a apurar em execução de sentença – artigo 661°, 2 do CPC.


Entendendo os recorrentes que simples prova da perturbação do funcionamento das autoras, pela impossibilidade da substituição dos dois trabalhadores – que nem sequer pode ser imputada ao réu - em curto prazo não configura a verificação de prejuízos.
Como também estes não existem só pelo facto de terem existido clientes que passaram a utilizar os serviços da EE
De igual modo, a saída do recorrente CC não pode ser considerada ilícita, sendo um dos objectivos da acção a sua exclusão de sócio da Transportes BB, Lda, tendo a AA deliberado adquirir compulsivamente a sua quota.
Não havendo nexo de causalidade entre qualquer conduta imputada ao réu e a diminuição da facturação.

Tendo o acórdão recorrido explicitado, por remissão para factualidade provada a tal respeito, que aqui se acolhe, porque se entendeu, independentemente do uso de expressões de carácter mais genérico, porque tais factos dão azo a responsabilidade do réu.

Ora, segundo o acórdão recorrido, da matéria de facto provada, mormente da descrita sob pontos 2.º a 6.º, 8.º a 10.º, 16.º, 17.º e 31.º, resulta não só que o réu praticou actos contrários aos deveres de gestão de que estava incumbido, como exerceu actividade concorrente com a das AA. Configurando tais factos uma violação ilícita e culposa dos deveres do recorrente, como gerente, nomeadamente dos deveres de lealdade, diligência, fidelidade e defesa dos interesses das autoras, bem como a da obrigação de não concorrência que sobre o mesmo impendia.

Sobre a responsabilidade de membros da administração para com a sociedade, incluindo, portanto, os gerentes de uma sociedade por quotas, dispõe-se no art. 72º, nº 1 que:
«Os gerentes, administradores ou directores respondem para com a sociedade pelos danos a esta causados por actos ou omissões praticados com preterição dos deveres legais ou contratuais, salvo se provarem que procederam sem culpa.”

De tal normativo resulta, portanto, que os gerentes respondem civilmente para com a sociedade relativamente a danos causados a esta por factos próprios e violadores de deveres legais e/ou contratuais, a não ser que demonstrem ter agido sem culpa.

Sendo a responsabilidade dos gerentes para com a sociedade uma responsabilidade contratual e subjectiva, dependendo da culpa, que se presume (cfr., também, art. 799.º, nº 1 do CC).

Vindo a entender a doutrina que aquele citado art. 72.º consagra uma típica responsabilidade contratual, quer porque se considera que eles são mandatários da sociedade (12), e essa pessoa dá o seu assentimento – Menezes Cordeiro, Da responsabilidade civil dos administradores das sociedades comerciais, p. 337 a 341. Entendendo António Pereira de Almeida, Sociedades Comerciais, 6ª ed., que a relação de administração se deve subsumir ao contrato de prestação de serviço (art. 1154.º do CC) que aqui se pode designar por contrato de administração. , quer porque se reconhece que a fonte directa das suas obrigações é o acto negocial da sua nomeação (13).

Tendo, em qualquer caso, a responsabilidade civil dos administradores que decorrer da “preterição de deveres contratuais e legais”, tendo que existir sempre uma desconformidade entre a conduta do administrador (14) e aquela que lhe era normativamente exigível (15).

