Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
9755/17.2T8PRT.P1.S1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: LUÍS ESPÍRITO SANTO
Descritores: RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
DEVER DE INFORMAÇÃO
PRESUNÇÃO DE CULPA
ILICITUDE
DANO
NEXO DE CAUSALIDADE
ÓNUS DA PROVA
APLICAÇÃO FINANCEIRA
VALORES MOBILIÁRIOS
INSTITUIÇÃO BANCÁRIA
UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Data do Acordão: 01/31/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: REVISTA IMPROCEDENTE.
Sumário :
I- A obrigação de indemnizar, no plano contratual, integra um conjunto de pressupostos cumulativos, a saber: a prática do facto imputável ao demandado; o seu carácter ilícito e culposo (culpa que se presume nos termos gerais do art. 799.º, n.º 1, do CC); o nexo de causalidade entre o cometimento do ilícito e a produção do correspondente dano para a esfera jurídica do demandante.
II - A presunção prevista no art. 304.º-A, n.º 2, do CVM, na versão anterior à vigência do DL n.º 357-A/2007, de 31-10, constitui apenas uma presunção de culpa e de ilicitude, não abrangendo igualmente a presunção do nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano.
III - Não havendo, na situação sub judice, ficado provado que a autora, na sua qualidade de investidora, e uma vez ciente da informação que lhe deveria ter sido prestada (ou se o fosse), tomaria então a decisão de não investir, tal como efectivamente fez (no desconhecimento dessa mesma informação omitida), tal corresponde à ausência de demonstração da existência de nexo de causalidade entre o facto ilícito cometido pela intermediária financeira e o dano sofrido pela sua cliente.

III - O que é por si só suficiente para concluir pela inevitabilidade da conclusão de que não se encontram reunidos todos os elementos constitutivos da obrigação de indemnização em que a autora estribava a sua pretensão a qual terá forçosamente de fracassar.
IV - Trata-se, aliás, da aplicação a este caso da doutrina firmada no acórdão uniformizador n.º 8/2022, proferido no processo n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A, publicado no DR, 1.ª Série, de 3-11-2022, rectificado conforme Declaração de Rectificação n.º 31/2022, publicada no DR, 1.ª Série, de 21-11-2022, onde se decidiu “para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir.

Decisão Texto Integral:



Processo nº 9755/17.2T8PRT.P1.S1

 Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção).

