Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | SILVA SALAZAR | ||
Descritores: | ACÇÃO DE DESPEJO ARRENDAMENTO FALTA DE PAGAMENTO DA RENDA RESOLUÇÃO DO CONTRATO DEPÓSITO DA RENDA DEPÓSITO DAS QUANTIAS DEVIDAS CADUCIDADE SENHORIO ABUSO DE DIREITO | ||
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Nº do Documento: | SJ200402190001276 | ||
Data do Acordão: | 02/19/2004 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | T REL PORTO | ||
Processo no Tribunal Recurso: | 1640/01 | ||
Data: | 07/14/2003 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | AGRAVO. | ||
Decisão: | PROVIDO. | ||
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Sumário : | I - O art.º 1042º, n.º 2, do Cód. Civil, apenas consagra o reconhecimento do arrendatário de que se encontra em mora quanto às rendas depositadas com a correspondente indemnização sem declaração de o depósito ser condicional. II - Para fins de caducidade do direito de resolução do contrato de arrendamento por falta de pagamento das rendas integrantes da causa de pedir, a lei impõe ao locatário o pagamento ou o depósito, até à contestação da acção em que essa resolução for pedida, das somas devidas e da indemnização de 50% quanto à parte em que se encontre em mora. III - A expressão "somas devidas" abrange as rendas devidas no momento da propositura da acção, mais as que se vencerem entre esse momento e o da apresentação da contestação. IV - Sendo a contestação apresentada, em determinado mês, nos primeiros oito dias a contar do começo da mora no pagamento da renda respeitante a esse mês, o depósito das rendas e da indemnização referidas no n.º 11 antecedente só tem de incluir, além das rendas e indemnizações respeitantes aos meses anteriores, a renda desse mês em singelo, para provocar aquela caducidade. V - O abuso de direito do senhorio de recusar receber o pagamento da renda, quando devida apenas em singelo, exclui a mora do inquilino, pelo que o subsequente depósito em singelo das rendas devidas na pendência da acção de despejo exclui igualmente o despejo imediato. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: Em 29/12/98, A e mulher, B, instauraram contra C, acção com processo sumário, pedindo que fosse decretada a resolução de um contrato de arrendamento para fins industriais em vigor entre a ré, como inquilina, e eles autores e outros comproprietários de um prédio urbano que identificam, como senhorios, por falta de pagamento de rendas, condenando-se a ré a despejar imediatamente o locado deixando-o devoluto de pessoas e bens, e a pagar-lhes a quantia de 722.260$00 relativa às rendas vencidas e correspondentes juros de mora também vencidos, bem como as rendas vincendas até ao trânsito em julgado da sentença que decrete o despejo, acrescidas dos juros legais de mora vincendos até efectivo e integral pagamento. Em contestação, entrada em 2/2/99, a ré invocou caducidade do direito de resolução por ter procedido ao depósito das rendas vencidas, acrescidas da indemnização legal, e impugnou. Responderam os autores impugnando tal depósito por não abranger a renda correspondente àquele mês de Fevereiro e respectiva indemnização legal, pelo que recusaram a caducidade do direito de resolução que se arrogavam. Oportunamente, após entrada, a convite judicial, de novas petição inicial e contestação aperfeiçoadas, foi proferido a fls. 103 (número a cor azul) despacho que decidiu o incidente de impugnação de depósito deduzido pelos autores, julgando-o procedente e o depósito não liberatório, com a consequência de não ter caducado o direito de resolução do contrato de arrendamento, mas que decidiu o prosseguimento dos autos para se apurar da existência de mora da ré, pelo que, para além de, em despacho saneador, se ter julgado inexistirem excepções dilatórias nem nulidades secundárias, foi