Ora, estando os gerentes da sociedade, desde logo, vinculados à observância de deveres legalmente consagrados no próprio CSC, pode enunciar-se como obrigação típica o dever de diligência (art. 64.º (16)). Não sendo a diligência do gerente apreciada como a culpa em concreto, em função do comportamento normal do próprio gerente, havendo antes um padrão objectivo, que não é o do simples bom pai de família, mas sim o de um gestor dotado de certas qualidades.
Sendo certo que, apesar da epígrafe do dito art. 64.º (dever de diligência), parecendo que o legislador o tomou como autónomo, colocado no mesmo plano de qualquer dos outros deveres dos gerentes, deverá entender-se que a diligência exigida neste artigo é um critério vinculativo para a apreciação da conduta do gerente no cumprimento de todos os seus deveres (17).
Concretizando-se, assim, tal dever de diligência, na fórmula do “gestor criterioso e ordenado”, devendo a gestão seguir o interesse da sociedade, tendo em conta os interesses dos sócios e dos trabalhadores (citado art. 64.º (18)).
Tendo o legislador acabado por aproximar a “diligência” de uma norma de conduta e, portanto, de fonte de ilicitude, a qual, quando violada, está sujeita a subsequente e eventual juízo de culpa(19)..
Parecendo desnecessário autonomizar o dever de lealdade (20) pelo qual a empresa também deve ser dirigida de modo a prosseguir ou ter em vista o interesse da sociedade, sendo o mesmo uma das facetas do dever geral de diligência na gestão(21).
Costumando tal dever de lealdade ser associado à obrigação de não concorrência, obrigação de não aproveitar em benefício próprio eventuais oportunidades de negócio, de não actuação em conflito de interesses (22)..
Devendo, em consonância com tal dever o administrador actuar de acordo com o interesse social, evitando situações de conflito de interesses.
Podendo decompor-se este referido dever na obrigação de não concorrência e obrigação de não apropriação de informações internas ou negócios com a sociedade(23).

Estando esta obrigação de não concorrência nas sociedades por quotas expressamente prevista e proibida no art. 254.º, assim rezando o mesmo, no que aqui importa:
“1. Os gerentes não podem, sem consentimento dos sócios, exercer por conta própria ou alheia, actividade concorrente com a da sociedade.
2. Entende-se como concorrente com a da sociedade qualquer actividade abrangida no objecto desta, desde que esteja a ser exercida por ela ou o seu exercício tenha sido deliberado pelos sócios.
3. No exercício por conta própria inclui-se a participação, por si, ou por interposta pessoa, em sociedade que implique assunção de responsabilidade ilimitada pelo gerente, bem como a participação de, pelo menos, 20% no capital ou nos lucros de sociedade em que ele assuma responsabilidade limitada.
4. (.........................................................................................................................................).
5. A infracção do disposto no nº 1, alem de constituir justa causa de destituição, obriga o gerente a indemnizar a sociedade pelos prejuízos que esta sofra.
6. (………………………………………………………………………………………………….).

Entendendo-se como concorrente com a da sociedade qualquer actividade abrangida no objecto desta, desde que esteja a ser exercida por ela, sendo, assim, o critério determinante da mesma, tal como se encontra previsto no nº 2 ora exposto, meramente formal: coincidência da actividade exercida ou a exercer pelo gerente com a actividade abrangida no objecto social da sociedade protegida (24).

Sendo proibido o exercício de actividade concorrente, quer por conta própria do gerente, ou seja, por este e no seu próprio interesse, quer por conta alheia, seja, no interesse doutra pessoa. Justificando-se também neste caso, contrariamente ao sustentado pelo recorrente, quando diz que não é titular de qualquer participação social na empresa (25), a proibição do exercício de actividade concorrente pelo facto dele exercer o cargo de gerente na sociedade concorrente e na sociedade protegida.

Ora, como bem se diz no acórdão recorrido, provado ficou que o réu recorrente, enquanto gerente das AA foi preparando a constituição e funcionamento da empresa com actividade concorrente – todas elas com o objecto social de transporte e armazenamento de bens e mercadorias (als B) e J)) – com armazém e estabelecimento em Linhó, a cerca de 10 Kms de distância das instalações das AA, utilizando conhecimentos relativos a clientes e preços que lhe advinham das suas funções, obtendo, também por via destas, a lista interna de nomes, moradas, profissões, categorias profissionais e remunerações dos empregados da AA, convidando empregados para deixarem o serviço das AA, passando a prestá-lo à EE – cfr. alíneas F), J), K) e V) dos factos assentes e respostas aos quesitos 2.º, 3.º, 4.º, 5.º, 6.º, 9.º, 11.º, 15.º, 16.º e 17.º.

Exercendo o réu, como gerente das AA, actividade concorrente com a destas, para alem de violar o dever fundamental de diligência de um gestor criterioso e ordenado, no interesse das sociedades (aqui protegidas). Ao qual, em primeiro lugar, devia lealdade.

