Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
08P4131
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SANTOS CABRAL
Descritores: CONCURSO DE INFRACÇÕES
CÚMULO JURÍDICO
FUNDAMENTAÇÃO
PENA ÚNICA
PLURIOCASIONALIDADE
PREVENÇÃO GERAL
PREVENÇÃO ESPECIAL
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
MEDIDA CONCRETA DA PENA
Nº do Documento: SJ20090211041313
Data do Acordão: 02/11/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário :
I - Acentuando-se no acórdão cumulatório as afirmações produzidas no relatório social no sentido da existência de uma «“frágil interiorização do desvalor da conduta sancionada, com uma percepção deficitária da sua gravosidade social e das normas por que deve pautar a vida comunitária”; a falta de consistência dos projectos laborais, o entorno sócio-familiar frágil, e por “continuar a evidenciar forte défice cognitivo-crítico e instabilidade emocional”, conforme consta do despacho do Tribunal de Execução das Penas, de 27.01.2006», e referindo o mesmo, relativamente aos restantes vectores da formação da pena conjunta que «Considerando em conjunto os factos, verificamos que o arguido tem vindo a praticar de forma reiterada, crimes contra o património; a reiteração da sua conduta consta das decisões condenatórias já que se reportam a factos praticados pelo arguido desde 1995 até 2000, altura em que veio a ser detido. Tal como consta do relatório social o arguido denota uma tendência para a “reincidência”, agravada, do nosso ponto de vista, com a ausência de inibição da prática de crimes mesmo em estado de reclusão, como foi o caso dos autos em que os factos foram praticados a partir do estabelecimento prisional», tal referência, e só ela é apresentada como pressuposto decisório, é manifestamente limitada e restritiva, pois que se exime a uma visão global do percurso criminoso, não olhando para os factos naquilo que relevam como fundamento da pena, quer na sua vertente de ilicitude quer, necessariamente, da culpa.
II - Na verdade, não é inócua a diferenciação entre a prática de crimes de burla de uma dimensão qualitativa e quantitativa menor e a burla cometida através de meios elaborados ou atingindo patamares elevados em termos de pluralidade de ofendidos ou de montantes – tal dimensão retrata a perspectiva global de ilicitude e é, no mínimo, desproporcionado punir com a mesma severidade crimes contra o património de dimensões diferentes e situados em patamares qualitativos diversos.
III - A aferição da prevenção especial, em que o eixo essencial da decisão recorrida se centra, não pode surgir desgarrada dos factos, sob pena de a punição deixar de ter como fundamento o facto criminoso praticado e passar a assentar na personalidade do agente.
IV - Temos por correcto na elaboração do cúmulo jurídico o entendimento de que, após o estabelecimento da respectiva moldura legal a aplicar, em função da penas parcelares, a pena conjunta deverá ser encontrada em consonância com as exigências gerais de culpa e prevenção. Porém, como afirma Figueiredo Dias, nem por isso se dirá que estamos em face de uma hipótese normal de determinação da medida da pena, uma vez que a lei fornece ao tribunal, para além dos critérios gerais de medida da pena contidos no art. 72.º do CP, um critério especial que se consubstancia na consideração conjunta dos factos e da personalidade.
V - Fundamental na formação da pena conjunta é a visão de conjunto, a eventual conexão dos factos entre si e a relação «desse bocado de vida criminosa com a personalidade». Como referem Maurach, Gossel e Zipf, a pena conjunta deve formar-se mediante uma valoração completa da pessoa do autor e das diversas penas parcelares. Para a determinação da dimensão da pena conjunta o decisivo é que, antes do mais, se obtenha uma visão conjunta dos factos (Schonke-Schröder-Stree), «a relação dos diversos factos entre si em especial o seu contexto; a maior ou menor autonomia; a frequência da comissão dos delitos; a diversidade ou igualdade dos bens jurídicos protegidos violados e a forma de comissão bem como o peso conjunto das circunstâncias de facto sujeitas a julgamento mas também a receptividade à pena pelo agente deve ser objecto de nova discussão perante o concurso ou seja a sua culpa com referência ao acontecer conjunto da mesma forma que circunstâncias pessoais, como por exemplo uma eventual possível tendência criminosa».
VI - Será, assim, o conjunto dos factos que fornece a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização).
VII - A substituição daquela operação valorativa por um processo de índole essencialmente aritmética de fracções e somas torna-se incompatível com a natureza própria da segunda fase do processo. Com efeito, fazer contas indica voltar às penas já medidas, ao passo que o sistema parece exigir um regresso aos próprios factos. Dito de outro modo, e como refere Cláudia Santos (RPDC, Ano 16.º, pág. 154 e ss.), as operações aritméticas podem fazer-se com números, não com valorações autónomas.
VIII - Um dos critérios fundamentais em sede deste sentido de ilicitude reportada à globalidade dos factos é o da determinação da intensidade da ofensa e dimensão do bem jurídico ofendido, sendo certo que assume significado profundamente diferente a violação repetida de bens jurídicos ligados à dimensão pessoal, e ao núcleo de bens essenciais, em relação à ofensa de bens patrimoniais, como sucedeu no caso vertente. Por outro lado, importa determinar os motivos e objectivos do agente no denominador comum dos actos ilícitos praticados e, eventualmente, dos estados de dependência. Igualmente deve ser expressa a determinação da tendência para a actividade criminosa revelada pelo número de infracções, pela sua perduração no tempo, pela dependência de vida em relação àquela actividade.
IX - Na avaliação da personalidade expressa nos factos é todo um processo de socialização e de inserção, ou de repúdio, pelas normas de identificação social e de vivência em comunidade que deve ser ponderado.
X - Recorrendo à prevenção, importa verificar relativamente à prevenção geral o significado do conjunto de actos praticados em termos de perturbação da paz e segurança dos cidadãos e, num outro plano, o significado da pena conjunta em termos de ressocialização do delinquente, para o que será eixo essencial a consideração dos seus antecedentes criminais e da sua personalidade expressa no conjunto dos factos.
XI - Serão esses factores de medida da pena conjunta que necessariamente deverão ser tomados em atenção na sua determinação, sendo então o pressuposto de uma adição ao limite mínimo do quantum necessário para se atingir as finalidades da mesma pena mas tendo, também, presente o sentido da proporcionalidade que deve presidir à fixação da pena conjunta.
XII - É destituída de fundamento a alusão a especiais razões de prevenção especial perante um burlão que fez dessa actividade a sua profissão, mas sem que as quantias alcançadas tenham atingido um valor elevado. Embora subsista a frequência, manifestamente inusitada, dos actos ilícitos praticados, a sua perspectivação unicamente em termos de prevenção especial, atribuindo uma especial carga sancionatória, carece de fundamento legal.
XIII - Torna-se fundamental a necessidade de ponderação entre a gravidade do facto e a gravidade da pena: ao cometer um crime, o agente incorre na sanção do Estado, no exercício do seu direito de punir, e esta sanção poderá importar uma limitação da sua liberdade, sendo que uma das principais ideias presente no princípio da proporcionalidade é, justamente, a de invadir o menos possível a esfera de liberdade do indivíduo, isto é, a de a invadir na medida do estritamente necessário à finalidade da pena que se aplica, porquanto se trata de um direito fundamental que será atingido.
XIV - Atribuindo consistência prática ao exposto, as penas têm de ser proporcionadas à transcendência social – mais do que ao dano social – que assume a violação do bem jurídico cuja tutela interessa prever.
XV - É exactamente essa proporcionalidade do ponto de vista preventivo geral e especial, avaliada em função do bem jurídico protegido e violado, que está em causa com a pena aplicada, de 13 anos de prisão, sendo certo que, em abstracto, em termos parcelares, o crime a que corresponde o limite máximo da moldura penal se situa nos 8 anos de prisão.
XVI - Assim, não deve ser mantido o cúmulo jurídico efectuado, indo o arguido condenado na pena única de 10 anos de prisão.
Decisão Texto Integral:
Acordam no supremo Tribunal de Justiça