enumerada a matéria de facto desde logo considerada assente e elaborada a base instrutória. Daquele despacho que julgou procedente o incidente de impugnação do depósito agravou a ré (fls.110 azul). Entretanto, os autores requereram que fosse decretado despejo imediato da ré do locado por falta de pagamento de rendas vencidas na pendência da acção, despejo esse que foi decretado por despacho de fls. 138-139 azul. Também desse despacho agravou a ré. A Relação proferiu acórdão a fls. já identificadas apenas com um número, 178 e sgs., que concedeu provimento a ambos os agravos, julgando caduco o direito de resolução do contrato de arrendamento que os autores se arrogavam por o depósito ser liberatório, e revogando a decisão que decretara o despejo imediato da ré. Os autores requereram esclarecimento do acórdão da Relação, no que não foram satisfeitos (fls. 210), após o que requereram a reforma do mesmo. E foi este requerimento que deu origem a novo acórdão que, a fls. 228 e segs., reformou o anterior, na parte em que julgara procedente o agravo do despacho da 1ª instância que decretara o despejo imediato por falta de pagamento de rendas vencidas na pendência da acção, passando a julgar esse agravo improcedente e mantendo em consequência aquele despacho. É deste acórdão que vem interposto o presente agravo, pela ré, apesar de o valor da causa se encontrar dentro da alçada da Relação, mas admitido com base no disposto no art.º 670º, n.º 4, do Cód. Proc. Civil, uma vez que a alteração do primeiro acórdão na parte em que a reforma foi deferida a prejudica. Em alegações, a ré apresentou as seguintes conclusões: 1ª - O acórdão recorrido considerou existir mora por parte da ora recorrente no que concerne às rendas vencidas na pendência da acção; 2ª - Considerou o depósito, feito em singular, das rendas na pendência da acção, insuficiente para quebrar a mora, iniciada com o depósito sem indemnização da renda vencida em Fevereiro de 1999; 3ª - Mais considerou que o depósito da renda vencida em Fevereiro de 1999 não foi efectuado em tempo, antes fora do prazo da Lei; 4ª - Conclui que o depósito de fls. 26 dos autos não foi liberatório e não fez caducar o direito do recorrido à resolução do contrato de arrendamento; 5ª - Há manifesta contradição entre o acórdão em recurso e o primeiro acórdão que este reforma; 6ª - O acórdão de que se recorre padece de vício que impõe a sua revogação; 7ª - Do contratualmente convencionado resulta a obrigação para a recorrente de efectuar o pagamento da renda no princípio do mês a que disser respeito; 8ª - Tal estipulação afasta a obrigação de pagamento no primeiro dia útil do mês a que respeita, bem como o recurso ao regime supletivo legal; 9ª - Da vontade real das partes convencionalmente expressa, do usual comportamento de ambas e dos usos vigentes, no dia a dia das relações arrendatícias, será de entender que as rendas mensais, no âmbito do contrato de arrendamento em causa nos presentes autos, apenas são devidas até ao oitavo dia do mês a que respeitam; 10ª - A expressão "no princípio do mês a que disser respeito" não se restringe ao primeiro dia do mês, antes se estendendo, pelo menos, até ao fim da primeira semana de cada mês; 11ª - O lógico princípio estabelece que o princípio do mês abrange a primeira semana do mês, meados do mês abrange o dia doze a vinte, e o final do mês abrange os dias vinte e sete a trinta e um; 12ª - A pretensão de que a renda se vence no primeiro dia útil do mês a que respeita ofende a redacção da cláusula contratual e o espírito e vontade que a ela presidiu, ou seja, a prevalência da vontade real conhecida e os ditames da boa fé; 13ª - Sendo a data da celebração do contrato arrendamento em causa o dia 4 (quatro), sempre deverá entender-se que a expressão "no princípio do mês" respeita ao dia quatro de cada mês; 14ª - À data do terminus do prazo para apresentação da contestação (dia 2 de Fevereiro de 1999), a renda relativa a esse mês de Fevereiro não era devida; 15ª - A recorrente não incorreu em mora; 16ª - Pois não era devida a renda do mês de Fevereiro de 1999 no dia 1 do mesmo mês; 17ª - O depósito da renda em singelo é liberatório para a ora recorrente, sendo caduco o direito da recorrida ao despejo; 18ª - Sustenta a ora recorrente a sua posição por recurso ao disposto nos art.