Tudo isto, sem necessidade de se tomar posição perante a querela doutrinária de se saber se o art. 64.º referido impõe efectivamente um dever autónomo dos administradores ou se mais não fará do que estabelecer um modo ou requisito de actuação para cumprimento de deveres que por outro via, aqui pela dita proibição da concorrência, sejam estabelecidos.
Ou seja, o de saber se tal preceito, contendo um critério de comportamento do administrador para o conjunto dos seus deveres, conterá também uma fonte autónoma de determinação da conduta devida, susceptível de ser autonomamente violado e, por isso, ser fonte autónoma de responsabilidade civil (26)

.Sempre se dizendo no tocante à também questionada ilicitude, que o nosso legislador, optando claramente pelo sistema alemão, faz aparecer a mesma sempre configurada como um juízo de desvalor atribuído pela ordem jurídica (maxime, art. 483.º do CC), juízo esse referido ao comportamento do agente (teoria do desvalor do facto). Não se auferindo a ilicitude em relação ao resultado, pressupondo antes uma avaliação do comportamento do agente. Não havendo ilicitude sempre que o comportamento do agente, apesar de representar uma lesão de bens jurídicos, não prossiga qualquer fim proibido por lei (27).
E, na verdade, para que o administrador seja civilmente responsável para com sociedade é necessário que o acto por ele cometido seja considerado pelo direito como ilícito, aqui se abrangendo tanto a ilicitude civil obrigacional, como a ilicitude delitual.
Podendo dizer-se ser formalmente ilícito o acto contrário a uma norma imperativa ou a um dever imposto por uma norma.
Sendo, assim, em princípio ilícito o acto (ou omissão) que se traduza na inexecução do dever geral a que está vinculado o agente (responsabilidade extracontratual, delitual ou aquiliana) ou de uma obrigação (responsabilidade contratual).

Sendo ainda certo que, conforme tem vindo a ser entendido por este STJ, o problema do nexo de causalidade, na sua vertente naturalística – determinação em concreto entre o facto e o dano – envolve somente matéria de facto, que escapa ao controlo e à censura deste Tribunal de revista, face ao que dispõem os arts 722.º, nº e 712.º, nº 6, ambos do CPC.
Já se estando, porém, no âmbito dos nossos poderes de cognição apreciar se a condição de facto, que ficou apurada, constitui ou não causa adequada do evento lesivo.
Sucedendo, ainda, que a doutrina da causalidade adequada, adoptada e consagrada pelo nosso ordenamento jurídico (art. 563.º do CC), com apelo ao prognóstico objectivo que, ao tempo da lesão (ou do facto), em face das circunstâncias então reconhecíveis ou conhecidas pelo lesante, seria razoável emitir quanto à verificação do dano, deve ser interpretada, no que concerne à responsabilidade por facto ilícito culposo – contratual ou extracontratual – com o sentido de que o facto que actua como condição só deixará de ser causa do dano desde que se mostre por sua natureza de todo inadequado e o haja produzido apenas em consequência de circunstâncias anómalas ou excepcionais, não pressupondo a mesma a exclusividade da condição, no sentido que esta tenha, só por si, determinado o dano.

E, assim, dada a factualidade assente e tida em conta pelas instâncias, a ilícita actuação do réu, quer em concreto, quer em abstracto, mostra-se como uma das possíveis condições do dano.
Não sendo, pois, de censurar o encontrado nexo causal entre as referidas condutas e os comprovados danos.

Respondendo os gerentes, tal como já dito, para com a sociedade pelos danos a ela causados por actos ou omissões praticados com preterição dos deveres legais ou contratuais, salvo se provarem que procederam sem culpa (art. 72.º, nº 1 do CSC).

Prova esta que o réu não fez.

Provado tendo ficado que o réu, ainda enquanto gerente das AA, praticou actividade concorrente com a daquelas.

Conduta essa ilícita e censurável (28), como já vimos, sendo, ainda certo, sempre se dirá, que ao gerente, como órgão de administração das sociedades por quotas (art. 252.º) compete praticar os actos que forem necessários ou convenientes para a realização do objecto social (art. 259.º), não se devendo servir das suas próprias funções para fins pessoais e alheios (até prejudiciais) ao escopo da sociedade que representa. Que Raul Ventura chama de protegida.
Mais se dizendo, parafraseando Pais de Vasconcelos (29), “… o sócio a quem é confiado exercício de funções de gestão … está em vantagem sobre os demais … é-lhe mais exigível que, no seu agir, melhor respeite o interesse social e é-lhe mais reprovável que o desconsidere”.

