Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
09P0572
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: BRAVO SERRA
Descritores: OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
GARANTIA BANCÁRIA
GARANTIA AUTÓNOMA
Nº do Documento: SJ2009050705725
Data do Acordão: 05/07/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário :
I – O contrato de garantia bancária, também designada de garantia bancária autónoma, traduz-se num compromisso assumido por um banco de satisfazer determinada obrigação perante terceiro sempre que o cliente o não faça, seja definitivamente, seja por mora.
II – O garante, perante o credor, responsabiliza-se pelo pagamento de uma obrigação própria e não pelo cumprimento de uma dívida alheia (do garantido).
III – Resultando do próprio teor literal da garantia bancária prestada, que o banco unicamente se obrigou, num prazo de um ano a contar de 29 de Março de 2000, renovável por iguais e sucessivos períodos, salvo denúncia do garante, a pagar, em favor do Juiz de Direito do Tribunal do Trabalho de Penafiel, mediante interpelação escrita deste beneficiário, toda e qualquer quantia que fosse devida pela ré em resultado da condenação que viesse a ser proferida num determinado processo, pendente naquele tribunal, mas até ao limite de Esc. 25.358.709$00, acrescidos de juros de mora à taxa legal de 7% desde 22 de Fevereiro de 2000 incidentes sobre o valor de Esc. 12.656.874$00, o compromisso assumido pelo garante, no sentido de satisfazer perante o beneficiário o cumprimento pontual da obrigação impendente sobre um cliente, encontra-se limitado àquela quantia.
IV – Assim, embora a quantia depositada pelo garante corresponda à quantia objecto de garantia, conquanto não satisfaça o montante exequendo, atento o comando ínsito no artº 455º do Código de Processo Civil (na versão anterior à decorrente do Decreto-Lei nº 34/2008, de 26 de Fevereiro), daí não se pode concluir, nos termos e para os efeitos do nº 3 do artº 860 do mesmo diploma adjectivo, que o banco garante ainda tenha que responder por tal insuficiência de verba.
V – O artº 860º, nº 3, do Código de Processo Civil (na redacção anterior à dada pelo Decreto-Lei nº 226/2008, de 20 de Novembro) ao estabelecer que não sendo cumprida a obrigação, pode o exequente (ou o adquirente) exigir a prestação, servindo de título executivo a declaração de reconhecimento do devedor, a notificação efectuada e a falta de declaração (ou o título de aquisição do crédito), pressupõe, claramente, que não haja cumprimento da obrigação de depósito da quantia devida.
VI – Por isso, não dispõe de título executivo o exequente que instaura execução contra o banco garante, se este cumpriu a obrigação de depósito da quantia objecto da garantia.
VIII – Se porventura o decurso do tempo motivado pelas vicissitudes processuais «desembocou» num agravamento das custas processuais e ou num agravamento do quantitativo referente aos juros que entretanto se venceram, a responsabilização pelo respectivo pagamento incidirá, não sobre o garante, mas sim sobre a executada, sua cliente.
Decisão Texto Integral:


1. Nos autos de processo comum que correram termos pelo Tribunal do Trabalho de Penafiel e em que figuraram, como autor, o Licº AA e, como ré, BB – Indústria de Confecções, Ldª, esta última, com o desiderato de à apelação que interpôs da sentença aí proferida vir a ser conferido efeito suspensivo, solicitou a prestação de caução.

Tendo vindo, pelo então Banco Nacional de Crédito Imobiliário, S.A., a ser prestada garantia bancária até ao montante de Esc. 25.358.709$00, por vicissitudes que agora não relevam indicar, foi, por despacho de 22 de Janeiro de 2001, dado “de nenhum efeito o requerimento apresentado para prestação de caução” [reportava-se à caução a que acima se aludiu].

Instaurada execução para cobrança coerciva dos quantitativos em que a BB foi condenada – Esc. 25.358.709$00 acrescidos de juros –, o exequente (autor naquela acção) nomeou à penhora a garantia bancária prestada por aquele Banco, penhora essa que foi determinada, vindo esta entidade a ser notificada para proceder ao depósito da quantia penhorada, o que, efectivamente, veio a acontecer.

Tendo o Banco Nacional de Crédito Imobiliário, posteriormente a ter procedido ao depósito, pugnado pela circunstância de não dever ter sido notificado para assim proceder, o Juiz do Tribunal do Trabalho de Penafiel manteve o seu anterior entendimento.

Esse despacho, alvo de recurso de agravo, veio a ser, com trânsito, confirmado por acórdão tirado no Tribunal da Relação do Porto.

Na sequência, o Banco Popular Portugal, que sucedeu ao Banco Nacional de Crédito Imobiliário, S.A., veio fazer, nos autos, um depósito autónomo de € 148.609, 20, correspondentes à quantia de Esc. 25.358.700$00, acrescida de juros de mora às taxas legais, de 7% desde 22 de Fevereiro de 2000 a 30 de Abril de 2003 – Esc. 2.823.003$00 –, e de 4% desde 1 de Maio de 2003 a 6 de Julho de 2007, sobre o montante de Esc. 12.656874$00 – Esc. 1.611.757$54.