ºs 236º, n.ºs 1 e 2, 238º, n.º 1, 239º e 1048º, do Cód. Civil, e 20º do R.A.U.; 19ª - Sustenta ainda tal posição o entendimento de Mário Frota da "purgatio more", que se traduz na "... faculdade de o devedor fazer cessar a mora no lapso de 8 dias a contar do seu começo ..." e na mesma senda opinam os Profs. Pires de Lima e Antunes Varela, pelo que, "... o locatário só se constitui em mora se não efectuar o pagamento da renda convencionada nos oito dias subsequentes"; 20ª - Conclui-se que o art.º 1048º do Cód. Civil se refere somente às rendas cuja falta de pagamento fundamente a resolução do contrato e não "... às rendas cujo pagamento atempado o não pode fundamentar"; 21ª - O acórdão recorrido viola o estatuído nos art.ºs 1041º, 1048º, 236º, 237º, 238º e 2039º do Cód. Civil, e 20º do R.A.U. Termina pedindo a revogação do acórdão recorrido, mantendo-se o teor do acórdão antes de reformado, nos precisos termos em que foi proferido. Em contra alegações, os recorridos pugnaram pela confirmação do acórdão reformador recorrido, sustentando ainda que se devia considerar que o depósito efectuado na data da contestação não produziu qualquer efeito liberatório do direito deles autores à resolução do contrato de arrendamento com base nas rendas vencidas até àquela data. Colhidos os vistos legais, cabe decidir, tendo em conta que os factos assentes com interesse são os seguintes: 1º - Na presente acção com vista a resolução de contrato de arrendamento os autores invocaram ser actualmente comproprietários de ¼ de um prédio misto sito em Agueiro, Paramos, Espinho, constituído por armazéns, logradouro e estaleiro, inscrito na matriz sob os art.ºs 477, 541 e 592 urbanos e 1210 rústico; 2º - Nessa qualidade, juntamente com os restantes comproprietários, deram-no de arrendamento à ré por contrato de 4/3/86 para o exercício da indústria de serração de madeiras, carpintaria e tanoaria mecânicas, por um prazo de cinco anos prorrogável por iguais períodos, tendo sido então convencionada a renda mensal de 100.000$00, excepto no primeiro ano do contrato, em que seria de 75.000$00, pagável na sede social da ré (que era naquele lugar de Agueiro) no princípio do mês a que dissesse respeito; 3º - Face a sucessivas actualizações, a parte da renda devida aos autores (25% do total) passou a ser, em valores brutos, em 1997, de 54.682$00 mensais, em 1998, de 55.940$00 mensais, e em 1999, de 57.227$00 mensais; 4º - A ré deixou de pagar a parte da renda devida aos autores, ou seja, 25% da mesma, respeitante aos meses de Dezembro de 1997 e de Fevereiro a Dezembro de 1998; 5º - Com a contestação, apresentada em 2 de Fevereiro de 1999, a ré juntou documento comprovativo do depósito da quantia de 927.243$00, ou seja, da parte das rendas dita em atraso, líquida da retenção na fonte do respectivo IRS, sendo 46.480$00 referente à renda de Dezembro de 1997, 47.549$00 por cada uma das rendas de Fevereiro a Dezembro de 1998, e 48.643$00 pela de Janeiro de 1999, parte essa acrescida da indemnização de 50% achada sobre esses valores líquidos, mas não incluindo a parte da renda respeitante ao mês de Fevereiro de 1999; 6º - O depósito dessa renda foi feito pela ré em 1/3/99 pelo valor de 242,65 euros, correspondente a 48.643$00, embora em 5/2/99 a ré tivesse enviado pelo correio aos autores, para a residência destes, em