Nada tendo a ver este entendimento com a violação do livre exercício da actividade económica, nos quadros definidos pela Constituição e pela lei. E, assim, com a violação do art. 61.º da CRP (30). Que consagra a liberdade de iniciativa em sentido estrito, ou seja, a liberdade de estabelecimento. Nele se contemplando tanto a criação de empresas, como a sua actividade depois de constituídas. Com subordinação do poder económico privado ao poder político democrático e de garantia dos direitos dos trabalhadores (31).
Assim se concluindo, como no tribunal recorrido, que não está aqui em causa a liberdade de constituição de uma sociedade para, em normais condições de mercado, concorrer com as AA.
Mas apenas o ilícito aproveitamento, por banda do réu, de conhecimentos obtidos no exercício e por causa das suas funções de gerente nestas, ainda durante o exercício das mesmas, em benefício de outra sociedade, com o mesmo objecto social das AA.

Por tudo isto, verificados os pressupostos da responsabiliadde civil – facto ilícito, culpabilidade, prejuízos (embora não haja, desde já, elementos para fixar a quantidade, art. 661.º, nº 2 do CPC) e nexo de causalidade – é o réu gerente civilmente responsável.


Agora, as quinta e sexta questões: a da não existência de simulação no valor da cessão de quota e a da improcedência do pedido de exclusão de sócio do réu marido, da A. Transportes BB, Lda

Sustenta o recorrente que, mesmo existindo simulação do valor da quota, há que aplicar as regras do art. 231.º, não podendo, assim, dos factos dados como provados resultar qualquer obrigação de indemnizar para o recorrente.
Não sendo, de qualquer modo, suficientes os factos constantes dos arts 24.º e 25.º da base instrutória para se poder dar como demonstrado que tenha havido simulação do valor da cessão de quota.
Não abrangendo o caso julgado os factos, mas apenas a decisão.
Sendo certo, acrescenta, que para a procedência do pedido de exclusão judicial de sócio impõe-se a prova de que houve prejuízos concretos decorrentes do exercício da mesma actividade da sociedade sem o consentimento da outra sócia ou a previsibilidade em termos objectivos de verificação de prejuízos relevantes.
Tendo resultado também provado que a recorrida Transportes BB, Lda era, à data dos factos, uma sociedade com actividade muito reduzida, sem qualquer peso e influência no mercado.
Devendo, assim, improceder o pedido de exclusão de sócio.

Entendeu o acórdão recorrido, no atinente à venda da quota na sociedade, que a forma como esta se processou é reveladora de comportamento desleal, como entendido na decisão recorrida.
E, perfilhando o decidido a propósito na sentença então recorrida, refere que não houve nesta a preocupação de analisar de forma pormenorizada a questão da simulação no preço da venda da quota, uma vez que a mesma havia já sido objecto de apreciação em decisão transitada em julgado numa acção em que AA e RR foram parte, pelo que existe caso julgado quanto a tal matéria.
Tendo-se concluído naquela acção ter existido simulação do preço da venda da ora questionada quota, tendo-se decidido que a H... não era sócia da BB.
Alargando-se a formação de caso julgado para além da parte dispositiva da decisão, à resolução das questões que a sentença tenha necessidade de resolver como premissa da conclusão firmada, perfilhou-se tal entendimento, uma vez que a “ economia processual, o prestígio das instituições judiciárias, reportado à coerência das decisões que proferem e o prosseguido fim de estabilidade e certeza das relações jurídicas, são melhor servidos pelo critério eclético que, sem tornar extensiva a eficácia do caso julgado a todos os motivos objectivos da sentença, reconheceu todavia essa autoridade à decisão daquelas questões preliminares que forem antecedente lógico indispensável à emissão da parte dispositiva do julgado (32)
E, assim sendo, a simulação do preço na venda da quota mostra-se, definitivamente, demonstrada e não apenas indiciada na presente acção, não tendo de ser, de novo, apreciada, mas apenas ponderada para efeitos de aplicação do art. 242°, tendo resultado, pois, demonstrados os comportamentos ilícitos por parte do recorrente que configuram deslealdade perante a A. BB. E resultaram, também, demonstrados prejuízos relevantes e o nexo de causalidade entre os prejuízos e o comportamento do recorrente.