O exequente, porque entendeu que o quantitativo depositado era insuficiente para prover às quantias cuja cobrança coerciva peticionou, pois que faltariam € 41.510,47, a título de custas, requereu execução autónoma nos termos do nº 3 do artº 860º do Código de Processo Civil, nomeando à penhora o saldo de contas que o Banco detinha na Caixa Geral de Depósitos e no Millenium BCP, pretensão que veio a ser deferida por despacho de 8 de Janeiro de 2008.

Tendo o Banco Popular Portugal deduzido oposição à execução, por decisão de 24 de Abril de 2008 foi ela julgada improcedente.

Inconformado, agravou o Banco Popular Portugal para o Tribunal da Relação do Porto, o qual, por acórdão de 12 de Novembro de 2008, concedeu provimento ao recurso, consequentemente declarando extinta a execução promovida contra o executado Banco.


2. Desta feita, irresignado, agravou o exequente para este Supremo Tribunal, fazendo-o ao abrigo da parte final do nº 3 do artº 754º do Código de Processo Civil e concluindo a alegação adrede produzida com as seguintes «conclusões»: –

1ª O agravado, notificado para proceder ao depósito da quantia garantida pela caução que não prestou, não o fez (fls. 12 e 48 do apenso A);
2ª Na altura em que foi notificado[,] tal valor era suficiente para cobrir o pedido exequendo (valor da execução: 25.358.709$00), pois que a caução que com essa garantia se pretendia prestar cobria a responsabilidade integral da R. até decisão do recurso que interpôs (visava a obtenção do efeito suspensivo) e só não veio a ser prestada porque tinha prazo de validade (não era um problema de valor);
3ª Ao não depositar o valor, tornou-se responsável civilmente perante o agravante/exequente, pelas consequências do seu procedimento desobediente, ao contrário do que se entendeu a fls. 187;
4ª Quando finalmente o agravado decidiu depositar a quantia, após toda a discussão e a que ele próprio optou por suscitar, o valor já não era suficiente para cobrir o pedido exequendo e as custas que entretanto foram originadas (mantendo-se em dívida a quantia de 41.510,47€ relativa ao pedido exequendo);
5ª O oponente é responsável pelo prejuízo causado ao agravante com o seu procedimento desobediente e nomeadamente pelo agravamento das custas, devendo, portanto, responder pelo valor em falta da dívida exequenda, nos termos da conta de custas elaborada no apenso A;
6ª Esta situação é pois ainda enquadrável no incumprimento próprio que legitima o título executivo do nº 3 do artº 860º do CPC e como liquidação dos prejuízos causados pelo não cumprimento;
7ª Havendo um lugar paralelo no nº 4 do artº 860º;
8ª Tal decorre ainda da natureza acessória desta execução incidental, pois que, embora arranque de título diferente, está funcional e estritamente conexa com a execução principal, cuja finalidade é a de garantir a efectiva satisfação do crédito do exequente, ainda que por via da substituição processual (ac. RC de 20.11.2007, CJ, 2007, tomo V, p. 23).
9ª Ao ilibar desta responsabilidade o agravado, o acórdão recorrido violou as normas citadas nas conclusões anteriores.
10ª Ainda, o oponente fez o depósito em 6.7.2006, mas mesmo na sua tese o valor depositado não é o correcto, porque calculou juros de mora de 7% apenas até 30.4.2003 e de 4% após essa data até 6.7.2006 (ut. Artº 14º da oposição), quando os juros eram todos calculados a 7%, nos termos da sentença e da garantia prestada cujo valor foi penhorado:
Sempre haveria uma diferença de 1.216.533$00 = 6.068,04€.
11ª Acresce que fê-lo perante o tribunal recorrido (de 1ª instância), numa altura em que a decisão do seu agravo ainda não tinha transitado em julgado (por intervenção de terceiro), nem o processo baixado, e em que o exequente não podia receber o seu crédito, pelo que sempre seria responsável pelos juros devidos até à data em que o processo baixou e o exequente logrou finalmente obter a cobrança parcial do seu crédito.

Respondeu a oponente à alegação do exequente defendendo o acerto da decisão recorrida e finalizando essa resposta com as seguintes «conclusões»: –