Queluz, um cheque do mesmo montante e para o mesmo efeito de pagamento da renda respeitante a esse mês de Fevereiro, mas que estes não cobraram; 7º - Todos os depósitos feitos pela ré depois da apresentação da contestação foram no dito montante de 48.643$00, até ao depósito de Janeiro de 2000, correspondente à renda desse mês, passando depois a ser no montante de 50.005$00; 8º - Todos os depósitos a que a ré procedeu foram efectuados na Agência da Caixa Geral de Depósitos em Esmoriz. Em causa está apenas saber se há ou não fundamento para decretar o despejo imediato por falta de pagamento das rendas vencidas na pendência da acção, uma vez que só nessa parte a ré ficou prejudicada pela decisão de deferimento do requerimento de reforma do acórdão inicial, na medida em que este revogara a decisão da 1ª instância que decretara esse despejo (art.º 670º, n.º 4, citado), não podendo por isso ser reconhecida razão aos recorridos no tocante à sua pretensão de ser considerado que o depósito efectuado com a contestação não fora liberatório, uma vez que nessa parte o acórdão inicial transitou em julgado por, além de o valor da causa se encontrar dentro da alçada da Relação, o citado art.º 670º, n.º 4, não permitir recurso na medida em que o acórdão inicial, aí, não foi alterado. O acórdão reformador entendeu haver fundamento para o despejo imediato, pelo facto de, tendo a ora recorrente reconhecido encontrar-se em mora quanto às rendas de Dezembro de 1997 e de Fevereiro de 1998 a Janeiro de 1999, necessariamente a aceitou também quanto à renda de Fevereiro de 1999, cumprindo-lhe oferecê-la aos autores de modo formal e ignorando-se as razões, cuja alegação e prova lhe cabia, para o insucesso do pagamento directo, pelo que concluiu que a renda respeitante ao mês de Fevereiro de 1999 se encontrava em mora, não feita cessar, tendo sido depositada em singelo (deduzida do montante destinado a pagamento do IRS, retido na fonte), ficando consequentemente também em mora as rendas vencidas na pendência da acção, igualmente depositadas apenas em singelo. Não é, porém, de aceitar o entendimento segundo o qual o reconhecimento da mora pela ré quanto às rendas cuja falta de pagamento integrava a causa de pedir implique necessariamente o reconhecimento de se encontrar em mora quanto à renda de Fevereiro de 1999, visto que o art.º 1.042, n.º 2, do Cód. Civil, apenas consagra esse reconhecimento quanto às próprias rendas depositadas com a correspondente indemnização sem declaração de o depósito ser condicional, coisa que precisamente não aconteceu com a renda de Fevereiro de 1999, não depositada conjuntamente com as que o foram em 2/2/99 e só depositada posteriormente em singelo. Não se segue daí, porém, que não possa haver mora quanto a tal renda. Embora já não esteja em causa a questão de saber se o direito de resolução com base na falta de pagamento de rendas integrante da causa de pedir caducou em consequência do depósito efectuado com a contestação, na medida em que, como se disse, foi já definitivamente decidido que caducou pelo acórdão reformado, nessa parte não alterado pelo acórdão reformador, e que por isso nessa parte não pode ser objecto de recurso, quer por a reforma não prejudicar, nessa parte, a ré, quer por o valor da causa se encontrar dentro da alçada da Relação, nem por isso pode deixar de se ter em conta o disposto nos art.ºs 1041º e 1048º do Cód. Civil, a fim de se averiguar se a dita renda respeitante ao mês de Fevereiro de 1999 se encontrava em mora, o que precisamente a recorrente recusa. Em face do disposto no art.º 1048º do Cód. Civil, o direito à resolução do contrato de arrendamento por falta de pagamento de renda caduca logo que o locatário, até à contestação da acção destinada a fazer valer esse direito, pague ou deposite as somas devidas e a indemnização referida no n.