I - RELATÓRIO.
F..., Lda., com sede na Rua ..., ..., ..., instaurou contra Banco BIC Português, S. A, com sede na Avenida ..., ..., ..., acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum.
Essencialmente alegou:
Tendo subscrito empréstimo obrigacionista denominado «SLN Rendimento Mais 2004», no valor total de 300.000 EUR, atingida a data de reembolso (27 de Outubro de 2014), o mesmo não foi pago.
A subscrição desse produto deveu-se a falta de informação prestada pelo então «B. P. N. …» e por lhe ter sido indicado como sendo uma aplicação em tudo igual a um depósito a prazo, com capital garantido pelo próprio «B. P. N. …» sendo que se lhe tivesse sido dito que estava a dar uma ordem de compra de produtos financeiros de risco, e que o capital não era garantido pelo «B. P. N. …», jamais o teria subscrito.
 O contrato nunca lhe foi lido nem explicado nem lhe foi entregue cópia que contivesse cláusulas sobre obrigações subordinadas SLN, nem que contivesse prazos de resolução unilateral.
Conclui pedindo:
a) condenação do Réu a pagar-lhe o valor de € 300.000,00, acrescida de juros vencidos e vincendos, à taxa legal em vigor, até efetivo e integral pagamento;
b) declaração de nulidade de qualquer eventual contrato de adesão que o Banco Réu invoque para ter aplicado o capital de € 300.000,00;
c) declaração de ineficácia da aplicação que o Banco Réu tenha feito desses montantes.
 Citado, contestou o Réu alegando a prescrição do direito da Autora e a improcedência da ação por não ter havido violação de informação por parte do «B. P. N. …» enquanto intermediário financeiro e ainda que não havia o preenchimento dos pressupostos da responsabilidade civil.
Realizou-se audiência de julgamento tendo sido proferida sentença que julgou improcedente a acção, não se conhecendo da excepção de prescrição.
Interpôs a A. recurso de apelação, tendo o Tribunal da Relação do Porto, por acórdão datado de 23 de Janeiro de 2020, julgado improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.
Veio a A. interpor recurso de revista, apresentando as seguintes conclusões:
 I. O Tribunal a quo alterou a matéria de facto relevante para a discussão da causa, o que se traduz numa alteração essencial de toda a decisão que, por si só, implica, à luz da normalidade do acontecer e da lógica que preside à aplicação das regras de direito probatório, alteração sobre outros pontos da matéria de facto e de direito, desde logo quanto à causalidade e, dentro desta temática, ao respectivo ónus da prova e à relevância do conflito de interesses no prejuízo sofrido o que, salvo diferente entendimento, obsta à existência da dupla conforme entre a decisão de 1ª instância e a decisão recorrida; Daí que o presente recurso de revista deva ser julgado admissível nos termos gerais, o que se requer;
II. Sem prescindir, caso se entenda que o presente recurso não é admissível nos termos gerais, requer-se seja o mesmo admitido como Revista Excepcional à luz de todos e qualquer dos requisitos previstos no art. 672º, n.º1 do CPC.
III. O recurso de revista excepcional é admissível nos termos art. 672º, n.º1, alínea a) e b) do CPC na medida em que está em causa, nestes autos, a apreciação de questões que, pela sua relevância jurídica, são claramente necessárias para uma melhor aplicação do direito e, bem assim, interesses de particular relevância social.
IV. A decisão recorrida e a decisão de primeira instância consideraram que o ónus da prova da ilicitude e da causalidade caberia à lesada, aqui Recorrente, considerando ambas as instâncias que a Recorrente não demonstrou o nexo causal, daí a absolvição do Banco Recorrido, sendo certo, porém, que estas questões têm suscitado controvérsias importantes e relevantes na doutrina e na jurisprudência.
V. Para além de vários recursos de revista pendentes relativos a situações idênticas, está pendente o Recurso para Uniformização de Jurisprudência que corre termos sob o n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A que versa sobre questões de direito idênticas designadamente, mas não só, o ónus da prova da causalidade no âmbito da subscrição de obrigações subordinados da (à data) sociedade directora do Banco Recorrido.
VI. Acresce que, existe jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça onde é patente a existência de posições diversas do Julgador quanto às questões jurídicas em causa nestes autos – vide, a título de exemplo, o teor do voto de vencido do Conselheiro Nuno Manuel Pinto Oliveira ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30/04/2019 e o teor do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10/04/2018, relatado pelo Conselheiro Fonseca Ramos em que se admite a existência de uma presunção de causalidade em situações idênticas aos autos.
VII. Está em causa uma questão que pode e deve ser apreciada por este Supremo Tribunal de Justiça em ordem a garantir e assegurar uma melhor aplicação do direito e, se for caso disso como sabemos que é no caso em apreço, imputar aos intermediários financeiros incumpridores o ressarcimento efectivo do dano de que foram condição nas operações em que actuaram, manifestamente, em conflito de interesses; O contrário poderá significar premiar o prevaricador, deixando-o sair incólume de um comportamento ilícito e gravemente culposo.
VIII. Os presentes autos tratam de questão que exige um aturado e intenso estudo científico, tratando-se de uma temática com grave repercussão social quer decorrente da queda do Grupo do Banco Recorrido em 2008, quer do Grupo BES e de outros, estando na génese de muitas acções judiciais em que os lesado peticionam a responsabilidade dos intermediários financeiros pelos danos sofridos designadamente decorrentes da perda total dos montantes investidos em títulos emitidos pelas suas sociedades directoras por via de violação de deveres de informação ou assunção de dívida.
IX. Para além disso, importa manter presente que, no âmbito das relações internas intra-grupo, como era o caso dos autos, vigoram interesses que, no mínimo, se presumem convergentes pelo que sempre se poderá induzir um especial interesse do Banco dominado no sucesso da subscrição das obrigações emitidas pela sua sociedade directora pelos clientes não institucionais, como era o caso da Recorrente.
X. Em todos os casos vividos neste país em que um Banco apresentou problemas sérios de liquidez há um ponto em comum: venda por esses Bancos de produtos mobiliários, representativos de dívida, emitidos pelas sociedades directoras ou que estão em relação de grupo, ou seja, operações em que os Bancos apresentavam um intenso conflito de interesses (tal como nestes autos).
XI. A questão jurídica da existência, relevância e consequências do conflito de interesses nas relações de intermediação financeira comporta, em si mesma, uma apreciação que respeita à aplicação e primado do direito comunitário (concretamente o art. 11º da Directiva n.º 93/22/CEE do Conselho de 10 de Maio de 1993) e harmonização do direito nacional com aquele como, aliás, decorre, desde logo, do disposto art. 8º, n.ºs 1 e 4 da Constituição da República Portuguesa e que se invoca.
XII. A interpretação que se há-de ter de fazer do art. 32º c) do Regulamento 12/2000 da Comissão de Mercado de Valores Mobiliários deve ser efectuada em consonância com o disposto no art. 11º da DSI que impõem, salvo diferente e melhor entendimento, que se tenha como uma situação de conflito de interesses a relação de grupo e domínio total invocada, logo, que deve ser evitada pelo intermediário financeiro ou, não a podendo evitar, deve tratar equitativamente os seus clientes, designadamente os depositantes, como era a Recorrente, fornecendo-lhes informações acerca da natureza e extensão do seu interesse na subscrição, razão da emissão dos títulos pela emitente e respectiva situação financeira sob pena de não assegurar com culpa grave ou dolo, como não assegurou, uma decisão informada e consciente do seu cliente, aqui Recorrente, devendo responder pelos danos que, por causa da subscrição, se verificaram na sua esfera jurídica.
XIII. Estão, igualmente, em causa interesses de particular relevância social atendendo a que, nos últimos anos, a conduta dos Bancos neste tipo de operações tem sido sistematicamente posta em causa nos Tribunais e nas ruas mediante manifestações públicas, verificando-se, até, que em alguns casos, o próprio Estado assegura a devolução de montantes investidos pelos clientes de determinado Banco em valores mobiliários representativos de dívida emitidos pela sua sociedade directora sem cuidar de saber se o banco garantiu, ou não, o pagamento desses montantes, presumindo que não cumpriu os seus deveres de informação.
XIV. Verifica-se in casu a necessidade submeter, mediante reenvio prejudicial, ao Tribunal de Justiça da União Europeia a questão de saber se o conceito previsto no art. 11º da Directiva citada deve, ou não, ser interpretado como referindo-se a situações em que o valor mobiliário colocado e vendido pelo Intermediário Financeiro foi emitido pela sua sociedade directora, circunstância que bem demonstra a necessidade deste Supremo Tribunal de Justiça conhecer do presente recurso à luz do disposto no art. 672º, al. a) e b) do CPC.
XV. Pelo exposto, caso se entenda pela não admissibilidade do presente recurso nos termos gerais, requer-se a sua admissão à luz do disposto no art. 672º, al. a) e b) do CPC acerca das seguintes questões jurídicas que se enunciam: “No âmbito da responsabilidade civil do intermediário financeiro, tendo o lesado demonstrado a violação do dever de informação e o dano, presume-se a causalidade, cabendo o ónus da prova de que o lesado se teria comportado da mesma forma àquele contra quem é invocado o direito nos termos do disposto no art. 342º/2 do CC”; “A circunstância de um Banco recomendar aos seus depositantes a subscrição de obrigações subordinadas emitidas pela sua sociedade directora importa, ou não, a verificação de uma situação de conflito de interesses à luz do art. 11º da Directiva 93/22/CEE do Conselho de 10 de Maio de 1993 e, em consequência, a obrigação de o intermediário financeiro evitar a prática daquele contrato ou, não o podendo evitar, assegurar que os clientes sejam tratados equitativamente, sob pena de se constituir devedor da quantia investida por incumprimento grave dos deveres de informação a que está adstrito?”
XVI. O presente recurso é, ainda, admissível nos termos do disposto no art. 672º, n.º1, alínea c) do CPC conquanto se verifica oposição de julgados entre a decisão em crise e o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 10/04/2018, em que foi Relator o Conselheiro Fonseca Ramos, sendo esse mesmo o Acórdão Fundamento na presente revista, cujo trânsito se presume, cuja cópia ora se junta como documento n.º1.
XVII. O Acórdão Fundamento considera, quanto à causalidade, que uma vez verificado o incumprimento contratual do dever de informação, o devedor é (logo) responsável pelo valor da prestação principal frustrada, presumindo-se a causalidade.
XVIII. O Acórdão Recorrido considera, por seu turno, que mesmo estando demonstrada a ilicitude por violação do dever de informação (e a culpa), cabe ao lesado, no caso à aqui Recorrente, demonstrar o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e a falta de reembolso que ocorreu.
XIX. Em ambos os casos, do Acórdão recorrido e do Acórdão Fundamento, tratou-se a questão de direito relativa ao ónus da prova do nexo de causalidade no âmbito da responsabilidade civil do intermediário financeiro por demonstrada violação do dever de informação, tendo o Acórdão Recorrido considerado que a causalidade teria de ser demonstrada pelo lesado, absolvendo o Banco Recorrido; por seu lado, o Acórdão Fundamento considerou que o ónus da causalidade se presumia, condenando o Banco.
XX. Trata-se da mesma questão fundamental de direito, ou seja, se estando demonstrada a ilicitude e o dano, se presume ou não a causalidade,    referindo-se a um quadro factual e normativo idêntico, tendo sido, portanto, ambas proferidas no âmbito da mesma legislação, pelo que se verifica o preenchimento dos requisitos previstos na al. c) do n.º1 do art. 672º do CPC, pelo que, também por aqui, deve o presente recurso ser admitido como revista excepcional.