AA veio interpor recurso da decisão proferida no processo referido que, em sede de cúmulo jurídico, o condenou na pena conjunta de treze anos e seis meses de prisão.
Os motivos de discordância encontram-se expressos nas conclusões da motivação de recurso onde se refere que:
1. O presente recurso vem interposto do, aliás douto. acórdão que efectuou o cúmulo jurídico das penas aplicadas. nos presentes autos, ao arguido com todas as penas que anteriormente lhe haviam sido aplicadas e com o qual o Recorrente discorda.
2. Dispõe o art. 77, CP:
"1. . .. Na medida da pena são considerados. em conjunto, os factos e a personalidade do agente.
2. A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão ... e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.";
3. O acórdão em crise não apreciou correctamente. em conjunto, os factos e a personalidade do arguido como determina o art.77-1. CP:
4. Existem nos autos elementos que apontam, sem sombra de dúvida, para a existência de condições exteriores ao arguido que conduziram à continuação da sua actividade criminosa;
5. Uma vez que os factos delituosos foram praticados. na sua quase totalidade. entre Novembro de 1995 e Março de 2000 --vide processos mencionados nas alíneas b), c) e d). de fl s. 2 e 3 do acórdão em crise;
6. Excepto os factos praticados nos presentes autos que se situam em Novembro de 2001 --quando arguido já se encontrava preso-- vide alínea a) de fls. 2 do acórdão em crise;
7. Tendo decorrido. praticamente, 7 anos desde a prática, pelo arguido. dos últimos factos delituosos;
8. O acordão em crise não deu relevância a 2 factos --omitindo-os por completo- - que constam do acordão de fl s . . proferi do em 24 Abril 2007, que aplicou as penas parcelares nos presentes autos;
9. Pela primeira vez houve a confissão integra 1 e sem reservas do arguido, em audiência. confirmando a confissão constante da contestação apresentada, ao contrário do que havia sucedi do nos processos anteriores. como ressalta claramente dos diversos acordãos cujas penas constam do cúmulo efectuado;
10. O arguido alegou que os valores de que se apropriou foram depositadas na conta da ex-esposa para prover ao sustento dos filhos. --2. parágrafo de fls.17 do acordão de fls. ,proferido em 24 Abril 2007. que aplicou as penas parcelares nos presentes autos;
11. Esta versão é também referida pela arguida e encontra-se corroborada nos documentos de fl s. 642 a 651. - -1. período do 3. parágrafo de fl s . 17 do acórdão de fl s ., proferi do em 24 Abril 2007;
12. O acordão em crise baseou-se. apenas. no Relatório Social de fls. de conteúdo muito negativo para o arguido;
13. Mas tal Relatório não fornece factos actuais relativamente à personalidade do argui do pois refere-se tão só aos fundamentos do despacho do Tribunal de Execução de Penas. de 27.01.2006;
14. Na verdade. o que dele consta está em manifesta oposição com a confissão integral e sem reservas do arguido;
15. Mostrando que não são actuais as apreciações à personalidade do arguido que constam do Relatório Social;
16. Cedendo perante o comportamento que o arguido teve em Tribunal com a confissão integral e sem reservas;
17. Acresce que, embora nada justifique a apropriação indevida dos valores constantes dos autos a verdade é que tais valores foram depositados na conta da ex-esposa;
18. Para prover ao sustento dos filhos na versão do arguido;
19. Estes factos explicam o porquê da comissão. em cativeiro, dos factos criminosos porque foi julgado nos presentes autos demonstrando cabalmente que a continuação da actividade criminosa foi proveniente da existência de condições exteriores ao arguido e que impõe a efectivação dum cúmulo substancialmente diferente daquele que foi efectuado e contra o qual se recorre;
20. Na verdade, o cúmulo efectuado mais não é que. na pratica, a soma --deduzida de 6 meses-- do cúmulo efectuado nos processos anteriores - -pena única de 8 anos e 6 meses de prisão- - com o cúmulo que. a final. foi aplicado às penas parcelares aplicadas nos presentes autos --5 anos de prisão;
21. O que é completamente desajustado. sobretudo. no que toca à personalidade do arguido;
22. O critério para fixar a pena única, em cúmulo jurídico, deverá ser o fixado no AC.STJ de 09.02.06 - Rec. n° 109/06/5a;
23. Pelo que o cúmulo final aplicado ao arguido deve ser de 10 (dez) anos e 6 (seis) meses de prisão tendo em atenção os requisitos, devidamente valorados, indicados no art. 77 -1. CP - - factos e personalidade do arguido;
24. Assim, o acordão em crise fez errada interpretação e aplicação da Lei aos factos violando, designadamente, o disposto nos arts. 40 e 77 -1. CP.
Respondeu o Ministério Público advogando a manutenção da decisão recorrida
Nesta instância o ExºMº Sr.Procurador Geral adjunto pronuncia-se pela forma constante de douto parecer de fls.
Os autos tiveram os vistos legais.
*
Cumpre decidir.
Em sede de decisão recorrida encontra-se provada a seguinte factualidade:
a) Nos presentes autos, por decisão datada de 06.12.2007 e por factos ocorridos em Novembro de 2001, foi condenado, como autor material de um crime de burla qualificado, na forma consumada, p.p. pelos artigos 217º, e 218º, nº1, e nº2, alínea b), com referência ao artigo 202º, alínea a), todos do Código Penal, na pena de quatro de prisão.
Como autor material de dois crimes de burla qualificada, na forma tentada, p.p. pelos artigos 22º, 23º, 217º, e 218º, nº 2, alíneas a) e b), com referência ao artigo 202º, alínea b), todos do Código Penal, na pena de um ano de prisão e de dois anos de prisão, respectivamente.
Em cúmulo jurídico, condená-lo na pena única de cinco anos de prisão;
No que concerne aos presentes autos os factos foram praticados pelo arguido a partir do estabelecimento prisional.
b) Por decisão datada de 20.07.01 (recurso do STJ de 14.02.02) foi condenado nos processos nºs 87/00.4JDLSB, da 2ª Vara Criminal de Lisboa, pela prática desde Novembro de 1995 até Março de 2000, de:
Dois crimes de falsificação de documento nas penas de dois anos e de dez meses de prisão, respectivamente.
Um crime de burla qualificada na pena de quatro anos de prisão.
Um crime de burla simples na pena de oito meses e prisão.
Um crime de furto simples.
Em cúmulo na pena única de 6 anos de prisão.