Vejamos:

O sócio pode ser excluído por justos motivos quando o seu comportamento desleal ou gravemente perturbador do funcionamento da sociedade, tenha causado a esta ou possa vir a causar-lhe prejuízos relevantes (art. 242.º, nº 1).

Devendo a fundamentação para a exclusão de sócio resultar da verificação cumulativa dos seguintes factos: (i) uns, respeitantes ao comportamento do sócio em causa, que devem ser qualificados ou como desleais ou como gravemente perturbadores do funcionamento da sociedade; (ii) outros, relativos ao prejuízo causado à sociedade pelo comportamento concretamente provado, prejuízo este que deve ser relevante e que pode já ter ocorrido ou vir a ocorrer (33).

Sendo certo, quanto à questão do caso julgado (34), que as decisões às quais o mesmo compete são as que versam sobre o fundo da causa e, assim, sobre os bens discutidos no processo; são as que definem a relação jurídica deduzida em juízo; as que estatuem sobre a pretensão em causa.

Estando o alcance do caso julgado definido no art. 673.º do CPC, que nos diz que a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga.

Podendo oscilar tais limites entre soluções que o alargam à fundamentação inerente à decisão e as que o restringem só à conclusão da decisão, passando por outros mais eclécticas.

Sendo pelo teor da própria decisão que se mede a extensão objectiva do caso julgado.
Apesar de, em princípio, só se formar o mesmo sobre a decisão contida na sentença e não sobre a sua motivação, sobre as razões que determinaram o juiz (35)./(36).
Traçando os limites do caso julgado os limites da própria situação a definir, que, de incerta, passa a indiscutível.
E daí que, perante a indiscutibilidade de certa afirmação, se possa concluir pela indiscutibilidade da subsistência ou insubsistência de outra afirmação, de conteúdo diferente.
Podendo operar-se a extensão do caso julgado por coerência lógico-jurídica e por coerência prática.
Dentro da primeira, poderá alargar-se, por um lado, às afirmações incompatíveis, de que fica indiscutível a insubsistência, e, por outro, às afirmações incluídas, por assim dizer inseparáveis – sejam afirmações incluídas, sejam afirmações implícitas – de que fica indiscutível a subsistência.
Tornando-se necessário, para que se possa falar de um julgado implícito que a afirmação que faz caso julgado imponha, só por si, como consequência necessária, outra a que o julgado se alarga (37).
Tudo visando a certeza e a segurança, metas do caso julgado.
Sendo o objecto da acção, não apenas aquele que resulta da petição inicial, mas o que emerge da sua discussão, designadamente, quando é arguida pelo réu qualquer excepção peremptória ou outras questões, donde resulta que para se decidir da procedência ou da improcedência do pedido é necessário formular vários juízos – art. 660.º, nº 2.
Estando compreendidos nos “precisos limites e termos em que se julga” todas as questões solucionadas na sentença, conexas com o direito a que se refere a pretensão do autor (38).
E não apenas à conclusão final de procedência ou de improcedência.
E, assim, sempre que para decidir sobre o objecto da acção seja necessário decidir qualquer excepção peremptória ou outras questões que, por tal modo conexionadas com aquele, constituem o seu antecedente lógico, o caso julgado que sobre aquele venha a formar-se abrange forçosamente a decisão que venha a recair sobre tais questões (39).
Alargando-se, assim, a formação do caso julgado, para alem da parte dispositiva da decisão, à resolução das questões que a sentença tenha necessidade de resolver como premissa da conclusão firmada (40).

Só tendo a sentença, em princípio, força de caso julgado entre as partes – arts 497.º e 498.º, ex vi do art. 671.º, nº 1 do CPC.

Ora, in casu, compulsando os autos, mormente a certidão junta de fls 666 e ss – acção intentada pela AA contra a H... – verifica-se que, para alem de aí não estar em causa a cessão de quota da BB, na mesma não é parte o ora réu F... P..., pelo que a decisão tomada de a H... não ser sócia da dita AA, fundamentada é certo, também na simulação do preço da respectiva e questionada cessão, não faz caso julgado com interesse para a questão que ora julgamos.

Já na outra acção – certidão de fls 744 e ss – onde a questão principal era a de saber se era ou não válida, entre outra, a cessão da quota do ora réu F... P..., da BB, a favor da H..., tendo o mesmo réu aí tido intervenção principal espontânea, após aprofundada explanação de facto e de direito sobre a matéria da arguida simulação de preço, tida como relevante na deliberação de amortização de quotas também pela BB tomada, concluiu o senhor Juiz que “da articulação deste conjunto de considerações, devidamente estribadas nos factos provados, e da conjugação destes com as regras da experiência comum, somos levados a inferir que – no mínimo – o valor declarado na escritura de cessão de quotas não é um valor real, mas sim simulado, sendo o valor real inferior ao declarado.”
Entendendo-se, assim, a arguição da simulação efectuada nas assembleias-gerais de 14 e 15 de Novembro de 1995, pertinente e justificada.
Sendo, pois, lícita a recusa de consentimento para a cessão de quota do F... P... à H....
Concluindo-se e decidindo-se que esta não é sócia da BB.

Assim se podendo, na verdade entender, dizemos também nós, que esta decisão final assentou na outra decisão relativa à simulação do preço da cessão de quota da BB por banda do réu F... P....
Devendo tal decisão estar, assim, compreendida na expressão “precisos limites e termos em que se julga”, contida no citado art. 673.º.
Já que é, afinal, a premissa da conclusão firmada.
Fazendo, pois, também caso julgado.

Sendo, assim, também a forma como o dito réu procurou ceder a sua ora questionada quota reveladora de comportamento desleal, como se entendeu na decisão recorrida.

De qualquer modo, mesmo a entender-se que não ficou aqui provada a simulação de preço na escritura pública de cessão de quotas referida em L), sempre a restante comprovada conduta do réu para com a A. Transportes BB se deve ter como desleal pelas razões melhor constantes, a propósito, no acórdão recorrido, que aqui se acolhem pela sua bondade.

Tendo resultado também apurados prejuízos relevantes para a dita sociedade – a sua reduzida actividade mais relevantes tornará tais prejuízos – não exigindo o falado art. 242.º, nº 1 um prejuízo efectivo, mas a efectiva capacidade da actuação do sócio lhe provocar danos – cfr. pontos 11,13, 14, 22 e 23 elencados na decisão recorrida.

Procederá, pois, também o pedido de exclusão de sócio do réu da sociedade Transportes BB, Lda.
*

Apesar de tudo o agora explanado e decidido, não se pode concluir, sem mais, e apesar da ampliação do dever de boa fé processual, com o alargamento de tipo de comportamentos que podem integrar a má fé processual no novo tipo legal aqui em vigor(41), pela litigância de má fé dos recorrentes, por facilmente se dever entender que não se encontram preenchidos os seus respectivos pressupostos – art. 456.º, nº 2 do CPC.
Não se vislumbrando, mau grado o seu decaimento, erro grosseiro ou culpa grave dos réus no seu recurso.
*

Face a todo o exposto, acorda-se neste Supremo Tribunal de Justiça em se negar a revista, confirmando-se o acórdão recorrido.
Custas pelos recorrentes.


Lisboa, 31 de Março de 2011

Serra Baptista (Relator)
Álvaro Rodrigues
Fernando Bento

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(1) Assim constando em tal alínea c): “Se as autoras sofreram prejuízos: -No que diz respeito aos danos, provou-se que: - não foi possível, em curto prazo, prover à substituição dos 2 trabalhadores que o réu levou para a nova empresa, o que perturbou o funcionamento das autoras – nºs 7 e 13; – houve clientes das autoras, incluindo clientes tradicionais, que passaram a contratar também os serviços da Pantera Negra – nº 11; – as autoras tinham uma imagem e tradição de moderação, estabilidade e confiança, tendo a saída do Réu Fernando Paiva causado instabilidade nas mesmas – nº 14; - na altura dos factos antes descritos, as autoras tiveram uma diminuição de facturação, o que lhes causou prejuízo patrimonial nº 22; - os factos descritos e a cessão de quotas determinaram a instauração e contestação de várias acções – nº 23. Perante estes factos, podemos concluir que a perturbação no funcionamento das autoras, pela saída dos dois trabalhadores, bem como a instabilidade decorrente dos factos acima referidos, e a fase de litígio que se lhes seguiu, originaram prejuízos para as autoras, os quais, em termos de nexo causal, devem ser imputados às condutas do réu acima descritas - artigos 562° a 566° do CC. O réu deve, pois, indemnizar as autoras por esses prejuízos, em montantes a apurar em execução de sentença – artigo 661°, 2 do CPC.
(2) Cfr. extracto decisório acima constante e nota de rodapé anterior.
(3) Código das Sociedades Comerciais, a ele se referindo os demais preceitos legais sem menção específica.
(4) Tal como lhe era permitido pelo art. 713º, nº 5 do CPC.
(5) CPC Anotado, vol. V, p. 357.
(6) Cfr., também, Ac. do TC de 4/7/2000, DR II S, de 12/12/2000.
(7)Como já se entendeu, v.g., para além do citado acórdão do TC, nos Acs deste STJ de 1/6/2004 (Lopes Pinto), Pº 04A1842 e de 24/6/2004 (Oliveira Barros), Pº 04B1969, ambos in www.dgsi.pt. Podendo ler-se no referido Ac. do TC: "Um recurso concretiza a discordância do recorrente perante uma decisão e expressa-se, a final, por um pedido fundamentado ao tribunal ad quem de revogação dessa decisão ou de substituição por uma outra no sentido propugnado pelo recorrente". Citando-se, em seguida, nesse acórdão, para além de A. Reis, ob. e pag. cit., o Ac. da RC de 2/12/92, BMJ 422/ 441, que, alem do mais assim diz: "Alegar não é só apresentar um requerimento com a forma de alegação, mas sim atacar a decisão recorrida e dizer das razões por que se discorda dela, para serem apreciadas no tribunal superior."
(8) Não se devendo sequer falar, ao abrigo do disposto no art. 690º, nº 4 do CPC, em possibilidade de convite para aperfeiçoamento das alegações, já que estas nem sequer existirão.
(9) Cfr. acs deste STJ de 28/4/09 (revista nº 304/09) e de 3/12/09 (revista nº 572/02).
(10) Em simultâneo com a revista, nos mesmos autos.
(11) Lebre de Freitas e outros, CPC Anotado, vol. 3.º, p. 118, Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo CPC, p. 440 e, entre outros, acs deste STJ de 15/2/2005 ,Pº 04S3037, de 9/2/2006, Pº 06B152 e de 5/12/2007, Pº 06S2963.
(12) A aplicação, da ideia de mandato, à situação jurídica dos administradores, é objecto de duas grandes tradições críticas: uma crítica interna, que tem a ver com a própria natureza do mandato e se desenvolveu na Alemanha e outra, externa, ligada ao âmbito das funções do administrador, e que vem de Itália. Parecendo razoável admitir que, na base da situação jurídica dos administradores das sociedades privadas, esteja um contrato: a sociedade pretende uma determinada pessoa, em funções de administração, e essa pessoa dá o seu assentimento – Menezes Cordeiro, Da responsabilidade civil dos administradores das sociedades comerciais, p. 337 a 341. Entendendo António Pereira de Almeida, Sociedades Comerciais, 6ª ed., que a relação de administração se deve subsumir ao contrato de prestação de serviço (art. 1154.º do CC) que aqui se pode designar por contrato de administração.
(13) Raul Ventura e Brito Correia, Responsabilidade civil dos administradores das sociedades anónimas e dos gerentes das sociedades por quotas, p. 120,