º 1 do art.º 1041º, segundo o qual, constituindo-se o locatário em mora, o locador tem o direito de exigir, para além das rendas em atraso, uma indemnização igual a 50% do que for devido, salvo se o contrato for resolvido por falta de pagamento de rendas, embora, face ao disposto no n.º 2 desse artigo, o direito a tal indemnização ou à resolução do contrato cesse se o locatário fizer cessar a mora no prazo de oito dias a contar do seu começo. Conjugando esses dispositivos, por eles se vê que, para fins de caducidade do direito de resolução do contrato de arrendamento por falta de pagamento das rendas integrantes da causa de pedir, a lei impõe ao locatário o pagamento ou o depósito, até à contestação da acção em que essa resolução for pedida, das somas devidas e da indemnização legal de 50% quanto à parte em que se encontre em mora, sendo que tal indemnização só é devida se, constituído o locatário em mora, este não a fizer cessar no prazo de oito dias a contar do seu começo. Ou seja, a expressão "somas devidas" abrange as rendas devidas no momento da propositura da acção mais as que se vencerem entre esse momento e o da apresentação da contestação; a indemnização incide sobre as rendas vencidas no momento da propositura da acção, todas elas em mora quando o depósito, como é o caso dos autos, não tenha sido feito condicionalmente (art.º 1042º, n.º 2, do Cód. Civil), e, quanto às vencidas posteriormente, só sobre aquelas que se encontrem em mora. Como se compreende, porque, feito incondicionalmente o depósito das rendas que se encontrem em mora acrescidas da respectiva indemnização, a obrigação de pagamento extingue-se, e com ela a mora que existia e que não renasce, sem mais, quanto às rendas seguintes. No dizer da recorrente, à data da contestação a renda de Fevereiro de 1999 não se encontrava em mora, porque no contrato se estipulara apenas que devia ser paga no princípio do mês a que dissesse respeito, nele não se indicando para o efeito o primeiro dia do mês, pelo que podia ser paga na primeira semana do mesmo mês. Mas, pelo menos com esse argumento, não tem razão. Na verdade, nada na lei permite que seja dada uma tal interpretação àquela expressão "princípio do mês", antes sendo de ter em conta para o efeito o critério interpretativo supletivamente fixado pelo disposto no art.º 279º, al. a), do Cód. Civil, aplicável pelo menos face à clara analogia de situações - nele se consagra a forma de cômputo do termo estipulado, ou seja, da fixação do momento do início ou da cessação dos efeitos do negócio jurídico, sendo que na hipótese dos autos a obrigação de pagamento de renda é precisamente um efeito do negócio de arrendamento em apreço - , segundo o qual, se o termo se referir ao princípio, meio ou fim do mês, se entende como tal, respectivamente, o primeiro dia, o dia 15 e o último dia do mês. Por isso, e de todo o modo atendendo a que não há dúvida alguma de que o primeiro dia de um mês se integra no princípio do mesmo mês, tem em princípio de se concluir que a renda de Fevereiro de 1999 ficou a ser devida a partir do dia 1 desse mês, sem que tal interpretação implique a mínima violação de qualquer das disposições legais a tal respeito citadas pela recorrente: é esse o sentido normal da declaração, e tem correspondência no texto do documento de que o contrato consta. Mas dizemos em princípio porque, para obstar a tal entendimento, a ré, como lhe cumpria a fim de impedir o efeito jurídico dos factos articulados pelos autores (art.º 342º, n.º 2, do Cód. Civil), invocou no art.º 22º da sua contestação (a fls. 95, número azul), ter sido diferente a vontade das partes no contrato por o acordado ser no sentido de que o pagamento devia ser feito até ao dia 8 de cada mês. E tal facto é susceptível de conduzir à conclusão de que, embora pudesse ser paga no dia 1, a renda de cada mês só era exigível, e portanto devida, no dia 8 do mesmo mês. Por outro lado, consta do contrato de arrendamento que o local do pagamento das rendas era na sede social da ré, que também invoca no art.