Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
88/16.2PASTS-A.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: RAUL BORGES
Descritores: RECURSO PENAL
INQUÉRITO
ÚNICA INSTÂNCIA
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
ARQUIVAMENTO DO INQUÉRITO
ABERTURA DA INSTRUÇÃO
CONSTITUIÇÃO DE ASSISTENTE
NOTIFICAÇÃO
CONTAGEM DE PRAZO
ERRO DA SECRETARIA JUDICIAL
Data do Acordão: 11/30/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO O RECURSO, REVOGADO O DESPACHO RECORRIDO
Área Temática:
DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS /NEGÓCIO JURÍDICO / INTERPRETAÇÃO / SENTIDO NORMAL DA DECLARAÇÃO.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO EM GERAL / ACTOS PROCESSUAIS / ACTOS EM GERAL / ACTOS DAS SECRETARIA / NULIDADES DOS ACTOS.
Doutrina:
- J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Almedina, 3.ª Edição, Dezembro de 1998, p. 252;
- José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, volume I, p. 316.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 236.º, N.º 1.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 157.º, N.º 6, 161.º, N.º 6 E 191.º, N.º 3.
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGO 4.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- DE 05-04-2016, PROCESSO N.º 12/14.7TBMGD-B.G1.S1.


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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:

- ACÓRDÃO N.º 719/04, DE 21-12-2004, PROCESSO N.º 608/03, IN DR, II SÉRIE, DE 03-02-2005 E ATC, VOLUME 60.º, P. 749 A 774.
Sumário :
I - A comunicação de despacho de arquivamento ao denunciante com a faculdade de se constituir assistente é feita mediante aviso postal simples.
II - Os erros e omissões dos actos praticados pela secretaria judicial não podem, em qualquer caso, prejudicar as partes.
III - Ao erro ou omissão referentes a notificações da secretaria judicial são de equiparar actos equívocos, ou de dúbia interpretação, e que possam afectar negativamente direitos dos seus destinatários, desde que a interpretação lesiva que deles possa ser feita, aferido pelo standard interpretativo do destinatário normal – art. 236.º, n.º 1, do CC – possa ser acolhida.
IV - Na dúvida deve entender-se que a parte não pode ser prejudicada por actos praticados pela secretaria judicial, como estatui o art. 157.º, n.º 6, do CPC vigente e preceituava identicamente, o anterior n.º 6 do art. 161.º do CPC.
V - Esta norma constitui emanação do princípio da segurança jurídica e da protecção da confiança e do princípio da transparência e da lealdade processuais, indissociáveis de um processo justo e equitativo.
VI - A regulação dos prazos processuais implica com a realização da garantia constitucional do acesso aos tribunais.
VII – A regra estabelecida pelo n.º 6 do art. 157.º do CPC, aplicável no processo penal por força do disposto no art. 4.º, do CPP, no sentido de que a parte não pode ser prejudicada por erro ou omissão da secretaria judicial, implica, por exemplo, que o acto da parte não pode “em qualquer caso” se recusado ou considerado nulo se tiver sido praticado nos termos e prazos indicados pela secretaria, embora em contrariedade com o legalmente estabelecido, como ocorre com o estabelecido no n.º 3 do art. 191.º do CPC.
Decisão Texto Integral:

Nos autos de Inquérito (Actos jurisdicionais) com o NUIPC 88/16.2PASTS, que correm termos na Secção de Processos da Procuradoria-Geral Distrital do Porto, Tribunal da Relação do Porto, em que é denunciante AA, Médica Veterinária, e denunciado o ex-marido daquela, BB, Juiz de Direito em exercício de funções na área de jurisdição do Tribunal da Relação do Porto, foi proferido em 12 de Outubro de 2016, pela Exma. Procuradora-Geral Adjunta, despacho de arquivamento dos autos, cuja cópia consta de fls. 1 a 17 do presente processado de recurso independente em separado, correspondentes a fls. 258 a 274 dos autos principais.

       A denunciante foi notificada do despacho de arquivamento, nos termos do artigo 277, n.º 3, do CPP, por carta registada com prova de recepção expedida no dia 18-10-2016, sendo enviada notificação por via postal registada datada do mesmo dia para a Dra. CC, na qualidade de Mandatária da denunciante, conforme fls. 18 e 19, fazendo fls. 276 e 277 no principal.

O aviso de recepção foi assinado pela denunciante AA em 20-10-2016, conforme fls. 20 destes autos e fls. 289 do principal.

                                                               ***

       Por requerimento expedido por fax em 17-11-2016, pelas 21:38 horas, e recebido nos Serviços da Secção de Processos da Procuradoria-Geral Distrital – Relação do Porto, com carimbo de 18-11-2016, cuja cópia consta de fls. 21 a 46 dos presentes autos (fls. 294 a 331 dos autos principais), e em original, de fls. 47 a 123 (fls. 333 a 409 dos autos principais), veio a ora recorrente AA apresentar requerimento para constituição como assistente e abertura da instrução nos autos de inquérito com o NUIPC 88/16.2PASTS.

                                                               ***

       A Exma. Procuradora-Geral Adjunta no Tribunal da Relação do Porto, por despacho proferido em 28-11-2016, cuja cópia consta de fls. 124 (fls. 414 dos autos principais), promoveu nada ter a opor à requerida constituição da denunciante como assistente, por estar em tempo, ter legitimidade, ter pago a respectiva taxa de justiça e encontrar-se representada por mandatária judicial, ordenando a remessa dos autos à distribuição pelos Exmos. Juízes Desembargadores, enquanto Juiz de Instrução.

 

                                                               ***

       Decisão recorrida

 

       O Exmo. Juiz Desembargador do Tribunal da Relação do Porto a quem os autos foram distribuídos, enquanto Juiz de Instrução, proferiu despacho manuscrito assinado em 11-01-2017, cuja cópia consta de fls. 125 e verso (fls. 420 e verso dos autos principais), indeferindo o pedido de constituição como assistente formulado por AA, por extemporâneo.