c) Nos autos de processo comum colectivo n.º5005/00.9JOLSB, Vara Criminal de Lisboa onde foi condenado por decisão datada de 10.04.04, pela prática em 23.08.99 a Novembro de 1999, de:
Dois crimes de violação do segredo de correspondência, na pena de dois meses de prisão, cada.
Dois crimes de peculato, na pena de quatro meses de prisão, cada.
Um crime continuado de burla informática, na pena de um ano de prisão.
Um crime de abuso de cartão de crédito na pena de dez meses de prisão.
d) Por seu turno nos autos de processo comum colectivo, n.º 70/00.1 da 5ª Vara Criminal de Lisboa, por decisão datada de 28 de Setembro de 2005 e por factos ocorridos em Novembro de 1999 foi condenado, pela prática de:
Um crime de falsificação de documento na pena de um ano de prisão.
Um crime de burla qualificada, na forma tentada, na pena de dez meses de prisão.
Um crime de violação do segredo de correspondência, na pena de um ano de prisão.
e) No relatório elaborado pelo IRS, concluiu-se que: ““O arguido encontra-se privado da sua liberdade desde 24.03.2000, à ordem do processo n.º70/00.1 TA VFX, 5.° Vara Criminal de Lisboa, 2.a Secção, em cumprimento de pena única de 8 anos e 6 meses de prisão, condenado como autor de crimes de falsificação e burla, burla informática e peculato.
Durante a execução da pena de prisão tem apresentado dificuldades ao nível psico comportamental, quer em relação às normas do sistema no qual se encontra inserido, quer no que respeita ao relacionamento interpessoal, destacando-se o isolamento social e o sistemático descontrole emocional a que se entrega de forma apelativa, tentando manipular terceiros e alterar condições exteriores a seu favor. Actualmente tem vindo a revelar menores dificuldades de adaptação, mantendo contudo atitudes e posturas muito apelativas, dado verbalizar sentimentos de elevada penosidade face à vivência em reclusão, situação causadora de intenso sofrimento, ansiando a retoma do contacto ao meio livre.
Já ocorreram apreciações de processo gracioso de concessão de liberdade condicional, ao meio da pena e aos 2/3, tendo sido negada em ambos, constituindo fundamento apreciativo a pendência de processos, "a frágil interiorização do desvalor da conduta sancionada, com uma percepção deficitária da sua gravosidade social e das normas por que deve pautar a vida comunitária"; a falta de consistência dos projectos laborais, o entorno sócio-familiar frágil, e por "continuar a evidenciar forte défice cognitivo-crítico e instabilidade emocional", conforme consta do despacho do Tribunal de Execução das Penas, de 27.01.2006.
Desde o mês de Julho de 2002 que não tem beneficiado de qualquer medida de flexibilização de pena, em virtude da ocorrência dos episódios já mencionados e da situação de pendência de processos.
Face ao processo motivador do presente relatório, assume uma postura ambivalente, resistindo a assumir responsabilidades individuais, embora as reconheça, não revelando sentido crítico quanto à gravidade dos ilícitos em que se encontra indiciado.
Conclusão
Dos elementos aferidos, salienta-se a constatação de estarmos perante um indivíduo cuja vivência pessoal foi marcada por um acontecimento negativo, a morte do seu progenitor, durante a adolescência, que motivou grande instabilidade pessoal.
Em termos pessoais apresenta um quadro caracterizado pela desestabilização comportamental, revelando défices na adequação do seu comportamento a normas sócio - jurídicas, baixo nível de responsabilização face ao seu trajecto de vida, apresentando uma ténue motivação para a alteração dos comportamentos, mantendo acentuadas fragilidades internas, surgindo como um indivíduo com elevadas necessidades de supervisão externa.
Releve-se como factor criminógeno a propensão para a reincidência, que aliada aos problemas de instabilidade do foro psíquico têm caracterizado um modo de vida desajustado, pelo que tendo particularmente em conta o risco associado ao regresso ao meio livre e consequente diminuição dos mecanismos de controlo a que está actualmente sujeito em meio prisional, na concretização de um projecto de reinserção social, afigura-se essencial um acompanhamento estruturado no âmbito da saúde mental. Como eventuais obstáculos à futura reinserção social e apesar do apoio logístico e afectivo no exterior, por parte da progenitora, afigura-se a mesma frágil, não deixando de constituírem-se corno significativos factores de risco, a manutenção de fragilidades no sentido de alterar o comportamento que o conduziu ao actual estado de reclusão, para além de revelar um baixo limiar de análise crítica e reflexão relativamente à sua conduta ilícita.”
Por tal forma arranca a decisão recorrida para considerar que:
-Considerando em conjunto os factos, verificamos que o arguido tem vindo a praticar de forma reiterada, crimes contra o património; a reiteração da sua conduta consta das decisões condenatórias já que se reportam a factos praticados pelo arguido desde 1995 até 2000, altura em que veio a ser detido.
Tal como consta do relatório social o arguido denota uma tendência para a “reincidência”, agravada, do nosso ponto de vista, com a ausência de inibição da prática de crimes mesmo em estado de reclusão, como foi o caso dos autos em que os factos foram praticados a partir do estabelecimento prisional.
Verifica-se ainda que ponderada a personalidade do arguido, a mesma não lhe tem permitido beneficiar de saídas precárias ou flexibilização no cumprimento das penas de prisão “Já ocorreram apreciações de processo gracioso de concessão de liberdade condicional, ao meio da pena e aos 2/3, tendo sido negada em ambos, constituindo fundamento apreciativo a pendência de processos, "a frágil interiorização do desvalor da conduta sancionada, com uma percepção deficitária da sua gravosidade social e das normas por que deve pautar a vida comunitária"; a falta de consistência dos projectos laborais, o entorno sócio-familiar frágil, e por "continuar a evidenciar forte défice cognitivo-crítico e instabilidade emocional", conforme consta do despacho do Tribunal de Execução das Penas, de 27.01.2006. ”,
Em nosso entender tais factos denotam uma tendência criminógena por parte do arguido, sendo, por isso, elevadas as necessidades de prevenção especial.
Tudo ponderado considera-se assim adequada a pena única de treze anos e seis meses de prisão.