XXI. Admitido que seja o recurso, dando por reproduzido tudo quanto supra se alegou para os efeitos tidos por convenientes e a matéria de facto provada nos presentes autos, não se conforma a Recorrente com a decisão a quo quer se considere que se presume a causalidade, quer não se considere; daí o presente recurso,
XXII. Nos autos ficou há muito demonstrada a culpa grave do Banco Recorrido na violação dos deveres contratuais (principais e típicos, diga-se) a que está adstrito, tendo, ainda assim, o Tribunal a quo considerado que a Recorrida não demonstrou que o facto foi condição sine qua non do dano em termos causalidade adequada, tendo, até, considerado que o dano se verificou porque a emitente não pagou, desresponsabilizando totalmente o intermediário financeiro, Banco Recorrido, pelo dano patrimonial sofrido pela Recorrida.
XXIII. A decisão recorrida parte, assim, de uma análise probatória (e jurídica) do “tudo ou nada”, sem qualquer censura ou responsabilização do evidente prevaricador que, no fim de contas, sai premiado da situação que, por sua iniciativa, criou junto dos seus clientes depositantes.
XXIV. A absolvição do Banco Recorrido não é justa, logo, não pode ser (não é) legal;
XXV. A questão da demonstração da causalidade dos danos decorrentes da execução de contratos de intermediação financeira é matéria que tem vindo a merecer alguma atenção por banda dos Tribunais recentemente, o mesmo se passando na doutrina em que, com o devido respeito por opinião diversa, colocámos o tratamento concreto da questão na tese de doutoramento “Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo”      escrita e publicamente defendida pelo Professor Doutor Paulo Mota Pinto.
XXVI. Nessa obra, o autor abordava a questão da “presunção da causalidade” “em casos de protecção dos investidores contra informação erradas por parte de consultores de investimento”, afirmando que “Também entre nós, apesar de (tanto quanto sabemos) o problema não ser desenvolvido na doutrina e na jurisprudência, entendemos que se justifica em geral uma inversão do ónus da prova da causalidade da violação do dever de informação em relação ao dano (este com o alcance que referimos), admitindo uma tal “presunção de conduta conforme à informação. Será, pois, ao lesante que compete provar que, mesmo que tivesse cumprido os seus deveres, o lesado se teria comportado de igual modo, podendo aceitar-se uma fundamentação de tal presunção assente na diversidade dos encadeamentos causais (esclarecido e não esclarecido) ou na ideia de comportamento alternativo lícito.”
XXVII. Seguindo os ensinamentos deste autor, cuja tese de doutoramento acima citada tem merecido incontáveis citações várias na doutrina e da jurisprudência ao longo dos anos, estando demonstrada a ilicitude teria de se presumir a causalidade, pelo que, no caso em apreço, caberia ao Recorrido afastá-la mediante prova do contrário ou de um comportamento alternativo lícito.
XXVIII. Para além deste, encontramos outros Autores (em obras subsequentes) que procuram tratar a questão, tais como, o Professor Doutor e Ilustre Advogado, Paulo Câmara, que parte do princípio de que as falhas do funcionamento do mercado de intermediação financeira decorrem de “assimetrias informativas” - vide CÂMARA, Paulo; Regulação dos mercados de valores mobiliários. Fundamentação e estrutura. “Legislação”, 2009, páginas 10 e 11; ou, ainda, Margarida de Azevedo Almeida que subscreve o artigo “A responsabilidade civil de intermediários financeiros por informação deficitária e falta de adequação dos instrumentos financeiros” que consta da obra “O Novo Direito dos Valores Mobiliários”, publicada a propósito do I Congresso sobre Valores Mobiliários e Mercados Financeiros, Colecção Governance Lab, Almedina, 2017, em que a autora faz uma resenha e uma compilação sumária da doutrina existente sobre a problemática da causalidade.
XXIX. A autora considera, na esteira do Professor Doutor Paulo Mota Pinto, que “as obrigações de informação e de adequação são, segundo cremos, obrigações contratuais de prestar e não meros deveres laterais de conduta, São, na realidade, deveres de prestação e não meros deveres de protecção.” (…) existirá uma presunção de culpa do intermediário financeiro (…) pensamos que a inversão do ónus da prova se estende ao nexo causal. Do incumprimento ou deficiente cumprimento das obrigações de informação e de adequação advirá uma presunção da natureza censurável da conduta lesante, a que se juntará uma presunção de causalidade.”
XXX. A jurisprudência conhece, nesta altura, momentos de aprimoramento jurídico quanto a estas questões jurídicas a resolver em sede de recursos de uniformização de jurisprudência ainda sem decisão.
XXXI. No entanto, há jurisprudência consentânea com a doutrina citada, tais como o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10/04/2018, Relatado pelo Conselheiro Fonseca Ramos e o voto de vencido que o Conselheiro Nuno Oliveira fez constar do Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, datado de 30/04/2019.
XXXII. Conhecemos o teor dos pareceres juntos a estes autos pelo Banco Recorrido sendo ambos dirigidos, genericamente, à subscrição de obrigações subordinadas SLN e não, concretamente, à subscrição pelo Recorrente, aliás, este mesmo parecer que é utilizado em quase todos os processos judiciais em curso, o que, paradoxalmente, mostra bem que a omissão de deveres de informação (plenamente demonstrada) é factor comum a todos eles.
XXXIII. Ainda assim, cumpre referir que, quanto ao Parecer subscrito pelo Professor Doutor Menezes Cordeiro, o autor não nega a presunção da causalidade, considera, porém, que tal presunção apenas se dirige às situações em que ocorre a violação dos deveres principais, considerando que os deveres de informação são meros deveres laterais e, por isso, não lhes é aplicável a presunção da causalidade, conclusão que os autores e Conselheiros acima citados não acompanham.
XXXIV. Já o outro parecer que consta dos autos elaborado pelo Ilustre Professor Doutor António Pinto Monteiro a propósito da questão da presunção de causalidade, não apresenta especial sustentação doutrinal para a posição reproduzida no seu parecer, não sendo perceptível a fundamentação em que assenta a conclusão de que o ónus da prova da causalidade (entre o incumprimento do dever de informação e do dano) cabe ao lesado.
XXXV. Por outro lado, e em ordem a adensar a posição que aqui se deixa expressa quanto à existência de nexo causal entre o facto e dano no caso em apreço, não podemos deixar de chamar à colação o que se passa e tem passado no direito biomédico, fazendo um paralelismo com a tão recentemente difundida notícia do “bebé sem rosto”.
XXXVI. Ao médico que realizou os exames ecográficos durante a gravidez incumbia (não temos dúvidas) informar e esclarecer os pais sobre a situação clínica do feto, o que este não fez, omitindo a informação e prestando informação falsa e inexacta;
XXXVII. Será necessário, proporcional e adequado que, para ficar demonstrado o nexo causal, se exija que os pais demonstrem que, caso tivessem a informação, o bebé não teria nascido pois teriam optado pela interrupção da gravidez? Salvo o devido respeito, não nos parece que assim suceda;
XXXVIII. Nos casos como o dos autos, tão pouco é adequado, proporcional e necessário exigir que o lesado tenha o ónus de demonstrar uma ficção deixando o incumpridor Banco Recorrido na confortável situação de nada ter de demonstrar para afastar a sua responsabilidade e, pior, ciente de que pode continuar a perpetrar este tipo de condutas sem consequências.
XXXIX. Assistia à Recorrente o direito a tomar uma decisão consciente e esclarecida acerca da entrega de € 350.000,00 do seu património, em empréstimo subordinado, a uma sociedade gestora de participações sociais, detentora do capital social do intermediário financeiro, durante 10 anos.
XL. A obrigação de prestar as informações tendentes a tal tomada de decisão cabia ao intermediário financeiro, ou seja, ao aqui Recorrido que, manifesta e gravemente, incumpriu os seus mais elementares deveres;
XLI. Existe um dano/prejuízo na esfera jurídica do Recorrente que teve origem numa decisão comprovadamente não informada e não esclarecida, pelo que o Banco Recorrido deve ser condenado no pedido, desde logo, porque se presume a causalidade;
XLII. Sem prescindir de tudo quanto se disse, por exacerbada cautela de patrocínio, ainda que se considere que não existe presunção legal de causalidade para as situações idênticas à dos autos, é patente que os factos provados e supra expostos apontam para uma decisão diversa, ou seja, para a condenação do Banco Recorrido no pedido.
XLIII. Decorre dos factos provados 5, 8 e 19 (mas não só) que a Recorrente sofreu um dano consubstanciado na perda total do capital investido no montante de € 300.000,00 (trezentos mil euros) decorrente da subscrição efectuada no balcão de ... do Banco Recorrido (facto provado 6) nos termos e circunstâncias que constam dos factos provados 7 a 22, 25 a 29.
XLIV. Resulta dos factos provados 9 a 16 (entre outros) que foi o Banco Recorrido quem se dirigiu à Recorrente para recomendar o investimento em obrigações subordinadas da sua directora, sabendo que esta só possuía depósitos a prazo;
XLV. Sem este contacto e sem esta recomendação, é seguro dizer-se que a subscrição não existia pelo que o Banco Recorrente, naquele momento, expôs o seu cliente ao risco de trocar um depósito a prazo (cujo reembolso o Banco garantia) por obrigações subordinadas a 10 anos da sua sociedade directora (cujo reembolso o Banco não garantia)com a menção errada/falsa/inexacta/subjectiva de que era uma aplicação “segura”, “sólida”, “boa rentabilidade”, “semelhante a um depósito a prazo”, “garantia de reembolso integral do capital investido”, de “risco banco”.
XLVI. As informações assim prestadas retiraram à Recorrente o direito a tomar uma decisão esclarecida, tendo o Banco Recorrido criado exortado a subscrição dos autos, desde logo, porque tal investimento era estratégico para o grupo societário/económico a que pertencia e para a sua sociedade directora, como decorre da normalidade do acontecer e das regras de experiência comum.
XLVII. Andou mal o Tribunal a quo quando, no exercício de juízo de prognose que fez quanto à verificação de nexo causal, excluiu totalmente a responsabilidade do Banco Recorrido pela produção do dano da Recorrente, atentando desse modo contra as máximas da experiência comum e normalidade do acontecer.
XLVIII. O Recorrente, na sua veste de particular, não sabe, nem conhece, o grupo de pessoas ou entidades que terão contribuído para a omissão do reembolso do empréstimo obrigacionista ou que terão contribuído para o contexto de falsa/inexacta informação que acompanhou a recomendação de investimento que o Banco Recorrente lhe apresentou.
XLIX. O que o Recorrente sabe é que subscreveu aquele produto por causa da recomendação que o Banco Recorrente fez e cujas circunstâncias constam dos autos, tendo sido totalmente despojado dessa quantia e do direito de tomar uma decisão informada e consciente.
L. O responsável pelo dano há-de ser alguém e todos em conjunto: o Banco Recorrente, o  funcionário, o AA, o Estado, a SLN, o Banco Efisa, a CMVM; Cada uma destas entidades e pessoas, por si ou em conjunto, criaram ou aumentaram o risco da lesão sofrida pela Recorrente, sendo certo que quem recomendou o produto e apresentou informações falsas foi o Banco Recorrido;
LI. O problema dos danos em série é actual e próprio da sociedade de risco em que vivemos, em que vários sujeitos estão em condições de terem contribuído ou causado determinado dano, sendo a temática conhecida na doutrina mundial pela expressão “toxic torts”.