1 – A presente execução, foi instaurada no âmbito do disposto no nº 3 do art. 860º do C.P.C., nos termos do qual não sendo cumprida a obrigação (de depósito do crédito junto a CGD), pode o exequente exigir a prestação servindo de título executivo o despacho que ordenou a penhora.
2 – Está em causa a penhora do direito de crédito da executada BB, alegadamente ‘titulado pela garantia’, ‘a quantia garantida pela garantia bancária nº 000000000’ conforme decisão de fls 344.
3 – O que o exequente pode exigir do credor do executado é o montante correspondente ao crédito penhorado que no caso concreto corresponde [à] quantia garantida pela garantia penhorada: Esc 25.358.700$00, acrescida dos juros de mora [à]s taxas legais de 7% e 4% desde 22.02.2000 sobre o valor de 12.656.874$00, conforme declarado pelo ora executado a fls 48, na sequência na notificação do despacho de 30.01.2001.
4 – O valor do crédito penhorado não se afere pelo valor da quantia exequenda, mas sim pela declaração prestada pelo credor aquando da penhora, nos termos do nº 2 do art. 856º do C.P.C.
5 – Não existe qualquer substituição processual do devedor principal pelo devedor do executado.
6 – Tratando-se da penhora de um direito de crédito, as custas da execução saem precípuas do produto dos bens penhorados, nos termos do art. 455º do C.P.C e daí que a quantia depositada pelo recorrido, não obstante corresponda [à] quantia penhorada acrescida de juros de mora, não seja suficiente para fazer face ao pagamento da quantia exequenda.
7 – O único prejuízo que pode ser imputada [à] conduta assumida pelo recorrido seriam os juros de mora vencidos até [à] data do depósito efectivo, razão pela qual se procedeu ao depósito da quantia correspondente.
8 – Juros de mora esses que, nos termos da sentença e da garantia bancária prestada, deverão ser contabilizados [à] taxa legal, que [à] data da prolação daquela se cifrava em 7%[,] mas que foi, entretanto[,] alterada para 4%.
9 – O depósito em questão só podia ser efectuado no Tribunal de 1ª instancia e [à] ordem do processo de execução, conforme disposto no nº 1 do art. 830º do C.P.C. [,] não sendo imputável ao recorrido qualquer dano alegadamente decorrente na demora no levantamento a quantia depositada.
10 – Pretender retirar do disposto no art. 830º do C.P.C. que o credor da executada é responsável pelo integral ressarcimento do crédito exequendo é perverter o sentido da lei, sendo certo que o seu actual nº 4 só se aplica quando ‘o crédito não existia’.
11 – Nos termos do art. 45º do C.P.C. toda a execução tem por base um título, pelo qual se determina o fim e os limites da acção executiva.
12 – Ao proceder ao depósito da quantia de 148.609,20€, o banco deu integral cumprimento [à]s obrigações decorrentes do art. 860º do C.P.C., pelo que nada mais há a executar por insuficiência do título executivo.
13 – Sendo a obrigação exequenda inexigível.
14 – Assim sendo, a aplicação in casu[ ] do disposto do nº 3 daquele dispositivo normativo é absolutamente injustificada, abusiva, ilegal e violadora dos mais elementares princípios de um Estado de Direito, causando ao recorrente prejuízos irreparáveis.
15 – A decisão recorrida respeita na [í]ntegra o disposto nos arts 45º, nº 3 do art. 860º, art. 821º e nº 7 do art. 861-A, todos do C.P.C.

A Ex.ma Magistrada do Ministério Público neste Supremo exarou «parecer» no qual propugnou pela improcedência do recurso.

Notificado esse «parecer» às partes, nenhuma delas se veio a pronunciar.

Corridos os «vistos», cumpre decidir.

II



1. Para além do já referido no precedente relato, e talqualmente se fez no acórdão ora em sindicância, tem-se por bem transcrever a garantia bancária que veio a ser prestada nos autos que, como se disse anteriormente, visava que à apelação interposta pela BB da sentença proferida na acção de processo comum contra ela intentado pelo ora recorrente fosse conferido efeito suspensivo.

Assim, foi escrito naquela garantia: –
GARANTIA BANCÁRIA Nº D-000005351
O BNC – BANCO NACIONAL DE CRÉDITO IMOBILIÁRIO, S.A., com sede em Lisboa, na Rua...., 85, Pessoa Colectiva nº 502607084, inscrito na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, sob o número 2396, com o capital social de vinte e cinco mil milhões de escudos, adiante designado por BNC, presta por este meio e por solicitação de BB – INDÚSTRIA DE CONFECÇÕES, LDA., pessoa colectiva número 504213644, adiante designado por cliente, GARANTIA BANCÁRIA a favor do Tribunal de Trabalho de Penafiel, com sede na Avenida Egas Moniz, Penafiel, adiante designado por ‘Beneficiário’, nos termos seguintes:
1º A presente garantia é em favor da Ex.mª Juíza de Direito do 1º Juízo, 1ª Secção do Tribunal de Trabalho de Penafiel, para garantia do eventual pagamento que tenha de efectuar em resultado da condenação que vier a ter lugar no processo nº 203/99B, em que é autor o Sr. AA e ré a empresa BB – Ind[ú]stria de Confecções, Lda., até ao montante de Esc. 25.358.709$00 (vinte e cinco milhões, trezentos e cinquenta e oito mil setecentos e nove escudos), acrescido de juros à taxa legal de 7% desde 22.02.2000 sobre o valor de 12.656.874$00 (Doze milhões seiscentos e cinquenta e seis mil oitocentos e setenta e quatro escudos)’.
2º O BNC obriga-se a pagar ao Beneficiário, mediante interpelação escrita deste, toda e qualquer quantia que seja devida pelo cliente, a título de indemnização por incumprimento total ou parcial do contrato supra referido, até ao limite de Esc.: 25.358.709$00 (vinte e cinco milhões trezentos e cinquenta e oito mil setecentos e nove escudos), acrescido de juros à taxa legal de 7% desde 22.02.2000 sobre o valor de 12.656.874$00 (doze milhões seiscentos e cinquenta e seis mil oitocentos e setenta e quatro escudos).
3º A presente garantia é válida pelo prazo de 1 (um) ano a contar da presente data, sendo renovável por iguais e sucessivos períodos, salvo denúncia do BNC feita com a antecedência mínima de 30 (trinta) dias.
4º Para os litígios emergentes da execução da presente garantia, será competente o Tribunal da Comarca do Porto com expressa renúncia a qualquer outro.
Penafiel, 29 de Março de 2000
BNC-BANCO NACIONAL DE CRÉDITO IMOBILIÁRIO, SA.