I
Nas conclusões apresentadas, que delimitam objectivamente o âmbito do presente recurso, o recorrente exprime, além do mais, a sua discordância em relação aos factos considerados provados em sede de sentença, pretendendo que se afirme a sua atitude confessória bem como o intuito altruísta da sua conduta.
Não é despicienda a caracterização do tipo de impugnação produzida, matéria de facto ou matéria de direito, pois que a função deste Supremo Tribunal é de revista, restringindo-se o seu escopo ao reexame da matéria de direito
Estamos, assim, face ao recurso interposto perante uma hipótese de alteração da matéria de facto sobre a qual o tribunal construiu a decisão e, necessariamente, a medida da pena. Tal conclusão é imposta pelo teor das conclusões produzidas e independentemente da regularidade formal relativa á sua produção.
Represtina-se a premissa de que não é permitido a este Supremo Tribunal alterar a matéria de facto dada por assente na decisão recorrida tal como é imposto pelo artigo.

II
A questão colocada nos presentes autos perfila-se, como uma hipótese típica de determinação da pena conjunta derivada do concurso de infracções.
Numa primeira aproximação importa salientar que temos, como base de trabalho, uma moldura abstracta do concurso de crimes em que o limite máximo se encontra fixado em 20 (vinte) anos e 2(dois) meses de prisão e o limite mínimo em 4 (quatro) anos de prisão.
Estabelecida que está a moldura penal do concurso, cabe agora determinar, dentro dos limites referidos, a medida da pena conjunta do concurso, em função das exigências gerais de culpa e de prevenção. Para tanto há que atender aos critérios gerais da medida da pena ínsitos no art. 71° nº 2, do Código Penal, mas também ao critério especial fixado no nº 1, do art. 77°, do código em referência, e acima aludido - na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.

