Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
342/16.3IDAVR-AZ.P1-A.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO (CRIMINAL)
Relator: CONCEIÇÃO GOMES
Descritores: REFORMA
ACLARAÇÃO
RETIFICAÇÃO
ADMISSIBILIDADE
INDEFERIMENTO
Data do Acordão: 02/17/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO DE FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA (PENAL)
Decisão: INDEFERIDA A REFORMA
Sumário :
Decisão Texto Integral:

Acordam na 3ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça



1.1. AA notificado do acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 06 de janeiro de 2021, que rejeitou o recurso extraordinário para fixação de jurisprudência por si interposto do acórdão da Relação … de 27/11/2020, proferido no processo nº 342/16.3IDAVR-AZ.P1-A, veio apresentar pedido de “reforma” do mesmo Acórdão, invocando o disposto no art.º 616.º do Código de Processo Civil, ex vi art.º 4.º do Código de Processo Penal, com os seguintes fundamentos:

«Em suma, a decisão de rejeição do recurso em causa baseou-se na consideração de que “relativamente aos pressupostos de ordem substancial, os mesmos não se verificam”, pois “as decisões proferidas no acórdão recorrido e no acórdão fundamento, não partiram de idêntica situação de facto”.

Desta forma, concluiu a decisão que as situações de facto são diferentes pelo que “os acórdãos pretensamente colidentes não se encontram em oposição, inexistindo decisões opostas sobre a mesma questão jurídica”.

Com o devido respeito e que é muito, parece-nos existir um claro erro na análise e qualificação jurídica dos factos, sendo que da análise do texto dos dois acórdãos, fundamento e recorrido, resulta decisão diversa da proferida.

Na realidade, as posições dos recorrentes nos dois acórdãos (recorrido e fundamento) são jurídica e factualmente iguais:

Os recorrentes naqueles acórdãos são funcionários das respectivas entidades patronais que com eles foram acusadas em co-autoria da prática do mesmo crime.

As funções exercidas pelos recorrentes na estrutura das respectivas entidade patronais são as mesmas.

Designadamente, ambos procederam a lançamentos contabilísticos e tratamento e emissão de facturas, agindo no interesse e por conta das respectivas entidades patronais.

Um é funcionário da sociedade emitente das facturas, alegadamente falsas, e o outro é funcionário da sociedade que recebeu essas facturas. Ambos estão em co-autoria, entre eles e com as respectivas entidades patronais, acusados precisamente do mesmo crime no mesmo processo-crime.

Ambos requereram, ao abrigo do art.º 47.º, n.º 1 do RGIT, no mesmo processo, a suspensão do processo-crime até que as impugnações fiscais, quanto aos mesmos factos, apresentadas pelas suas entidades patronais, sejam decididas.

A decisão da primeira instância foi igual para ambos, ou seja, indeferiu a requerida suspensão.

Ambos recorreram desse despacho, sendo que quanto ao aqui recorrente o recurso foi julgado improcedente e quanto ao outro arguido foi julgado procedente.

Ou seja, quanto ao aqui recorrente, acusado em co-autoria pelo mesmo crime, o processo-crime não está suspenso (a decisão recorrida entendeu não aplicar o n.º 1 do art.º 47.º do RGIT), mas já quanto ao outro arguido, recorrente no acórdão fundamento, o processo crime ficou suspenso (no acórdão fundamento entendeu-se aplicar o n.º 1 do art.º 47.º do RGIT).

Sendo certo e inatacável e ao contrário do que é dito na douta decisão, o arguido AA pode, sim, exatamente na mesma medida em que o pode o arguido no âmbito do acórdão fundamento, ser afectado/prejudicado ou beneficiado pela decisão que vier a ser tomada nos processos de impugnação judicial tributária.

A suspensão do processo-crime pode beneficiar ou prejudicar os dois arguidos de igual forma. Não há nada de diferente nas duas posições.

A posição dos dois arguidos é gémea, não pode ser mais igual.

Com o devido respeito e que é muito, se há recurso em que os requisitos para que seja proferido acórdão de uniformização estão preenchidos é este.

As situações não são semelhantes, são iguais!

A situação de facto é precisamente a mesma. Igual mais igual não há!

E a situação jurídica é, também, precisamente a mesma.

Com o devido respeito e que é muito, parece-nos que o erro cometido na decisão, da qual aqui se pede a reforma, se ficou a dever ao facto de a mesma ter sido fortemente influenciada pela resposta da Exma. Senhora Procuradora Geral Adjunta.

Resposta esta que, com o devido respeito, fez uma errada análise aos dois acórdãos, não curando de aferir qual era, na realidade, a situação de facto e jurídica subjacente às duas, limitando-se a uma análise ao dispositivo dos dois acórdãos, chegando, por isso mesmo, a conclusões erradas, o que gerou um “erro de simpatia”.

Com o devido respeito, para curar da identidade de facto e jurídica dos dois acórdãos é necessário aferir em cada um deles as reais situações de facto que lhe estão subjacentes e não nos quedarmos apenas pelo dispositivo dessas decisões.

Parece-nos pois claro que neste caso as situações de facto são iguais e a questão jurídica é precisamente a mesma.

Se há situação em os requisitos de admissibilidade do recurso estão preenchidos é esta.

Apelamos, pois, a Vªs Excªs no sentido de colocarem cobro a esta situação, a qual gera uma manifesta injustiça.

Em conclusão, todos os pressupostos de admissibilidade do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência – quer os de natureza formal, quer os de natureza substancial – se encontram verificados.

