Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
06B3918
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SALVADOR DA COSTA
Descritores: QUESTÃO NOVA
NULIDADE DE ACÓRDÃO
CONTRATO DE EMPREITADA
PRESCRIÇÃO PRESUNTIVA
PROVA TESTEMUNHAL
Nº do Documento: SJ200611090039187
Data do Acordão: 11/09/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Sumário : 1. Não é nulo o acórdão da Relação por omissão de pronúncia sobre questões não cognoscíveis oficiosamente se não tiverem sido suscitadas no tribunal recorrido da 1ª instância.
2. Não tendo o recorrente inserido nas conclusões de alegação do recurso de apelação a problemática da ampliação da matéria de facto, excluída daquele recurso, e configura-se como nova se suscitada no âmbito do recurso de revista.
3. Apesar da não referência ao preço, é de qualificar como contrato de empreitada a factualidade reveladora de que uma pessoa, que se dedica à construção civil, efectuou, a pedido de outra, para esta, trabalhos de movimentação e deslocação de terras, com retroescavadora e veículos pesados, de construção de muros, com colocação de pedra, cimento e areia.
4. O funcionamento das prescrições presuntivas de cumprimento depende do decurso do respectivo prazo legal, da inexigência do pagamento durante esse prazo, e da expressa invocação pelo réu desse pagamento e da sua intenção de se aproveitar da prescrição.
5. Limitando-se o réu, na contestação, a invocar o pagamento, negado pelo autor na réplica, objecto de quesito, podia o tribunal ouvir em relação a ele testemunhas oferecidas pelo último para contraprova.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



I
"AA" intentou, no dia 29 de Setembro de 2004, contra BB, acção declarativa de condenação, com processo ordinário, pedindo a sua condenação a pagar-lhe € 19 199,96 e juros de mora à taxa legal vencidos e vincendos, com fundamento na omissão do pagamento do preço da execução de trabalhos de construção civil com emprego de materiais.
A ré, em contestação, afirmou que o autor lhe forneceu os serviços e os materiais de construção de uma casa de campo, mas que lhe pagou a totalidade da dívida, pagamento que ele negou na réplica.
Foi indeferido o pedido da ré de prova pericial, de cujo despacho ela agravou e, no início do julgamento, invocando a prescrição presuntiva do crédito invocado pelo autor requereu a não admissão da prova testemunhal por ele oferecida ao primeiro quesito, de cujo despacho de indeferimento também agravou.
Realizado o julgamento, foi proferida sentença, no dia 20 de Dezembro de 2005, por via da qual a ré foi condenada a pagar ao autor € 19 199,96 e juros de mora à taxa legal desde 12 de Julho de 2000.
Interpôs a ré recurso de apelação, e a Relação, por acórdão proferido no dia 25 de Maio de 2006, negou provimento aos recursos de agravo e de apelação.

Interpôs a apelante recurso de revista, formulando, em síntese, as seguintes conclusões de alegação:
- o acórdão recorrido é nulo por força do disposto no artigo 668º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil por não se ter pronunciado sobre as questões suscitadas nas conclusões 8ª e 9ª;
- não tendo o autor contrariado na réplica o facto alegado na contestação de a casa para que foram realizados os serviços ser para férias e fins de semana, que releva para a decisão da causa - parte final da alínea b) do artigo 317º do Código Civil - deve ser considerado admitido por acordo sem devolução do processo à Relação - artigos 490º, nº 1, 505º, 721º, nº 3, 722º, nº 2 e 730º, nº 1, do Código de Processo Civil;
- o acórdão recorrido errou sobre a forma como deve ser alegada a prescrição presuntiva, porque basta para o efeito a alegação do facto presuntivo pagamento;
- para que existisse contrato de empreitada seria necessário que o recorrido alegasse que se comprometeu a realizar as obras e a fornecer materiais mediante um preço, e o que é alegado são serviços e fornecimento de materiais prestados e pagos tarefa a tarefa;
- não está em causa a construção de uma casa, mas a realização de desaterros, transporte de terras e construção de muros, pelo que o crédito em causa não está excluído da alínea b) do artigo 317º do Código Civil;
- ao não julgar invocada a prescrição e ao considerar não ser aplicável a alínea b) do artigo 317º do Código Civil, exigindo-lhe a prova do pagamento e admitindo a prova testemunhal sobre os montantes por ela pago, o acórdão recorrido violou os artigos 303º, 312º, 317º, alínea d), 350º, nºs 1 e 2, 313º, nºs 1 e 2, 392º, nº 2 e 351º do Código Civil, e 514º, nº 2, 664º e 589º do Código de Processo Civil;
- deve ser revogado, julgada inadmissível a prova testemunhal e a recorrente absolvida do pedido;

Respondeu o recorrido, em síntese, a Relação decidiu correctamente, pelo que deve ser mantido o acórdão, sendo o recurso expediente para retardar o pagamento.

II
É a seguinte a factualidade declarada provada no acórdão recorrido:
1. O autor dedica-se à actividade de construção civil e, no exercício da mesma, efectuou, a pedido da ré, trabalhos de movimentação e deslocação de terras, com uma retro escavadora e veículos pesados, de construção de muros, com colocação de pedra, cimento e areia, numa casa sita no lugar de ..., Bustelo, Penafiel.
2. Os trabalhos mencionados sob 1 ascenderam a € 20 400,61, acrescidos de imposto sobre o valor acrescentado à taxa de 17%, tendo sido iniciados em 1999 e terminado em meados de Junho de 2000.
3. Por conta do montante mencionado sob 2, a ré entregou ao autor a quantia € 3 990,38.
4. O autor enviou à ré uma carta, datada de 12 de Julho 2000, sob registo com a mesma data, na qual lhe solicitou o pagamento imediato da quantia de € 16 410,23, acrescida de imposto sobre o valor acrescentado à taxa de 17%.

III
A questão essencial decidenda é a de saber se o recorrido tem ou não o direito de exigir da recorrente o pagamento de quantia de € 19 199,96 e juros à taxa legal.
Sem prejuízo de a solução de uma prejudicar de outra ou de outras, a resposta à referida questão pressupõe a análise da seguinte problemática:
- esta ou não o acórdão recorrido afectado de nulidade por omissão de pronúncia?
- deve ou não ser ampliada a matéria de facto?
- natureza e efeitos do contrato celebrado entre a recorrente e o recorrido;
- a mera afirmação da recorrente de que pagou o preço implica o funcionamento das regras da prescrição presuntiva?
- o direito de crédito do recorrido está ou não sujeito a prescrição presuntiva?
- síntese da solução para o caso espécie decorrente dos factos provados e da lei.

Vejamos, de per se, cada uma das referidas sub-questões.

1.
Comecemos pela sub-questão de saber se o acórdão recorrido está ou não afectado de nulidade por omissão de pronúncia.
Expressa a lei que o acórdão da Relação é nulo quando deixe de se pronunciar sobre questões de que devia conhecer (artigos 668º, nº 1, alínea d), e 716º, nº 1, do Código de Processo Civil).
O tribunal deve, com efeito, resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (artigo 660º, nº 2, do Código de Processo Civil).
Importa, porém, ter em linha de conta que uma coisa são os argumentos ou as razões de facto e ou de direito e outra, essencialmente diversa, as questões de facto ou de direito.
As questões a que se reporta a alínea d) do nº 1 do artigo 668º do Código de Processo Civil são os pontos de facto e ou de direito relevantes no quadro do litígio, ou seja, os concernentes ao pedido, à causa de pedir e às excepções.
Julgada procedente a nulidade decorrente da omissão de pronúncia pela Relação, impõe-se, em regra, a baixa do processo a fim de aquele Tribunal operar a reforma do acórdão (artigo 731º do Código de Processo Civil).
Invocou a recorrente, a título subsidiário, a nulidade do acórdão por se não ter pronunciado sobre as questões suscitadas nas conclusões oitava e nona, que se reportam ao depoimento de uma testemunha arrolada pelo recorrido.
Na conclusão oitava, expressou ter a testemunha afirmado depois que o serviço prestado à recorrente não foi facturado, senão o prejuízo seria maior - acrescido do imposto sobre o valor acrescentado - de onde resulta que o referido imposto não foi pago pelo autor nem registado na contabilidade deste.
E na conclusão nona expressou que o referido imposto foi incluído na causa de pedir e no pedido, pelo que a ré foi condenada a pagar uma importância que nunca lhe poderia ser exigida.
A primeira das referidas conclusões não se reporta a alguma questão no sentido legalmente previsto, certo que versa sobre o conteúdo de um depoimento de uma testemunha, aliás apreciado pela Relação no âmbito da impugnação da matéria de facto.
E a segunda versa sobre uma questão nova, ou seja a de saber se o recorrido podia ou não exigir da recorrente o valor relativo imposto sobre o valor acrescentado.
Os recursos visam a reapreciação de decisões proferidas pelos tribunais recorridos (artigo 676º, nº 1, do Código de Processo Civil).
Com efeito, o regime dos recursos é o de revisão ou de reponderação, o que significa que tribunal ad quem não pode pronunciar-se sobre matéria não submetida à apreciação do tribunal a quo.
Não podem, por isso, ter por objecto questões que as partes não tenham suscitado à apreciação dos tribunais recorridos nos articulados da causa e que, por isso, não foram por eles apreciadas.
Como a recorrente não suscitou o conhecimento da mencionada questão na contestação, ela não foi objecto do processo, inclusive de decisão no tribunal da 1ª instância.
Trata-se, pois, de uma questão nova, de conhecimento não oficioso, pelo que a Relação dela não tinha que conhecer.
E como dela não tinha que conhecer no recurso de apelação, a Relação não omitiu pronúncia, e, consequentemente, não ocorre o vício de nulidade do acórdão invocada pela recorrente.

2.
Atentemos agora na sub-questão de saber se deve ou não ser ampliada a matéria de facto.
A recorrente reclamou da condensação da matéria de facto a fim de ser dada como assente que a casa aí referida foi por ela mandada construir para fins de semana e férias.
A referida reclamação foi indeferida no tribunal da 1ª instância, sob o fundamento de que na condensação da matéria de facto apenas se atendiam aos factos constitutivos, modificativos, impeditivos ou extintivos da pretensão deduzida e de que ela tinha invocado a excepção peremptória de pagamento para a qual era irrelevante a indagação sobre o destino da casa.
A decisão da referida reclamação é impugnável no recurso interposto da decisão final (artigo 511º, nº 3, do Código de Processo Civil).
Mas não basta que o recorrente se refira a essa matéria no corpo das alegações para o tribunal ad quem sobre ela se pronuncie.
Com efeito, o âmbito do objecto do recurso é determinado em função das conclusões de alegação formuladas pelo recorrente (artigos 684º, nº 3 e 690º, nº 1, do Código de Processo Civil).
A recorrente não inseriu nas conclusões de alegação do recurso de apelação a questão da ampliação da matéria de facto, pelo que a excluiu do âmbito do recurso.
Em consequência, a suscitação da referida questão no recurso de revista para decisão configura-se como questão nova de que, por isso, este Tribunal não pode conhecer.
De qualquer modo, não podia este Tribunal conhecer de tal questão, por se tratar de matéria de facto, naturalmente sem prejuízo do disposto no artigo 729º, nº 3, do Código de Processo Civil (artigos 26º da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais e 729º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).

3.
Vejamos agora a natureza e os efeitos do contrato celebrado entre a recorrente e o recorrido.
No acórdão recorrido foi considerado tratar-se de um contrato de empreitada, e a recorrente entende o contrário, por virtude de o alegado serem serviços e fornecimento de materiais prestados e pagos tarefa a tarefa.
Está assente, por um lado, que, no exercício da sua actividade de construção civil, o recorrido, a pedido da recorrente, realizou para esta, com início em 1999 e termo em meados do mês de Junho de 2000, com uma retro escavadora e veículos pesados trabalhos de movimentação e deslocação de terras e construção de muros de pedra, cimento e areia, numa casa daquela, e, por outro, que os referidos trabalhos ascenderam a € 20 400,61, acrescidos de imposto sobre o valor acrescentado à taxa de 17%.
A lei prescreve ser contrato de empreitada aquele pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra, mediante um preço, a realizar certa obra (artigo 1207º do Código Civil).
Conforme se refere na sentença proferida no tribunal da 1ª instância, trata-se de um contrato sinalagmático, oneroso, comutativo e consensual, porque dele emergem, por um lado, obrigações recíprocas e interdependentes e a obrigação de realizar a obra tem a contrapartida do dever de pagar o preço.
E, por outro, o esforço económico é suportado pelas duas partes e há vantagens correlativas para ambas, essas vantagens são delas conhecidas no momento do ajuste e a validade das concernentes declarações negociais depende do seu mero consenso.
O vocábulo obra tem o significado de resultado material, abrangendo a construção, a reparação, a modificação e mesmo a demolição de uma coisa.
É aplicável à determinação do preço, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 883º do Código Civil (artigo 1211º, nº 1, do Código Civil).
Assim, segundo o referido artigo, por um lado, não estando o preço fixado por entidade pública e as partes o não determinarem nem convencionarem o modo de o determinar, vale como preço contratual o que o empreiteiro normalmente praticar à data da conclusão do contrato.
E, por outro, na falta de preço normalmente praticado pelo empreiteiro à data da conclusão do contrato, releva o do mercado nesse momento e no lugar em que o empreiteiro deva cumprir, ou, na insuficiência dessas regras, o determinado pelo tribunal segundo juízos de equidade.
Assim, a fixação inicial do preço da obra não se revela essencial à caracterização do contrato de empreitada.
O contrato de empreitada recorta-se no género contrato de prestação de serviço, na medida que por via deste último se convenciona a prestação de uma actividade através da utilização do trabalho, remunerada em regra em função do tempo de actividade, e por via do primeiro se convenciona a prestação do resultado do trabalho, remunerada em função dele.
Para a sua qualificação como tal, ao invés do que a recorrente alegou, não obsta a inexistência de factos reveladores da autonomia do recorrido na realização da sua prestação unitária tendente à conclusão da obra nem à forma como ele a devia realizar.
Ora, como o recorrido se vinculou a realizar para a recorrente um resultado material integrador do conceito de obra, mediante remuneração, embora não inicialmente convencionada, a conclusão é no sentido de que ambos celebraram um contrato de empreitada.
Assim, resultaram do referido contrato obrigações sinalagmáticas, para o recorrido a de realizar a obra, e para a recorrente a de pagar o respectivo preço.

4.
Atentemos agora na sub-questão de saber se a mera afirmação da recorrente de que pagou o preço implica o funcionamento das regras da prescrição presuntiva.
A recorrente alegou que a Relação infringiu a lei substantiva e processual ao não julgar invocada a prescrição presuntiva de pagamento que invocara no instrumento de contestação e ao admitir a prova testemunhal sobre aquele facto extintivo.
No instrumento de contestação, no confronto da pretensão contra ela formulada pelo recorrido, a recorrente afirmou ter pago a totalidade da dívida que contraiu para com ele.
Foi considerado no tribunal da 1ª instância que a ora recorrente alegara a excepção peremptória de pagamento, ou seja, o facto extintivo a que se reporta o artigo 487º, nº 2, do Código de Processo Civil, cuja prova, nos termos do artigo 342º, nº 2, do Código Civil, lhe incumbia.
Por isso, a base instrutória inseriu dois quesitos, o primeiro com a questão de saber se a recorrente já entregara ao recorrido totalidade da quantia em causa, e o segundo expressando a questão de saber se ela apenas lhe entregou parte daquela quantia.
Expressa a lei, por um lado, que as prescrições se fundam na presunção de cumprimento (artigo 312º do Código Civil).
E, por outro, que a presunção de cumprimento pelo decurso do prazo só pode ser ilidida por confissão do devedor originário ou do transmissário do crédito (artigo 313º, nº 1, do Código Civil).
E finalmente, que as obrigações sujeitas a prescrição presuntiva estão subordinadas, nos termos gerais, às regras da prescrição ordinária (artigo 315º do Código Civil).
Resulta dos referidos preceitos legais serem as prescrições presuntivas prescrições de curto prazo, que assentam na presunção de cumprimento e que, findo o mesmo, o direito de crédito se não extingue, operando a favor do devedor a mera presunção ilidível de que realizou a sua prestação.
São prescrições que visam obviar às dificuldades de prova do pagamento pelos devedores, motivadas pela circunstância de se tratar de créditos derivados de actividade profissional, por isso, em regra, reclamados em breve prazo pelos credores, em relação aos quais não é costume exigir recibo ou conservá-lo durante muito tempo.
A sua invocação supõe o reconhecimento de que a dívida existiu, e a que o devedor contrapõe, em defesa indirecta ou por excepção, que a mesma se acha extinta pelo pagamento legalmente presumido.
O ónus de impugnação que impendia sobre a recorrente envolvia a clara expressão daquilo por que se opunha à pretensão do recorrido (artigo 490º, nº 1, do Código de Processo Civil).
Acresce que a invocação do pagamento no âmbito da prescrição presuntiva se enquadra na defesa por excepção peremptória (artigo 493º, nºs 1 e 3, do Código Civil).
Devia, por isso, a recorrente, na contestação, invocar expressamente a referida excepção de prescrição presuntiva, sob pena de o efeito por ela pretendido - desoneração da prova do pagamento - se não poder produzir (artigos 303º, 315º e 350º, nº 1, do Código Civil, e 489º, nº 1, do Código de Processo Civil).
Impunha-se-lhe, com efeito, que manifestasse, na contestação, a sua vontade e intenção de se aproveitar do efeito decorrente da lei, ou seja, do disposto no artigo 317º, alínea b), do Código Civil.
A mera invocação pelo devedor do pagamento da dívida em causa não basta para que se considere deduzida relevantemente a excepção peremptória da prescrição presuntiva.
Independentemente de o direito de crédito em causa estar efectivamente sujeito à previsão da alínea b) do artigo 317º do Código Civil, a verificação da referida presunção depende essencialmente do decurso do prazo legal, da inexigência do pagamento durante esse prazo e da invocação, pelo devedor, não só do pagamento como também da prescrição.
Embora fosse à recorrente que incumbia o ónus de prova do facto relativo ao pagamento que invocou, constante do quesito primeiro da base instrutória, podia o recorrido produzir prova, designadamente a testemunhal, no quadro da contraprova (artigos 346º e 392º do Código Civil).
Por isso, ao invés do alegado pela recorrente, ao considerar que ela não invocou a prescrição presuntiva e ao admitir a prova testemunhal sobre o facto afirmado do pagamento, a Relação não infringiu qualquer das normas jurídicas por ela indicadas na alegação do recurso.