Pronunciando-se sobre os fundamentos de tal operação, que assume natureza nuclear para uma definição da pena em função das finalidades desta e, essencialmente, para o futuro do arguido a decisão recorrida assenta num eixo essencial que é o das necessidades inerentes á prevenção especial. Acentua-se na mesma decisão as afirmações produzidas no relatório social no sentido da existência de uma frágil interiorização do desvalor da conduta sancionada, com uma percepção deficitária da sua gravosidade social e das normas por que deve pautar a vida comunitária"; a falta de consistência dos projectos laborais, o entorno sócio-familiar frágil, e por "continuar a evidenciar forte défice cognitivo-crítico e instabilidade emocional", conforme consta do despacho do Tribunal de Execução das Penas, de 27.01.2006. ”,:
Relativamente aos restantes vectores da formação da pena conjunta são esparsas as referências constantes da mesma decisão que refere Considerando em conjunto os factos, verificamos que o arguido tem vindo a praticar de forma reiterada, crimes contra o património; a reiteração da sua conduta consta das decisões condenatórias já que se reportam a factos praticados pelo arguido desde 1995 até 2000, altura em que veio a ser detido.
Tal como consta do relatório social o arguido denota uma tendência para a “reincidência”, agravada, do nosso ponto de vista, com a ausência de inibição da prática de crimes mesmo em estado de reclusão, como foi o caso dos autos em que os factos foram praticados a partir do estabelecimento prisional.

Tal referência, e só ela é apresentada como pressuposto decisório, é manifestamente limitada e restritiva pois que se exime a uma visão global do percurso criminoso não olhando para os factos naquilo que relevam como fundamento da pena quer na sua vertente de ilicitude quer, necessariamente, da culpa. Na verdade, não é inócua a diferenciação entre a prática de crimes de burla de uma dimensão qualitativa e quantitativa menor e a burla cometida através de meios elaborados ou atingindo patamares elevados em termos de pluralidade de ofendidos ou de montantes. Tal dimensão retrata a perspectiva global de ilicitude e é, no mínimo, desproporcionado punir com a mesma severidade crimes contra o património de dimensões diferentes e situados em patamares qualitativos diversos.

É certo que, como se referiu o eixo essencial da decisão recorrida, se centra na prevenção especial. Porém, tal aferição não pode surgir desgarrada dos factos sob pena de a punição deixar de ter como fundamento o facto criminoso praticado e passar assentar na personalidade do agente.
Em última análise a decisão recorrida formata uma punição que tem na génese a punição do agente, e não do facto criminoso praticado, o que não é admissível num plano de dogmática jurídica e constitucional. Para tanto recorre como argumento primeiro e último a um relatório social que, independentemente do mérito, tem sido chamado á colação numa pluralidade de julgamentos a que o arguido tem sido sujeito.

II
Na verdade, temos por assente que, no caso vertente:
-O ilícito global se apresenta com uma gravidade média, atento o número de crimes praticado pelo arguido, bem como á dimensão dos danos patrimoniais atingidos e ao “modus opperandi” .
Relativamente á personalidade do arguido há que ter presente os seus antecedentes criminais nomeadamente relacionados com a prática de crimes da mesma natureza dos que ora estão em apreço, sendo certo que o mesmo se encontra em cumprimento de pena desde 24.03.2000, à ordem do processo n.º70/00.1 TA VFX, 5.° Vara Criminal de Lisboa, 2.a Secção.