       Inconformada com a decisão de indeferimento, AA interpôs recurso para o Tribunal da Relação do Porto, apresentando a motivação cuja cópia consta de fls. 131 a 144 (fls. 431 a 444 dos autos principais), que remata com as seguintes 26 conclusões, e não 25, já que a conclusão 9.ª surge por duas vezes (transcrição na íntegra, incluindo realces):

       “1.° Vem o presente recurso interposto do douto despacho que julgou extemporâneo o pedido de constituição de assistente, bem como o requerimento de abertura de instrução, por se entender que tal pedido foi apresentado fora do prazo legal;

       2.° Salvo o devido respeito, discorda-se com o decidido naquele douto despacho, por duas ordens de razões:

       3.° Desde logo, porque a secretaria indicou indevidamente como data de início da contagem do prazo a considerar, uma data posterior àquela que devia legalmente ser considerada, situação que se traduziu numa extensão objectiva do prazo para a prática do acto por parte da denunciada [denunciante];

       4.° Sendo ainda certo que, por outro lado, a secretaria judicial não efectuou a comunicação do despacho de arquivamento nos termos estipulados no art. 277.°, n.ºs 3 e 4, al. c), do CPP; ao invés, utilizou erradamente uma forma de notificação contrária à determinada na lei, tendo tal erro acarretado para notificanda um encurtamento do prazo que seria de considerar se a notificação tivesse sido efectuada nos termos que a lei expressamente impõe.

       Vejamos,

      5. ° Do acto de notificação da secretaria consta expressamente a indicação de que o início de contagem do prazo de 20 dias de que a notificanda dispunha para requerer a abertura de instrução e constituir-se assistente, se iniciava no 3.º dia útil posterior ao do registo postal;

       6.º Face à notificação recebida, a ora recorrente ficou convencida que tal prazo se iniciava no terceiro útil posterior à data em que assinou o registo postal, isto é, em 24/10/2016;

       7.º A notificação efectuada pela secretaria judicial, naqueles termos, induziu em erro a denunciante, no que respeita ao início da contagem de prazo para apresentar tal pedido;

       Assim,

8.º De acordo e no cumprimento da notificação que lhe foi efectuada, a ora recorrente praticou o acto dentro do prazo (20 dias) que lhe foi indicado pela secretaria, no dia 17/11/2016 (no 3.º dia de multa);

       9.º Porquanto, e uma vez que o termo do prazo ocorreu num sábado, dia 12/11/2016, o seu termo transferiu-se para o primeiro dia útil seguinte, segunda-feira, dia 14/11/2016, com os 03 dias de multa, o acto foi legalmente praticado no dia 17/11/2016;

9.º Do exposto pode concluir-se que apesar da boa-fé da recorrente que acreditou e confiou nos termos da notificação que lhe foi efetuada pela secretaria, a qual não lhe suscitou quaisquer dúvidas, considerando-se notificada no 3.° dia útil posterior à data em que assinou o aviso, sendo por isso indubitável que a recorrente foi expressamente induzida em erro quanto ao início da contagem do prazo para a prática do acto em causa;

       10.° Aliás, o próprio M.º P.º, na vista de fls. 414, também assim o terá considerado, porquanto na pronúncia sobre o pedido de constituição de assistente, referiu expressamente o seguinte: “Nada a opôr à referida constituição como assistente. por estar em tempo, ter legitimidade. ter pago a respectiva taxa de justiça e encontrar-se representada por mandatário judicial.”;

       11.° Dúvidas não haverão, pois, que a comunicação feita naqueles termos, pela secretaria, induziu em erro a recorrente quanto à contagem do início prazo, prejudicando a sua posição processual, já que da nota de notificação constava uma data para o início do prazo para requerer a constituição de assistente e abertura de instrução;

12.° Nestas situações é entendimento generalizado da Jurisprudência e Doutrina que o prazo indicado pelas secretarias judiciais, se superior ao legalmente estabelecido, por erro não corrigido atempadamente, o prazo indicado aproveita ao visado, devendo, em consequência, ser-lhe permitido apresentar o acto processual dentro do prazo que lhe foi indicado e em conformidade com o seu teor;

       13.° Veja-se o que se escreveu, a propósito da mesmíssima questão como a dos autos, no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 04/11/2010, em que foi Relator Edgar Gouveia Valente, no proc. 2825/08.0TAFAR-A-E1 «... Nestes termos e considerando que, in casu, foi expressamente indicado pela secretaria à notificanda na nota de notificação uma data para o início do prazo para requerer a abertura de instrução e constituição de assistente mais favorável (ou seja, posterior) à data da efectiva notificação. deve ser aquela levada em conta em detrimento desta." (sublinhado nosso).

       Sem prescindir, dir-se-á ainda,

14.° Que a secretaria judicial errou também, certamente por manifesto lapso, na forma que utilizou para notificar a denunciada do despacho de arquivamento sobre o inquérito.

       15.° Já que impõe o n.º 4, do art. 277.º, do CPP, na parte que aqui interessa, que “As comunicações a que se refere o número anterior efetuam-se:

       c) Por notificação mediante via postal simples ao denunciante com a faculdade de se constituir assistente e a quem tenha manifestado o propósito de deduzir pedido de indemnização civil;”

16.° Tratando-se de notificação por via postal simples, devia cumprir-se o preceituado no artigo 113.° (que estabelece as regras gerais sobre as notificações) n.º 3, do CPP, considerando-se a notificação efectuada no 5.° dia posterior à data da declaração lavrada pelo distribuidor do serviço postal, cominação que deverá constar do acto de notificação.

       17.º Assim, se a denunciante tivesse sido notificada nos termos que a lei expressamente impõe, nunca a carta para notificação poderia ser deixada na sua caixa de correio antes do dia 19 de outubro de 2016, pelo que apenas nessa data seria lavrada a declaração pelo distribuidor do serviço postal;

       18.º Daí resultava que a ora recorrente considerar-se-ia notificada no dia 24/10/2016 (que correspondeu a uma segunda-feira), por esse dia corresponder ao 5.º dia posterior à data da declaração lavrada pelo distribuidor do serviço postal;

       19.º Não fora, sem dúvida, o erro da secretaria judicial na forma que utilizou para notificação da denunciada [denunciante], e também por aqui, o pedido apresentado no requerimento que deu entrada nos autos em 17/11/2016 (constituição de assistente e RAI) jamais seria julgado extemporâneo.