LII. As derrocadas de bancos têm vindo a deixar a descoberto que os maus intermediários financeiros, como foi o Banco Recorrido, importam um risco danoso para os investidores e para o mercado, tanto mais que são estes que estabelecem o contacto entre os investidores e os emitentes, sendo os que, em primeira linha, são causadores da subscrição danosa.
LIII. A actuação do Banco Recorrido, in casu, foi claramente causal da subscrição dos autos e, em última análise, do prejuízo sofrido pelo investidor, aqui Recorrente, por ter sido impedido de tomar uma decisão munido de toda a informação e ter sido exortado a um investimento o qual caso tivesse sido devidamente esclarecido, seria de duvidosa segurança (para não dizer pior).
LIV. O Banco Recorrente deveria ter transmitido, pelo menos, a seguinte informação: qual o interesse do Banco Recorrido na subscrição e a sua obrigação de evitar a intermediação ou, não a podendo evitar, dever assegurar o tratamento equitativo dos seus clientes (o emitente e o cliente) nos termos do disposto no art. 11º da Directiva 93/22/CEE do Conselho de 10 de Maio de 1993; que, para além de consultor para investimento da Recorrente, era o colocador da emissão obrigacionista, actuando, assim, por conta de dois clientes distintos; que o funcionário do Banco Recorrido tinha interesse pessoal na subscrição decorrente da “integração do SLN Rendimento Mais 2004 no campeonato BPN 2004” relevante para a atribuição de prémios individuais de agências conforme decorre da página 3 do documento junto com a contestação denominado “nota interna”; que as obrigações em causa estavam abrangidas por uma cláusula de subordinação que determinavam que no caso de falência ou liquidação da entidade emitente (sublinhado nosso), apenas são reembolsadas após os demais credores por dívida não subordinada, tendo todavia prioridade sobre os accionistas; que as obrigações subordinadas, à data de 2004, eram títulos de dívida com directa influência nos fundos próprios complementares da emitente e do Banco Recorrido que com esta apresentava contas em base consolidada, e, obviamente, com clara influência no rácio de solvabilidade exigido pelo Banco de Portugal à emitente dos títulos e ao Banco Recorrido – vide Aviso 12/92 do Banco de Portugal e Decreto Lei 298/92 que aprovou o Regime Geral das Instituições de Crédito na versão à data dos factos discutidos nos autos informar e concretizar que a finalidade do empréstimo era a “consolidação de dívida da emitente”; informar e concretizar que se a procura suplantasse a oferta seria efectuado o rateio.
LV. Se estas informações tivessem sido prestadas, e atento o perfil do cliente, iria verificar-se, desde logo, uma resistência à subscrição, a qual, com elevada probabilidade, resultaria numa ponderação diversa e que culminaria na não subscrição do produto.
LVI. Assim, salvo melhor entendimento, andou mal o Tribunal a quo quando considerou não demonstrado o nexo causal, adiantando que considerou provável a subscrição pela Recorrente sem o incumprimento contratual, o que contratual, desde logo mas não só, o regime legal previsto nos arts. 351º e seguintes do Código Civil quanto às presunções judiciais, o que se invoca.
LVII. Atentos os factos provados, a procura do investidor pelo Banco, a exortação ao investimento naquele produto e todas as omissões informativas graves demonstradas, a normalidade do acontecer e as regras de experiência comum apontam para uma posição diversa da Recorrente quanto ao modo como tomou a sua decisão, desde logo porque teria compreendido efectivamente o produto e, assim, estaria consciente do risco em que efectivamente incorria e que, no fim de contas, se verificou.
LVIII. A conclusão oposta a que chegou o Tribunal a quo contraria as regras de experiência comum e da normalidade do acontecer
LIX. Há um conjunto de casos idênticos de pessoas comuns, que não se dedicam à finança, que foram exortadas pelo Banco Recorrido a subscrever estas obrigações e, bem assim, as de 2006, o que ocorreu num clima de culpa grave por parte dos funcionários do Recorrente, alavancada e patrocinada por direcções comerciais incompetentes e subservientes a uma administração tantas vezes criminosa e ávida de obter dinheiro a qualquer custo.
LX. Há, talvez, centenas de processos judiciais em curso que tratam de subscrição, em 2004 e 2006, de obrigações subordinadas da antiga holding do Banco Recorrido, recomendadas e comercializadas em massa a investidores não qualificados pelo que, comparando o número de clientes subscritores destas obrigações em 2004 (ou 2006 conforme for o caso) com o número de processos judiciais em que ficou demonstrada a causalidade, é evidente que, numa parte importante dos casos, foi arbitrada indemnização a favor dos clientes lesados por verificação dos pressupostos.
LXI. Essa probabilidade de êxito é tão forte que apenas alguns processos chegaram à instância de recurso do Supremo Tribunal de Justiça, tendo grande parte deles obtido a indemnização em sede de condenação de primeira instância, muitas delas aceites em transacção judicial, mormente no norte do país onde as transacções se massificaram.
LXII. Há questões de direito importantes e complexas que podem e devem ser tratadas com o contributo de todos, fazendo efectivamente Justiça, quando, afinal, até os lesados do BES fazem acordos de 75% do capital investido sem terem de demonstrar uma única vez a ilicitude, quanto mais o nexo causal.
LXIII. Mesmo que se considere que é ao lesado que incumbe a prova da causalidade, tendo já demonstrado a ilicitude e a culpa, teremos de considerar que a maioria das vezes em que ocorreram estas subscrições com investidores não institucionais existiu essa causalidade entre o facto e o dano dada a promoção agressiva e intermediação excessiva deste produto (complexo) por parte do Banco Recorrido junto dos seus clientes não institucionais.
LXIV. A maior probabilidade é a de que o facto tenha sido causal do dano da Recorrente sendo manifesto que a Recorrente subscreveu o produto por causa das informações que lhe foram prestadas no âmbito de uma consultoria de investimento não existindo qualquer facto provado que demonstre o contrário, pelo que sempre teria de concluir-se que existe nexo causal entre a omissão informativa e o prejuízo, devendo o Banco Recorrido ser condenado no pedido formulado pela Recorrente.
LXV. Por outro lado, a questão relativa à garantia do reembolso pelo Banco é essencialmente jurídica e assenta na assunção cumulativa de dívida prevista no art. 595º, n.º 2 do Código Civil.
LXVI. A relação de grupo existente entre o Banco Recorrido e a emitente dos títulos, a entrega deste montante pela Recorrente ao Banco Recorrido demonstra que ocorreu uma transmissão singular de dívida sem exoneração do devedor originário, ou seja, sem exoneração do Banco Recorrido o que equivale a dizer que se tratou de uma assunção cumulativa de dívida que obriga, solidariamente com a nova devedora, o Banco Recorrido na qualidade de devedor originário.
LXVII. A circunstância de a Recorrente assinar o boletim de subscrição não pode significar ou ser entendida como uma declaração expressa (ou, até, tácita) que aceitou expressamente a exoneração do devedor originário, ou seja, do Banco Recorrente que estava obrigado a devolver-lhe o depósito a prazo, conquanto tal não resulta de nenhuma prova produzida nestes autos, bem pelo contrário.
LXVIII. Por hipótese de raciocínio, se considerássemos que o Banco Recorrido cumpriu a sua  obrigação de devolução do depósito à Recorrente e, por isso, não transmitiu qualquer dívida por já a ter pago, então ficamos perante um quadro em que o Banco Recorrido apenas devolveu/extinguiu o depósito a prazo à Recorrente com o único intuito que esta subscrevesse obrigações subordinadas da sua sociedade directora, subscrição essa por si proposta, recomendada e aconselhada com a informação de que não tinha risco e era tão seguro como um depósito a prazo, tendo-o feito motivada e imbuída no seu próprio interesse e da sua sociedade directora que colocou à frente do interesse do seu cliente e credor, a aqui Recorrente, que nunca pretendeu aquele negócio e não o procurou.
LXIX. Pelo exposto, deve entender-se que o Banco Recorrido não obteve da Recorrente o necessário consentimento expresso para se desonerar da obrigação de pagar pelo que se mantém obrigado à devolução do montante em causa.
LXX. Finalmente, e atendendo a que as instâncias acabaram por não se pronunciar acerca da prescrição, importará aqui tomar posição quanto à prescrição.
LXXI. No caso dos autos da matéria de facto resulta uma violação do dever de informação que, no mínimo, provém de culpa grave do Banco Recorrido que, sem qualquer margem para dúvida, não prestou informação básica e essencial à Recorrente, desde logo, mas não só, quanto à natureza das obrigações em causa, riscos gerais e especiais do valor mobiliário em causa e ao interesse daquele na subscrição, tendo prestado, outrossim, informações erradas e susceptíveis de criar engano/confusão no destinatário, o que podia e devia ter sido evitado pelo Banco Recorrido.
LXXII. O Banco Recorrido actuou deste modo, de modo consciente, devido ao manifesto conflito de interesses em que operava na operação dos autos, o que se traduziu numa actuação grave e censurável do ponto de vista da culpa já que não se coibiu de propor a um cliente que só tinha depósitos a prazo, como era o caso da Recorrente, a subscrição de obrigações subordinadas procurando convencê-la de que era uma produto semelhante e sem risco (vide, por exemplo, os pontos 13, 16 e 17 da Matéria de Facto Provada)
LXXIII. As informações transmitidas pelo Banco Recorrido não correspondem à verdade, nem agora, nem em 2004 já que um empréstimo obrigacionista subordinado não é, em nada, semelhante a um depósito a prazo, desde logo porque fundam créditos diversos, um é comum e o outro é subordinado – vide arts 48º, n.º1 al. c), 73º, n.º3 e 177º, n.º1 do Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas com a redacção originária dada pelo Decreto Lei n.º 53/2004 de 18/03 e cujo início de vigência data de 15 de Setembro de 2004, entre outras diferenças reguladas no Código das Sociedades Comerciais.
LXXIV. Ocorrendo culpa grave (no mínimo) como ocorre in casu, o prazo prescricional será de 20 anos, pelo que nada obsta à condenação do Banco Recorrido.
LEGISLAÇÃO VIOLADA
Com o seu entendimento a decisão recorrida violou, entre outras disposições, o disposto nos artigos:
·    art. 8º e 101º da Constituição da República Portuguesa;
·    arts 217º, 218º, 227º, 236º, 237º, 238º, 239º, 341º, 342º, 343º, 346º, 349º, 350º, 351º, 362º, 363º, 376º, 392º, 483º a 498º, 562º a 572º, 595º a 600º, 762º, 798º, 799º, 800º, 801º, 808º, 847º a 856º, 1205º, 1206º todos do Código Civil:
·    disposições do Aviso 12/92 do Banco de Portugal,
·    art. 2º do Dec.-Lei 318/89, de 23-9,
·    arts 37º, 73º, 74º, 75º, 77º, 85º, 96º, 99º, 130º n.ºs 1 e 2 al a) e b) e 132º do Decreto Lei 298/92 que aprovou o Regime Geral das Instituições de Crédito na versão à data dos factos discutidos nos autos e do Aviso do Banco de Portugal correspectivo,
·    art. 11º do Decreto lei 105/2004 de 08 de Maio,
·    Directiva n.º 93/22/CEE do Conselho de 10 de Maio de 1993 relativa aos serviços de investimento no domínio dos valores mobiliários, em concreto os art.s 10 e 11º,
·    art.s 32º, al. c), art. 38º e 39º do Regulamento n.º 12/2000 da Comissão de Valores Mobiliários,
·    arts. 348º a 372-B, arts 483º, n.º 2, 486º, n.º 1, 488º, 489º, 490º, 491º, 501º a 504º do Código das Sociedades Comerciais,
·    arts. 1º al. b), 4º, 7º, 43º, 45º, 46º, 81º, 103º, 111º f), 289º a 345º todos do Código de Valores Mobiliários com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto -Lei n.º 66/2004, de 24 de Março
Contra-alegou o Réu pugnando pela improcedência do recurso de revista.
Foi proferido neste Supremo Tribunal de Justiça acórdão da Formação, datado de 17 de Novembro de 2020, que admitiu a presente revista excepcional, nos termos do artigo 672º, nº 1, alíneas a) e b), do Código de Processo Civil.
 