2. O aresto agora em crise que, como se viu, teve a oposição à execução por procedente, carreou, para tanto, a fundamentação que a seguir se transcreve: –

“(…)

3.1. Inexigibilidade da obrigação exequenda.

Nos termos do art. 45º, nº 1, do CPC, toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva, sendo também pelo título que se afere a legitimidade de exequente e executado e se determina a certeza, exigibilidade e liquidez da obrigação (arts. 55º e 802º do CPC).

Como refere Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1976, pag. 58, ‘o título executivo é o documento de acto constitutivo ou certificativo de obrigações, a que a lei reconhece a eficácia de servir de base ao processo executivo’.

As partes não podem atribuir força executiva a um documento ao qual a lei não concede eficácia de título executivo e também não podem retirar essa força a um documento que a lei qualifica como título executivo. O que significa que os títulos executivos são apenas aqueles que são indicados como tal pela lei, pelo que a sua enumeração legal está submetida a uma regra de tipicidade – cf. artigo 46º do CPC.

Nos termos do art. 46º, al. c), do CPC, é título executivo, podendo servir de base à execução... ‘o documento particular, assinado pelo devedor, que importe constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias cujo montante seja determinado ou determinável nos termos do art. 805º...’.

A decisão recorrida, ao concluir pela legitimidade da presente execução, tem a seguinte fundamentação:

«O valor da presente execução era de € 126.488,71 à data em que foi instaurada. Nessa altura e, no momento em que [o] oponente foi notificado, para proceder ao depósito da mesma na sequência da ordenada penhora, a garantia bancária prestada pelo oponente era suficiente para cobrir o valor do pedido exequendo. No entanto, o oponente não procedeu ao depósito logo que foi notificado.

O não cumprimento atempado daquela notificação por parte do oponente, deu azo a que, à data de 07.11.07, a execução instaurada apresentasse ainda em dívida o montante de € 41.510,47, o que determinou a notificação do BNC nos termos do disposto no art. 860, nº 3, do C.P.C.

A execução que agora prossegue contra o BNC, terceiro devedor, na sequência da penhora da garantia que prestou, baseia-se num título judicial impróprio e é acessória relativamente à execução principal, a qual apesar de ter por fundamento um título diferente da execução principal (sentença condenatória), tem uma função conexa com a execução principal, cuja finalidade é a de garantir a efectiva satisfação do crédito do exequente.

Assim, como é evidente, não assiste razão ao oponente, quando defende que a execução é inexigível por o mesmo não ser responsável pelo pagamento integral da dívida exequenda, uma vez que a execução agora em curso não tem por título a sentença que serviu de base a instauração da execução principal, mas sim o título judicial anómalo, formado nos termos do art. 860º, nº 3, do C.P.C., ocorrendo uma substituição processual, de modo que o devedor do inicial devedor, que inicialmente tinha uma posição de terceiro, assume a qualidade de parte na execução incidental, tendo esta posição de ser entendida em sentido amplo, de modo que a partir deste momento há uma verdadeira substituição do executado, que inicialmente era o devedor do exequente e agora é o devedor do devedor.

Acresce que independentemente desta assumpção de responsabilidade do oponente nos termos daquele dispositivo, sempre o mesmo teria de ser responsabilizado, uma vez que ao não cumprir atempadamente o que lhe foi ordenado, gerou acréscimos e inviabilizou a pretensão do exequente em ver satisfeito o seu pedido que como referido, inicialmente se mostrava satisfeito pela garantia prestada.

De todo o exposto, se conclui pela legitimidade da presente execução e da penhora ordenada a fls. 682 e, pela falta de fundamento para a deduzida oposição».

Vejamos, adiantando-se, desde já, que não podemos concordar com a decisão recorrida.

E, para tanto, por entendermos ser útil à compreensão do litígio, não podemos deixar de transcrever, na parte interessante à natureza da garantia prestada pelo BNC, o que foi dito no anterior acórdão desta Relação, a que supra se fez referência:

«É pacífico que foi celebrado um contrato de garantia bancária, também designada de garantia bancária autónoma, que traduz o compromisso assumido por um banco de satisfazer determinada obrigação perante terceiro sempre que o cliente o não faça, por atraso ou em definitivo.

Tal espécie ou tipo de contrato, inominado, causal, autónomo, oriundo do direito anglo-saxónico, que não teve ainda consagração legislativa em Portugal, (cfr. acórdão da Rel. Lisboa, de 11/12/90, in CJ, Ano XV, Tomo 5, pag. 134), pode definir-se como ‘o contrato pelo qual um banco, por mandato do seu cliente, se obriga a pagar certa importância à outra parte (beneficiário), ficando esta com o direito potestativo de exigir a execução dessa garantia, sem que lhe possam ser opostos quaisquer meios de defesa baseados nas relações entre o banco e o ordenador ou entre este e o beneficiário’. (cfr. José Maria Pires, ‘Direito Bancário’, 2º volume, Lisboa, pag. 284).

A causalidade de tal negócio (que não reveste a natureza de abstracto) existe apenas no sentido de que visa uma função de garantia e não porque tenha a sua justificação no contrato base, do qual é radicalmente independente.

Esta garantia é causal porque é vinculada à prestação da garantia, e é autónoma porque é independente do contrato base.

A concessão da garantia bancária implica a concessão eventual de um crédito equivalente ao do montante garantido, mediante uma contrapartida. A garantia autónoma representa, pois, uma determinada soma em dinheiro, independentemente da natureza da obrigação assumida. (Galvão Telles, ‘Garantia Bancária Autónoma’, in O Direito, Ano 120º (1988), III-IV, pag. 288)

O garante, perante o credor, responsabiliza-se pelo pagamento de uma obrigação própria e não pelo cumprimento de uma dívida alheia (do garantido); não se trata de garantir o cumprimento da obrigação do devedor, mas antes de assegurar o interesse do credor beneficiário de tal garantia.

Dentre as garantias bancárias, porque é a que, no caso, claramente se infere, importa destacar a chamada garantia à primeira solicitação ou on first demand – que pode qualificar-se como uma promessa de pagamento à primeira interpelação – a qual cria uma situação jurídica por força da qual o garante, ao ser interpelado pelo credor (com ou sem justificação documental conforme acordado), terá de pagar a quantia garantida, sem discussão, isto é, sem poder contestar o pagamento do que lhe é exigido.

A emissão de uma garantia bancária envolve uma relação triangular a saber:

- relação entre o garantido e o ordenador (no caso sub iudice o Tribunal a quo a favor de quem é prestada a garantia e o executado)

- relação entre o ordenador e o seu banco (no caso sub iudice o executado e o ora recorrente), pela qual o ordenador incumbiu o banco garante de prestar a garantia (neste caso, de pagamento) exigida pelo beneficiário.

- relação entre o garantido e o banco-garante (no caso sub iudice o Tribunal a quo a favor de quem é prestada a garantia e o recorrente), por via da qual o garante se obriga a pagar o montante convencionado – cfr. ac. STJ, de 30/01/2003, in proc. 4252/03 da 7ª secção, disponível in www.dgsi.pt.).

Ainda na jurisprudência cabe referir, por último, os acórdãos do STJ, de 23.3.95 (CJ, 1995, Tomo I, 137) e de 26.9.00 (BMJ 499, 344), no qual estão claramente sintetizados os elementos salientes desta figura contratual e se chama a atenção para um ponto essencial: é preciso analisar caso a caso o texto da garantia, interpretando-o e fixando o seu alcance juridicamente relevante.

Na situação em análise destacam-se os seguintes factos:

1) A executada foi condenada a pagar ao exequente a quantia supra referida, acrescida dos juros de mora.

2) A executada prestou a favor do tribunal ‘a quo’ a garantia bancária constante de fls. 27 do apenso respectivo, com o nº D –000005351, no valor de Esc.: 25.358.709$00 (vinte e cinco milhões trezentos e cinquenta e oito mil setecentos e nove escudos), acrescido de juros à taxa legal de 7% desde 22.02.2000 sobre o valor de 12.656.874$00 (doze milhões seiscentos e cinquenta e seis mil oitocentos e setenta e quatro escudos).

3) No documento referido em 2 diz-se o seguinte:

‘A presente garantia é em favor da Ex.ma Juíza de Direito do 1º Juízo, 1ª Secção do Tribunal do Trabalho de Penafiel para garantia do eventual pagamento que tenha de efectuar em resultado da condenação que vier a ter lugar no processo nº 203/99B …’.

‘O BNC obriga-se a pagar ao beneficiário (o Tribunal do Trabalho de Penafiel), mediante interpelação escrita deste, toda e qualquer quantia que seja devida pelo cliente, a título de indemnização por incumprimento total ou parcial do contrato supra referido, até ao limite de Esc.: 25.358.709$00 (vinte e cinco milhões trezentos e cinquenta e oito mil setecentos e nove escudos), acrescido de juros à taxa legal de 7% desde 22.02.2000 sobre o valor de 12.656.874$00 (doze milhões seiscentos e cinquenta e seis mil oitocentos e setenta e quatro escudos).

Como interpretar estas declarações negociais?

À luz das directrizes consagradas em matéria de interpretação das declarações negociais, previstas nos arts. 236º, nºs 1 e 2, e 238º, nº 1, do CC, a garantia em causa deve ser qualificada como garantia autónoma à primeira solicitação.

Basta atentar nos dizeres do documento para se ver que assim é.

Na verdade, e desde logo, as expressões postas em destaque supra no ponto nº 3, mostram com nitidez que o recorrente assumiu uma obrigação totalmente independente da obrigação do garantido decorrente do ‘contrato base’ (a condenação deste no processo principal) e cujo cumprimento o recorrente logo despoletaria à primeira solicitação.

Por outro lado, está inequivocamente expresso no texto que o Banco, mediante interpelação do beneficiário, ficou obrigado a entregar toda e qualquer quantia – até ao limite convencionado – que seja devida pelo cliente.

Ou seja: isto não pode significar outra coisa senão que ficou acordada uma garantia autónoma à primeira solicitação.

Não obstante esta natureza autónoma da garantia, e a sua actuação ou execução automática, a possibilidade da sua exigência pelo beneficiário não pode ter-se como ilimitada: há, com efeito, no direito português, que estabelecer alguns limites à exigência da garantia, sempre que o imponham as regras da boa fé (art. 762º, nº 2, do CC) ou o abuso do direito (art. 334º do mesmo diploma), como por exemplo nos casos extremos de manobras tendentes a enganar o garante ou de procedimento abusivo do beneficiário, designadamente exigindo a garantia em caso de cumprimento pontual da obrigação do devedor – cfr. ac. STJ, de 01/07/2003, no Proc. 2079/03 da 6ª secção, disponível in www.dgsi.pt.

É que ‘o princípio de que o banco deve prestar de imediato garantia, logo que solicitado pelo beneficiário, sofre, no entanto, uma excepção: o banco pode, e deve mesmo, recusar-se a pagar a garantia, em caso de fraude manifesta, de abuso evidente por parte do beneficiário.

Compreende-se a razão: há princípios cogentes de todo e qualquer ordenamento jurídico que devem ser respeitados, não podendo as garantias automáticas violar grosseiramente os aludidos princípios’ – cfr. Almeida Costa e Pinto Monteiro, ‘O contrato de garantia à primeira solicitação’, in CJ, Ano XI, Tomo 5, pag. 20)».

Esta fundamentação, com repercussão no caso em apreço, ajuda-nos a sublinhar que, em sede de garantia autónoma, e diversamente do que sucede, por exemplo, numa garantia acessória, como a fiança, o garante não se vincula a pagar uma dívida do dador de ordem.

Na verdade, o garante assegura ao beneficiário o pagamento, imediato e sem discussão, de uma quantia idêntica à garantida, logo que aquele lho solicite.

Justamente a decisão recorrida, ao aceitar o prosseguimento da execução contra o banco recorrente, tem implícito o entendimento, errado, de que a obrigação deste era, afinal, a de pagar, mais do que a quantia garantida, toda a responsabilidade da executada ou, noutra perspectiva, garantir a efectiva satisfação do crédito do exequente.

Não pode, como se disse, ser aceite tal entendimento.

O que está em causa na presente execução, como anteriormente, é a penhora do direito de crédito da executada BB, titulado na garantia supra transcrita ‘a quantia garantida pela garantia bancária nº 000005351’, sendo que o montante desse crédito corresponde à quantia de Esc. 25.358.700$00, acrescida dos juros de mora às taxas legais de 7% e 4% desde 22.02.2000 sobre o valor de 12.656.874$00.

Tal quantia foi depositada pelo recorrente.

É certo que tal quantia depositada, embora corresponda à quantia penhorada, não foi suficiente para fazer face ao pagamento da quantia exequenda, tal como se demonstrou, cumprida a regra contida no art. 455º do CPC.

Daí, no entanto, não se pode concluir, nos termos e para os efeitos do art. 860º, nº 3, do CPC, na redacção vigente à data, que o recorrente ainda tenha que responder por tal insuficiência de verba, sob pena de se converter aquela garantia numa outra modalidade, nomeadamente numa fiança, expressamente afastada pelas partes.

Transformar esta garantia bancária autónoma ou fazê-la equivaler a outra garantia, apesar de expressamente afastada do texto contratual, tal como subjacente à decisão recorrida, é inaceitável, por violar a liberdade contratual, impondo a uma das partes obrigações que ela não contratou.

Acresce que o recorrente depositou a quantia correspondente aos juros de mora que se venceram até à data do depósito, contabilizada à taxa legal, pelo que o exequente foi ressarcido dos danos que a demora processual imputável ao recorrente lhe causou.

Se, não obstante o depósito, tal quantia não chegou para a integral liquidação da quantia exequenda, daí apenas é legítimo concluir que a responsabilidade da executada, e só dela, ainda não se mostrava satisfeita, mas só esta entidade podendo ser responsabilizada por tal vicissitude, nunca o recorrente, muito menos, nos termos do art. 860º, nº 3, do CPC.

Decorre da redacção deste nº 3 que a sua aplicação tem como pressuposto o não cumprimento da obrigação de depósito da quantia penhorada na CGD.