Entendemos por correcto na elaboração do cúmulo jurídico o entendimento de que, após o estabelecimento da respectiva moldura legal a aplicar, em função da penas parcelares, a pena conjunta deverá ser encontrada em consonância com as exigências gerais de culpa e prevenção. Porém, como afirma Figueiredo Dias nem por isso dirá que estamos em face de uma hipótese normal de determinação da medida da pena uma vez que a lei fornece ao tribunal para além dos critérios gerais de medida da pena contidos no artigo 72 do Código Penal um critério especial que se consubstancia na consideração conjunta dos factos e da personalidade
Conforme se refere no Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça 13/9/2006 o sistema de punição do concurso de crimes consagrado no artº 77º do CPenal, aplicável ao caso, como o vertente, de “conhecimento superveniente do concurso”, adoptando o sistema da pena conjunta, «rejeita uma visão atomística da pluralidade de crimes e obriga a olhar para o conjunto – para a possível conexão dos factos entre si e para a necessária relação de todo esse bocado de vida criminosa com a personalidade do seu agente». Por isso que, determinadas definitivamente as penas parcelares correspondentes a cada um dos singulares factos, cabe ao tribunal, depois de estabelecida a moldura do concurso, encontrar e justificar a pena conjunta cujos critérios legais de determinação são diferentes dos propostos para a primeira etapa. Nesta segunda fase, «quem julga há-de descer da ficção, da visão compartimentada que esteve na base da construção da moldura e atentar na unicidade do sujeito em julgamento. A perspectiva nova, conjunta, não apaga a pluralidade de ilícitos, antes a converte numa nova conexão de sentido.
Aqui, o todo não equivale à mera soma das partes e, além disso, os mesmos tipos legais de crime são passíveis de relações existenciais diversíssimas, a reclamar uma valoração que não se repete, de caso para caso. A este novo ilícito corresponderá uma nova culpa (que continuará a ser culpa pelo facto) mas, agora, culpa pelos factos em relação. Afinal, a avaliação conjunta dos factos e da personalidade, de que fala o CP.
*
Fundamental na formação da pena conjunta é a visão de conjunto, a eventual conexão dos factos entre si e a relação «desse bocado de vida criminosa com a personalidade. Como referem Maurach; Gossel e Zipf a pena conjunta deve formar-se mediante uma valoração completa da pessoa do autor e das diversas penas parcelares. Para a determinação da dimensão da pena conjunta o decisivo é que, antes do mais, se obtenha uma visão conjunta dos factos (Schonke-Schrôder-Stree), “a relação dos diversos factos entre si em especial o seu contexto; a maior ou menor autonomia a frequência da comissão dos delitos; a diversidade ou igualdade dos bens jurídicos protegidos violados e a forma de comissão bem como o peso conjunto das circunstâncias de facto sujeitas a julgamento mas também o receptividade á pena pelo agente deve ser objecto de nova discussão perante o concurso ou seja a sua culpa com referência ao acontecer conjunto da mesma forma que circunstâncias pessoais, como por exemplo uma eventual possível tendência criminosa.
Também Jeschek se situa no mesmo registo, referindo que a pena global se determina como acto autónomo de determinação penal com referência a princípios valorativos próprios. Deverão equacionar-se em conjunto a pessoa do autor e os delitos individuais o que requer uma especial fundamentação da pena global. Por esta forma pretende-se significar que a formação da pena global não é uma elevação esquemática, ou arbitrária, da pena disponível mas deve reflectir a personalidade do autor e os factos individuais num plano de conexão e frequência. Por isso, na valoração da personalidade do autor deve atender-se, antes de tudo, a saber se os factos são expressão de uma inclinação criminosa, ou só constituem delito ocasionais sem relação entre si. A autoria em série deve considerar-se como agravatória da pena. Igualmente subsiste a necessidade de examinar o efeito da pena na vida futura do autor na perspectiva de existência de uma pluralidade de acções puníveis. A apreciação dos factos individuais terá que apreciar especialmente o alcance total do conteúdo do injusto e a questão da conexão interior dos factos individuais. Dada a proibição de dupla valoração na formação da pena global não podem operar de novo as considerações sobre a individualização da pena feitas para a determinação das penas individuais