II – FACTOS PROVADOS.
Encontra-se provados nos autos que:
1) A Autora é uma sociedade comercial de direito português constituída sob a forma de sociedade por quotas que se dedica à exploração de terminais de contentores e serviços conexos, à prestação de serviços de logística e de transportes, à armazenagem coberta e descoberta de mercadorias, à desmontagem e montagem de complexos industriais e serviços correlacionados, à transformação de contentores, fabricação de caixas metálicas e módulos pré-fabricados, ao aluguer de equipamento, empilhadores, geradores, gruas, contentores e outros, à peação de todo o tipo de cargas e à exploração de qualquer outro ramo de comércio ou indústria em que os sócios acordem;
2) A Autora é uma sociedade de estrutura familiar, cujos sócios são irmãos e cunhados entre si, detentores directos das quotas societárias ou através de participações sociais de outras sociedades de igual de estrutura familiar, detidas pelos mesmos;
3) O Banco Réu – o Banco B.I.C Português, SA – é o resultado da decisão dos accionistas que, em Junho de 2012, decidiram incorporar o BPN – Banco Português de Negócios, SA, através de fusão por incorporação, da qual resultou a extinção do então Banco BPN que passou, na sequência da aprovação do Banco de Portugal, a denominar-se Banco B.I.C Português, SA, com o mesmo número de pessoa colectiva do incorporado BPN;
4) Desde então, o anterior BPN (Banco Português de Negócios) alterado a sua denominação social para “Banco BIC Português, SA”, aqui Réu;
5) A Autora é titular de um conjunto de 6 obrigações, resultante de um empréstimo obrigacionista denominado «SLN Rendimento Mais 2004», cada uma no valor nominal de €50.000,00, com o prazo de emissão de 10 anos, sendo o reembolso de capital integralmente efectuado no dia 27 de Outubro de 2014, com a liquidação de juros semestrais e postcipados a creditar na conta de depósitos à ordem da Autora na referida instituição;
6) Tais obrigações foram vendidas, pelo referido valor nominal, à Autora no balcão do BPN de ... em 14 de Outubro de 2004;
7) O boletim de subscrição de tais obrigações, assinado pelo legal representante da Autora – cuja cópia está junta a fls.14, com o teor que aqui se dá por integralmente reproduzido - refere, sob a menção de “NATUREZA DA EMISSÃO”, “Emissão até 1.000 obrigações, ao portador e sob a forma escritural, com o valor nominal de € 50.000,00 cada uma, oferecidas directamente ao público, ao preço unitário igual ao valor nominal. A emissão será efectuada por uma ou mais séries de acordo com as necessidades do emitente e a procura dos investidores.
Não sendo totalmente subscrita, a presente emissão de obrigações ficará limitada às subscrições recolhidas. “MÍNIMO DE SUBSCRIÇÃO” €50.000,00 (1obrigação) PERÍODO DE SUBSCRIÇÃO de 11 a 22 de Outubro de 2004. DATA DE LIQUIDAÇÃO FINANCEIRA 25 de Outubro de 2004. PRAZO E REEMBOLSO O prazo de emissão é de 10 anos, sendo o reembolso do capital efectuado em 27 de Outubro de 2014. O reembolso antecipado da emissão só é possível por iniciativa da SLN – Sociedade Lusa de negócios, SGPS, S:A, a partir do 5.º ano e sujeito a acordo prévio do Banco de Portugal. REMUNERAÇÃO Cupões de 1.ªs dez semanas à taxa anual nominal bruta de 4% *; Cupões das restantes 10 semestres à taxa anual nominal bruta de Euribor 6 meses + 1,75%. * taxa anual efectiva líquida : 3,632%.
8) Na data de 27 de Outubro de 2014 – data do vencimento da aplicação – nem a Sociedade Lusa de Negócios (ou o seu sucessora), nem o Banco Réu pagaram à Autora o capital investido na aquisição daquelas obrigações;
9) Um dos sócios da Autora, o Sr. BB, era Cliente, a título particular, do então BPN, onde mantinha, desde 2002, uma conta de depósitos D.O., no balcão de ... do referido Banco, situado primeiro na Avª ... e mais tarde na Avª ..., onde actualmente se mantém a Agência de ..., do Banco Réu;
10)No decurso do relacionamento comercial que então se desenvolveu entre o Banco e o sócio – gerente da Autora, foi a este proposto que a sociedade Autora passasse a ser igualmente cliente do Banco;
11)No ano de 2004, a Autora abriu uma conta uma conta de depósitos à ordem na mesma Agência de ..., do Banco BPN, à qual foi atribuído o nº ...01 e na qual passou a depositar os seus valores, a realizar pagamentos e a efectuar poupanças;
12)O Gestor da referenciada conta bancária aberta em nome da Autora era o mesmo Sr. CC, funcionário do BPN e funcionário do Banco Réu;
13)O legal representante da Autora foi contactado pelo mesmo gerente de conta a comunicar-lhe que tinha em carteira uma aplicação em semelhante a um depósito a prazo por ter capital garantido no final do prazo contratado e rentabilidade assegurada;
14)Este gestor da Conta Bancária sabia que a Autora não se dedicava, como não se dedica, à actividade financeira;
15)Os legais representantes da Autora tinham as características de um perfil conservador no que respeita a qualquer investimento do seu dinheiro;
16)Até à data da subscrição mencionada em 4), a Autora, na referenciada conta bancária que abriu junto do BPN, para além dos movimentos D.O. de valores que se encontravam disponíveis, só havia aplicado valores em depósitos a prazo;
17)O legal representante da Autora subscreveu tais obrigações por estava convicto que se encontrava a subscrever um produto sem risco, com garantia de reembolso integral e com retorno de juros à taxa atractiva de 4,5%, nos 10 primeiros semestres (5 anos) e à taxa de Euribor 6 meses + 1,75%, nos 10 semestres subsequentes, tal como consta do referenciado;
18)Posteriormente, sob orientação e com autorização do Banco Réu, a Autora vendeu, pelo mesmo valor nominal, uma das sete obrigações que havia subscrito no dia 14 de Outubro de 2004 à sociedade do seu Grupo Empresarial - a “C..., Ldª” – ficando então, desde aí, a Autora detentora de um conjunto de 6 obrigações, no valor nominal de €50.000,00, cada uma, no montante global de € 300.000,00;
19)A Autora recebeu semestralmente os juros contratados aquando da mencionada subscrição, pelo menos até à data, não concretamente apurada, em que lhe foi comunicada pela sociedade emitente das obrigações, que o capital investido não iria ser restituído na data do vencimento;
20)Nem o gerente da conta da Autor, nem qualquer outro funcionário do BPN explicou à Autora em que se traduzia adquirir obrigações subordinadas e quais as suas implicações;
21)Para além do boletim de subscrição das obrigações referido em 7) - que foi entregue à Autora, o BPN, através dos que os funcionários, não entregou ao legal representante da Autora uma cópia que contivesse as Cláusulas ou Condições Explicativas das obrigações subordinadas “SLN”;
22)As orientações e comunicações internas que eram transmitidas aos comerciais através dos respectivos balcões do Banco eram no sentido de afirmar a segurança da aplicação financeira em causa, de confirmar a sua solidez, a boa rentabilidade e a garantia de reembolso integral do capital investido;
23)No mês seguinte à da operação supra, a Autora recebeu por correio, em casa, não só o aviso de débito correspondente à subscrição efectuada, bem como, depois, o aviso de crédito a cada seis meses relativo aos juros;
24)Como também, e desde então, os vários extractos periódicos onde lhe apareciam essas obrigações como integrando a sua carteira de títulos;
25)A totalidade do capital social do BPN era detido, na íntegra, pela “BPN, SGPS, S.A”, a qual era detida na íntegra pela “SLN –Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A.”;
26) Aquando da subscrição, a Autora foi informada de que as obrigações eram emitidas pela Sociedade que detinha o Banco Réu – a SLN, Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A;
27)E que o reembolso ocorreria no prazo de 10 anos;
28)E que poderia ser antecipado da emissão apenas por iniciativa da SLN – Sociedade Lusa de Negócios, S.A. a partir do 5º ano e sujeito a acordo prévio do Banco de Portugal;
29)Foi ainda informada que a única forma do investidor liquidar este produto de forma unilateral seria transmitindo as suas obrigações a um terceiro interessado, mediante endosso;»
Acresce que não foi dado como provado que:
F) Se a Autora tivesse percebido que, com a assinatura daqueles papéis que lhe forma apresentados pelo funcionário do Banco Réu, sr. CC, poderia estar a dar ordens de compra de um produto financeiro em que o reembolso não era integralmente garantido pelo Banco, jamais a Autora os teria assinado, tal como, jamais teria vendido um dos títulos a uma outra do seu grupo empresarial.
(…)
J) Se soubesse que a aplicação por si subscrita era um produto diferente de um depósito a prazo não o teria contratado.
  