       20.º Ao não actuar assim, esse erro da secretaria acarretou para a notificanda um encurtamento do prazo (face à notificação feita por via postal registada prevista no art. 113.º, n.º 1, al. b), do CPP) que seria de considerar se a notificação tivesse sido efetuada nos termos que a lei expressamente impõe;

21.º Ora, tendo o pedido sido apresentado em 17.11.2016, é forçoso concluir que foi respeitado o prazo de 20 dias previsto no art. 287.º, n.º 1, do CP Penal, porquanto os erros ou omissões da secretaria não [podem], em qualquer caso, prejudicar as partes;

       22.º Na verdade, tal como dispõe o art. 157.º, n.º 6, do CPC (aqui aplicável “ex vi” do art. 4.°, do CPP - já que se trata de matéria omissa no CPP) “Os erros e omissões dos actos praticados pela secretaria judicial não podem, em qualquer caso, prejudicar as partes.”

       23.º A este respeito escreve o Senhor Prof. Lebre de Freitas, que a regra constante do n.º 6 do art. 157.° do CPC “ ... implica, por exemplo, que o acto da parte não pode, em qualquer caso, ser recusado ou considerado nulo se tiver sido praticado nos termos e prazos indicados pela secretaria, embora em contrariedade com o legalmente estabelecido”.

       24.º Tal entendimento encontra acolhimento constitucional nos arts. 2.º e 20.º, da CRP; sendo certo que a concessão do prazo mais favorável à recorrente é a única que garante a imprescindível tutela da confiança, como elemento de um processo equitativo;

       25.º Ao decidir de modo contrário, o despacho recorrido violou o disposto nos arts. 157.º, n.º 6, do CPC “ex vi do art. 4.°, do CPP, bem como o preceituado nos arts. 277.º, n.º 3 e 4, al. c), 113.°, n.º 3, do Código de Processo Penal, sendo ainda certo que não observou os princípios consagrados nos arts. 2.º e 20.º, da Constituição da República Portuguesa.”

Termina, pedindo a revogação do despacho recorrido, e, em consequência, declarar-se que o pedido de constituição de assistente (e respectivo RAI) foi apresentado em tempo, ordenando-se a prossecução dos autos de instrução.

                                                   ****

       Por despacho cuja cópia consta de fls. 147 (fls. 447 dos autos principais) foi admitido o recurso interposto pela denunciante, mas para o Supremo Tribunal de Justiça, por ser o tribunal competente, a subir imediatamente, em separado e com efeito não suspensivo.

                                                             ***

       A Exma. Procuradora-Geral Adjunta no Tribunal da Relação do Porto apresentou resposta à motivação da denunciante, cuja cópia consta de fls. 148 a 151 (fls. 452 a 455 dos autos principais), pronunciando-se no sentido de dever ser negado provimento ao recurso e mantida a decisão recorrida.

       Termina, alegando em síntese:

       “1. As notificações à Denunciante e à sua Ex.ma Mandatária Judicial obedeceram ao prescrito no art. 277.º n.º 3 e 113.º do CPP.

       2. Sendo a data do registo da carta para notificação à Ex.ma Mandatária Judicial da denunciante a de 18.10.2016, o prazo de 20 dias para requerer a constituição como Assistente e requerer a Instrução estava expirado desde 14.11.2017.

       3. O requerimento para aqueles efeitos, entrado a 17.11.2016, excedeu o prazo de 20 dias dos art. 287.º e 68.º n.º 3 b), acrescido da dilação de 3 dias do art.113.º n.º 2 e dos 3 dias dos art.107.º-A do CPP e 145.º n.º 1 e n.º 4 do CPC.

      4. O Despacho Judicial que, por extemporaneidade, não admitiu a denunciante a constituir-se assistente não violou qualquer preceito legal, pelo que deve ser mantido.”

 

                                                               ***

       A Exma. Procuradora-Geral Adjunta neste Supremo Tribunal emitiu douto parecer, constante de fls. 155 a 157, onde argumenta do modo que vai exposto e ora transcrito de modo integral, incluindo os tipos de letra, no texto minimizados, e os realces, maxime, os realces em itálico:

       “Também nos parece que não pode ser dada razão à queixosa, nomeadamente devido ao segundo argumento que não deixaríamos de apoiar se pudesse ter consistência, porque não só na notificação expressamente consta que “a presente notificação presume-se no 3.º dia útil posterior ao envio – art. 113., n.º 2, do CPP (fls. 277), como tal notificação, segundo o disposto no art. 277.º do CPP poderia/deveria ser efectuado por via postal simples.

       No entanto, tendo a notificação sido enviada por carta registada ou mesmo que tivesse sido por carta simples, sempre tal aconteceu no dia 18/10/2016, conforme consta no ofício e no registo.

      Os três dias contados a partir desse dia acabaram no dia 21 de Outubro (sexta feira e não a 20) e os 20 dias tinham e têm de ser contados a partir do dia 22 de Outubro mesmo sendo sábado.

       E a partir desse dia o prazo termina/terminou no dia 10 de Novembro com mais os três dias no art. 145.º, n.º 1 e 4 do CPC o termo do prazo passa/passou para o dia 14 de Novembro (13 foi domingo).

       A única contagem possível para o prazo terminar no dia 16 de Novembro seria a não contagem de sábado e domingo (dias 22 e 23 de Outubro) e certamente, calculamos nós que foi esta a contagem feita pela recorrente.

       Então passaria (começou) a contar o prazo com a remessa da notificação a 18 de Outubro e o prazo de 20 dias começaria a ser contado a 24 de Outubro e terminaria a 12 de Novembro (sábado) e com os três dias úteis p. no art. 145.º do CPC aplicáveis devido e o disposto no art. 107.º, n.º 5 do CP o seu termo ocorria a 16 de Novembro – esquece que 13 foi domingo.

      Portanto só com esta contagem a partir do princípio que o prazo de 20 dias começou a contar no primeiro dia útil, é que poderia ser considerado, segundo nos parece que o pedido de constituição de assistente AA, teria entrado em tempo, pois tinha pago a multa devida.

       Assim parece-nos que só muito muito eventualmente e com esta última interpretação na contagem do prazo é que poderia ser concedido provimento o recurso interposto pela requerente/queixosa”.