Será, assim, o conjunto dos factos que fornece a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade - unitária - do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)
Importa ainda precisar que merece inteira sintonia o entendimento de que a substituição daquela operação valorativa por um processo de índole essencialmente aritmética de fracções e somas torna-se incompatível com a natureza própria da segunda fase do processo. Com efeito, fazer contas indica voltar às penas já medidas, ao passo que o sistema parece exigir um regresso aos próprios factos. Dito de outro modo, e como refere Cláudia Santos, as operações aritméticas podem fazer-se com números, não com valorações autónomas (1).
Mais adianta a mesma Autora que “ao admitir uma só pena para um caso que não se identifica com o ilícito simples, o sistema confessa que essa massa de ilícito, não sendo indiferenciada, ostenta uma peculiar unidade.
Querendo que, na determinação da pena concreta do concurso, se tenham em conta, conjuntamente, os factos e a personalidade do agente, este modelo admite que a relação dos factos entre si e com a persona­lidade do seu autor cria ou reclama para cada grupo de crimes con­correntes um específico desvalor final - quer de ilícito, quer de culpa. Ou seja: a unidade própria do concurso efectivo de infracções apre­senta-se como uma unidade de relação.
Pode porventura falar-se, neste sentido, de um ilícito-típico pró­prio do concurso verdadeiro de infracções e de uma culpa própria desse concurso também. O ilícito que se torna global - não homogéneo, mas uma espécie de ilícito de ilícitos -, com os contornos fixados pela moldura do concurso, para que a ele se possa referir a censura subjec­tiva a dirigir ao agente. A culpa que se liberta também dos anteriores juízos parciais e é autonomamente avaliada (tal como a perigosidade e as necessidades de prevenção) no interior dessa moldura. Mal se com­preenderia uma culpa desfasada do ilícito que a sustenta”.
Numa linha parcialmente concorde, pelo menos na rejeição de critérios de enunciação matemática alheios a qualquer valoração normativa, se situa José Lobo Moutinho (2). Igualmente merece referência e consideração o apelo que o mesmo Autor efectiva a um juízo de proporcionalidade, cuja matriz constitucional será sempre de reclamar, e que se encontra inscrito nos próprios juízos de proporção entre crimes e penas que encontram a sua expressão nas norma incriminadoras. Como refere “Na determinação da existência ou relevância dessa desproporção, em vez da matematização das proporções nos termos propostos por BOHNERT, deve atender-se a critérios normativos, designadamente, aos próprios juízos de proporção entre crimes e penas que encontram a sua expressão nas normas incriminadoras. Assim, em relação a cada um dos crimes, a integração no concurso será ainda proporcionada, ou não, consoante a punição total ainda se inclua ou já não no tipo de pena que lhe corresponde e, no segundo caso, será mais ou menos desproporcionada consoante a medida em que ela se afastar desse tipo de pena. Isso permitirá ou impedirá (e, neste último caso, em maior ou menor medida) que seja tomado em consideração na pena conjunta o quantum da pena que lhe foi concretamente aplicada (aproximando ou afastando, correlativamente, a fixação da pena única do cúmulo material das penas). -(3).
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Numa síntese do exposto, e para além do que se referiu, permitimo-nos ainda realçar a ideia de que um dos critérios fundamentais em sede deste sentido de ilicitude no sentido global dos factos é o da determinação da intensidade da ofensa, e dimensão do bem jurídico ofendido, sendo certo que, em nosso entender, assume significado profundamente diferente a violação repetida de bens jurídicos ligados á dimensão pessoal, e ao núcleo de bens essenciais, em relação á ofensa de bens patrimoniais como sucedeu no caso vertente. Por outro lado importa determinar os motivos e objectivos do agente no denominador comum dos actos ilícitos praticados e, eventualmente, dos estados de dependência.
Igualmente deve ser expressa a determinação da tendência para a actividade criminosa expresso pelo número de infracções; pela sua perduração no tempo; pela dependência de vida em relação àquela actividade.
Na avaliação da personalidade expressa nos factos é todo um processo de socialização e de inserção, ou de repúdio, pelas normas identificação social e de vivência em comunidade que deve ser ponderado.
Recorrendo á prevenção importa verificar em termos de prevenção geral o significado do conjunto de actos praticados em termos de perturbação da paz e segurança dos cidadãos e, num outro plano, o significado da pena conjunta em termos de ressocialização do delinquente para o que será eixo essencial a consideração dos seus antecedentes criminais e da sua personalidade expressa no conjunto dos factos.
Serão esses factores de medida da pena conjunta que necessariamente deverão ser tomados em atenção na sua determinação sendo então o pressuposto de uma adição ao limite mínimo do quantum necessário para se atingir as finalidades da mesma pena mas tendo, também presente o sentido da proporcionalidade que deve presidir á fixação da pena conjunta tal como enunciado pelo Autor citado. (4).
Se a personalidade do agente é, materialmente, objecto da punição quando se trata de um só deito será elemento comum da punição quando se trate de vários se unificará por isso de tal sorte o respectivo concurso este não poderá, mesmo conceptualmente deixar de apresentar-se como um todo”- Direito Criminal (Colecção Studium-1953),
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III
No caso vertente, a decisão recorrida enuncia especiais necessidades de prevenção geral sem qualquer concretização das razões que levam a tal conclusão.
A gravidade do ilícito global é elevada, afirma a decisão recorrida, em função do número de crimes praticados pelo arguido. Tal orientação, que privilegia um critério quantitativo, em desprimor de um critério qualitativo, ignora a referência á forma como foram violados os bens jurídicos protegidos nas sucessivas infracções e sua relacionação intrínseca, por forma a valorizar o conjunto da actividade criminosa do arguido.
Por outro lado os antecedentes criminais do arguido são valorados de forma sucessiva isto é, quando a decisão recorrida aprecia a personalidade do arguido, e, também, quando equaciona as necessidades de prevenção.
Os antecedentes criminais constituem, não obstante, o único factor objectivo que é indicado em termos de determinação de pena conjunta o que é manifestamente exíguo na determinação de uma pena de dezassete anos de prisão.

Considerando o supra exposto, e tendo somente em atenção o facto de estarmos perante sucessivas violações de bens de natureza patrimonial, sem recurso a qualquer acção desvaliosa sobre a integridade física ou a vida, mas não omitindo o percurso de actuação criminosa do arguido, suscita perplexidade a justeza da decisão recorrida.
Aliás, estamos em crer que é destituído de fundamento a alusão a especiais razões de prevenção geral, positivas ou negativas, perante um burlão que fez desta actividade a sua profissão, mas sem que as quantias alcançadas tenham alcançado um valor elevado. É evidente que subsiste a frequência, manifestamente inusitada, dos actos ilícitos praticados, mas esta frequência, perspectivada unicamente em termos de prevenção especial atribuindo uma especial carga intimidatória carece de fundamento legal
Não se vislumbra na decisão recorrida um concreto sopesar das finalidades das penas, nomeadamente numa perspectiva de prevenção especial a qual não se conforma com uma genérica invocação da prevenção especial que diz tudo e não diz nada Que ressocialização é possível quando pela prática de crimes de burla e falsificação, nos termos e com a dimensão exposta, é aplicada uma pena de treze anos de prisão? Como afirmar aqui o princípio da proporcionalidade da pena?
Assim, e desde logo a decisão recorrida merece desde logo a nossa reserva, nos temos expostos, pois que se apresenta como excessiva.

IV
Aprofundando ainda o exposto, e em sede de violação do principio da proporcionalidade, torna-se fundamental a necessidade de ponderação entre a gravidade do facto e a gravidade da pena. Ao cometer um crime, o agente incorre na sanção do Estado, no exercício do seu direito de punir e esta sanção poderá importar uma limitação de sua liberdade.
Uma das principais ideias presente no princípio da proporcionalidade é justamente, invadir o menos possível a esfera de liberdade do indivíduo isto é invadir na medida do estritamente necessário á finalidade da pena que se aplica porquanto se trata de um direito fundamental que será atingido.