III – QUESTÕES JURÍDICAS ESSENCIAIS DE QUE CUMPRE CONHECER.  
1 – Pretendida alteração do quadro factual fixado pelo Tribunal da Relação de Lisboa na sequência da impugnação de facto apresentada ao abrigo do disposto no artigo 640º do Código de Processo Civil. Limitação dos poderes do Supremo Tribunal de Justiça relativamente à sindicância dos factos, nos termos conjugados dos artigos 662º, nºs 1 e 4, e 674º, nº 3, 1ª parte, 682º, nº 2, 1ª parte, do Código de Processo Civil.
2 - Responsabilidade do intermediário financeiro. Ausência de prova do nexo de causalidade entre o facto praticado pelo Réu e o dano que os AA. acusam. Aplicação do acórdão uniformizador nº 8/2022, proferido no processo nº 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A, publicado no Diário da República, Iª Série, de 3 de Novembro de 2022.
Passemos à sua análise:
1 – Pretendida alteração do quadro factual fixado pelo Tribunal da Relação de Lisboa na sequência da impugnação de facto apresentada ao abrigo do disposto no artigo 640º do Código de Processo Civil. Limitação dos poderes do Supremo Tribunal de Justiça relativamente à sindicância dos factos, nos termos conjugados dos artigos 662º, nºs 1 e 4, e 674º, nº 3, 1ª parte, 682º, nº 2, 1ª parte, do Código de Processo Civil.
 Cumpre, antes de mais, registar que não se vê que o Tribunal da Relação, na reapreciação da matéria de facto, tenha cometido qualquer violação no âmbito do direito probatório material, a apreciar por este Supremo Tribunal de Justiça.
Nenhum dos factos provados e não provados essenciais para o julgamento da causa se encontrava suportado por documento dotado de força probatória plena.
Relativamente à apreciação dos depoimentos testemunhais produzidos, os mesmos encontravam-se subordinados à regra da livre e prudente apreciação do julgador (artigo 607º, nº 5, do Código de Processo Civil), sem prejuízo da possibilidade de sua reapreciação pelo tribunal de 2ª instância que procedeu à audição do registo por gravação daqueles.  
Os recorrentes pretendem fundamentalmente que o Supremo Tribunal de Justiça aprecie, fiscalize e censure, modificando, a reapreciação do conjunto dos factos dados como provados e não provados que foi oportunamente realizada pelo Tribunal da Relação de Lisboa no uso dos poderes que lhe são conferidos pelo artigo 662º do Código de Processo Civil, na sequência do conhecimento (e procedência) da impugnação de facto apresentada nos termos do artigo 640º do Código de Processo Civil.
Ora, o Supremo Tribunal de Justiça não detém poderes para operar tal sindicância conforme expressamente resulta dos artigos 662º, nºs 1 e 4, e 674º, nº 3, 1ª parte, 682º, nº 2, 1ª parte, do Código de Processo Civil.
Havendo o Tribunal da Relação de Lisboa, no acórdão recorrido, reanalisado criticamente toda a prova produzida junto do juiz a quo, servindo-se para o efeito dos elementos constantes dos autos (testemunhais e documentais), tendo de forma conclusiva emitido o seu juízo de facto, haverá que concluir que a 2ª instância actuou no pleno exercício dos seus poderes jurisdicionais em matéria de facto, sendo assim o seu veredicto neste particular definitivo e insindicável.
Concretamente quanto à factualidade subjacente ao apuramento do nexo de causalidade entre a conduta do intermediário financeiro e o seu cliente investidor, trata-se de apreciação da prova sujeita à liberdade de julgamento – sempre devidamente fundamentada em termos da exposição das razões para a convicção do julgador – que não cumpre a este Supremo Tribunal de Justiça reapreciar, sendo certo que não ocorreu na situação sub judice qualquer violação do direito probatório material, nem foi invocado pela recorrente o uso inadequado dos poderes conferidos pelo artigo 662º do Código de Processo Civil ao Tribunal da Relação.
 Pelo que improcede a revista neste particular.
2 - Responsabilidade do intermediário financeiro. Ausência de prova do nexo de causalidade entre o facto praticado pelo Réu e o dano que os AA. acusam. Aplicação do acórdão uniformizador nº 8/2022, proferido no processo nº 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A, publicado no Diário da República, Iª Série, de 3 de Novembro de 2022.
Cumpre, em primeiro lugar, salientar que, sobre a temática em apreço (responsabilidade do intermediário financeiro na promoção e venda de obrigações do BPN/SLN aos seus clientes) foi proferido o acórdão uniformizador nº 8/2022, no processo nº 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A, publicado no Diário da República, Iª Série, de 3 de Novembro de 2022, rectificado conforme Declaração de Rectificação nº 31/2022, publicada no Diário da República, 1ª Série, de 21 de Novembro de 2022, no sentido seguinte:
«1 — No âmbito da responsabilidade civil pré -contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos artigos 7.º, n.º 1, 312.º, n.º 1, alínea a), e 314.º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo Decreto -Lei n.º 357 -A/2007, de 31 de outubro, e 342.º, n.º 1, do Código Civil, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano.
2 — Se o Banco, intermediário financeiro — que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em ‘produtos de risco’ — informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o ‘reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco’), sem outras explicações, nomeadamente, o que eram obrigações subordinadas, não cumpre o dever de informação aludido no artigo 7.º, n.º 1, do CVM.
3 — O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.
4 — Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir.»
Ora, entende-se dever seguir e perfilhar a doutrina firmada neste acórdão, aceitando e aplicando a jurisprudência assim uniformizada à situação sub judice, com todas as inerentes consequências no plano jurídico.
Discute-se nos autos a responsabilidade de um determinado intermediário financeiro – O BNP, actual BIC – relativamente à forma concreta como propagandeou, promoveu, prestou informação, esclareceu (ou não), e colocou junto dos seus clientes, ora A., determinado produto financeiro – «SLN Rendimento Mais 2004» -, levando-a à sua subscrição no pressuposto essencial e decisivo de que existiria garantia de reembolso do capital.
O regime que regula a actividade do intermediário financeiro consta do Código de Valores Mobiliários, sendo aplicável in casu a versão anterior à do Decreto-lei nº 357-A/2007, de 31 de Outubro, atendendo a que os produtos financeiros foram subscritos em 4 e 10 de Abril de 2006.  
 Nos termos do artigo 289º do Código de Valores Mobiliários, na versão aplicável:
“1 – São actividades de intermediação financeira:
a) Os serviços de investimento em valores mobiliários;
b) Os serviços auxiliares dos serviços de investimento;
c) A gestão de instituições de investimento colectivo e o exercício das funções de depositário dos valores mobiliários que integram o património dessas instituições.
2 – Só os intermediários financeiros podem exercer, a título profissional, actividades de intermediação financeira”.  
A responsabilidade do intermediário financeiro assenta fundamentalmente, portanto, em termos gerais, no preceituado no artigo 304º-A, do Código de Valores Mobiliários, vigente à data da subscrição do produto financeiro – em 2006 – (e correspondente ao artigo 314º, na versão original do Código), revestindo natureza contratual.
Previa-se nesse preceito:
«1 - Os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação dos deveres respeitantes à organização e ao exercício da sua atividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública.
2 - A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação.».   
Por sua vez, o artigo 321º do Código de Valores Mobiliários (CVM), destinado aos denominados investidores não qualificados, estipula relativamente ao regime a que se encontram submetidos os contratos de intermediação financeira:
“1 - Nos contratos sujeitos a forma escrita que sejam celebrados com investidores não qualificados, só estes podem invocar a nulidade resultante da inobservância de forma.
2 - Para o efeito de aplicação do regime sobre cláusulas contratuais gerais, os investidores não qualificados são equiparados a consumidores.
3 - Nos contratos de intermediação celebrados com investidores não qualificados residentes em Portugal, para a execução de operações em Portugal, a aplicação do direito competente não pode ter como consequência privar o investidor da protecção assegurada pelas disposições do presente capítulo e da secção III do capítulo I sobre informação, conflito de interesses e segregação patrimonial”.
Já no que concerne à qualidade da informação ao prestar ao investidor, o artigo 7º, do Código de Valores Mobiliários (CVM) , segundo a versão então vigente, referia que:
“1 - Deve ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita a informação respeitante a valores mobiliários, a ofertas públicas, a mercados de valores mobiliários, a actividades de intermediação e a emitentes que seja susceptível de influenciar as decisões dos investidores ou que seja prestada às entidades de supervisão e às entidades gestoras de mercados, de sistemas de liquidação e de sistemas centralizados de valores mobiliários.
2 - O disposto no número anterior aplica-se seja qual for o meio de divulgação e ainda que a informação seja inserida em conselho, recomendação, mensagem publicitária ou relatório de notação de risco.
3 - O requisito da completude da informação é aferido em função do meio utilizado, podendo, nas mensagens publicitárias, ser substituído por remissão para documento acessível aos destinatários.
4 - À publicidade relativa a valores mobiliários e a actividades reguladas neste Código é aplicável o regime geral da publicidade”.
Segundo, ainda, o disposto no artigo 305º do Código de Valores Mobiliários (CVM):
“1 - No exercício da sua actividade, o intermediário financeiro deve assegurar elevados níveis de aptidão profissional.
2 - O intermediário financeiro deve manter a sua organização empresarial equipada com os meios humanos, materiais e técnicos necessários para prestar os seus serviços em condições adequadas de qualidade e de eficiência e por forma a evitar procedimentos errados ou negligentes”.
Estabelece, por seu turno, o artigo 312º do Código de Valores Mobiliários (CVM):
“1 - O intermediário financeiro deve prestar, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que efectivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, incluindo nomeadamente as respeitantes a:
a) Riscos especiais envolvidos pelas operações a realizar;
b) Qualquer interesse que o intermediário financeiro ou as pessoas que em nome dele agem tenham no serviço prestado ou a prestar;
(...)
2 - A extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente.
3 - A circunstância de os elementos informativos serem inseridos na prestação de conselho, dado a qualquer título, ou em mensagem promocional ou publicitária não exime o intermediário financeiro da observância dos requisitos e do regime aplicáveis à informação em geral”.
Acresce que nos termos do artigo 304º do Código de Valores Mobiliários (CVM), então vigente:
«1 - Os intermediários financeiros devem orientar a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado.
2 - Nas relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa-fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência. 3 - Na medida do que for necessário para o cumprimento dos seus deveres, o intermediário financeiro deve informar-se sobre a situação financeira dos clientes, a sua experiência em matéria de investimentos e os objetivos que prosseguem através dos serviços a prestar. (...)
5 - Estes princípios e os deveres referidos nos artigos seguintes são aplicáveis aos titulares do órgão de administração do intermediário financeiro e às pessoas que efetivamente dirigem ou fiscalizam cada uma das atividades de intermediação».
O que significa que sobre o intermediário financeiro impendem especiais e qualificados deveres que decorrem dos princípios gerais boa-fé, nomeadamente no que se refere aos imperativos de lealdade e transparência.
Finalmente, o artigo 324.º, n.º 1, do Código de Valores Mobiliários (CVM) determina que: “São nulas quaisquer cláusulas que excluam a responsabilidade do intermediário financeiro por actos praticados por seu representante ou auxiliar”.
Complementa este quadro geral de protecção dos direitos dos investidores em geral, o disposto no Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (vulgo RGICSF), onde pode ler-se:
 “As instituições de crédito devem assegurar, em todas as actividades que exerçam elevados níveis de competência técnica, garantindo que a sua organização empresarial funcione com os meios humanos e materiais adequados a assegurar condições apropriadas de qualidade e eficiência” (respectivo artigo 73º).
Nas relações com os clientes, os administradores e os empregados das instituições de crédito devem proceder com diligência, neutralidade, lealdade e discrição e respeito consciencioso dos interesses que lhes estão confiados” (respectivo artigo 74º).
 “Os membros dos órgãos de administração das instituições de crédito, bem como as pessoas que nelas exerçam cargos de direção, gerência, chefia ou similares, devem proceder nas suas funções com a diligência de um gestor criterioso e ordenado, de acordo com o princípio da repartição de riscos e da segurança das aplicações, e tendo em conta o interesse dos depositantes, dos investidores e dos demais credores” (respectivo artigo 75º).
Debruçando-nos, agora e concretamente, sobre a situação sub judice, cumpre referir:
Em consonância com os factos provados, o que basicamente sucedeu foi o seguinte:
 A sociedade Autora é titular de um conjunto de 6 obrigações, resultante de um empréstimo obrigacionista denominado «SLN Rendimento Mais 2004», cada uma no valor nominal de €50.000,00, com o prazo de emissão de 10 anos, sendo o reembolso de capital integralmente efectuado no dia 27 de Outubro de 2014, com a liquidação de juros semestrais e postcipados a creditar na conta de depósitos à ordem da Autora na referida instituição;
 Tais obrigações foram vendidas, pelo referido valor nominal, à Autora no balcão do BPN de ... em 14 de Outubro de 2004;
 O boletim de subscrição de tais obrigações, assinado pelo legal representante da Autora – cuja cópia está junta a fls.14, com o teor que aqui se dá por integralmente reproduzido - refere, sob a menção de “NATUREZA DA EMISSÃO”, “Emissão até 1.000 obrigações, ao portador e sob a forma escritural, com o valor nominal de € 50.000,00 cada uma, oferecidas directamente ao público, ao preço unitário igual ao valor nominal. A emissão será efectuada por uma ou mais séries de acordo com as necessidades do emitente e a procura dos investidores.
Não sendo totalmente subscrita, a presente emissão de obrigações ficará limitada às subscrições recolhidas. “MÍNIMO DE SUBSCRIÇÃO” €50.000,00 (1obrigação) PERÍODO DE SUBSCRIÇÃO de 11 a 22 de Outubro de 2004. DATA DE LIQUIDAÇÃO FINANCEIRA 25 de Outubro de 2004. PRAZO E REEMBOLSO O prazo de emissão é de 10 anos, sendo o reembolso do capital efectuado em 27 de Outubro de 2014. O reembolso antecipado da emissão só é possível por iniciativa da SLN – Sociedade Lusa de negócios, SGPS, S:A, a partir do 5.º ano e sujeito a acordo prévio do Banco de Portugal. REMUNERAÇÃO Cupões de 1.ªs dez semanas à taxa anual nominal bruta de 4% *; Cupões das restantes 10 semestres à taxa anual nominal bruta de Euribor 6 meses + 1,75%. * taxa anual efectiva líquida : 3,632%.
Na data de 27 de Outubro de 2014 – data do vencimento da aplicação – nem a Sociedade Lusa de Negócios (ou o seu sucessora), nem o Banco Réu pagaram à Autora o capital investido na aquisição daquelas obrigações;
Um dos sócios da Autora, o Sr. BB, era Cliente, a título particular, do então BPN, onde mantinha, desde 2002, uma conta de depósitos D.O., no balcão de ... do referido Banco, situado primeiro na Avª ... e mais tarde na Avª ..., onde actualmente se mantém a Agência de ..., do Banco Réu;
 No decurso do relacionamento comercial que então se desenvolveu entre o Banco e o sócio – gerente da Autora, foi a este proposto que a sociedade Autora passasse a ser igualmente cliente do Banco;
No ano de 2004, a Autora abriu uma conta uma conta de depósitos à ordem na mesma Agência de ..., do Banco BPN, à qual foi atribuído o nº ...01 e na qual passou a depositar os seus valores, a realizar pagamentos e a efectuar poupanças;
O Gestor da referenciada conta bancária aberta em nome da Autora era o mesmo Sr. CC, funcionário do BPN e funcionário do Banco Réu, tendo este contactado o A. a comunicar-lhe que tinha em carteira uma aplicação em semelhante a um depósito a prazo por ter capital garantido no final do prazo contratado e rentabilidade assegurada;
Este gestor da Conta Bancária sabia que a Autora não se dedicava, como não se dedica, à actividade financeira;
Os legais representantes da Autora tinham as características de um perfil conservador no que respeita a qualquer investimento do seu dinheiro;
Até à data da subscrição mencionada, a Autora, na referenciada conta bancária que abriu junto do BPN, para além dos movimentos D.O. de valores que se encontravam disponíveis, só havia aplicado valores em depósitos a prazo;
O legal representante da Autora subscreveu tais obrigações por estava convicto que se encontrava a subscrever um produto sem risco, com garantia de reembolso integral e com retorno de juros à taxa atractiva de 4,5%, nos 10 primeiros semestres (5 anos) e à taxa de Euribor 6 meses + 1,75%, nos 10 semestres subsequentes, tal como consta do referenciado;
Posteriormente, sob orientação e com autorização do Banco Réu, a Autora vendeu, pelo mesmo valor nominal, uma das sete obrigações que havia subscrito no dia 14 de Outubro de 2004 à sociedade do seu Grupo Empresarial - a “C..., Ldª” – ficando então, desde aí, a Autora detentora de um conjunto de 6 obrigações, no valor nominal de €50.000,00, cada uma, no montante global de € 300.000,00;
 A Autora recebeu semestralmente os juros contratados aquando da mencionada subscrição, pelo menos até à data, não concretamente apurada, em que lhe foi comunicada pela sociedade emitente das obrigações, que o capital investido não iria ser restituído na data do vencimento;
Nem o gerente da conta da Autor, nem qualquer outro funcionário do BPN explicou à Autora em que se traduzia adquirir obrigações subordinadas e quais as suas implicações;
Para além do boletim de subscrição das obrigações referido, que foi entregue à Autora, o BPN, através dos que os funcionários, não entregou ao legal representante da Autora uma cópia que contivesse as Cláusulas ou Condições Explicativas das obrigações subordinadas “SLN”;
As orientações e comunicações internas que eram transmitidas aos comerciais através dos respectivos balcões do Banco eram no sentido de afirmar a segurança da aplicação financeira em causa, de confirmar a sua solidez, a boa rentabilidade e a garantia de reembolso integral do capital investido;
No mês seguinte à da operação supra, a Autora recebeu por correio, em casa, não só o aviso de débito correspondente à subscrição efectuada, bem como, depois, o aviso de crédito a cada seis meses relativo aos juros;
Como também, e desde então, os vários extractos periódicos onde lhe apareciam essas obrigações como integrando a sua carteira de títulos;
A totalidade do capital social do BPN era detido, na íntegra, pela “BPN, SGPS, S.A”, a qual era detida na íntegra pela “SLN –Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A.”;
Aquando da subscrição, a Autora foi informada de que as obrigações eram emitidas pela Sociedade que detinha o Banco Réu – a SLN, Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A;
E que o reembolso ocorreria no prazo de 10 anos;
E que poderia ser antecipado da emissão apenas por iniciativa da SLN – Sociedade Lusa de Negócios, S.A. a partir do 5º ano e sujeito a acordo prévio do Banco de Portugal;
Foi ainda informada que a única forma do investidor liquidar este produto de forma unilateral seria transmitindo as suas obrigações a um terceiro interessado, mediante endosso;»
Apreciando:
Perante os factos como provados, concorda-se com as instâncias quando estas afirmam verificar-se efectivamente a violação do dever de informação, clara e completa, por parte do Ré, enquanto intermediário financeiro face ao seu cliente.
Conforme se afirma no aresto recorrido:

“Quando alguém faz um empréstimo, e estando concretamente em causa emissão de obrigações a favor de entidade financeira ou bancária, quem empresta o dinheiro (aqui recorrente) tem de ser cabalmente informado sobre todos os aspetos essenciais desse contrato desde logo a quem está a emprestar para poder aquilatar da futura capacidade dessa beneficiária em efetuar o reembolso e assim ter noção dos riscos que está a assumir e se os pretende assumir.

No caso em análise, essa informação não foi prestada na totalidade pois não se identificou quem era a emitente das obrigações («Sociedade Lusa de Negócios») sendo insuficiente referir-se que era a entidade dona do Banco pois, em rigor, tal nada esclarece já que, por se ser dono de um Banco não significa que seja uma entidade tão sólida a nível económico/financeiro que nem sequer precisa de ser identificada.

Se uma empresa emite obrigações e assim pede aos investidores que injetem capital nessa mesma empresa, é por que tem motivo para tal – dificuldade económica, intenção de maior projeção, obtenção mais rápida de capital, … - pelo que o investidor tem de saber se o que está a emprestar tem boa possibilidade de retorno, sendo a base do conhecimento saber quem é a empresa em causa.

Essa informação em concreto não foi dada.

Por outro lado, ao oferecer-se um produto consistente em obrigações e em que estas são subordinadas, o investidor tem de ser informado não só sobre o que são obrigações como em que consiste essa questão da subordinação do investimento; as condições de reembolso não consistem unicamente na identificação da data em que o mesmo ocorre mas também o tipo de segurança que existe em tal reembolso.

Se uma obrigação é subordinada (sendo paga depois de outros credores e antes dos accionistas em caso de insolvência da emitente como se refere na sentença recorrida) e se menciona que está em causa um produto semelhante a um depósito a prazo com o capital garantido, tem de mencionar-se porventura a única situação em que esse capital pode não ser restituído de forma tão segura – em caso de insolvência da emitente -.

Nem estará tanto em causa o saber se em 2004 o funcionário bancário podia imaginar que «S. L. N. …» poderia vir a ser declarada insolvente, o que ocorreu em 2016 (29/07/2016 - consulta do portal citius -) pois é indiferente que o funcionário o preveja ou não; o que importa é que as características essenciais do produto sejam informadas onde se inclui o reembolso e as situações em que ocorre ou pode não ocorrer de forma segura, onde também se inclui a hipotética situação de insolvência da emitente.

No caso, apresentando-se o produto como seguro, quase como um depósito a prazo, sabe-se que por regra o cliente bancário nesse tipo de depósito pode levantar o capital de acordo com alguns prazos e eventuais perdas de rendimentos.

A situação de insolvência da entidade bancária, num depósito a prazo, não é um pressuposto derivado do contrato que determina a possibilidade de o capital/rendimento depositado poder ou não ser entregue ao depositante. A insolvência da entidade bancária, neste caso, é um impedimento estranho ao contrato sendo uma situação superveniente que pode fazer com que não haja possibilidade de a quantia ser entregue ao depositante.