                                                   ***

       Foi ordenado o cumprimento do disposto no artigo 417.º, n.º 2, do CPP, e tendo em conta o disposto no artigo 145.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, foi solicitada informação sobre a residência, o local de trabalho ou outro domicílio que a queixosa tenha escolhido, o que veio a merecer a resposta de fls. 162.

                                                   ***

       Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, a recorrente pronunciou-se, apresentando a resposta que consta de fls. 163 a 169, que aqui se dá por integralmente reproduzida, na qual começa por afirmar discordar em absoluto do parecer do Ministério Público, reiterando as considerações já tecidas nas conclusões de recurso, que mantém nos precisos termos.

       Colhidos os vistos, realizou-se a conferência, cumprindo apreciar e decidir.

                                                                 ***

       Questões propostas a reapreciação e decisão

O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões, onde a recorrente resume as razões de divergência com o decidido no despacho recorrido.

Assim, a única questão a decidir traduz-se em saber se o requerimento de constituição como assistente e de abertura de instrução foi apresentado pela recorrente dentro do prazo legal, o que traz implícita a análise da questão da correcção da forma de comunicação do despacho recorrido utilizada pela secretaria e das consequências daí emergentes.

                                                                 ***

       Apreciando. Fundamentação de facto.

Face aos elementos constantes dos autos são de convocar os seguintes dados fácticos com relevo para a decisão a proferir:


1) Nos autos de inquérito (Actos Jurisdicionais) com o NUIPC 88/16.2PASTS, que corre termos na Secção de Processos da Procuradoria - Geral Distrital do Porto, Tribunal da Relação do Porto, em que é denunciante AA e denunciado o ex-marido BB, Juiz de Direito em exercício de funções na área de jurisdição do Tribunal da Relação do Porto, foi proferido pela Exma. Procuradora-Geral Adjunta, em 12-10-2016, despacho de arquivamento dos autos (cuja cópia consta de fls. 1 a 17 dos presentes autos - fls. 258 a 274 dos autos principais).
2)  Consta do último parágrafo desse despacho: “Cumpra o art. 277.º, n.º 3 do CPP relativamente à denunciante e comunique, por via postal simples, ao denunciado”.
3) Por carta registada com aviso de recepção (cuja cópia consta de fls. 18 dos presentes autos - fls. 276 dos autos principais), datada de 18-10-2016 e expedida na mesma data, para a morada constante dos autos (fls. 162), foi a ora recorrente notificada do teor do despacho de arquivamento proferido para, no prazo de 20 dias, querendo, requerer: a intervenção hierárquica (art.º 278.º, n.º 2 do CPP); ou a abertura da instrução, (art.º 287.º, n.º1, al. b) do mesmo diploma legal), tendo neste caso de se constituir assistente (…).
      Nos termos do disposto no art.º 68.º, n.º 3, al. b) do C. P. Penal, poderá constituir-se assistente dentro do prazo estabelecido para a prática do ato acima indicado. (Sublinhado do texto).
4) Consta do 7.º parágrafo da referida notificação, a negrito:
      “Os prazos acima indicados são contínuos suspendendo-se, no entanto, durante as férias judiciais e iniciam-se a partir do terceiro dia útil posterior ao do registo postal (art.º 113.º, n.º 2 do C. P. Penal).
      Se tratar de processo urgente, os referidos prazos não se suspendem em férias.
Terminando o prazo em dia que os tribunais estejam encerrados, transfere-se o seu termo para o primeiro dia útil seguinte”
5) Por via postal registada (cuja cópia consta de fls. 19 dos presentes autos - fls. 277 dos autos principais), datada de 18-10-2016, foi a ilustre Mandatária da recorrente notificada nos termos e para os efeitos mencionados:
“De que, nos termos do art. 277.º, n.º 2 do C.P.Penal, foi proferido despacho de arquivamento no Inquérito acima referenciado, e para os prazos dele decorrentes – arts. 278.º e 287.º do C. P. Penal.
Deverá observar o disposto no art.º 68.º, n.º 3, al. b) do C. P. Penal.
Segue-se a seguinte inscrição em negrito e sublinhado:
(A presente notificação presume-se feita no 3.º dia útil posterior ao do envio – art.º 113.º, n.º 2, do C. P. Penal).
6) O aviso de recepção referente à notificação referida em 3) [cuja cópia consta de fls. 20 dos presentes autos - fls. 289 dos autos principais] mostra-se assinado pela recorrente, constando do mesmo a data de assinatura de 20-10-2016.
7) Por requerimento expedido por fax em 17-11-2016 e recebido nos Serviços da Secção de Processos da Procuradoria-Geral Distrital do Porto em 18-11-2016 (cuja cópia consta de fls. 21 a 46 dos presentes autos - fls. 294 a 331 dos autos principais), veio a ora recorrente apresentar requerimento para constituição como assistente e requerer a abertura da instrução nos autos de inquérito com o NUIPC 88/16.2PASTS.
8) Por despacho manuscrito e assinado em 11-01-2017 pelo Exmo. Juiz Desembargador do Tribunal da Relação do Porto a quem os autos foram distribuídos, enquanto Juiz de Instrução, foi proferido o seguinte despacho que consta de fls. 125 dos autos:
“O prazo para a ofendida poder requerer a sua intervenção como assistente é o previsto no artigo 287.º, n.º 1, conforme decorre do artigo 68.º, n.º 3, al. b), ambos do CPP.
Ora, compulsados os autos, constata-se que a ofendida foi notificada do despacho de arquivamento no dia 20.10.2016 (cf. 289) e a sua ilustre mandatária no dia 21/10/2016 (3.º dia útil posterior à notificação que lhe foi endereçada no dia 18/10/2016 (cf. fls. 277 e cf. artigo 113.º, n.º 2 do CPP), devendo considerar-se aquela data, 21/10/2016, para contagem do prazo, por ser a posterior (cf. artigo 113.º, n.º 10, do CPP. Assim sendo, constata-se que o último dia para a mesma poder requerer a sua constituição como assistente (equivalente ao prazo para requerer a abertura de instrução) era 10/11/2016 e, com multa (paga), do 3.º dia, era o dia 15/11/2016).
Sucede que o pedido aqui em apreço entrou, juntamente com o RAI, apenas em 17/11/2016 (cf. fls. 294), pelo que é extemporâneo o pedido de constituição como assistente.
Termos em que se indefere tal pedido.
Notifique.”
9) A recorrente indicou nos autos para efeitos de notificação a seguinte morada: Rua ...........,...., ..... ......º, ...... S..... (cfr. informação de fls. 162).
10) A carta de notificação referida em 3) e 6) foi enviada para morada mencionada em 9).