O recorrente deu integral cumprimento às obrigações decorrentes do art. 860º do CPC, pelo que nada mais há a executar por inexistência de título executivo – o documento em que se funda a execução não tem força executiva, não sendo documento enquadrável na al. c) do art. 46º do CPC –, sendo a obrigação exequenda inexigível e o executado parte ilegítima e, como tal, a execução não pode prosseguir – nem devia ter sido instaurada – cf. arts. 814º, a) e e), 816º e 817º, nº 4, do CPC, na redacção introduzida pelo DL nº 38/2003, de 8 de Março.
(…)”


3. Rebela-se o recorrente quanto ao aresto acima quase totalmente extractado, esgrimindo com um argumentário que, em síntese, consiste no seguinte: –

– que, muito embora, aquando da notificação para proceder ao determinado depósito da quantia garantida pela garantia bancária, ela fosse suficiente para cobrir o montante do pedido exequendo, o que é certo é que, posteriormente a essa notificação, e quando o depósito foi efectivado, o respectivo quantitativo já não se apresentava como bastante para satisfazer aquele pedido e as custas;
– a demora na mencionada efectivação do depósito deveu-se à circunstância de a recorrida não ter procedido ao mesmo logo após a notificação de que foi alvo, pelo que se tornou responsável pelas consequências da sua actuação desobediente, enquadrando-se a situação no nº 3 do artº 860º do Código de Processo Civil, já que a natureza acessória da execução incidental (visando o pagamento da restante quantia devida a título de custas – 41.510,74), embora provindo de título diferente, está conexa funcionalmente com a execução principal;
– de todo o modo, o depósito feito pela oponente em 6 de Julho de 2006 mostra-se incorrectamente efectuado, já que se reportou a juros de mora de 7% até 30 de Abril de 2003 e de 4% a partir dessa data, quando esses juros deveriam ser todos calculados à taxa de 7% nos termos da sentença e da própria garantia bancária prestada, sendo que esse depósito foi efectuado no tribunal de 1ª instância quando ainda não tinha ainda transitado em julgado a decisão do recurso de agravo que interpusera.

Adianta-se, desde já, que não nos merece censura o decidido pelo Tribunal a quo.

Efectivamente, como resulta do próprio teor literal da garantia prestada, a ora recorrida (oponente à execução) unicamente se obrigou, num prazo de um ano a contar de 29 de Março de 2000, renovável por iguais e sucessivos períodos, salvo denúncia da garante, a pagar, em favor da Juíza de Direito do 1º Juízo do Tribunal do Trabalho de Penafiel, mediante interpelação escrita desta beneficiária, toda e qualquer quantia que fosse devida pela BB (que assumiu a posição de executada nos autos de execução em que foi deduzida a oposição de onde emerge o vertente recurso) em resultado de condenação que viesse a ter lugar no Processo nº 203/99B, pendente por aquele Juízo, mas até ao limite de Esc. 25.358.709$00, acrescidos de juros à taxa legal de 7% desde 22 de Fevereiro de 2000 incidentes sobre o valor de Esc. 12.656.874$00.

Ora, desse teor literal não pode, minimamente, extrair-se que, pela garantia bancária em causa – que, a partir do momento em que foi outorgada entre a garante e a ordenadora, veio a constituir um direito de crédito desta última –, a referida garante assumiu uma responsabilização pelo pagamento de todos e quaisquer quantitativos devidos pela BB em resultado do que viesse a ser decidido na mencionada acção. Antes, essa responsabilização foi estipulada por entre os contraentes – e em benefício do 1º Juízo do Tribunal do Trabalho de Penafiel – até um determinado montante, o que vale por dizer que o compromisso assumido pela garante, no sentido de satisfazer perante o beneficiário o cumprimento pontual da obrigação impendente sobre a mesma BB (e, claramente, nas situações em que esta última incumpra, seja definitivamente, seja por mera mora) não se reportou à totalidade quantitativa da obrigação.

E, tratando-se de uma obrigação pecuniária, e, logo, fungível, não se vislumbra, à partida, qualquer obstáculo a tanto.

De outro lado, do que vem de se expor resulta que não é defensável que, pelo negócio jurídico aprazado entre a ora recorrente e a BB, a primeira veio a assumir a totalidade da obrigação ou, se se quiser, do vínculo jurídico pelo qual a segunda ficou adstrita à realização da prestação devida ao recorrido (ou a obrigação que viesse a ocorrer) e, bem assim, as prestações acessórias ou conexas emergentes daquela obrigação.

Por isso, o contrato por via do qual a garantia bancária ficou estipulada não pode, dados os termos do documento que o corporizou, figurar-se que não como uma fonte de obrigações autónoma da fonte responsabilizadora da BB (relativamente ao agora recorrente), quer na relação entre esta e a garante, quer entre aquela e o beneficiário, quer, ainda, entre o beneficiário e a garante.

Assim, dada a diversidade das fontes das obrigações em causa – a que resultou da relação jurídica entre a BB e o exequente, ora recorrente, e a que resultou na relação triangular entre aquela, o beneficiário (Tribunal do Trabalho de Penafiel) e a oponente (Banco Popular Portugal, S.A.) –, não se poderá falar, in casu, numa assunção, pela garante (o BPP), da dívida emergente da relação jurídica estabelecida entre os mencionados BB e exequente (cfr., a propósito, Ferrer Correia, em Notas para o estudo do contrato de garantia bancária, Revista de Direito e Economia, 1982, 254, Francisco Cortez, in Revista da Ordem dos Advogados, ano 52º, 1992, 503 a 610, e Saraiva Martins, Garantias Bancárias Activas e Passivas, 33).