Nestes termos, deve o presente pedido de Reforma do acórdão para Fixação de Jurisprudência ser atendido e, em consequência, ser admitido o Recurso, prosseguindo os seus ulteriores termos e, a final, ser dirimida a oposição de julgados com a competente fixação de jurisprudência no sentido propugnado.

Dada vista à Exmª Procuradora-Geral Adjunta, ofereceu Resposta no sentido de que o pedido de reforma não tem cabimento legal, devendo ser indeferida, nos seguintes termos:

«Entende-se que o presente pedido de reforma do acórdão formulado pelo recorrente AA não tem cabimento legal.

Com efeito, após análise do conteúdo do pedido de reforma do acórdão, é patente que este extravasa, claramente, a finalidade adjectiva atribuída às partes, no art. 616º do Cod. Proc. Civil, aplicável, ex vi, art. art. 4º do Cod. Proc. Penal, uma vez que o pedido de reforma formulado pelo recorrente AA nada tem a ver com os precisos termos consignados na lei para proceder à reforma da sentença, dada a inexistência de qualquer lapso manifesto, seja por ocorrência de erro na determinação da norma aplicável e/ou na qualificação jurídica dos factos, seja pela existência no processo de documentos e/ou outro meio de prova plena que pudesse implicar uma decisão diversa daquela que foi proferida.

Ora, analisado o acórdão proferido nestes autos, verifica-se que este Supremo Tribunal, explicitou de forma clara e inteligível, os fundamentos de direito que determinaram a decisão proferida, tendo em atenção o objeto do recurso do recorrente AA, definido pelas conclusões da respetiva motivação, não existindo nada para reformar.

No fundo, o que o recorrente AA pretende com o requerimento de reforma é que este Supremo Tribunal se pronuncie de novo sobre a matéria constante do acórdão, o que extravasa claramente a finalidade adjectiva atribuída às partes no invocado art. 616º do Cod. Proc. Civil, aplicável, ex vi, art. art. 4º do Cod. Proc. Penal.

Na verdade, o recorrente AA viu rejeitado o recurso extraordinário de fixação de jurisprudência que interpôs, reafirmando agora, no essencial, os fundamentos do pedido formulado naquele recurso, e requerendo que seja admitido o recurso, prosseguindo os seus ulteriores termos e, a final, que seja dirimida a oposição de julgados com a competente fixação de jurisprudência no sentido propugnado.

Contudo, em face do decidido no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 06/01/2021, que negou o recurso de fixação de jurisprudência, encontra-se esgotado o poder jurisdicional deste Tribunal, não podendo por isso retomar-se a discussão sobre o objecto do recurso.

C - CONCLUSÕES

1. O pedido de reforma do acórdão extravasa claramente a finalidade adjectiva atribuída às partes, e enunciada no art. 616º do Cod. Proc. Civil, aplicável ex vi art. art. 4º do Cod. Proc. Penal, pelo que deve ser indeferido.

2. Dispensados os vistos, cumpre decidir.

O art. 616º, do CPC, consagra o seguinte:

«Reforma da sentença

1 - A parte pode requerer, no tribunal que proferiu a sentença, a sua reforma quanto a custas e multa, sem prejuízo do disposto no n.º 3.

2 - Não cabendo recurso da decisão, é ainda lícito a qualquer das partes requerer a reforma da sentença quando, por manifesto lapso do juiz:

a) Tenha ocorrido erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos;

b) Constem do processo documentos ou outro meio de prova plena que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida.

3 - Cabendo recurso da decisão que condene em custas ou multa, o requerimento previsto no n.º 1 é feito na alegação.

Por seu turno o Código de Processo Penal, no art. 380º, nº, 1, alínea b), dispõe o seguinte:

«O Tribunal procede, oficiosamente ou a requerimento, à correção da sentença, quando, a sentença contiver erro, lapso, obscuridade ou ambiguidade cuja eliminação não importe modificação essencial”, dispondo o art. 425º, nº 4, do mesmo diploma que É correspondentemente aplicável aos acórdãos proferidos em recurso o disposto nos arts. 379º e 380º”.

Aplicando o citado normativo ao conteúdo do presente requerimento de reforma do acórdão é patente que o mesmo extravasa, claramente, a finalidade adjetiva atribuída às partes no art. 380º, nº 1, al. b), do CPP, na medida em o requerente alega, nada tem a ver com os precisos termos consignados na lei para reparar os vícios de obscuridade ou ambiguidade de sentença.

Com efeito, analisando o acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça proferido nestes autos em 06 de janeiro de 2021, verifica-se que este Tribunal, explicitou de forma clara e inteligível os fundamentos de facto e de direito que determinaram a rejeição do recurso.

Não se pode aclarar o que é claro, «in claris non fit interpretatio»

No fundo, o requerente, no requerimento de reforma pretende que este Tribunal se pronuncie de novo sobre a matéria constante do acórdão, e que rejeitou o recurso, cujos fundamentos se mostram de forma perfeitamente clara e explícita, consignados no acórdão.

Assim sendo, porque o requerimento de “reforma” do acórdão extravasa, claramente, a finalidade adjetiva atribuída aos sujeitos processuais nos arts. 380º, nº1, al b), e 425º, nº4, do CPP, indefere-se ao requerido pelo arguido.


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3. DECISÃO.

Termos em que, acordam os juízes que compõem a 3ª Secção Criminal do Tribunal da Relação ….., em indeferir a reforma do acórdão proferido em 06JAN21, requerido pelo arguido AA.

Custas pelo requerente fixando-se a taxa de justiça em 3UC.

Processado em computador e revisto pela relatora (art. 94º, nº 2, do CPP).


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Lisboa, 17 de fevereiro de 2021


Maria da Conceição Simão Gomes (relatora)

Nuno Gonçalves