       Apreciando. Fundamentação de direito

        A recorrente interpôs o presente recurso do despacho proferido pelo Exmo. Desembargador do Tribunal da Relação do Porto, que, intervindo como Juiz de instrução, indeferiu o seu requerimento de constituição como assistente e de abertura de instrução, por ser extemporâneo, para tanto invocando o disposto no artigo 287.º, n.º 1, em conjugação como o artigo 68.º, n.º 3, alínea b) e artigo 113.º, n.º 2 do Código de Processo Penal.

       A recorrente nas conclusões da sua motivação de recurso pede a revogação do despacho, apresentando para o efeito dois motivos fundamentais:

       - Por um lado, entende que a secretaria indicou como início de contagem do prazo, uma data posterior àquela que devia legalmente ser considerada, tendo havido por isso uma extensão objectiva do prazo para a prática do acto.

       - Por outro lado, considera que a secretaria não efectuou a comunicação do despacho de arquivamento nos termos previstos no artigo 277.º, n.ºs 3 e 4, alínea c), do CPP, por meio de via postal simples, pelo que por isso o prazo foi encurtado porque a notificação não foi efectuada conforme expressamente a lei impõe.

      Constituindo matéria controvertida a tempestividade do requerimento de abertura de instrução e de constituição como assistente, olhando o despacho recorrido e o requerimento de interposição do recurso, resulta claro que a discordância se situa, desde logo, no ponto de partida, na demarcação do termo inicial do prazo, isto é, na determinação da data em que a denunciante e ora recorrente se considera notificada do despacho de arquivamento.

Em causa está um despacho de arquivamento proferido em inquérito, que teve início em queixa apresentada pela denunciante contra o ex-marido, Juiz de direito, imputando-lhe a prática de crime de violência doméstica.

A comunicação da decisão de arquivamento do inquérito está prevista no artigo 277.º do Código de Processo Penal, constituindo um prius a análise do meio comunicacional previsto na lei.

Impõe-se, assim, por uma questão de precedência lógica de decisão, analisar, em primeiro lugar, a legalidade da forma utilizada pela secretaria para dar cumprimento ao disposto no artigo 277.º, n.º 3, do CPP e consequências processuais daí decorrentes.

       Vejamos.

       Como estabelece o artigo 287.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, a abertura de instrução pode ser requerida, no prazo de 20 dias a contar da notificação da acusação ou do arquivamento:
a) ………………………………………………………………………………...
b) Pelo assistente, se o procedimento não depender de acusação particular, relativamente a factos pelos quais o Ministério Público não tiver deduzido acusação.

       No n.º 3 prevê-se a possibilidade de rejeição do requerimento “por extemporâneo”.

 

       Por seu turno, sob a epígrafe “Assistente” estabelece o artigo 68.º, n.º 3, alínea b), do CPP:

“3 - Os assistentes podem intervir em qualquer altura do processo, aceitando-o no estado em que se encontrar, desde que o requeiram ao juiz:
a) ………………………………………………………………………………
b) Nos casos do artigo 284.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 287.º, no prazo estabelecido para a prática dos respectivos actos.”

Dispõe o artigo 277.º do CPP (Arquivamento do inquérito):

       1 - …..……...…………………………………………………………………………

       2 - ……….……………………………………………………………………………

3 - O despacho de arquivamento é comunicado ao arguido, ao assistente, ao denunciante com faculdade de se constituir assistente e a quem tenha manifestado o propósito de deduzir pedido de indemnização civil nos termos do artigo 75.º, bem como ao respectivo defensor ou advogado.
4 - As comunicações a que se refere o número anterior efectuam-se:

       a) Por notificação mediante contacto pessoal ou via postal registada ao assistente e ao arguido, excepto se estes tiverem indicado um local determinado para efeitos de notificação por via postal simples, nos termos dos n.º s 5 e 6 do artigo 145.º, do n.º 2 e da alínea c) do n.º 3 do artigo 196.º, e não tenham entretanto indicado uma outra, através de requerimento entregue ou remetido por via postal registada à secretaria onde os autos se encontrarem a correr nesse momento;

b) Por editais, se o arguido não tiver defensor nomeado ou advogado constituído e não for possível a sua notificação por mediante contacto pessoal, via postal registada ou simples, nos termos previstos na alínea anterior; 

c) Por notificação mediante via postal simples ao denunciante com a faculdade de se constituir assistente e a quem tenha manifestado o propósito de deduzir pedido de indemnização civil;

d) Por notificação mediante via postal simples sempre que o inquérito não correr contra pessoa determinada.

5 - …………………………………………………………………………………………

       Estando em causa a notificação de despacho de arquivamento a uma queixosa, candidata a constituir-se assistente, dúvidas não há de que é caso de aplicação da alínea c), cabendo efectuar a notificação à denunciante com a faculdade de se constituir assistente mediante via postal simples.

Segundo o artigo 113.º do Código de Processo Penal, que estabelece sobre “Regras gerais sobre notificações”:

1 - As notificações efectuam-se mediante:

a) Contacto pessoal com o notificando e no lugar em que este for encontrado;

b) Via postal registada, por meio de carta ou aviso registados;

c) Via postal simples, por meio de carta ou aviso, nos casos expressamente previstos; ou

d) Editais e anúncios, nos casos em que a lei expressamente o admitir.

2 - Quando efectuadas por via postal registada, as notificações presumem-se feitas no 3.º dia útil posterior ao do envio, devendo a cominação aplicável constar do acto de notificação.

3 - Quando efectuadas por via postal simples, o funcionário judicial lavra uma cota no processo com a indicação da data da expedição da carta e do domicílio para a qual foi enviada e o distribuidor do serviço postal deposita a carta na caixa de correio do notificando, lavra uma declaração indicando a data e confirmando o local exacto do depósito, e envia-a de imediato ao serviço ou ao tribunal remetente, considerando-se a notificação efectuada no 5.º dia posterior à data indicada na declaração lavrada pelo distribuidor do serviço postal, cominação esta que deverá constar do acto de notificação.

4 - Se for impossível proceder ao depósito da carta na caixa de correio, o distribuidor do serviço postal lavra nota do incidente, apõe-lhe a data e envia-a de imediato ao serviço ou ao tribunal remetente.

           O n.º 5 ressalva do disposto nos n.ºs 3 e 4 as notificações por via postal simples a que alude a alínea d) do n.º 4 do artigo 277.º, ou seja, nos casos em que o inquérito não corra contra pessoa determinada.

A redacção do n.º 3 foi introduzida na reforma operada pelo Decreto-Lei n.º 320-C/2000, de 15 de Dezembro, com vista a conferir uma maior celeridade processual nas notificações efectuadas em processo penal, referindo-se no preâmbulo:

       “Pretende ajustar-se o Código de Processo Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de Fevereiro, alterado pelos Decretos-Leis n.os 387-E/87, de 29 de Dezembro, 212/89, de 30 de Junho, e 317/95, de 28 de Novembro, e pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, a uma das prioridades da política de justiça, a saber, o combate à morosidade processual. (…) Para a consecução de tais desígnios, introduz-se uma nova modalidade de notificação do arguido, do assistente e das partes civis, permitindo-se que estes sejam notificados mediante via postal simples sempre que indicarem, à autoridade policial ou judiciária que elaborar o auto de notícia ou que os ouvir no inquérito ou na instrução, a sua residência, local de trabalho ou outro domicílio à sua escolha e não tenham comunicado a mudança da morada indicada através da entrega de requerimento ou da sua remessa por via postal registada à secretaria onde os autos se encontram a correr nesse momento.

       No caso de notificação postal simples, o funcionário toma cota no processo com indicação da data da expedição e do domicílio para a qual foi enviada e o distribuidor do serviço postal depositará o expediente na caixa de correio do notificando, lavrará uma declaração indicando a data e confirmando o local exacto desse depósito, e envia-la-á de imediato ao serviço ou ao tribunal remetente, considerando-se a notificação efectuada no 5.º dia posterior à data indicada na declaração lavrada pelo distribuidor do serviço postal, cominação esta que deverá constar do acto de notificação. Se for impossível proceder ao depósito da carta na caixa de correio, o distribuidor do serviço postal lavra nota do incidente, apõe-lhe a data e envia-a de imediato ao serviço ou ao tribunal remetente.
       Nestas situações não se justifica a notificação do arguido mediante contacto pessoal ou via postal registada, já que, por um lado, todo aquele que for constituído arguido é sujeito a termo de identidade e residência (artigo 196.º, n.º 1), devendo indicar a sua residência, local de trabalho ou outro domicílio à sua escolha. Assim sendo, como a constituição de arguido implica a sujeição a esta medida de coacção, justifica-se que as posteriores notificações sejam feitas de forma menos solene, já que qualquer mudança relativa a essa informação deve ser comunicada aos autos, através de requerimento entregue ou remetido por via postal registada à secretaria onde os autos se encontrarem a correr nesse momento. (…)”

Resulta assim da leitura conjugada do disposto nos artigos 277.º, n.ºs 3 e 4, alínea c) e 113.º, n,º 1, alínea c) e n.º 3, ambos do Código de Processo Penal, que a notificação do despacho de arquivamento à recorrente na qualidade de denunciante com a faculdade de constituir-se assistente, deveria ter sido efectuada mediante via postal simples.

       O legislador estabeleceu por via do n.º 3 do artigo 113.º do CPP uma presunção de que o destinatário recebe a carta que foi depositada pelo serviço postal na caixa de correio e que toma conhecimento do respectivo conteúdo no prazo de 5 dias após o depósito, destinando-se tal prazo a assegurar a presunção de que o destinatário tomou efectivo conhecimento da notificação, na medida em que pelo depósito da correspondência não há a certeza de que o destinatário foi efectivamente notificado.

Contudo, também garantiu que o mesmo tenha plena consciência de que vai ser notificado nesses moldes, ao estabelecer no artigo 145.º [Declarações e notificações do assistente e das partes civis], n.ºs 5 e 6 do Código de Processo Penal que, para os efeitos de ser notificado por via postal simples, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 113.º, o denunciante com a faculdade de se constituir assistente indica a sua residência, o local de trabalho ou outro domicilio à sua escolha, com a advertência de que as posteriores notificações serão feitas para a morada indicada, excepto se for comunicada outra, através de requerimento entregue ou remetido por via postal registada à secretaria onde os autos se encontrem a correr nesse momento.

       O despacho recorrido considerou a data de notificação da denunciante, desconsiderando a data da assinatura do aviso de recepção, como sendo em 21-10-2016, data da presumida notificação da Mandatária, e daí o prazo de 20 dias terminar em 10-11-2016 e com a multa do 3.º dia, em 15-11-2016 (11, 14 e 15 foram dias úteis, já que 12 foi sábado e 13, domingo).   

A recorrente sustenta que em face da notificação que lhe foi efectuada pela secretaria entendeu que se consideraria notificada no 3.º dia útil posterior à data em que assinou o aviso, sendo por isso expressamente induzida em erro quanto ao início da contagem do prazo para a prática do acto em causa, ou seja, a recorrente entende que apenas poderá considerar-se notificada decorridos 3 dias úteis a contar da assinatura do aviso de recepção, atento o prazo que lhe foi indicado pelos Serviços do Ministério Público na notificação que lhe foi efectuada (e assim, dar-se-ia como notificada em 24-11-2016).

       Os 3 dias não podem contar-se a contar do dia 20-11-2016, porque aí, mais do que uma presunção, estar-se-á na presença do facto certo, consumado, da notificação (pressuposta a - inverificada - idoneidade do meio); por outro lado, os 3 dias contam-se a partir do terceiro dia útil posterior ao do registo postal e a expedição teve lugar em 18-10-2016, não a partir da consumada notificação, pelo que em tal hipótese, o prazo seria de contar a partir de 21-10-2016.

A recorrente coloca a questão do erro, por a secretaria dos Serviços do Ministério Público da Relação do Porto, agindo no âmbito de uma intervenção judicial – actos jurisdicionais -, ter seguido/adoptado uma via diversa da legalmente prevista para efectivar a sua notificação, em detrimento da via postal simples, exigida, sem a mínima controvérsia, aparente que fosse, pela alínea c) do n.º 4 do artigo 277.º do Código de Processo Penal, aludindo expressamente a “erro da secretaria”, como o faz, nas conclusões 4.ª, 14.ª, 19.ª e 20.ª.

       In casu, a notificação do despacho de arquivamento foi efectuada de forma errada, em desacordo com o estabelecido na lei, através de “carta registada com prova de recepção”' (o vulgarmente conhecido AR), como se alcança do teor de fls. 18 e de fls. 20 dos autos.

       Face a um erro manifesto da secretaria não há que assumir construções que tendam a convalidar o acto praticado em clara contrariedade à lei.

Na certeza do erro, o que há a fazer é retirar as devidas consequências, na certeza de que não pode ser prejudicado quem não errou.

     A ter sido feita a comunicação como manda a lei, e assim deveria ter sido, se a lei fosse cumprida, considerar-se-ia a notificação efectuada no 5.º dia posterior à data indicada na declaração lavrada pelo distribuidor do serviço postal.

       Não a data da expedição da carta, até porque como consabido, nos tribunais, normalmente, o correio sai já à tarde, havendo que ter em atenção estarmos face a carta emitida no Porto e endereçada a Santo Tirso, pelo que na perspectiva de um óptimo e célere desempenho por parte dos serviços postais, nunca a referida declaração teria sido lavrada antes do dia 19.

       Figurando essa hipótese, de ter sido a declaração lavrada a 19-11-2016, pressuposto um quadro de excelência de desempenho, então teríamos que considerar a notificação feita no 5.º dia posterior, ou seja, seria de considerar o dia 24-10-2016.

Contando os vinte dias a partir daqui, teríamos como termo final o dia 14-11-2016, pois 13 foi Domingo, funcionando como 3.º dia útil o dia 17 de Novembro de 2016.

       O que conduz à tempestividade do recurso.

       Vejamos o quadro normativo a ter em conta, começando pelo artigo 198.º do Código de Processo Civil, na redacção dada pela Reforma de 1995/1996 - Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro e Decreto-Lei n.º 180/96.

        Integrado no Livro III - Do processo - Título I - Das disposições gerais - Capítulo I - Dos actos processuais - Secção I - Actos em geral – Subsecção VII - Nulidades dos actos, abrangendo os artigos 193.º a 208.º, estabelecia o

                                                         Artigo 198.º

                                               (Nulidade da citação)

1 – Sem prejuízo do disposto no artigo 195.º, é nula a citação, quando não hajam sido, na sua realização, observados as formalidades prescritas na lei.

2 – O prazo para a arguição da nulidade é o que tiver sido indicado para a contestação; sendo, porém, a citação edital, ou não tendo sido indicado prazo para a defesa, a nulidade pode ser arguida quando da primeira intervenção do citado no processo.

3 – Se a irregularidade consistir em se ter indicado para a defesa prazo superior ao que a lei concede, deve a defesa ser admitida dentro do prazo indicado, a não ser que o autor tenha feito citar novamente o réu em termos regulares.

4 – A arguição só é atendida se a falta cometida puder prejudicar a defesa do citado.

     Antes, estabelecia o n.º 1:

1 – É nula a citação quando, observadas as formalidades essenciais, tenha havido preterição de outras formalidades prescritas na lei.

O n.º 4 foi então aditado.

       Sobre o ponto actualmente rege o artigo 191.º, que reproduz o citado artigo 198.º, apenas com a substituição no n.º 1 de 195.º por 188.º

      Integrado no Livro III - Do processo - Título I – Das disposições gerais - Capítulo I – Dos actos processuais - Secção I – Actos em geral – Subsecção IV- Actos da secretaria, sob a epígrafe “Função e deveres das secretarias judiciais”, estabelecia o artigo 161.º, no n.º 6  

6 – Os erros e omissões praticados pela secretaria judicial não podem, em qualquer caso, prejudicar as partes.

       Tal regra veio pôr termo, por exemplo, à questão de saber se o excesso de prazo assinalado para a prática de determinado acto, v.g., para contestar, se sobrepunha à própria lei (neste sentido, acórdãos do STJ de 29-11-1974, BMJ n.º 341, pág. 254; de 5-11-1980, BMJ n.º 301, pág. 364) e/ou se a falta de menção do prazo de dilação fixado na lei retirava ao beneficiário a faculdade de dele usar.

   

       Integrado no Livro II - Do processo em geral - Título I - Dos actos processuais - Capítulo I - Actos em geral - Secção IV – Actos da secretaria, sob a epígrafe “Função e deveres das secretarias judiciais”, estabelece o actual artigo 157.º, no n.º  

6 – Os erros e omissões dos atos praticados pela secretaria judicial não podem, em qualquer caso, prejudicar as partes.

       Como se extrai do acórdão deste Supremo Tribunal de 5 de Abril de 2016, proferido na Revista n.º 12/14.7TBMGD-B.G1.S1, da 6.ª Secção, em caso de expropriação: “Ao erro ou omissão referentes a notificações da secretaria judicial são de equiparar actos equívocos, ou de dúbia interpretação, e que possam afectar negativamente direitos dos seus destinatários, desde que a interpretação lesiva que deles possa ser feita, aferido pelo standard interpretativo do destinatário normal – artigo 236.º, n.º 1, do Código Civil – possa ser acolhida.

       Na dúvida deve entender-se, e assim se entende, que a parte não pode ser prejudicada por actos praticados pela secretaria judicial, como estatui o artigo 157.º, n.º 6, do Código de Processo Civil vigente e preceituava identicamente, o n.º 6 do artigo 161.º do CPC”.

       Como consta do mesmo acórdão, entendem José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre em Código de Processo Civil Anotado, volume I, pág. 316, em anotação ao aludido artigo 157.º: “O n.º 6 estabelece a regra de que a parte não pode ser prejudicada por erro ou omissão da secretaria judicial. Esta regra implica, por exemplo, que o acto da parte não pode “em qualquer caso” ser recusado ou considerado nulo se tiver sido praticado se tiver sido praticado nos termos e prazos indicados pela secretaria, embora em contrariedade com o legalmente estabelecido (veja-se, designadamente, o art.º 191.º - 3).”.

J. J. Gomes Canotilho, em Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Almedina, 3.ª edição, Dezembro de 1998, integrado no segmento “C. O princípio do Estado de direito e os subprincípios concretizadores”, II. Os princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança dos cidadãos, no ponto 1. O princípio geral da segurança jurídica, refere, a págs. 252 (realces do texto):

“O homem necessita de segurança para conduzir, planificar e conformar autónoma e responsavelmente a sua vida. Por isso, desde cedo se consideravam os princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança como elementos constitutivos do Estado de direito.

       Estes dois princípios - segurança jurídica e protecção da confiança - andam estreitamente associados a ponto de alguns autores considerarem o princípio da protecção de confiança como um subprincípio ou como uma dimensão específica da segurança jurídica. Em geral, considera-se que a segurança jurídica está conexionada com elementos objectivos da ordem jurídica – garantia de estabilidade jurídica, segurança de orientação e realização do direito – enquanto a protecção da confiança se prende mais com as componentes subjectivas da segurança, designadamente a calculabilidade e previsibilidade dos indivíduos em relação aos efeitos jurídicos dos actos dos poderes públicos. A segurança e a protecção da confiança exigem, no fundo: (1) fiabilidade, clareza, racionalidade e transparência dos actos do poder; (2) de forma que em relação a eles o cidadão veja garantida a segurança nas suas disposições pessoais e nos efeitos jurídicos dos seus próprios actos. Deduz-se já que os postulados da segurança jurídica e da protecção da confiança são exigíveis perante qualquer acto de qualquer poder – legislativo, executivo e judicial. O princípio geral da segurança jurídica em sentido amplo (abrangendo, pois, a ideia de protecção da confiança) pode formular-se do seguinte modo: o indivíduo tem do direito poder confiar em que aos seus actos ou às decisões públicas incidentes sobre os seus direitos, posições ou relações jurídicas alicerçados em normas jurídicas vigentes e válidas por esse actos jurídicos deixado pelas autoridades com base nessas normas se ligam os efeitos jurídicos previstos e prescritos no ordenamento jurídico.

No ponto 3, pág. 259, o Autor versa sobre a protecção da segurança jurídica relativamente a actos jurisdicionais, prevalecendo o ponto de vista da estabilidade, afirmando que a segurança jurídica no âmbito dos actos jurisdicionais aponta para o caso julgado.   

       O Tribunal Constitucional versou a norma do n.º 3 do artigo 198.º do CPC no Acórdão n.º 719/04, de 21 de Dezembro de 2004, processo n.º 608/03, da 2.ª Secção, Diário da República, II Série, de 3 de Fevereiro de 2005 e Acórdãos do Tribunal Constitucional (ATC), volume 60.º, nesta publicação, de págs. 749 a 774, decidindo:

“Não julgar inconstitucional a norma constante do n.º 3 do artigo 198.º do Código de Processo Civil, na interpretação segundo a qual deve ser admitida a defesa do citado para a acção judicial dentro do prazo que lhe foi indicado no caso de irregularidade da sua citação consubstanciada em a secretaria, por erro não corrigido posteriormente, induzido pela circunstância de esta haver tomado a assinatura da pessoa do citado pela assinatura de terceira pessoa, lhe assinalar prazo superior, em cinco dias, ao que a lei concede para essa defesa”.

       Na fundamentação, pode ler-se a págs. 770/1:

       “No caso de existência de erro da secretaria não reparado por intervenção oficiosa ou motivada do autor, há que notar que a solução elegida pelo legislador encontra acolhimento desde logo, na garantia constitucional do acesso aos tribunais nas suas dimensões de direito a uma tutela efectiva e eficaz e de proibição de indefesa, consagrada no artigo 20.º, e no princípio da tutela da confiança ínsito no princípio do Estado de direito democrático, a demandar que se deva confiar nos actos dos funcionários judiciais praticados no processo enquanto agentes que estes são dos tribunais e enquanto os mesmos não forem revogados ou modificados, este decorrente do artigo 2.º, ambos os preceitos da Constituição”.

       Concluindo.

I – A comunicação de despacho de arquivamento ao denunciante com a faculdade de se constituir assistente é feita mediante aviso postal simples.

II – Os erros e omissões dos actos praticados pela secretaria judicial não podem, em qualquer caso, prejudicar as partes.

III – “Ao erro ou omissão referentes a notificações da secretaria judicial são de equiparar actos equívocos, ou de dúbia interpretação, e que possam afectar negativamente direitos dos seus destinatários, desde que a interpretação lesiva que deles possa ser feita, aferido pelo standard interpretativo do destinatário normal – artigo 236.º, n.º 1, do Código Civil – possa ser acolhida.

IV – Na dúvida deve entender-se que a parte não pode ser prejudicada por actos praticados pela secretaria judicial, como estatui o artigo 157.º, n.º 6, do Código de Processo Civil vigente e preceituava identicamente, o anterior n.º 6 do artigo 161.º do CPC”.

V – Esta norma constitui emanação do princípio da segurança jurídica e da protecção da confiança e do princípio da transparência e da lealdade processuais, indissociáveis de um processo justo e equitativo.

VI - A regulação dos prazos processuais implica com a realização da garantia constitucional do acesso aos tribunais.

VII – A regra estabelecida pelo n.º 6 do artigo 157.º do Código de Processo Civil, aplicável no processo penal por força do disposto no artigo 4.º do Código de Processo Penal, no sentido de que a parte não pode ser prejudicada por erro ou omissão da secretaria judicial, implica, por exemplo, que o acto da parte não pode “em qualquer caso” ser recusado ou considerado nulo se tiver sido praticado nos termos e prazos indicados pela secretaria, embora em contrariedade com o legalmente estabelecido, como ocorre com o estabelecido no n.º 3 do artigo 191.º do CPC.

       Decisão

Pelo exposto, acordam nesta 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça, em julgar procedente o recurso interposto pela denunciante AA, revogando-se o despacho recorrido, que deverá ser substituído por outro, que considere tempestivo o requerimento apresentado pela recorrente, de constituição de assistente nos autos e de abertura de instrução.

       Sem tributação.

       Consigna-se que foi observado o disposto no artigo 94.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.

                                                 Lisboa, 30 de Novembro de 2017


Raúl Borges (relator) *
Gabriel Catarino