º 9º da sua referida contestação "refundida", a fls. 94 (número azul), que só não pagou porque os autores não se apresentaram na sua sede social para receber as rendas, tendo os autores por sua vez sustentado ter havido alteração do local de pagamento, porque, residindo eles em Lisboa, se lhes tornava inviável deslocarem-se todos os meses propositadamente para receberem as rendas (art.º 9º da sua petição inicial aperfeiçoada, a fls. 83, número azul). E destes factos tanto pode resultar que há mora da ré, como dos autores. Haveria, assim, necessidade de apurar tais factos para se determinar se há mora da ré, ou, ao contrário, dos autores. Concluindo-se então, porventura, que o pagamento da renda de Fevereiro devia ser efectuado a partir do dia 1, e que o local de pagamento foi alterado por acordo como os autores afirmam, estaria aquela renda em dívida no momento da apresentação da contestação, pelo que deveria o seu montante ter sido depositado, - embora só tivesse de o ser em singelo porque a mora em que se encontrava ainda podia ser feita cessar até ao dia 9 com a consequência de cessação do próprio direito à indemnização -, juntamente com o depósito feito nessa altura, sob pena, até, de se concluir pela não caducidade do direito de resolução embora a decisão a tal respeito proferida não possa, como se disse, ser agora alterada; mas, podendo a mora respectiva ser feita cessar até ao dia 9 do mesmo mês, o certo é que tal não foi feito pelo menos por via do depósito ou efectivo pagamento em singelo da dita renda, pelo que o depósito dessa renda efectuado em 1/3/99, a não existir algum outro motivo que excluísse a mora da ré, teria então sido insuficiente por não incluir a indemnização de 50%, o que arrastaria a insuficiência do depósito em singelo de todas as rendas vencidas posteriormente face ao disposto no art.º 785º do Cód. Civil. Tal produziria a consequência de se concluir ter sido bem decretado o despejo imediato à luz do disposto no art.º 58º do R.A.U., que estipula, no seu n.º 1, que na pendência da acção de despejo as rendas vencidas devem ser pagas ou depositadas nos termos gerais (e os termos gerais abrangem o pagamento ou depósito da indemnização quando devida), acrescentando o seu n.º 2 que o senhorio pode requerer o despejo imediato com base no não cumprimento do disposto nesse n.º 1, sendo ouvido o arrendatário. Simplesmente, está também assente que a ré remeteu aos autores, para a residência destes, pelo correio, um cheque com o montante da renda respeitante a esse mês de Fevereiro de 1999, em singelo mas em 5/2/99, quando ainda podia fazer cessar a mora se esta realmente existisse, não tendo os autores cobrado esse cheque e referindo eles que não tinham de receber a renda por essa via por ser diferente o local do pagamento (art.º 19º do seu articulado específico, a fls. 42, número azul). Ora, mesmo que o lugar de pagamento fosse efectivamente diferente, em nada ficariam os autores senhorios lesados com o envio da renda para a sua residência, em Queluz, o qual, sendo esta situada a grande distância da sede social da ré, em Espinho, ou de Esmoriz, onde sustentam ser o novo lugar de pagamento, até lhes facilitaria, - tanto mais que foi precisamente a inviabilidade de se deslocarem mensalmente de propósito para receberem as rendas, como afirmam, que deu causa à alteração do lugar de pagamento -, a disponibilidade do respectivo montante. Por isso, sendo suficiente um mínimo de boa vontade da sua parte, não se justifica a sua falta de prestação da cooperação necessária para o cumprimento da obrigação da ré de proceder a tal pagamento, até porque, extinta a mora anterior, não podiam recusar o pagamento em singelo durante aqueles oito dias, configurando-se em consequência a recusa de cobrança do cheque pelos autores como manifesto excesso dos limites impostos pela boa fé, o que integra abuso do direito de recusa de receber o pagamento com base em ser diferente o lugar deste, tornando ilegítimo o exercício desse direito (art.