No caso de subscrição de obrigações subordinadas, uma situação de insolvência é um pressuposto do contrato já que é imanente à natureza do que se subscreve, indo determinar como será o reembolso se aquela insolvência ocorrer; e, estando em causa a restituição do que se empresta e o que se pode reaver, afigura-se-nos que tinha efetivamente de ocorrer a informação de que, em caso de insolvência, aquela obrigação que é subscrita, pode não determinar o reembolso do capital.

Já mencionamos que a garantia de reembolso é vista numa perspetiva de que o capital investido não é perdido no decurso do tempo ao contrário do que sucederá em outros investimentos menos conservadores e não que sempre teria de ser reembolsado por nem o risco de insolvência poder ocasionar qualquer perda.

Também já referimos que não há responsabilidade do recorrido por ter assumido uma dívida – artigo 595.º, do C. C. – já que não a assumiu.

Assim, sendo as informações omitidas a natureza das obrigações adquiridas como sendo subordinadas e quem era a entidade em concreto a quem se emprestava o dinheiro, existe uma violação do dever de informação por parte do intermediário financeiro.

Concluímos assim, tal como o tribunal recorrido, que houve culpa do «B. P. N. ….» na violação desse dever de informação que pode dar origem a responsabilidade, para nós, enquadrada ao nível da responsabilidade pré-contratual – artigo 227.º, do C. C. é na fase de formação do contrato, prévia à sua celebração, que são omitidas informações, não havendo óbice, na nossa visão, que se aplique tal regime mesmo após a formação do contrato e sua execução (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, I, página 215, Ana Prata, «Notas Sobre Responsabilidade Pré-Contratual», página 180)”.
A culpa do intermediário financeiro, tratando, como já referido, de responsabilidade contratual presume-se nos termos do artigo 799.º do Código Civil e 304.º-A, n.º 2 do Código de Valores Mobiliários, na versão então vigente.
Ou seja, encontra-se inequivocamente demonstrado o carácter ilícito e culposo da conduta do intermediário financeiro em causa.
De todo o modo, a constituição da obrigação de indemnizar, no plano contratual, integra um conjunto de pressupostos cumulativos absolutamente imprescindíveis, a saber: a prática do facto imputável ao demandado; o seu carácter ilícito e culposo (culpa que se presume nos termos gerais do artigo 799º, nº 1, do Código Civil); o nexo de causalidade entre o cometimento do ilícito e a produção do correspondente dano para a esfera jurídica do demandante.
Ora, na situação sub judice, não ficou provado que a A., na sua qualidade de investidora, e uma vez ciente da informação que lhe deveria ter sido prestada (ou se o fosse), tomaria então a decisão de não investir, tal como efectivamente fez (no desconhecimento dessa mesma informação omitida).
O que significa que não provaram os AA. que, sendo-lhes fornecida a informação clara e completa acerca do produto financeiro em causa, recusariam nessas circunstâncias aceitá-lo.
Com efeito, refere-se a este respeito no acórdão recorrido, no plano da afirmação da matéria de facto e âmbito do conhecimento da impugnação apresentada pela A. ao abrigo do artigo 640º, do Código de Processo Civil, quanto à (in)existência do nexo de causalidade que agora se questiona:
“Quanto ao facto dado como “Não Provado” em F):
Se a Autora tivesse percebido que, com a assinatura daqueles papéis que lhes foram apresentados pelo funcionário do Banco Réu, Sr. CC, poderia estar a dar ordens de compra de um produto financeiro em que o reembolso do capital não era integralmente garantido pelo Banco, jamais a Autora os teria assinado, tal como, jamais teria vendido um dos títulos a uma outra do seu grupo empresarial.
Já nos reportamos ao que, na nossa opinião, está em causa com a expressão «garantido pelo Banco».
O que aqui se coloca em hipótese é, desde logo, que se soubesse que «B. P. N. …» não garantia o reembolso do capital, não teria a Autora subscrito o produto; mas não se prova que tenha sido mencionado que aquele Banco garantia o reembolso pelo que a premissa não se poderia à partida provar.
Por outro lado, o produto, tal como apresentado, tem capital garantido – findo o prazo, é devolvido na íntegra sem sofrer qualquer redução por qualquer flutuação de mercado ou cambiária -; o que sucedeu é que, por força de um incumprimento por parte da emitente subscritora devido à sua insolvência, o subscritor não recebeu o capital investido mas isso é diferente do se apresentar o produto como um produto financeiro em que o reembolso do capital é garantido.
Como outra questão é saber se a Autora tinha ou não de ser informada de um possível risco de insolvência ou se, em caso desta ocorrer, como seria restituído o capital.
Pode concluir-se que, sabendo o que atualmente sabe, certamente a Autora não subscreveria o produto mas não por o que lhe foi apresentado não estivesse correto mas sim por que ou pode ter ocorrido omissão na transmissão de informações ou transmissão de informação menos correta (mas não que se garantiu o reembolso pelo «B. P. N. …» que já referimos que não foi matéria que tenha sido, face à prova, colocada em cima da mesa).
Por tudo isto, este facto foi bem julgado como não provado”.
E quanto ao facto dado como “Não Provado” em “J”:
“J) Se soubesse que a aplicação por si subscrita era um produto diferente de um depósito a prazo não o teria contratado”.
Já nos reportamos ao que a Autora sabia e que, em concreto, sendo um produto equivalente a um depósito a prazo, sabia que o não era pelo que não há prova desta factualidade”.
Ora, não dispõe o Supremo Tribunal de Justiça poderes para operar a modificação da decisão de facto, por ausência de fundamento legal para a sua sindicância, conforme expressamente resulta dos artigos 662º, nºs 1 e 4, e 674º, nº 3, 1ª parte, 682º, nº 2, 1ª parte, do Código de Processo Civil.
Havendo o Tribunal da Relação de Lisboa, no acórdão recorrido, reanalisado criticamente toda a prova produzida junto do juiz a quo, servindo-se para o efeito dos elementos constantes dos autos (testemunhais, periciais e documentais), tendo de forma conclusiva emitido um juízo de facto que foi relevante para a sorte da lide haverá que concluir que a 2ª instância actuou no pleno exercício dos seus poderes jurisdicionais em matéria de facto, sendo assim o seu veredicto neste particular definitivo e insindicável.
O que é por si só suficiente para se concluir pela ausência de prova da existência de nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano, o que constitui um elemento imprescindível para a constituição da obrigação de indemnização.
Ou seja, é inevitável a afirmação de que não se encontram reunidos in casu todos os elementos constitutivos da obrigação de indemnização em que a A. estribava a sua pretensão.
É o que resulta aliás directamente da aplicação do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 8/2022, de 3 de Novembro, proferido no processo nº 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A, publicado no Diário da República nº 212/2022, Série I, de 3 de Novembro de 2022, no qual não se considerou que o nexo causal entre o facto e o dano estivesse abrangido pela presunção do artigo 799º, nº 1, do Código Civil, não competindo, em consequência, ao intermediário financeiro provar, no caso de incumprimento dos seus deveres de informação, que o investidor teria tomada a mesma decisão que, sem essa informação clara e completa, tomou.
(sublinhado nosso)
O que significa que a presunção prevista artigo 304º-A, nº 2, do Código de Valores Mobiliários, na versão anterior à vigência do Decreto-lei nº 357-A/2007, de 31 de Outubro, é apenas, segundo este entendimento prevalecente no Pleno do Supremo Tribunal de Justiça, uma presunção de culpa e ilicitude, não abrangendo igualmente a presunção do nexo de causalidade.
 (No mesmo sentido, seguindo a orientação firmada pelo citado acórdão uniformizador de jurisprudência e provocando a improcedência dos pedidos em acções judiciais absolutamente similares à presente, vide, entre outros, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Novembro de 2022 (relatora Ana Paula Boularot), proferido no processo nº 1559/18.1T8LSB.L2.S1; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Novembro de 2022 (relatora Fátima Gomes), proferido no processo nº 969/18.9T8SRT.E1.S1; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Novembro de 2022 (relator Fernando Batista), proferido no processo nº 1538/17.0T8LRA.C1.S1; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Novembro de 2022 (relatora Graça Trigo), proferido no processo nº 2843/18.0T8VIS.C1.S1; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Dezembro de 2022 (relator António Magalhães), proferido no processo nº 90/18.2T8PVZ.P1.S2; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Novembro de 2022 (relator Manuel Capelo), proferido no processo nº 3328/17.1T8STR.E2.S1; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Novembro de 2022 (relatora Maria Olinda Garcia), proferido no processo nº 10438/16.6T8LSB.L1.S2; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Novembro de 2022 (relator Oliveira Abreu), proferido no processo nº 14062/16.5T8LSB.L1.S1; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Dezembro de 2022 (relator Tibério Silva), proferido no processo nº 3904/19.3T8LSB.L1.S1; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de Dezembro de 2022 (relator Aguiar Pereira), proferido no processo nº 29121/18.1T8LSB.L1.S1, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Janeiro de 2023 (relator Nuno Pinto de Oliveira), proferido no processo nº 761/16.5T8PVZ.P1.S1, todos publicados in www.dgsi.pt).
Em suma, em consonância com o elenco dos factos dados como provados e não provados, a A. não logrou produzir a necessária prova da verificação da existência de nexo de causalidade entre facto ilícito e culposo em que a Ré intermediária financeira incorreu e o dano sofrido por aquela. investidores, o que conduz inexoravelmente ao fracasso da sua pretensão.
Pelo que a revista será negada, com a confirmação do acórdão recorrido.
 
IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes do Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção) negar a revista.
Custas pela recorrente.

Lisboa, 31 de Janeiro de 2023.

Luís Espírito Santo (Relator)

Ana Resende

Maria José Mouro


                                            
V – Sumário elaborado pelo relator nos termos do artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil.