Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
98S307
Nº Convencional: JSTJ00036198
Relator: ALMEIDA DEVEZA
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
HORÁRIO DE TRABALHO
TRABALHO SUPLEMENTAR
RETRIBUIÇÃO
REGULAMENTAÇÃO COLECTIVA
Nº do Documento: SJ199902240003074
Data do Acordão: 02/24/1999
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: BMJ N484 ANO1999 PAG265
Tribunal Recurso: T REL PORTO
Processo no Tribunal Recurso: 471/98
Data: 06/22/1998
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA.
Área Temática: DIR TRAB - CONTRAT INDIV TRAB.
Legislação Nacional: DL 407/71 DE 1971/09/24 ARTIGO 5 N1 ARTIGO 6 N1 N2 G.
DL 421/83 DE 1983/12/02 ARTIGO 2 N1.
D 381/72 DE 1972/09/10 ARTIGO 1 N1 N2.
Sumário : I - Se a execução do trabalho é feita de forma descontínua, cessando e recomeçando decorridos certos lapsos de tempo e predominando as intermitências, o horário de trabalho tem de se considerar acentuadamente intermitente.
II - A norma das alíneas a) e b) do n. 1 do artigo 7 do DL 421/83, de 2 de Dezembro, ao fixar os mínimos das retribuições das horas de trabalho suplementar, é imperativa, não podendo ser alterada por IRC.
Decisão Texto Integral: ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
I - A, com os sinais dos autos, intentou acção com processo ordinário emergente de contrato de trabalho contra B, também com os sinais dos autos, pedindo que a R seja condenada a pagar-lhe a quantia de 4885882 escudos a título de retribuição por "horas extraordinárias" prestadas desde Maio de 1977 a 31/8/996, acrescida de juros mora desde a citação e, ainda, a pagar-lhe "o devido" pelas "horas extraordinárias".
Alega, em resumo, que foi admitida ao serviço da R em Maio de 1977 e que, desde então, vem exercendo as funções de "guarda de passagem de nível", tendo cumprido um horário de 12 horas consecutivas por dia até 27/7/994, passando a trabalhar 9 horas consecutivas por dia, cinco dias por semana, a partir dessa data. Com o alegado, pretende ter direito às horas extraordinárias de trabalho que prestou, para além do horário de 45 horas semanais (até Janeiro de 1992) e de 44 horas semanais, a partir daí.
A R contestou, pedindo a sua absolvição, e alegando, em resumo, que o período normal de trabalho da A sempre foi o que estava estabelecido para as passagens de nível onde prestou serviço, invocando o disposto na Clª 80ª do ACTV aplicável e o disposto no art.6º, nº2 a) do Dec.-Lei 409/71, de 24/9, e nos arts.13º e 14º do Dec.381/72, de 9/10; não tendo a A alegado haver trabalhado para além do período normal de trabalho previsto para a passagem de nível de tipo C, onde prestou serviço, que era de 12 horas diárias, não tem a A direito a horas extraordinárias.
A acção foi julgada improcedente no Saneador e, tendo dele sido interposto recurso, foi tal despacho anulado e mandado seguir os autos com organização de Especificação e Questionário, que, sem reclamação, vieram a ser organizados.
Efectuado o julgamento foi proferida sentença que absolveu a R do pedido.
A A apelou para o Tribunal da Relação do Porto que julgou o recurso improcedente, confirmando a sentença.
II - Mais uma vez inconformada, a A recorreu de Revista para este Supremo tendo concluído as suas alegações da forma seguinte:
1) O trabalho da recorrente não é intermitente, pois que se parte da prestação de trabalho é intermitente outra parte, o manter-se no local de trabalho durante todo o tempo, é ininterrupta e não intermitente;
2) A prestação de trabalho é um todo, não podendo separar-se, "cortar-se" em fatias autonomizáveis, considerando determinada parte intermitente e como tal classificar o trabalho como intermitente;
3) No seu todo o trabalho da recorrente não pode ser classificado de intermitente;
4) Pelo contrato de trabalho celebrado a recorrente obriga-se a prestar o seu trabalho à recorrida, como decorre co art.1º da LCT, sendo a prestação da A o executar tarefas e o estar presente no local de trabalho no horário fixado, não pode ser classificado o trabalho como intermitente, pois que a simples presença faz parte do objecto do contrato;
5) O DL 409/71, art.6º, e o Dec.381/72, bem como as convenções colectivas aplicáveis às relações de trabalho em causa nos presentes autos são inconstitucionais por violarem o princípio da igualdade previsto no art.13º e no art.59º, nº1 d) e nº2 b), pois violam o princípio da igualdade quanto a um horário semanal máximo nacional;
6) O Estado não pode pretender a aplicação para si de uma lei de favor, pois que o art.13º da CRP aplica-se quer a entidades privadas quer públicas;
7) Constitucionalmente cabe ao Estado fixar a nível nacional os limites da duração de trabalho;
8) Todo o trabalho prestado para além das 8 horas diárias e das 48 horas semanais é trabalho extraordinário, sendo inconstitucionais toda e qualquer norma que preveja limites superiores para as guardas das passagens de nível;
9) A partir de Julho de 1994 a recorrente tem direito a que o trabalho extraordinário seja pago de acordo com o fixado nas als.a) e b) do nº1 do art.7º do DL 421/83, de 2/12, pois que não tendo o Governo legislado para aquela situação específica, aquele diploma aplicar-se-á por analogia, sendo ilegal o regime fixado no acordo de empresa por violar o disposto naquele diploma legal, fixando uma remuneração inferior para o trabalho extraordinário.
Termina pedindo que a decisão recorrida revogada e substituída por outra que considere o trabalho da recorrente como não intermitente e a R seja condenada a pagar o trabalho extraordinário prestado pela A. Ou, se assim não se entender, que se declare inconstitucional o art.6º do DL 409/71, o Dec.381/72 e as convenções colectivas que regulam as relações de trabalho em causa quanto à classificação do horário normal de trabalho das guardas das passagens de nível, bem como se condene a recorrida a pagar à recorrente as diferenças devidas pelas horas extraordinárias prestadas depois de Outubro de 1994.
Contra alegou a recorrida que concluiu:
1) Durante a jornada de trabalho, a recorrente apenas fecha as cancelas à aproximação dos combóios, faz sinal de "via livre" aos maquinistas e seguidamente fecha as cancelas;
2) A prestação de trabalho da recorrente processa-se de forma descontínua, ao ritmo do tráfego ferroviário;
3) O tempo que decorre entre as várias circulações ferroviárias pertence à recorrente, podendo, durante esse tempo, fazer o que muito bem lhe apetecer;
4) Por isso, o trabalho da recorrente é acentuadamente intermitente;
5) O horário de trabalho da recorrente é igual ao das suas colegas;
6) Assim como é igual a sua retribuição;
7) Os períodos de descanso da recorrente são distribuídos ao longo da jornada de trabalho, de acordo com as intermitências;
8) Não há, portanto, violação do princípio fundamental da igualdade previsto nos arts.13º e 59º da CRP;
9) A aplicação do DL 421/83 à recorrida está dependente da publicação de uma Portaria onde serão estabelecidas "as necessárias adaptações", Portaria essa ainda não publicada,pelo que o trabalho suplementar é processado com a aplicação dos acréscimos previstos no ACT/75 e AE/81.
Termina, pedindo que se negue a Revista.
III-A - Subidos os autos a este Supremo, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que a Revista deve ser negada.
Tal parecer foi notificado às partes, que nada responderam.
Foram corridos os vistos legais.
Cumpre decidir.
III-B - A matéria de facto que vem dada como provada é a seguinte:
1) A R é uma empresa que explora os caminhos de ferro portugueses;
2) A A foi admitida ao serviço da R em Maio de 1977 para substituir guardas de passagens de nível nos seus descansos semanais, períodos de doença e outras ausências, tendo passado ao quadro dos efectivos em Julho de 1988;
3) Exerceu a A funções de guarda de passagem de nível, inicialmente em Vinhal (linha da Póvoa), posteriormente em V. N. Famalicão e actualmente em Couto Cambezes (Linha do Minho - Ramal de Braga), funções essas que consistem em fazer sinais aos maquinistas e fechar e abrir as cancelas;
4) Ao serviço da R sempre a A tem sido uma trabalhadora competente, assídua, urbana, diligente e zelosa, jamais lhe tendo sido aplicada qualquer sanção disciplinar;
5) Actualmente aufere a A a remuneração base mensal de 71678 escudos;
6) Desde a data de admissão até 24/7/994 cumpriu a A um horário de 12 horas consecutivas por dia, 5 ou 6 dias por semana, passando a trabalhar 9 horas consecutivas por dia, 5 dias por semana, a partir daquela data, havendo semanas em que, porém, trabalhou 6 dias, na mudança de turno, que alternavam entre o das 15 às 24 horas, o das 24 horas às 9 horas e o das 8 às 17 horas;
7) A A sempre prestou trabalho em passagens de nível de tipo C, classificação atribuída em função do movimento da passagem de peões, veículos e circulações ferroviárias e o tempo de presença que aquele impõe;
8) Em Agosto de 1994 a A trabalhou 3 horas extra (primeiras horas), pelas quais a R lhe pagou 1685 escudos;
9) Em Setembro de 1994 fez 3 horas extras de trabalho (sendo uma delas a primeira hora),tendo recebido 1680 escudos;
10) Em Outubro de 1994 recebeu 1368 escudos por 6,5 horas extra (sendo 2,5 primeiras horas);
11) Em Novembro de 1994 recebeu 1860 escudos a título de retribuição pelas 3 horas de trabalho extra que prestara (sendo uma delas a primeira hora);
12) Em Dezembro de 1994 recebeu 4268 escudos a título de 7 horas de trabalho extra (das quais 3 primeiras horas);
13) Em Janeiro de 1995 foram-lhe pagas uma 1ª hora e 2 restantes de trabalho extra, recebendo 1860 escudos;
14) Em Junho de 1995 recebeu 3991 escudos por 2 primeiras horas e 4 restantes de trabalho extra;
15) Em Julho de 1995 recebeu 1996 escudos por 1 primeira hora e 2 restantes de trabalho extra;
16) Em Agosto de 1995 recebeu 7980 escudos por 4 primeiras horas e 8 restantes de trabalho extra;
17) Em Outubro de 1995 recebeu 939 escudos por 1 primeira hora e 0,5 restante de trabalho extra;
18) Em Novembro de 1995 recebeu 1996 escudos por 1 primeira hora e 2 restantes de trabalho extra;
19) Em Dezembro de 1995 recebeu 10562 escudos por 6 primeiras horas e 10 restantes de trabalho extra;
20) Em Janeiro de 1996 recebeu 3991 escudos por 2 primeiras horas e 4 restantes de trabalho extra;
21) Em Fevereiro de 1996 recebeu 1996 escudos de retribuição por trabalho extra;
22) Em Março de 1996 recebeu 4782 escudos por 3 primeiras horas e 4 restantes de trabalho extra;
23) Em Abril de 1996 recebeu 6243 escudos pelo trabalho extra prestado;
24) Em Maio de 1996 recebeu 16673 escudos por 8 primeiras horas e 16 restantes horas de trabalho extra;
25) Em Junho de 1996 recebeu 6253 escudos por 3 primeiras horas e 6 restantes de trabalho extra;
26) Em Julho de 1996 recebeu 6866 escudos por 4 primeiras horas e 6 restantes de trabalho extra;
27) Em Agosto de 1996 recebeu 4169 escudos por 2 primeiras horas e 4 restantes de trabalho extra.
III-C - As questões suscitadas na Revista e a decidir são: se o trabalho da A se deve considerar como intermitente; valor/hora no cálculo da cada hora de trabalho suplementar; inconstitucionalidade do art.6º do Dec.-Lei 409/71, do Dec.381/72 e das normas dos IRC quanto à classificação do horário normal de trabalho das guardas das passagens de nível.
III-C1 - Entende-se por "horário de trabalho" a determinação das horas de início e de termo do período normal de trabalho diário, bem como os intervalos de descanso (art.11º,nº2 do Dec.-Lei 409/71). E o art.5º, nº1 daquele Diploma estabelece que o "período normal de trabalho" não pode ser superior a 8 horas diárias e 44 horas por semana.
Por sua vez, o nº1 do art.2º do Dec.-Lei 421/83, de 2/12, considera como trabalho suplementar todo aquele que é prestado para além do horário de trabalho.
No entanto, aquele mesmo Dec.-Lei 409/71, após fixar os limites máximos dos períodos normais de trabalho, logo veio permitir excepções a esses limites no seu art.6º. E assim, no nº1 deste art.6º se permite que aqueles limites sejam ultrapassados nos casos expressamente previstos por disposição legal, salvo o que dispõe o seu nº2. E neste nº2 permite-se que aqueles falados limites sejam ultrapassados por determinação em decreto regulamentar ou em IRC em relação: a) ao pessoal que preste serviços em actividades sem fins lucrativos ou estreitamente ligados ao interesse público, desde que se mostre absolutamente incompatível a sujeição do seu período de trabalho a esses limites; b) às pessoas cujo trabalho seja acentuadamente intermitente ou de simples presença.
E é aquela alínea b) que agora nos interessa.
E a excepção ao regime do nº1 daquele dispositivo bem se compreende, pois que sendo descontínua a execução da prestação de trabalho, cessando e recomeçando decorridos certos lapsos de tempo e predominando as intermitências, é menor o esforço despendido pelo trabalhador durante a jornada de trabalho, assim se justificando que a concretização diária e semanal da quantidade de trabalho exceda aquele limite máximo imposto pelo nº1 do art.5ºdo Dec.-Lei 409/71. E esta situação de prestação de trabalho é a que se verifica com a actividade da A como guarda de passagem de nível. Na verdade, ela prestava a sua actividade pela forma descrita no ponto de facto 3), com os horários referidos no ponto de facto 6).
Nos IRC aplicáveis as passagens de nível são classificadas em diversos tipos, estabelecendo-se que o período normal da trabalho será estabelecido de acordo com o movimento das passagens quanto a peões, veículos e circulação ferroviária, e de acordo com o tempo de simples presença que desses movimentos resultar. Face a estas normas de classificação, a A prestava serviço numa passagem do tipo C -- ponto de facto 7) -- .É de referir que constitui facto notário que a circulação de comboio, mesmo na Linha do Norte, se faz com consideráveis intervalos de tempo. Assim, as tarefas da A sofrem as correspondentes intermitências, que não podem deixar de ser consideradas predominantes em relação ao tempo de trabalho efectivamente prestado.
Assim, é de qualificar a actividade da A como "acentuadamente intermitente", por forma a subsumir-se à previsão da falada al b) do nº2 do citado art.6º.
E estando na previsão daquela al b) do art.6º, o período normal de trabalho da A não está sujeito aos limites máximos estabelecidos no nº1, podendo ser excedidos, desde que estabelecidos em decreto regulamentar ou IRC, justificando-se esta exigência legal para protecção do trabalhador, pois, não obstante se tratar de matéria negociável, a sua conexão com a integridade psico-física e com a dignidade humana do trabalhador impõe que a Lei intervenha, rodeando-a de certas cautelas; a imperiosa necessidade de subsistência poderia levar o trabalhador a aceitar tempos de actividade susceptíveis de fazerem perigar aqueles valores (cfr. M.Fernandes, em "Direito do Trabalho", I, 6ª ed., págs.282).
Em relação ao serviço público de transportes ferroviários, o regime de duração de trabalho estabelecido pelo Dec.-Lei 409/71 sofreu as adaptações do Dec.381/72, e isto de acordo com o estabelecido no nº2 do art.1º do mesmo diploma. E, segundo o nº1 do art.13º do Dec.381/72 o "período normal de trabalho do pessoal, salvo as excepções e adaptações constantes das convenções colectivas de trabalho, não pode ser superior a 48 (depois 44,e agora 40) horas por semana que, em princípio,devem ser repartidas por seis períodos de oito horas". Como se verifica, consagra-se neste diploma o princípio geral estabelecido no art.5º do Dec.-Lei 409/71, embora com a admissão das excepções e adaptações constantes das convenções colectivas de trabalho.
Deste modo, a jornada de trabalho da A harmoniza-se com o disposto nos IRC aplicáveis, que estabelecem o horário de 12 horas referido no ponto de facto 6), o que está de harmonia com o ressalvado no nº1 do art.13º referido, o que lhe confere eficácia jurídica.
Improcede, nesta parte, a Revista.
III-C2 - Vejamos, alterando a ordem acima referida, a questão das inconstitucionalidades.
Quanto ao art.13º da Constituição.
O nº2 daquele art.13º estabelece que "ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão da ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião ou condição social".
O que com este princípio se pretende é que se dê tratamento igual ao que é igual, proibindo-se tratamentos desiguais a situações iguais (cfr. Ac. T.C. 204/85, de 13/11/985, em BMJ -- suplemento -- nº361, págs.819) .Assim, a situação só existiria se à A fosse dado um tratamento desigual em relação às outras trabalhadoras na mesma situação laboral e sujeitas ao mesmo regime. Ora, a situação das trabalhadoras em outros tipos de passagens de nível não é igual à situação da A. Como também não é igual a situação dos outros trabalhadores, na medida em que a situação que determinou o horário de trabalho da A -- e das suas colegas no mesmo tipo de passagens de nível -- são diferentes.
Assim, não pode proceder esta alegada inconstitucionalidade.
Quanto à al. d) do nº1 do art.59º da Constituição.
Determina aquela alínea que os trabalhadores têm direito "ao repouso e aos lazeres, a um limite máximo da jornada de trabalho, ao descanso semanal e a férias periódicas pagas". Em causa estão só o direito ao repouso e aos lazeres e ao limite máximo da jornada de trabalho.
Em caso absolutamente semelhante já o tribunal Constitucional se pronunciou -- cfr.Ac.nº 2794, de 22/2/995, em D.R., IIª Série, págs.6613 -- .Por se concordar inteiramente com o aí decidido, se transcreve o mesmo na parte que interessa: «O "limite máximo de duração da jornada de trabalho" deve, justamente ser fixado tendo em conta, entre o mais, a intensidade e a penosidade do trabalho que estiver em causa.
Por isso, a possibilidade de os momentos de descanso serem distribuídos por vários períodos ao longo do dia, de acordo, precisamente, com o carácter intermitente do trabalho, não é, em si mesmo susceptível de violar o direito ao repouso.
Saber se os horários de trabalho, tal como, em concreto, foram acordados, salvaguardam ou não um tal direito dos trabalhadores ao descanso e aos lazeres é questão que também aqui não tem de ser decidida, pois ela revela das cláusulas negociadas e não do art.6º, nº2, alínea b), considerado em si mesmo».
E igualmente se poderá dizer que sendo o trabalho da A acentuadamente intermitente e a forma como ela exercia a sua actividade, tal lhe permitia, nos espaços em que não tinha de prestar serviço à R, permanecer na sua residência, aí podendo, descansar e dedicar-se a outras actividades não relacionadas com o seu trabalho para a R.
Assim, não se mostrando que aquele horário violava os direitos consignados naquela al. d), evidente se torna que não se verifica a alegada inconstitucionalidade (cfr., quanto ao trabalho acentuadamente intermitente e quanto às referidas inconstitucionalidades, o Acórdão deste Supremo, de 19/1/994, em C.J. -- Acs. STJ, ano II, tomo I, págs.280).
Quanto à al.b) do nº2 do art.59º da Constituição.
Dispõe ela que compete ao estado "A fixação, a nível nacional, dos limites da duração do trabalho".
Quanto a este ponto haverá que notar o que acima se disse quanto ao horário de trabalho e aos seus limites máximos. Ora, tendo em conta que o trabalho da A, por ser acentuadamente intermitente, está sujeito a um limite superior ao fixado legalmente para o comum dos trabalhadores e que tal limite superior está legalmente coberto pelas normas acima referidas, não se vê razão para a pretendida inconstitucionalidade.
III-C3 - Quanto ao valor/hora das retribuições das "horas extraordinárias".
Dispõe o art.7º nº1, al a) do Dec.-Lei 421/83 que o trabalho suplementar será remunerado com o acréscimo mínimo de 50% da retribuição normal na 1ª hora. Acrescenta a al. B) que esse acréscimo será de 75% da retribuição normal nas horas ou fracções subsequentes.
A cláusula 47ª, no seu nº4 do IRC aplicável, estabelece que aqueles acréscimos serão de 25% para a 1ª hora e de 50% para as horas subsequentes.
Consagrando-se naquele referido art.7º um regime de imperatividade mínima, é evidente que este regime se há-de impor aos IRC -- cfr.art.6º, nº1 b) e c) do Dec.-Lei 519-C1/79, de 29/12 --, determinando o seu acolhimento nos instrumentos futuros e a adaptação dos anteriores para aqueles mínimos.
Assim sendo, aquela Clª 47ª do IRC, que estabelece os acréscimos acima referidos, há-de entender-se alterada para as percentagens referidas nas alíneas atrás referidas do art.7º do Dec.-Lei 421/83.
Assim sendo, o critério para a determinação do valor das horas extraordinárias terá de ser o correspondente à multiplicação da retribuição correspondente a uma hora de trabalho normal pelo factor 1,50 para a 1ª hora, e pelo factor 1,75, para as subsequentes (cfr. Acórdão deste Supremo, de 15/12/998 ,na Revista 51/98).
Assim, e quanto a este ponto merece a Revista ser concedida.
Quanto a este aspecto haverá que ter em conta que o cálculo deverá ser feito, como é evidente, com referência ao valor da hora de trabalho normal, o que implica saber-se qual seria esse valor nos anos a que respeitam as horas extraordinárias.
Ora, da matéria de facto não consta quais as retribuições auferidas pela A, mas tão só a referente ao ano de 1998 -- ponto de facto 5 )--, motivo pelo que o seu cálculo se remete para liquidação em execução de sentença.
IV - Assim, acorda-se em conceder parcialmente a Revista, condenando-se a R a pagar à A as diferenças salariais respeitantes ao trabalho suplementar e referente aos meses constantes dos pontos de facto 8) a 27), a liquidar em execução de sentença,confirmando-se no restante o acórdão recorrido.
Custas na proporção de 1/3 e 2/3 para a A e R, respectivamente.

Lisboa, 24 de Fevereiro de 1999.
Almeida Deveza,
Sousa Lamas,
Diniz Nunes.