A determinação da concreta medida definitiva da pena tem sempre presente pon­tos de vista preventivos. Dado que o parâmetro da culpa só representa um estádio até á determinação da medida definitiva da pena a sua dimensão final fixa-se de acordo com critérios preventivos dentro dos limites de adequação á culpa.
Também neste contexto a proibição de excesso tem uma importância determinante. Segundo o mesmo importa eleger a forma de intervenção menos gravosa que ofereça perspectivas de êxito e, assim, é possível que a dimensão concreta da pena varie dentro dos limites da culpa segundo a forma como se apresenta a concreta imagem de prevenção do autor. (5)
Como refere Anabela Rodrigues (6) a finalidade de prevenção geral que aqui está em causa é limitada pela referência ao bem jurídico e sua importância. Com o que o conteúdo da prevenção geral que aqui está em causa começa a ganhar contornos: a gravidade do facto cometido deve integrar esse conteúdo, servindo, além do mais, de limite à prevenção.
Adianta a mesma Autora que O que se diz, pois, é que, exactamente do ponto de vista de um controlo racional preventivo da criminalidade que se justifique a partir da necessidade social da intervenção penal jurídico-constitu­cionalmente consagrada (artigo 18.°-2), é possível assinalar à preven­ção geral um conteúdo que a impeça de excessos. Via a exigir que o efeito preventivo, a obter-se (apenas) mediante a confirmação da validade da norma jurídica violada, se realize em consonância com a função de protecção de bens jurídicos que cabe ao direito penal assegurar. Só assim, e ainda na medida em que esta função ape­nas se legitima se e enquanto não há outros meios para possibilitar a convivência pacifica dos homens em sociedade, a realização daquela finalidade de prevenção postulará a sua limitação pelo princípio da proporcionalidade. Princípio que não é mais do que um limite à intervenção penal derivado do fundamento da prevenção geral na necessidade social e que implica, no âmbito da medida da pena, que a sua gravidade seja adequada à gravidade da lesão do bem jurídico ocorrida. O que significa que, com isto, o efeito de preven­ção geral que se quer obter - protecção de bens jurídicos -, radi­cado na necessidade, mediante o limite que constitui a própria refe­rência ao bem jurídico, postula um limite à sua própria realização - a proporcionalidade -, com que nunca correrá o risco de se transformar numa prevenção geral de intimidação.

Na verdade, e atribuindo consistência prática ao exposto, as penas têm de ser proporcionadas á transcendência social- mais que ao dano social - que assume a violação do bem jurídico cuja tutela interessa prever. O critério principal para valorar a proporção da intervenção penal é o da importância do bem jurídico protegido porquanto a sua garantia é o principal fundamento da referida intervenção. (7)
É exactamente essa proporcionalidade em função de ponto de vista preventivo geral e especial, avaliada em função do bem jurídico protegido e violado, que está em causa com a pena aplicada de dezassete anos de prisão sendo certo que, em abstracto, em termos parcelares o crime a que corresponde o limite máximo em termos de moldura penal se situa nos oito anos de prisão.
Entende-se, assim, que a pena aplicada nos presentes autos se apresenta desligada do princípio da proporcionalidade

Nesta conformidade entende-se que o cúmulo jurídico efectuado nos presentes autos não deve ser mantido pelas razões que forma expostas e, consequentemente:
-Decidem os Juízes Conselheiros que integram esta 3ªSecção em julgar procedente o recurso interposto e, em consequência, condenar o arguido AA em sede de cúmulo jurídico relativo ás penas parcelares elencadas na decisão recorrida, na pena conjunta de dez anos de prisão
Sem custas

Lisboa, 11 de Fevereiro de 2009

Santos Cabral (relator)
Oliveira Mendes

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(1) RPDC ano 16 pag 154 e seg.
(2) Da Unidade á Pluralidade de Crimes no Direito penal Português pag 1349
(3)-Por alguma forma pretendendo enunciar um critério normativo com fundamento na expressão matemática na própria dimensão das penas autonomamente aplicadas se situa o Acórdão deste Supremo Tribunal de 12 de Julho de 2005 em que refere que se faz apelo ao comummente seguido critério de fazer acrescer á pena mais grave cerca de ¼ das demais penas parcelares.
(4) Eduardo Correia justificava o peso da valoração da personalidade como resultante directa do compromisso da retribuição com considerações especiais preventivas e, ainda, num puro plano ético jurídico que perspectiva o agente o seu modo de ser concreto. Afirmava o mesmo Mestre que “ Mas sendo assim, quando o agente pratica vários crimes, a sua personalidade não pode na avaliação da pena que lhe cabe, deixar de ser avaliada unitariamente. Não faria sentido tomar em conta o modo de ser do delinquente para graduar a pena por um facto por ele praticado, tornar a considerá-lo para a perpetração um outro crime e depois puni-lo mecanicamente pela adição das duas penas.
Se a personalidade do agente é, materialmente, objecto da punição quando se trata de um só deito será elemento comum da punição quando se trate de vários se unificará por isso de tal sorte o respectivo concurso este não poderá, mesmo conceptualmente deixar de apresentar-se como um todo”- Direito Criminal (Colecção Studium-1953),
(5) É justa aquela medida que se limita estritamente á obtenção da finalidade imprescindível. Como refere Liszt: "A pena necessária, neste sentido, é também a pena justa" .
(6)A determinação da medida da pena privativa de liberdade pag 371
(7) Norbert Barranco “El principio de proprcionalidad” pag 211.