Como assinala o primeiro dos indicados autores, a garantia bancária (e da forma como se posta no contrato firmado entre a oponente e a BB) diverge de uma mera fiança, já que, pelo negócio jurídico que a instituiu, tal garantia não tem “natureza acessória em relação à obrigação garantida” (no mesmo sentido, veja-se o «parecer» de Mário Júlio de Almeida Costa e António Pinto Monteiro, publicado sob o título GARANTIAS BANCÁRIAS, O contrato de garantia à primeira solicitação, de fls. 16 a 34 na Colectânea de Jurisprudência, Ano XI, 1986, Tomo 5).

Neste contexto, anui-se ao passo, já acima transcrito, do acórdão de que se roga revista, quando no mesmo se assinala que, muito embora a quantia depositada pela oponente correspondesse à quantia que tinha sido penhorada, conquanto não satisfizesse o montante exequendo, atento o comando ínsito no artº 455º do Código de Processo Civil (na versão anterior à decorrente do Decreto-Lei nº 34/2008, de 26 de Fevereiro), daí não se podia concluir, nos termos e para os efeitos do nº 3 do artº 860º do mesmo diploma adjectivo, “que o recorrente ainda tenha que responder por tal insuficiência de verba, sob pena de se converter aquela garantia numa outra modalidade, nomeadamente numa fiança expressamente afastada pelas partes”.

Efectivamente, aquele preceito (na redacção anterior à dada pelo Decreto-Lei nº 226/2008, de 20 de Novembro) ao estabelecer que não sendo cumprida a obrigação, pode o exequente (ou o adquirente) exigir a prestação, servindo de título executivo a declaração de reconhecimento do devedor, a notificação efectuada e a falta de declaração (ou o título de aquisição do crédito), pressupõe, claramente, que não haja cumprimento da obrigação de depósito da quantia devida.

Ora, essa obrigação, por parte da ora oponente, foi, então, cumprida.

Se porventura o decurso do tempo motivado pelas vicissitudes processuais «desembocou» num agravamento das custas processuais e ou num agravamento do quantitativo referente aos juros que entretanto se venceram, a responsabilização pelo respectivo pagamento incidirá, não sobre a garante – pois que, como se viu já, não assumiu o vínculo jurídico que adstringiu a BB ao pagamento da prestação devida ao exequente –, mas sim sobre a executada.

Não se lobriga que, cumprida que foi a obrigação de depósito por banda da oponente, qual o título executivo (e, note-se, é isso que agora releva, pois que, como é evidente, nos não situamos num caso de uma acção por meio da qual se peticione a responsabilização da oponente por eventuais danos causados na esfera jurídica do exequente por alegado comportamento, dito «desobediente», em agravar do despacho do Juiz do Tribunal do Trabalho de Penafiel que manteve o seu anterior entendimento no sentido de determinar à ora oponente que procedesse ao depósito da quantia penhorada) em que se ancore o exequente para fazer «prosseguir» a execução (ou, porventura, de instaurar execução incidental).

De facto, o título executivo de que dispunha era, e tão só, oponível ao executado, resultando do sentenciado na acção de condenação, e a obrigação de depósito da oponente (que compreendia o montante a título de juros até essa data) tinha já sido cumprida.

E não se esgrima, como o faz impugnante, que do nº 4 do artº 860º, se extrai um lugar paralelo que apontaria a natureza acessória da execução incidental, isto pela simples razão de harmonia com a qual o âmbito de aplicação daquele normativo não pode desligar-se no nº 3 do artº 856º (reconhecimento, por parte do devedor, da existência da obrigação e, não obstante, vir a ser decidido que o crédito não existia).

Ora, como se viu já, na presente execução em que se deduziu oposição, não está em causa a obrigação primitiva do executado e esta não foi, qua tale, assumida pela oponente.


Por último, consigne-se que, no que respeita à síntese efectuada na «conclusão» 10ª da alegação de recurso do impugnante, não assiste a este razão no aduzido.

De facto, no negócio jurídico que se encontra corporizado no documento de fls. 7 do apenso, encontra-se perfeitamente definida a taxa de juro de 7% incidente sobre o valor de Esc. 12.656.874$00 desde 22 de Fevereiro de 2000, nada mais resultando dele, e, como houve já ocasião de se fazer notar, por esse negócio a oponente não veio a assumir a prestação devida pela executada em relação ao exequente ou a substituí-lo processualmente na execução primitivamente instaurada, considerações que, como nos parece patente, são também aplicáveis, aditado ao que acima ficou dito, à «conclusão» 11ª.

III


Em face do que se deixa dito, nega-se provimento ao recurso.

Custas pelo recorrente.


Lisboa, 07 de Maio de 2009

Bravo Serra (Relator)
Mário Pereira
Sousa Peixoto