º 334º do Cód. Civil). A consequência dessa injustificada recusa é, assim, a de constituir os próprios autores em mora (art.º 813º, parte final, do Cód. Civil), o que afasta por sua vez a mora da ré no respeitante à renda de Fevereiro de 1999, pelo que, mesmo que mora da ré existisse, esta teria cessado antes ainda do decurso do dito prazo de 8 dias, possibilitando-lhe que procedesse ao depósito dessa renda em singelo mesmo posteriormente ao termo do dito prazo, como fez em 1/3/99. E tal igualmente afasta a existência de mora, e da consequente obrigação de depósito de indemnização, no tocante às demais rendas vencidas na pendência da acção, oportunamente depositadas. Daí que se entenda não haver necessidade de apuramento daqueles factos acima referidos, sendo desde já de concluir que não existe, por ter cessado oportunamente, mora da ré quanto à renda respeitante ao mês de Fevereiro de 1999. Por outro lado, os depósitos, dessa renda e das demais vencidas na pendência da acção, foram feitos, como o exige o art.º 23º do R.A.U., na Caixa Geral de Depósitos. É certo que foram feitos na agência de Esmoriz, concelho de Ovar, quando, conforme consta do contrato de arrendamento, as rendas deviam ser pagas na sede da ré, em Paramos, concelho de Espinho. Mas não é de aceitar que essa circunstância seja susceptível de afastar a eficácia liberatória dos depósitos, sendo de novo abusiva e por isso inatendível, por constituir um autêntico venire contra factum proprium, a alegação a tal respeito feita pelos autores no seu requerimento de reforma, a fls. 214, uma vez que foram eles próprios, como se disse, a sustentar que o lugar de pagamento, com base em pedido que fizeram à ré por carta de 16/3/98, portanto anterior aos depósitos em causa, foi alterado, passando a ser precisamente em Esmoriz, como se vê nos art.ºs 10º e 11º da sua petição inicial aperfeiçoada, a fls. 83 número azul. Donde que tenha de se entender que a ré, ao efectuar os depósitos em Esmoriz, estaria até a actuar de forma a satisfazer o interesse dos autores. Certo é, ainda, que os depósitos não foram feitos pelos montantes brutos das rendas, mas deduzidos da percentagem retida na fonte para efeitos de pagamento de I.R.S. Mas a ré, como entidade obrigada a dispor de contabilidade organizada, tinha de proceder à retenção de 15% do montante das rendas a pagar ao senhorio, face ao estatuído no CIRC e ao disposto nos art.ºs 94º e 101º, n.º 1, do CIRS, e 8º, n.º 1, do Dec. - Lei n.º 42/91, de 22/1, entretanto alterado pelo Dec. - Lei n.º 134/01, de 24/4, retenção essa a fazer no momento do pagamento ou da colocação dos rendimentos à disposição do respectivo titular (art.º 8º, n.º 2, do citado Dec. - Lei n.º 42/91), tendo os depósitos de ser equiparados a este pagamento ou a esta colocação à disposição, uma vez que não é a ré que impede o seu levantamento pelos autores. Conclui-se, pois, não haver fundamento para ser decretado o despejo imediato, nessa medida se reconhecendo razão à ora recorrente. Pelo exposto, acorda-se em conceder provimento ao agravo, revogando-se o acórdão reformador na parte em que deferiu o requerimento de reforma e ficando a valer o decidido, a tal respeito, no acórdão por ele reformado, quanto à revogação do despacho da 1ª instância que decretara aquele despejo. Custas pelos recorridos. Lisboa, 19 de Fevereiro de 2004 Silva Salazar Ponce de Leão Afonso Correia |