5.
Vejamos agora se deve ou não conhecer-se da questão de saber se o direito de crédito do recorrido está ou não sujeito a prescrição presuntiva.
O tribunal deve conhecer de todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (artigos 660º, nº 2, 713º, nº 2 e 726º do Código de Processo Civil).
Julgou-se não ter a recorrente invocado relevantemente a excepção peremptória da prescrição presuntiva em causa, com a consequência da falta de fundamento legal para considerar os efeitos dela decorrentes, incluindo os que ela pretendia ver reconhecidos.
Está, por isso, prejudicada a resolução da questão de saber se o direito de crédito do recorrido está ou não sujeito a prescrição presuntiva, pelo que dela se não conhece.

6.
Atentemos, finalmente, na síntese da solução para o caso espécie decorrente dos factos provados e da lei.
A conclusão oitava não se reporta a uma questão no sentido previsto no artigo 668º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil, certo que versa sobre matéria de prova testemunhal, de que a Relação conheceu e de que este Tribunal não pode conhecer.
A conclusão nona versa sobre uma questão nova, da qual, que por isso, a Relação não podia conhecer.
O acórdão recorrido não está, por isso, afectado de nulidade por omissão de pronúncia.
A recorrente, no recurso de apelação, omitiu a conclusão de alegação relativa à impugnação da decisão proferida no âmbito da reclamação da selecção da matéria de facto.
A sua formulação no recurso de revista veicula uma questão nova, por isso excluída do conhecimento deste Tribunal, que dela também não poderia conhecer por se reportar a matéria de facto.
A recorrente e o recorrido celebraram um contrato de empreitada, previsto no artigo 1207º do Código Civil.
A mera afirmação pela recorrente na contestação da acção de que pagou o preço devido não implica o funcionamento das regras da prescrição presuntiva, o qual depende da manifestação da vontade e da intenção de se aproveitar dos efeitos da própria excepção.
Como a recorrente não invocou a mencionada excepção, não ocorreu a inversão do ónus de prova do facto do pagamento por aquela articulado, objecto da base instrutória, pelo que sobre ele era admissível a prova testemunhal.
A aplicação do direito no caso vertente não exige a ampliação da matéria de facto a que se reporta o artigo 729º, nº 3, do Código de Processo Civil.
O acórdão recorrido não infringiu o disposto nos artigos 303º, 312º, 313º, nºs 1 e 2, 317º, alínea b), 350º, nºs 1 e 2, e 351º, 392º, nº 2, todos do Código Civil, nem o disposto nos artigos 490º, nº 1, 505º, 514º, nº 2, 664º e 589º do Código de Processo Civil.

Improcede, por isso, o recurso.
Vencida, é a recorrente responsável pelo pagamento das custas respectivas (artigo 445º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).


IV
Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso, e condena-se a recorrente no pagamento das custas respectivas.

Lisboa, 9 de Novembro de 2006.
Salvador da Costa
Ferreira de Sousa
Armindo Luís