(14) E utilizamos a expressão em sentido amplo, abrangendo também o gerente da sociedade por quotas, que aqui está em causa.
(15) João Soares da Silva, Responsabilidade civil dos administradores da sociedade: os deveres gerais e a corporate governance, ROA Ano 57, II, p. 613.
(16)Na redacção aqui em vigor, sendo a actual redacção dada pelo DL 76-A/2006, de 29 de Março, que densificou o elenco dos deveres a que os gerentes (ou administradores) estão obrigados.
(17) Raul Ventura, Sociedade por Quotas, vol. III, p. 148.
(18) Na sua fonte está o art. 17.º, nº 1 do DL 49 381, de 15 de Novembro de 1969.
(19) Menezes Cordeiro, Os deveres fundamentais dos administradores das sociedades, ROA Ano 66, II, p. 452.
(20) Que na actual redacção do citado art. 64.º (DL 76-A/2006, de 29 de Março) está elencado na al. b) do seu nº 1.
(21) Raul Ventura, Sociedade por Quotas, vol. III, p. 148 e ss.
(22)Armando Manuel Triunfante, CSC Anotado, p. 60, mencionando Pereira de Almeida e Menezes Cordeiro - nota (53).
(23) Pereira de Almeida, ob. cit., p. 260 e 261.
(24)Raul Ventura, Sociedade por Quotas, vol. III, p. 58 e 59.
(25) Não lhe sendo, assim, aplicável a previsão do citado art. 254.º.
(26) Menezes Cordeiro, Manual de Direito das Sociedades, T. I, Das Sociedades em Geral, p. 691 e ss, entende que, só por si, tal preceito não pode ser violado, tratando-se de uma norma incompleta, não nos dizendo, em bom rigor, o que fazer ou que objectivos prosseguir. Pois ninguém, é abstractamente não-diligente, podendo sê-lo na (não) execução de tarefas concretas. E aqui sim, deverá o administrador ser “criterioso e ordenado”, o que implica, entre o mais, agir com seriedade. Devendo, pois, o preceito ser conjugado com outros, de modo a permitir a obtenção de normas úteis. No mesmo sentido, autor citado, Da responsabilidade civil dos administradores das sociedades comerciais, p. 496/497.
A. Varela, na RLJ Ano 126, p. 315, refere-se ao art. 64.º como preceito bastante genérico e impreciso, mais retórico do que realista.
Sendo correcto pensar, no plano teórico, que a questão da diligência se deve em geral colocar como pressuposto do juízo de ilicitude, concorrendo para a definição de acto devido – Raul Ventura e Brito Correia, ob. cit., p. 96.
João Soares da Silva, estudo cit., p. 615/616 parece encaminhar-se, com apoio do art. 133.º da Ley de Sociedades Anónimas espanhola, de 1989 e no preceito similar do art. 2392 do Códice Civile (italiano) no sentido de que o preceito ora em análise se refere a um dever geral do administrador, fonte autónoma de determinação da conduta devida, cuja violação acarreta responsabilidade.
(27) Menezes Leitão, Direito das Obrigações, vol. I, p. 273 e SS, citando A. Varela, Obrigações, vol. I, p. 532 e Ribeiro de Faria, Obrigações, vol. I, p. 416.
(28) A “diligência do gestor criterioso e ordenado”, contida numa norma de conduta é fonte de ilicitude, quando violada, e sujeita a subsequente e eventual juízo de culpa.
(29) A Participação Social nas Sociedades Comerciais, p. 366.
(30) Constituição da Republica Portuguesa.
(31) Jorge de Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, T. I, p. 619.º e ss.
(32) Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, vol. III, p. 200 e 201.
(33) Ac. do STJ de 30/11/95 (Cunha Lopes), CJ S, Ano III, T. 3, p. 128 e Raul Ventura, Sociedades por Quotas, vol. II, p. 60.
(34) E falamos aqui do caso julgado material (ou interno).
(35) Não se excluindo que se possa e deva recorrer à parte motivatória da sentença para interpretar a decisão, para se reconstruir e fixar o seu conteúdo.
(36) Cfr. M. Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, p. 326 e ss e A. Varela, Manual de Processo Civil, p. 695
(37) Castro Mendes, Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil, p. 330 e ss.
(38) Ac. do STJ de 6/2/96 (Torres Paulo), Bol. 454, p. 599, com menção de outra jurisprudência, e que se tem vindo a seguir de muito perto.
(39)Ac. do STJ de 5/6/91 (Jaime de Oliveira), Bol. 408, p. 588.
(40) Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, vol. III, p. 200.
(41) Introduzido pela reforma de 1995 (DL 329-A/95, de 12 de Dezembro.